Introdução
Segundo a divisão administrativa estabelecida em 1950 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE - eram parte da então denominada Região Centro-Oeste, os estados de Mato Grosso e Goiás. Em função disso, este é o universo a ser destacado neste artigo, que enfocará o processo de expansão do ensino secundário nas duas unidades federativas, entre os anos de 1942 e 1961.
O movimento de análise comparativa das similitudes e particularidades presentes no processo de expansão do ensino secundário nesta região do Brasil, no período histórico de 1942 a 1961, parte da relação entre o universal, naquele período, ou seja, a sociedade capitalista, tal como se desenvolvia em um mundo marcado pela guerra. Em outros termos, se por um lado, o conflito bélico mundial significava um entrave aos vários fluxos significativos para o desenvolvimento capitalista - capital, trabalho e mercadorias (CORSI, 2000); por outro, a forma singular como essa tendência do desenvolvimento capitalista se particulariza em cada Estado nacional e em suas várias regiões, permite-nos perceber os embates e contradições, sobretudo quando se considera as posições semelhantes mas simultaneamente específicas, que Goiás e Mato Grosso ocupam no Brasil, no que diz respeito ao ensino secundário.
Desse modo, propõe-se fazer o exercício de uma história educacional comparada atentando para advertência de Groux (1997) de não incidir nas diferenças e semelhanças, tornando os conceitos universais ou afastando os dados selecionados de pesquisa da análise do contexto. Para que se expresse na historiografia parte dessa realidade, articula-se as transformações históricas a partir das ações humanas no espectro singular às determinações múltiplas nos processos históricos em extensões mais amplificadas (SILVA, 2021).
Conforme Silva (2021), a análise comparada delimita-se em escalas de comparação. Para alimentar tais escalas dá-se forma às áreas de comparação. No caso desse estudo, a escala de comparação pode ser compreendida pelas diferenças e semelhanças no processo de expansão do ensino secundário nos estados em que se localizam as cidades; e como áreas de comparação definiu-se: a apresentação das escolas existentes, segundo a dependência administrativa - privada; pública municipal; pública estadual; de reflexões sobre as matrículas no ensino secundário, por estado; e, finalmente, quais regiões foram abrangidas pelo processo de expansão, em Goiás e Mato Grosso, neste momento histórico.
Para tal, o objetivo geral do trabalho é analisar, de forma comparada, as similitudes e as particularidades presentes em Mato Grosso e Goiás1, no que diz respeito ao ensino secundário. Serão consideradas tanto as informações advindas da bibliografia já existente sobre o momento histórico em destaque, considerando a posição ocupada pelo Brasil e pelo ensino secundário entre 1942 e 1961, por um lado; por outro, serão utilizadas as fontes documentais pertinentes à historiografia e história do ensino secundário na região.
Entre as fontes documentais utilizadas, em suporte físico ou meio digital, citam-se no Estado de Goiás acervos diversos, sendo que foram utilizados, em primeiro lugar, a legislação estadual sobre a criação de instituições educativas. Esses dados foram acessados em arquivos físicos, como o Arquivo Público do Estado de Goiás, bem como em acervos digitalizados pela Casa Civil de Goiás, Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional e os acervos do IBGE.
Em relação aos dados que permitem mapear a expansão do ensino secundário em Mato Grosso, é possível classificar o corpus documental em quatro tipos de acervos: 1) Acervos e/ou arquivos mantidos por entidades oficiais; 2) Documentos armazenados nas antigas escolas secundárias em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul; 3) Estudos acadêmicos stricto sensu; 4) Documentos digitalizados, presentes em arquivos públicos, a exemplo do acervo da Assembleia Legislativa de Mato Grosso; biblioteca digital do IBGE, entre outros. Dessa forma, além dos tipos de acervos, são observadas sua localização (se física ou digital) e as iniciativas e/ou entidades que são responsáveis por sua curadoria2.
Finalmente, o artigo compõe-se de três partes. Na primeira delas serão trabalhados e analisados os acervos existentes sobre o ensino secundário em Goiás e Mato Grosso. A questão fundamental desta parte do artigo é mostrar em que medida a natureza, volume, disponibilidade e organização de dados, sejam estatísticos, sejam descritivos, como relatórios, visitas de inspetores escolares, entre outros, impacta a possibilidade de reconstituição e, sobremaneira, a possibilidade de comparação - análise das similitudes e especificidades - dos dois estados considerados.
A segunda parte do trabalho versa sobre a implantação e expansão do ensino secundário em Mato Grosso e Goiás, a partir de um conjunto de descritores, para cuja escolha foi fundamental a determinação das informações existentes, tanto nos documentos em suporte físico, como em meio digital.
Os seguintes descritores serão apresentados: tipologias das escolas existentes, segundo a dependência administrativa: privada, pública municipal, pública estadual e matrículas, por estado; e as regiões atendidas em cada estado.
Finalizando o artigo, mas certamente não concluindo o debate iniciado com o mesmo, serão destacadas as relações entre o desenvolvimento social de cada região, tanto dentro dos estados, quanto entre eles e a expansão do ensino secundário, enfatizando as aproximações entre Goiás e Mato Grosso, por estarem sujeitos a determinações de caráter mais amplo, tais como uma mesma política educacional; e no que se diferenciam em tal processo de expansão, devido aos distintos processos histórico-sociais aos quais estiveram sujeitos, seja em termos regionais, seja em termos locais.
Os acervos existentes sobre o Ensino Secundário nos estados de Mato Grosso e Goiás
Há mais de uma década tem sido construída uma historiografia do ensino secundário goiano e mato-grossense. No caso de Mato Grosso, esta historiografia contempla, entre outros, apontamentos sobre suas porções norte e sul, especificidade identitária que culminou, em 1977, na separação de Mato Grosso uno, originando o estado de Mato Grosso do Sul.
A seguir são apresentados os quatro tipos de acervos documentais utilizados para este estudo.
O primeiro deles, os acervos e arquivos mantidos por entidades oficiais, inclui os dados estatísticos coletados no Anuário Estatístico do Brasil (AEB), produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Conforme o IBGE (2020), os Anuários trazem uma visão geral do Brasil sobre aspectos territoriais, ambientais, demográficos e socioeconômicos, sistematizados por tabelas, gráficos e textos.
Foram selecionados para essa pesquisa, os Anuários publicados entre 1939 e 1961, para Goiás3; e entre 1946 e 19614, para Mato Grosso. Sobre as especificidades dos dados disponíveis, aponta-se a seguir alguns exemplos, que impactaram os dados disponíveis para a pesquisa:
a) No período de 1946 a 1952, os dados sobre o ensino secundário não estão dispostos a partir da divisão em dois ciclos, conforme instituído pelo artigo 2° do Decreto-Lei n° 4.244/1942, a Lei Orgânica do Ensino Secundário (BRASIL, 2022), que organizou o ensino secundário em dois ciclos - o primeiro, com o curso ginasial, de 4 anos; e o segundo, com dois cursos paralelos, ambos com 3 anos, os cursos científico e clássico, de 3 anos.
b) A partir de 1954, os Anuários trazem os dados sobre o ensino secundário divididos pelos dois ciclos, denominados ginásio e colegial, respectivamente e esse, por sua vez, dividido em dois cursos, científico e clássico. Logo, por seis anos, entre 1946 e 1952, o termo ensino secundário designa uma informação única sobre o ensino pós-primário.
c) O Anuário do ano de 1953 (IBGE, 1953), contudo, descontinua a forma como os dados vinham sendo apresentados nos anos anteriores. O Anuário traz apenas dois anos - 1949 e 1952 - com dados sobre o número de unidades escolares. O mesmo acontece no Anuário de 1954 (IBGE, 1954), que apresenta uma sinopse retrospectiva sobre unidades escolares, corpo docente, matrículas e conclusões, que inclui os anos de 1950 e 1951, mas que abrange apenas o país como um todo, sem que apareçam os dados desagregados para estados e capitais.
Além disso, nos anos de 1954 e 1956 (IBGE, 1954; 1955; 1956) as publicações informam dados distribuídos de maneira pulverizada ao longo dos três anos, o que permitiu aferir, contudo, o número de unidades escolares e matrículas, para o estado de Mato Grosso e para o estado de Goiás.
d) Finalmente, o Anuário Estatístico de 1954 apresenta os números dos dois ciclos de maneira separada, para o curso ginasial e colegial (científico e/ou clássico). Também é a partir desse ano que a dependência administrativa - municipal, estadual, federal, enquanto ensino público; e ensino particular - passa a figurar nos Anuários, classificando as unidades escolares e matrículas, com exceção das publicações de 1956 e 1957 (IBGE, 1956; 1957).
Outra particularidade é que pela primeira vez, em 1954, o Anuário traz dados do próprio ano em curso, para unidades escolares e matrículas. A partir desse ano até 1961, com exceção de 1956, os dados disponibilizados passaram a coincidir com o ano de publicação. Da mesma forma, a partir do final dos anos 1950, em 1957 e 1958 (IBGE, 1957; 1958), as informações tornaram-se mais específicas e foram apresentados dados para cada uma das quatro séries de curso ginasial e três séries dos cursos científico e/ou clássico.
Outro material produzido pelo IBGE de onde se pôde coletar dados foi a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros (IBGE, 1958), de onde foram retiradas informações sobre o ensino secundário em Mato Grosso; já no caso de Goiás, também foram utilizadas as informações do periódico Sinopse Estatística do Ensino Secundário (BRASIL, 1951), publicado pelo Serviço de Estatística da Educação e Cultura, do Ministério da Educação e Cultura5. Cabe registrar que há disparidade entre as informações presentes nas sinopses estatísticas e nos anuários no que se refere ao número de estabelecimentos de ensino do estado de Goiás (GIL, 2007)6. Essas divergências levaram ao cruzamento de informações com outras fontes, como o acervo da Casa Civil de Goiás, de forma a manter a maior fidelidade à documentação, não constando dessa análise os dados que possam não ter comprovação na documentação.
Além dos dados estatísticos, foram consultados acervos documentais sobre legislação, periódicos e relatórios do Arquivo Público de Mato Grosso e do Instituto Memória do Poder Legislativo (IMPL), ambos localizados em Cuiabá/MT7. No caso do acervo digital do IMPL, não há informações sobre leis anteriores ao ano de 1947. Ainda no mesmo sítio, foi realizado o mapeamento de municípios do estado8.
Outra modalidade de documentos utilizados foram aqueles armazenados nas antigas escolas secundárias em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. No que concerne a este segundo tipo de acervo, as instituições escolares secundárias foram responsáveis por produzir um robusto conjunto documental, fruto da legislação federal que obrigavam as escolas a cumprirem determinações para o seu funcionamento, envolvendo toda uma escrituração regimental, bem como documentos que eram utilizados em suas atividade-fim e atividade-meio9.
Esses materiais vêm sendo mais intensamente utilizados desde os anos 1990, quando escolas secundárias situadas em Mato Grosso foram objeto de estudos de distintos grupos de pesquisa, em Programas de Pós-Graduação localizadas nos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e São Paulo, entre outros. Nesse sentido, a grande maioria das unidades escolares identificadas neste trabalho já foram objeto de trabalhos de teses, dissertações e publicações em periódicos.
A quantidade expressiva de pesquisas de mestrado e doutorado realizadas sobre escolas secundárias sul-mato-grossenses colocam em evidência a importância de seus acervos. Nota-se que as instituições escolares foram, tanto objeto de investigação como fonte de acervo documental, fato que exige uma realidade específica para o historiador: a manutenção do acervo físico. De acordo com Silva (2018, p. 834), contudo, “a realidade em que se encontravam acervos e arquivos, que mantinham sob guarda a escrituração escolar produzida ao longo de sua existência” eram diferentes. Há instituições que tratam essa documentação como elemento fundamental para a memória e história da escola10, armazenando com cuidado e, por consequência, prolongando a qualidade do estado do acervo. Assim como há outras que vão se desfazendo daqueles papéis, troféus, fotografias, por significarem apenas objetos que ocupam espaço11.
Outros documentos foram coletados em curadorias que disponibilizaram documentos sobre o ensino secundário de Mato Grosso uno. O Center Research Libraries (CRL) é um centro de pesquisa de bibliotecas da Universidade de Chicago e detém fontes documentais brasileiras de 1889 a 1993 como Relatórios ministeriais e Mensagens de Presidentes de províncias e de governadores12. No caso de Goiás, a legislação executiva e legislativa está disponível no acervo histórico da Casa Civil de Goiás, chamado de Legislação Histórica, onde estão mais de 60.000 documentos, desde 1835 até 2022. Em relação ao acervo documental da Casa Civil do Estado de Goiás, foi possível localizar a legislação de criação das instituições mantidas ou autorizadas a serem criadas pelo poder estadual. Muitas dessas instituições tiveram suas leis de criação publicadas e foram instaladas imediatamente ou anos depois e, algumas se tornaram letra morta, não chegando a ser instaladas.
Em se tratando da historiografia da educação secundária em Goiás, há ainda muito a ser pesquisado e escrito. As obras mais conhecidas sobre a educação em Goiás não incluem dados ou análises sobre o ensino secundário, apesar da sua relevância em relação ao panorama geral da educação no estado. Sobre o ensino secundário os trabalhos de dissertação e tese são os mais abrangentes e relevantes. Foram encontrados doze textos sobre esse ensino em Goiás, produzidos nos programas goianos e também em outras regiões. Além deles, há uma gama de trabalhos publicados em eventos sobre Educação e História da Educação, bem como capítulos de livros13, não listados nesse texto.
Como se apresenta o Ensino Secundário em Goiás e Mato Grosso
Como exposto no item anterior, a partir das particularidades existentes nos acervos disponíveis em Goiás e Mato Grosso, e das singularidades de cada estado, neste terceiro item serão apresentados os dados disponíveis sobre as escolas secundárias das duas unidades federativas, a partir de três elementos: 1. A tipologia das escolas existentes, segundo a dependência administrativa (privada; pública municipal; pública estadual); 2. as matrículas, por estado; 3. e as regiões atendidas em cada estado. nicialmente, apresenta-se a tabela 1, para o estado de Goiás.
Os dados expostos apresentam um panorama sobre a expansão do ensino secundário em Goiás: a ampliação da oferta se deu, fundamentalmente, em três momentos: no pós-guerra, com crescimento de 61,1% nas unidades escolares, entre 1941 e 1945; entre 1949 e 1952, com o aumento de 56,7% no número de estabelecimentos; e entre 1960 e 1961, quando foram acrescidas em 41,1% as unidades escolares no estado. Em relação às escolas confessionais, os dados não permitem precisar o ano de sua criação, porém, é possível afirmar que em 1961 já funcionavam 46 escolas secundárias de cunho confessional, em relação às 61 instituições escolares privadas existentes (IBGE, 1961). Em outros termos, 76,7% das escolas privadas eram confessionais, ou dito de outra forma, as instituições confessionais representavam 58,2% do total de 79 escolas secundárias existentes naquele ano. Complementarmente, Canezin e Loureiro (1994) lembram que a expansão não se deu apenas pela criação de novas escolas, mas também pelo maior aproveitamento das já existentes.
ANO | 1941 | 1945 | 1949 | 1952 | 1955 | 1960 | 1961 |
---|---|---|---|---|---|---|---|
ESCOLAS | 11 | 18 | 30 | 47 | 50 | 56 | 79 |
VARIAÇÃO (%) | ----- | + 61,1 | + 60,0 | + 56,7 | +6,4 | +11,2 | +41,1 |
Fontes: IBGE (1941-1945; 1949; 1953; 1954; 1955; 1960; 1961); Organização: Fernanda Barros
Quanto à dependência administrativa das outras unidades escolares goianas, anteriormente identificadas, tinha-se a seguinte configuração, em 1961: 16 instituições escolares estaduais; duas municipais e 16 privadas, todas ofertando o primeiro ciclo do ensino secundário, o curso ginasial. Em relação ao segundo ciclo , isto é, o curso colegial, o quadro era: 8 escolas estaduais; e 4 escolas privadas, todas ofertando o ginasial e o colegial científico, totalizando 12 unidades escolares. É interessante mencionar que apenas uma unidade escolar, da esfera estadual, ofertava o colegial clássico (IBGE, 1961).
Em relação às matrículas, vale ressaltar que as sinopses trazem registro de matrícula em todas as modalidades de escolas pós-primárias, entre os anos de 1952 a 1961, o que nos permite realizar uma comparação entre o crescimento das matrículas no ensino secundário, e nos ensinos industrial, comercial, agrícola e normal.
Ano | Total | Secundário | Industrial | Comercial | Agrícola | Normal |
---|---|---|---|---|---|---|
1952 | 6.675 | 5.323 | 309 | 660 | - | 383 |
1953 | 7.649 | 6.028 | 290 | 871 | - | 460 |
1954 | 8.762 | 6.739 | 263 | 1.063 | - | 697 |
1955 | 9.515 | 7.324 | 250 | 1.206 | - | 735 |
1956 | 10.915 | 8.212 | 224 | 1.411 | - | 1.068 |
1957 | 13.837 | 9.957 | 180 | 2.244 | - | 1.456 |
1958 | 15.520 | 10.856 | 316 | 2.828 | 70 | 1.450 |
1959 | 14.776 | 11.447 | 348 | 1.379 | 40 | 1.562 |
1960 | 19.261 | 13.739 | 360 | 3.340 | 47 | 1.775 |
1961 | 22.439 | 15.710 | 351 | 4.403 | - | 1.975 |
Total | 129.349 | 95.335 | 2.891 | 19.405 | 157 | 11.561 |
Fontes: BRASIL (1957), BRASIL (1958), BRASIL (1959), BRASIL (1961). Organização: Ana Maria Gonçalves.
Desta feita, segundo os dados da tabela 2, fica evidenciado o grande crescimento de matrículas no ensino secundário em Goiás, em comparação com as outras modalidades de ensino pós-primário: de um total de 129.349 matrículas acumuladas entre 1952 e 1961, em todos os cursos pós-primários, 95.335 (73,7%) eram matrículas do ensino secundário. Exatamente num período de crescimento do número de escolas, que passaram de 47 escolas em 1952, para 79 escolas em 1961. Além disso, no mesmo período, a referida etapa passou de 5.323 alunos, em 1952, para 15.710 alunos em 1961. Em outras palavras, triplicou o número de alunos matriculados no ensino secundário.
Por fim, outro elemento a ser considerado é a localização dos municípios atingidos pela expansão do ensino secundário, nesta fase final do período aqui considerado, 1961. Com exceção de Tocantinópolis, a única cidade localizada no extremo Norte de Goiás; Pedro Afonso, Porto Nacional, Tocantínea e Dianópolis, municípios da região central de Goiás, todo o restante das cidades que possuem estabelecimentos de ensino secundário - 40 municípios, ou 88,9% deste conjunto - estão localizadas próximas a Goiânia, sendo que esta última possui 16 do total de estabelecimentos existentes no estado (20,3%) (figura 1).
Em relação ao estado de Mato Grosso, os dados disponíveis também apontam como tendência a expansão do ensino secundário, com o aumento do número de unidades escolares, além da expansão dos municípios atendidos.
Para fins de análise, serão considerados três momentos históricos: o ano de 1942, quando foi promulgada a Lei Orgânica do Ensino Secundário; o ano de 1952, considerando o início da década de maior expansão do ensino secundário, nos marcos temporais estabelecidos para este artigo; e o ano de 1961, quando da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (gráfico 1).
* Exceto para os anos de 1950 e 1951, cujas informações não foram localizadas.
Fontes: IBGE (1946; 1954; 1961). Organização: Silvia Helena Andrade de Brito
Destaque-se que a expansão do ensino secundário, no momento histórico referenciado, se encontra relacionada ao processo de crescimento dos centros urbanos, por um lado; afirme-se, por outro, a centralidade do ensino primário, a etapa obrigatória, logo, gratuita, da escolarização no mesmo período, sobre o qual recaiu grande parte dos esforços estatais na perspectiva de sua expansão, inclusive na zona rural. Os dados estatísticos coletados em outra fonte, o relatório do interventor Júlio Müller, de 1942 (MATO GROSSO, 1942) vão ao encontro dessa perspectiva impressa às políticas educacionais em Mato Grosso: a grande maioria das escolas ali existentes eram primárias, e estavam situadas nas zonas rurais do estado, onde se concentrava a maior parte da população. A título de exemplo, em 1942, havia 243 escolas rurais primárias em Mato Grosso (PAES, 2011), enquanto, no mesmo ano, havia 12 estabelecimentos de ensino secundário (IBGE, 1946), sendo estas últimas todas localizadas em centros urbanos.
Nesse mesmo sentido, segundo a mensagem do governador Fernando Corrêa da Costa (MATO GROSSO, 1951), em 1950 havia 770 unidades escolares de ensino primário e, em 1951, 62,5% desses estabelecimentos se encontravam na zona rural de Mato Grosso (BRITO, 2001). No caso das unidades escolares de ensino secundário, já havia um número maior de estabelecimentos em 1952, se comparado com 1942 (de 12 para 21, crescimento de 75,0%): certamente era um crescimento expressivo, mas ainda distante da expansão do ensino primário.
No terceiro momento referenciado, 1952 a 1961, as unidades escolares de ensino secundário passaram de 21 para 46 escolas, ou seja, acréscimo de 119,0%. No total do período em destaque, entre 1942 e 1961, foram 283,3% a variação, para cima, do número de unidades escolares. O gráfico 1 permite visualizar esse incremento, mostrando, inclusive o maior crescimento no número de unidades escolares entre 1952 e 1961.
Uma outra questão pertinente às unidades escolares é sua dependência administrativa. Infelizmente, não foi encontrada essa informação para Mato Grosso em 1942, somente para 1952 e 1961. Em 1952, do total de 21 unidades escolares, 6 eram públicas (28,6% do total, todas mantidas pelo poder público estadual) e 15 eram privadas (71,4% do total). Já em 1961, 39,1% das 46 unidades escolares eram públicas (16 estaduais, uma federal e uma escola municipal), e 60,1% eram privadas (28 unidades escolares, entre confessionais e não confessionais), somando, no total, 46 estabelecimentos de ensino (IBGE, 1961).
Embora os Anuários Estatísticos do Brasil (AEB) não disponibilizem a informação das mantenedoras destes estabelecimentos de ensino, no caso das escolas privadas, ou seja, se eram confessionais ou laicas, alguns dados demonstram a importância das escolas secundárias confessionais neste universo. Segundo Souza e Silva e Furtado (2021), entre as 12 escolas secundárias existentes em 1942, 8 eram salesianas (66,7% do total), sem se considerar a presença de outras ordens religiosas no estado. Da mesma forma, em 1952, num universo total de 21 escolas, 15 eram privadas (71,4 % do total de escolas existentes, como já mostrado anteriormente) e, entre elas, 12 eram salesianas (80,0% da rede privada de ensino secundário em Mato Grosso). Em 1952, as escolas confessionais eram 28 das 46 escolas existentes (61,0% do total) e, as escolas confessionais salesianas possuíam uma rede de 18 escolas no estado (64,3% das escolas confessionais eram salesianas).
O segundo conjunto de dados a serem examinados serão as matrículas15, por dependência administrativa, das unidades escolares (pública, municipal ou estadual; e privada, considerando os três momentos já referidos: 1942; 1952 e 1961.
* Exceto para os anos de 1950 e 1951, cujas informações não foram localizadas.
Fontes: IBGE (1946-1961). Organização: Silvia Helena Andrade de Brito
Considerados os 2.206 matriculados no ensino secundário em Mato Grosso, em 1942, tem-se 4.725 matrículas em 1952 (acréscimo de 114,2% nessa década); enquanto o crescimento das matrículas entre 1952 e 1961 ficou na casa dos 134,2% (de 4.725 para 11.065 matriculados). Este movimento constante de matrículas no ensino secundário, mormente a partir dos anos 1950, pode ser observado no gráfico 2.
Apenas para o ano de 1961 há informações sobre a dependência administrativa destas matrículas. Segundo os dados do IBGE (1961), entre os 11.065 matriculados em 1961, 34,4% eram provenientes de unidades escolares públicas, a esmagadora maioria estaduais, já que apenas uma escola era municipal (3.806 matrículas). Já as matrículas em escolas privadas somavam 65,6% (7.529 matrículas).
Outro elemento a ser destacado em relação às matrículas é que elas permaneceram relativamente estáveis entre 1942 e 1949, indicando, provavelmente, as dificuldades de se manterem principalmente os custos decorrentes da permanência no ensino secundário, seja no ensino público, mas principalmente no ensino secundário (BRITO, 2001).
Completando as informações já disponíveis, em 1952, das 21 unidades escolares de ensino secundário registradas em Mato Grosso, 18 ofereciam curso ginasial (13 privadas e 5 públicas), enquanto três ofereciam curso colegial (duas privadas e uma pública, esta última, o Liceu Cuiabano, em Cuiabá).
Outro elemento que pode auxiliar na compreensão do movimento de expansão do ensino secundário em Mato Grosso é a localização das escolas, começando esta reflexão pela figura 2.
Legenda: (1) Cuiabá; (2) Corumbá; (3) Campo Grande.
Fontes: OLIVEIRA (2014), BRITO (2001), BRITO; SILVA (2019). Organização: Stella Sanches de Oliveira Silva.
Dessa forma, tomando como referência os anos de 1942, havia 10 escolas de curso ginasial, sendo três estabelecimentos na cidade de Cuiabá, três em Corumbá e quatro em Campo Grande, sendo que, exceto Cuiabá, as outras duas eram cidades situadas no Sul de Mato Grosso. Já na figura 3, as unidades escolares são localizadas no mapa do estado, em 1956.
Legendas: (1) Cáceres; (2) Cuiabá; (3) Alto Araguaia; (4) Corumbá; (5) Aquidauana; (6) Campo Grande; (7) Três Lagoas; (8) Paranaíba; (9) Bela Vista; (10) Dourados
Fontes: BRASIL (1955), IBGE (1958), BRITO (2001). Organização: Stella Sanches de Oliveira Silva
Observa-se, pela figura 3, a disseminação de estabelecimentos de ensino secundário, com o aumento do número de cidades que possuíam unidades escolares de ensino secundário, durante o período compreendido entre 1942 e 1956. Em 1956, já havia 22 escolas (crescimento de 120,0% entre os dois anos). Além disso, em 1956 aparecem quatro estabelecimentos que ofereciam os cursos ginasial e colegial, a saber: o Colégio Estadual de Mato Grosso, em Cuiabá (escola pública); os Colégios Dom Bosco (escola privada) e Colégio Estadual Campo-Grandense (escola pública), em Campo Grande; e o Colégio Maria Leite, em Corumbá.
Uma vez mais, nota-se que a disseminação da escola secundária pelo estado de Mato Grosso ocorre de forma mais acentuada na porção Sul do estado, sendo que nessa região estavam, em 1956, 14 (63,6%) das unidades escolares de ensino secundário, abrangendo sete municípios. Quanto à porção norte do estado, as escolas se distribuíam em três municípios, que somavam oito unidades escolares (36,4% do total de estabelecimentos de ensino secundário em 1956). Ainda quanto à distribuição geográfica, nota-se que, se em 1942, apenas três cidades concentravam as 10 unidades escolares existentes, catorze anos depois, eram sete cidades a mais, perfazendo um total de 10 municípios (acréscimo de 233,3% no número de municípios atendidos).
O cenário constituído pelo processo de expansão do ensino secundário em Mato Grosso se manteve até o marco temporal final desta pesquisa, 1961, crescendo tanto em número de cidades atendidas, quanto em número de estabelecimentos escolares a ofertar o ensino secundário: ocorreu um salto de 22 para 42 escolas (aumento de 90,9%). Além disso, o crescimento dessa etapa escolar, nesse curto período de cinco anos, entre 1956 e 1961, alcançou doze cidades a mais (140,0% de acréscimo), em um total de 24 cidades diferentes em Mato Grosso que tinham pelo menos o 1º ciclo do ensino secundário (curso ginasial). E entre esses 24 municípios, 4 possuíam estabelecimentos que também ofereciam o curso colegial, 2° ciclo do ensino secundário: Campo Grande, com 2 unidades escolares; Corumbá, com uma unidade escolar; Cuiabá, com uma unidade escolar (figura 4).
Legendas: (1) Cáceres; (2) Poconé; (3) Cuiabá; (4) Poxoréu; (5) Rondonópolis; (6) Guiratinga; (7) Alto Araguaia; (8) Rio Verde de Mato Grosso; (9) Corumbá; (10) Ladário; (11) Porto Murtinho; (12) Miranda; (13) Aquidauana; (14) Bela Vista; (15) Jardim; (16) Guia Lopes da Laguna; (17) Maracaju; (18) Ponta Porã; (19) Amambaí; (20) Dourados; (21) Rio Brilhante; (22) Campo Grande; (23) Três Lagoas; (24) Paranaíba.
Fonte: BRASIL (1955; 1957; 1959; 1960); IBGE (1957); INEP (1945; 1949; 1951), BRITO; SILVA (2019).
Organização: Stella Sanches de Oliveira Silva
Enfatize-se ainda que a maior parte desses estabelecimentos eram privados, também em 1961, como já destacado anteriormente. Entre as escolas criadas por instituições privadas, destacam-se as ordens religiosas, como já tratado, e a Campanha Nacional de Educandários Gratuitos (CNEG), que deu início à criação de ginásios em municípios como Bela Vista, Ponta Porã e Porto Murtinho que, posteriormente, passaram a fazer parte da rede estadual de escolas secundárias (ASTOFE, 2017). Em resumo, no estado de Mato Grosso tem-se, até 1942, 10 escolas distribuídas em 3 cidades; em 1956, 22 escolas em 10 cidades; e, em 1961, 42 escolas em 24 cidades.
Particularmente ao final do período analisado, em 1961, ao se pensar o estado e as diferenças entre as porções Norte e Sul, vê-se que as escolas da porção Norte se concentraram em regiões próximas à capital do estado, Cuiabá, espalhando-se em sete municípios; e na porção Sul, havia 15 cidades com o curso ginasial, preenchendo o mapa quase que de forma generalizada na porção Sul de Mato Grosso, de Leste a Oeste, tomando como referência a cidade de Cuiabá.
À guisa de conclusão: aproximações e distanciamentos da expansão do Ensino Secundário em Goiás e Mato Grosso
Já vimos, na primeira parte deste artigo, como as diferenças existentes entre os acervos disponíveis sobre o ensino secundário nos estados de Goiás e Mato Grosso determinaram distintas possibilidades de acesso a informações, elemento crucial para se analisar as aproximações e os distanciamentos entre o ensino secundário ali estabelecido, entre 1942 e 1961. No caso de Mato Grosso, foi bastante reduzido o acesso aos dados do Serviço de Estatística de Educação e Cultura do MEC, tendo sido utilizados com maior frequência os dados dos AEB, do IBGE, bem como os dados da Assembleia Legislativa de Mato Grosso. No caso de Goiás, as informações dos AEB foram cruzadas com os dados do MEC, contando-se ainda com os acervos da Casa Civil do Estado de Goiás, elemento inexistente para Mato Grosso. E, em ambos os casos, foram utilizadas informações coletadas na historiografia produzida sobre as duas unidades federativas.
Enquanto um trabalho de produção historiográfica educacional comparada, o percurso metodológico percorrido permitiu a apropriação da proposta de Ferreira (2009), que tem contribuído no cenário da educação comparada com uma perspectiva crítica. Ferreira (2009) aborda as diferenças e semelhanças nas questões educacionais, mas também expõe limites dos fenômenos educativos, reafirmando a comparação como potente ferramenta de construção de conhecimento da educação em diferentes tempos e espaços.
A partir destes pressupostos, tomando-se a área de comparação número de escolas e sua dependência administrativa, uma tendência geral mostrou-se presente nos dois estados, desde 1942 a 1961, que foi o processo de expansão do ensino secundário, sobretudo entre 1952 e 1961. Além disso, considerando-se o reduzido número de unidades escolares e o fato de a maior parte dos estabelecimentos serem particulares, pode-se afirmar que o ensino secundário era profundamente elitizado, tanto nas instituições públicas, quanto nas instituições privadas, atendendo a um reduzido número de alunos, estando presente apenas numa parte dos municípios de ambos os estados (NUNES, 2000).
Assim, por meio da operação comparativa evidencia-se a similaridade entre os estados no aspecto da elitização da educação secundária, corroborando “a história da educação comparada, como modalidade historiográfica, incursiona[da] pelo exame recíproco de dois ou mais recortes de tempo e espaço de produção e consumo do produto” (SILVA, 2021, p. 58).
Postos em relação os casos de Mato Grosso e Goiás na continuidade de incursão comparativa, atentou-se para regularidades, deslocamentos e transformações com respeito à ampliação dos elementos que confirmaram a expansão da educação secundária. Mas foi a ação de estabelecer uma área de comparação permitindo a “construção de modelos e tipologias, identificação de continuidades e descontinuidades, semelhanças e diferenças” (SILVA, 2021, p. 59) é que permitiu construir as problematizações a seguir.
No caso de Mato Grosso, destacando-se a variável idade para os anos de 1940, temos 66.607 pessoas na faixa etária dos 12 aos 18 anos, e 82.689, na mesma faixa etária, em 1950 (IBGE, 1939-1961). Apesar de não existir a informação sobre o local de residência dessa população, quando confrontada com o número de matrículas existentes na escola secundária nesses anos, temos que, em 1940 (IBGE, 1952) a taxa de escolarização bruta16 para o ensino secundário ficava em 2,8% da população em idade escolar para frequentar o ensino secundário.
Ainda tratando da mesma variável, apenas para o ano de 1960 (IBGE, [1960]) o censo apresentou dados sobre a população por faixa etária e local de moradia. Tomando-se a população entre 12 e 18 anos no contexto urbano, tem-se 60.168 pessoas (41,4% do total da população nesta faixa etária) e 85.019 pessoas na zona rural (58,6% do total da população nesta faixa etária). As matrículas no ensino secundário, no respectivo ano, somavam 9.601. Considerando-se apenas os residentes na área urbana, tinha-se uma taxa de escolarização bruta para o ensino secundário de 16,0%, entre a população de 12 a 18 anos. Sublinhe-se ainda que, dada a dependência administrava das matrículas existentes (54,0% eram pertencentes à rede privada de ensino secundário, confessional e não confessional; enquanto 46,0% pertenciam ao ensino secundário público), os custos da educação secundária, além de outros fatores, poderiam pesar para o seu alcance entre a população mato-grossense, como já afirmado anteriormente.
Em relação ao Estado de Goiás, contudo, destaque-se que foi governado, de 1930 a 1945, por Pedro Ludovico Teixeira, representante das oligarquias dissidentes do Sul e Sudoeste do estado. Ele assumiu o controle da máquina estatal com discurso moralizador e modernizador.
Mesmo tendo sido vencido pela União Democrática Nacional (UDN), na figura de Jerônimo Coimbra Bueno, vitorioso no pleito que ocorreu após 1945, Pedro Ludovico Teixeira candidatou-se novamente pelo Partido Social Democrata (PSD) e venceu, na eleição seguinte, voltando ao comando do estado em 1951.
Já a eleição subsequente foi vencida por seu sobrinho, José Ludovico de Almeida, também do PSD, que governou de 1955 a 1959. Seu sucessor foi José Feliciano Ferreira, ex-secretário da educação do seu governo, que também era do PSD, que foi substituído em 31 de janeiro de 1961 por Mauro Borges Teixeira, filho de Pedro Ludovico Teixeira. Esse quadro sucessório na política local mostra um continuísmo no poder, ou seja, o grupo político do interventor Pedro Ludovico Teixeira esteve no comando do estado entre 1930 e 1945 e, posteriormente, no decênio 1952-1961. Esta continuidade no comando administrativo em Goiás favoreceu a manutenção da diretriz política de Pedro Ludovico Teixeira quanto ao ensino secundário, de favorecimento à sua expansão: no período de maior crescimento, foram criadas 17 escolas, entre 1949 e 1952; e chegaram a 79 escolas no total, em 1961 (variação positiva de 59,5%, entre 1952 e 1961), considerando-se, ainda, que muitas delas eram escolas já existentes, que foram ampliadas. Também se evidenciou o favorecimento às instituições privadas, por meio de subsídios, durante as suas gestões e/ou do grupo com ele comprometido. Assim, em 1961, entre as 79 escolas existentes, 61 eram privadas, representando 77,2% do total de unidades escolares existentes (IBGE, 1961).
Em que pese este crescimento, contudo, 65,8% dos municípios goianos, num total de 179 municípios, não possuía o ensino secundário, em 1961.
Além disso, observa-se que os municípios que receberam o ensino secundário estão localizados ao sul, sendo um dos determinantes para essa localização a presença da Estrada de Ferro Goiás que, ao chegar ao estado, no início do século XX, favoreceu o desenvolvimento econômico, sobretudo facilitando o escoamento da produção agrícola, nos municípios pelos quais se estende (CASTILHO, 2012). Assim, o adensamento populacional nesta região favoreceu a abertura de escolas, que passaram também a ser solicitadas pelas populações desses municípios (GONCALVES; BARROS, 2021).
Outros elementos apresentam-se no caso de Mato Grosso: o estado, em 1944, apresentava 29 municípios (IBGE, 1841-1945), quando somadas as cidades de Mato Grosso e do Território Federal de Ponta Porã17; 35 em 1950 (IBGE, 1952) e 64 em 1960 (IBGE, 1961). Ou seja, um número menor de municípios, se comparado a Goiás. Além disso, grande parte do desenvolvimento econômico e social do estado concentrava-se nos municípios da região Sul do estado, onde se situou a grande maioria dos estabelecimentos de ensino secundário, sobretudo a partir de 1952. Era nesta região do estado que se instalara, em inícios do século XX, a ferrovia Noroeste do Brasil, ligando Mato Grosso a São Paulo, e que transformara Campo Grande na segunda maior cidade de Mato Grosso, atrás em importância política e social apenas da capital do estado, Cuiabá, situada na porção Norte do Estado (BITTAR; FERREIRA JÚNIOR, 1999). Da mesma forma, a outra via de acesso de mercadorias, força de trabalho e capitais a Mato Grosso, ainda que em menor escala desde os anos 1940, era a via fluvial, por meio do Porto de Corumbá, que era utilizado como centro exportador de mercadorias produzidas na bacia do Rio Paraguai, escoadas posteriormente para países latino-americanos, como Paraguai, Bolívia e Argentina, ou para as regiões Sudeste e Sul do Brasil; e importador de mercadorias vindas das mesmas regiões, distribuídas sobretudo para o Norte de Mato Grosso (ALVES, 1984; BRITO, 2001).
Também fora no Sul de Mato Grosso que se situara e ainda estava presente a Empresa Mate Larangeira, cuja produção diminuía e já sofria a concorrência de outros países no período em questão, mas que ainda se apresentava como atividade de peso regionalmente (CENTENO, 2022). Além disso, a região, em cujo epicentro estava a cidade de Dourados se desenvolvia, primeiro impulsionada pela instalação da Colônia Nacional Agrícola de Dourados, em 1943 (OLIVEIRA, 1999) e, nos anos seguintes, vai ganhando cada vez mais destaque na atividade agrícola (QUEIROZ, 1988).
Enquanto isso, a porção Norte de Mato Grosso, até este momento histórico, desenvolvera-se, por um lado, no entorno de Cuiabá, como capital e uma das cidades mais antigas da região, centro político-administrativo mais importante de Mato Grosso. O outro núcleo, que incluía as cidades de Cáceres; Poconé; Rondonópolis; Guiratinga e Alto Araguaia, se estendiam ao Sul, Leste e Oeste de Cuiabá, sendo áreas marcadas pela exploração da pecuária e, em alguns casos, da exploração mineral. Por outro lado, contudo, a área mais significativa, em termos de extensão, ainda se encontrava inexplorada, constituída que era, em grande parte, por florestas e ou cerrado ainda não explorado (FERREIRA 1957; 1958; SÁ; CORREA, 2019). De fato, o centro e o extremo Norte de Mato Grosso, este último parte da chamada Amazônia legal, só viriam a ser efetivamente ocupados a partir das políticas de colonização do governo militar e outros agentes estatais (DENTZ, 2018).
Por fim, enfatiza-se a importância da delimitação do espaço - Mato Grosso e Goiás - como recurso instrumental da prática histórica comparativa para, enfim, deslindar processos educativos quanto à expansão do ensino secundário. Delicado exercício foi feito ao se estudar os estados buscando não se estabelecer uma hierarquização entre eles, atentando-se para o risco de enxergar que um ou outro fosse melhor. Conforme Silva (2019), há que se considerar uma interdependência mútua nas delimitações geográficas que esboça especificidades e tensões entre si, ao mesmo tempo em que respondem à constantes transformações.
Concluindo, pode-se dizer que se houve um movimento que atingiu toda a região Centro-Oeste, denotando a tendência mais geral do desenvolvimento capitalista na região, sobretudo no pós-guerra - quando se acentuou a expansão do ensino secundário - também se apresenta como traço comum aos dois estados a concentração dos estabelecimentos nas cidades de maior expressão econômica, neste momento histórico, representado pela região Sul de Goiás e Sul de Mato Grosso. Dadas as características geográficas e sociais específicas do Norte de Goiás e do Norte de Mato Grosso - a primeira, área de cerrado e intensa ocupação indígena; a segunda, marcada pela presença do polo mais meridional da denominada Amazônia legal, certamente foram elementos que determinaram sua colonização tardia, realizada sobretudo a partir dos anos 1970, com as frentes de ocupação incentivadas pela política de expansão agropecuária dos governos militares.
Enquanto em Goiás, no entanto, estado com 179 municípios, isso representou a presença do ensino secundário em 25,1% do total de cidades existentes naquele momento histórico, ou seja, 45 municípios; em Mato Grosso, cujo número total de municípios chegou a 64, segundo o censo de 1960 (IBGE, 1961), as 24 cidades que possuíam o ensino secundário em 1961 representavam quase 40,0% das cidades existentes no estado (mais precisamente, 37,5%). Frise-se como elemento comum, no entanto, a alta percentagem da população rural presente nas duas unidades da federação, quando se registra que, majoritariamente, es escolas secundárias eram urbanas: 60,0%, no caso de Mato Grosso; e, no caso de Goiás, ainda mais expressiva, chegando a 69,3% da população total.