Introdução
Na caracterização mais comum que se faz da Modernidade, algumas palavras-chave comumente aparecem, tais como, industrialização, urbanização, modernização, estatização, civilização. Palavras que nomeiam processos amplos, com significativas consequências sociais e desdobramentos ao longo do tempo. Todavia, poucas vezes, o termo escolarização é mencionado, o que, felizmente, tem passado a ocorrer, a partir de iniciativas do campo da História da Educação, com incorporação na História e no âmbito das Ciências Humanas.
A percepção da importância dos processos de escolarização e, por desdobramento, da formação de professores na constituição da Modernidade no mundo histórico contemporâneo é uma aquisição valiosa, notadamente, quando percebida em sua necessária imbricação com os processos colocados em ação na indústria (em particular na formação de produtores), no município, no Estado Nacional e na formação da identidade nacional.
É nesta direção que se coloca o presente artigo que objetiva perceber as múltiplas determinações que nortearam os percursos do ensino de História da Educação na formação de professores em Portugal e no Brasil desde o final do Século XIX até o início do Século XXI.
Em termos de antecedentes, cabe mencionar que na França da segunda metade do Século XIX, a preocupação em dar contornos específicos à formação docente, a partir da emergência de uma legislação republicana moderna, levou à constituição de um conjunto de disciplinas que deveriam colaborar para subsidiar em termos científicos a ação educativa no âmbito escolar. Uma destas disciplinas foi a História da Educação que, a partir de Durkheim, daria contribuição fundamental para a compreensão do que tem sido a educação desde o passado até o presente, consistindo no alicerce fundamental para a grande tarefa da Pedagogia que seria a de elaborar propostas de modernização e de garantir a transformação do indivíduo em cidadão no âmbito escolar2. Formar o cidadão republicano, eis a tarefa da escola, o que transparece nos textos de História da Educação como uma espécie de missão civilizatória, em torno da descoberta da chave de compreensão do sistema social e das formas de administrar as relações sociais por meio da transferência condicionada da soberania popular ao Estado, pelo sufrágio universal, mediante limitações oriundas da própria divisão dos poderes e do sistema jurídico de freios e contrapesos, considerado à época como o único melhor sistema3.
Para Antoine Prost, na França, no período que se estende do final do Século XIX até a década de 1970, fica clara uma virada decisiva na História, na qual a família que centralizava as atividades econômicas, educativas e assistenciais, por meio da produção, da instrução e dos cuidados com os doentes e velhos no espaço da própria propriedade familiar ou da casa-oficina, perde estas funções, com a emergência do trabalho assalariado, com a saída da produção do ambiente doméstico, o que levou também a socialização crescente da função educativa e assistencial4. Assim, a origem da disciplina História da Educação possui um componente cívico importante, que se soma a uma virada no âmbito da intensificação de uma vida pública, em especial, profissional, acrescentado ainda pelo processo de cientificação do campo pedagógico, sobretudo, a partir, da emergência de outras ciências no currículo de formação de professores, em especial, Biologia Educacional, Psicologia da Educação e Sociologia da Educação.
Nessa direção, António Nóvoa afirma que a disciplina História da Educação surge em um contexto de crença na educação, em meio a ações diretas de estados nacionais republicanos na direção da estatização do ensino, da institucionalização da formação de professores e da pedagogia científica. O autor aponta que o percurso mundial do ensino de História da Educação foi marcado por quatro movimentos no tempo. O primeiro, no século XIX, assinalou um ensino em que predominava a reflexão filosófica, as ideias de grandes educadores, bem como a glorificação do passado, a marcha para o progresso, por meio do estabelecimento de um conteúdo que deixava verdadeiras lições ao presente e coadunava-se ao objetivo de formação de professores preconizado pelos estados nacionais de então. O segundo movimento, na passagem dos séculos XIX ao XX, no qual se edificavam os sistemas estatais, o conteúdo da disciplina comporta o estudo da gênese das instituições educativas e, sobretudo, a rememoração e legitimação legislativa. O terceiro movimento, em termos mundiais, mas, sobretudo, nas sociedades de referência para o caso, França e Estados Unidos, esteve marcado pela reação à historiografia anterior e desenvolve-se em meados do séc. XX, por meio da intensa crítica dos historiadores e dos sociólogos, conferindo à produção destinada ao ensino uma perspectiva social na História da Educação. Desde o fim do século XX, um quarto momento pode ser observado, no qual houve a diversificação de perspectivas do ensino, a redescoberta das temáticas escolares/atores, bem como a retomada de práticas de história intelectual/cultural e a revalorização de abordagens comparadas5.
A partir deste percurso mundial, neste artigo, buscaremos perceber o percurso do ensino de História da Educação em Portugal e no Brasil, por meio da análise comparada de alguns aspectos que serão expostos, a saber: bibliografia de referência sobre formação de professores e sobre o ensino de História da Educação; os programas de ensino utilizados na formação de professores; os manuais disciplinares de História da Educação em circulação; as memórias docentes e discentes em torno do ensino de História da Educação.
1. O Ensino de História da Educação em Portugal
A História da Educação encontra-se indissociavelmente ligada à formação de professores, desde a sua génese como disciplina na transição do século XIX para o século XX: primeiro no quadro do Curso de Habilitação para o Magistério Secundário, fundado em 1901; depois, no âmbito do ensino normal primário e superior da Primeira República; mais tarde, como parte das Ciências Pedagógicas e do curso do Instituto Nacional de Educação Física; finalmente, nos programas de formação de professores criados nas Universidades e nas Escolas Superiores de Educação, desde o início da década de 706.
Esta síntese apresentada na última década do século XX, podia hoje ser complementada, sobretudo, por quatro outros enfoques: o crescimento da investigação nesta área que nos trouxe importantes projetos coletivos, nacionais e internacionais, garantindo o enriquecimento do quadro teórico, conceitual e temático; a assunção da disciplina no quadro de licenciaturas, mestrados, doutoramentos que permitiram alargar as perspectivas, mas também enriquecer o seu espólio no quadro da sua significação na área das ciências sociais e humanas; a preocupação com a visibilidade da área de História da Educação no seio de encontros, publicações e organizações (associações, sociedades, …) permitindo compreender a abrangência de interessados e de interesses temáticos em zonas nucleares ou de fronteira com outras áreas de investigação; a utilidade da compreensão distendida no tempo do papel da Educação nas dinâmicas internacionais, nacionais, municipais ou locais para um consequente quadro de decisões no tempo presente.
No sentido de apreender aspectos importantes do percurso do ensino de História da Educação em Portugal, abordaremos cinco aspectos que evidentemente estão imbricados, o que inclui: a bibliografia de referência nas temáticas de investigação relacionadas com a formação de professores e com o ensino de História da Educação; os marcos que assinalam mudanças nos percursos da formação de professores e do ensino de História da Educação; as características principais do ensino da disciplina História da Educação ao longo do tempo; os manuais disciplinares utilizados; as experiências e as memórias docentes.
1.1. Bibliografia de referência sobre formação de professores e sobre o ensino de História da Educação em Portugal
Duas obras recentes, permitem-nos ter contato com sistematizações significativas sobre o Ensino de História da Educação em Portugal e as principais linhas de investigação. Refiro-me às duas obras coletivas - A História da Educação em Portugal. Balanço e Perspectivas7 de 2007 e História da Educação. Fundamentos teóricos e metodologias de pesquisa: balanço da investigação portuguesa (2005-2014)8. Concebidas com o objetivo de realizar um ponto de situação do que tem sido o espaço de investigação e ensino da História da Educação, trazem, não apenas os nomes dos principais investigadores que têm escrito, investigado ou orientado teses e dirigido projetos de investigação, como identificam as principais obras e projetos que estão hoje disponíveis para consulta. Aí podem ser observadas duas linhas que suplementam o quadro visível nos finais do século XX:
a) a linha das permanências onde a área de História da Educação cruza obrigatoriamente com o seu significado disciplinar e temático no quadro da formação de professores - criando enfoques em determinados subtemas como por exemplo, a história do curriculo, dos manuais, das disciplinas escolares ou das instituições;
b) o espaço de crescimento, consolidação e diversificação fundamentalmente erigido em torno das teses acadêmicas ou de projetos de investigação que, de forma mais individual ou coletiva, densificam o quadro conceitual e teórico, elegendo fontes primárias ou técnicas e metodologias de investigação que credibilizam a área científica e lançam sementes para a continuidade.
Estas obras, ao partilharem quadros síntese de autores, títulos de teses e projetos, hoje quase todos disponíveis em acesso aberto, evitam o permanente recomeço e garantem a continuidade de interpretações sobre as mesmas fontes, narrativas diferentes que enriquecem a densidade epistemológica, linhas futuras de investigação que podem ser encetadas, seja em um reforço da especificidade nacional seja em uma perspectiva comparativa internacional.
Na obra Escolas de Formação de Professores em Portugal: História, Arquivo e Memória (2012)9 resultante de um projeto coletivo e geograficamente bem representativo, coordenado por Joaquim Pintassilgo, podemos encontrar, não apenas uma abundante bibliografia espalhada pelos dez capítulos do livro, como percebermos as especificidades regionais, tanto no que diz respeito a conteúdos curriculares como ao significado quantitativo no quadro da adesão à profissão. O livro organizado por António Nóvoa em 1991 - Profissão Professor10 - complementa esta perspectiva, em particular com o seu artigo “O Passado e o Presente dos Professores” (p.9 a 32) ou o de Maria Helena Cavaco “Ofício do Professor: o Tempo e a Mudança” (p.155 a 191).
Referências incontornáveis neste processo de sistematização, divulgação e fornecimento de materiais para estudo nesta área, foram as provas de agregação realizadas em Portugal e que tiveram como centro de discussão a História da Educação. Sendo o último momento onde, na carreira acadêmica em Portugal, se prestam provas públicas, tem desde logo significado a escolha desta área, em particular porque ela representa sempre o ponto de chegada de um trajeto científico e acadêmico discutido entre pares. Destacaria três momentos que abarcam o final do período do Estado Novo e o final do século XX e os inícios do século XXI: Francisco Alberto Fortunato Queirós, em 1984; António Manuel Seixas Sampaio da Nóvoa, em 1994; Luís Alberto Marques Alves, em 2007. Por meio destas provas é possível perceber onde se insere a disciplina nos currículos dos cursos onde se encontra. É possível também ver as diferentes perspectivas que os autores tinham da História da Educação, pois, o que se pretende dela está indissociável com os pressupostos que são apresentados. E, naturalmente, nelas abunda a bibliografia de referência nas diversas vertentes equacionadas.
Fortunato Queirós foi o primeiro a fazer as Provas de Agregação para a disciplina de História da Educação em Portugal, em uma altura na qual esta não se encontrava a ser lecionada na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, mas que estava programada como uma disciplina de opção. Face à extensão do objetivo da disciplina, propunha várias opções para o seu desdobramento de modo que esta pudesse ser mais bem tratada. Uma das opções seria a criação da História da Educação I e História da Educação II. Mostra uma preocupação em não descuidar a realidade portuguesa e a História da Educação Portuguesa. Em relação à componente prática é bastante claro e mostra a importância de um tipo de aula em que o aluno para além de analisar textos, se devia focar em temas, permitindo que as aulas não fossem expositivas, mas sim participadas pelos alunos. Referia aulas teóricas, práticas e técnico-práticas. A avaliação passava por um exame final, mas também pela realização de trabalhos.
Em 1994 foi António Nóvoa11 que fez as provas de agregação em História da Educação. Situando-a na licenciatura em Ciências da Educação da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, para ele, a disciplina só tinha sentido articulando-a com mais duas disciplinas - Educação Comparada (2º ano) e Correntes da Pedagogia Contemporânea (3ºano). Assim, esta disciplina era lecionada no 1º ano, centrava-se mais na realidade portuguesa, mais especificamente nas instituições escolares, na evolução do sistema de ensino e nos atores educativos. A Educação Comparada seria uma perspectiva mais histórica e sociológica para entender as grandes transformações a nível internacional em termos da organização dos sistemas de educação, currículos escolares, práticas pedagógicas e o pensamento científico educativo. As Correntes da Pedagogia Contemporânea seria mais uma reflexão sobre as ideias educativas dos séculos XIX e XX através dos principais autores e movimentos pedagógicos e com uma atenção especial entre as tendências nacionais e internacionais. Assim, História da Educação não podia ser vista por si só, mas no conjunto das três. Fato que vem de encontro com as ideias de desdobramento da cadeira de Fortunato Queirós dez anos antes.
Luís Alberto Marques Alves contextualizou a disciplina na licenciatura de História12. Sendo uma disciplina de opção os alunos poderiam frequentá-la no ano que quisessem, mas o aconselhamento seria o 3º ano, após frequência das áreas obrigatórias. Assim, demonstra a preocupação de ser passível de ser frequentada por um aluno de qualquer ano. Destaca que a disciplina devia realçar a educação como objeto de conhecimento assinalando o estatuto epistemológico da História da Educação. Não esquecia o seu papel na formação inicial de professores embora estivesse no contexto da História. Salientava a aposta em romper um relato diacrónico e apresentava uma visão mais sincrónica dos fenómenos educativos, relacionando-a mais com a realidade portuguesa e comparando-a com a internacional.
A realidade na Faculdade de Letras da Universidade do Porto era que após o Curso de Ciências Pedagógicas, a História da Educação tinha estado quase sempre ligada à licenciatura em História e como opção. Ao contrário, em Lisboa, História da Educação esteve sempre ligada à formação de professores em cursos como licenciatura em Ciências da Educação da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa (1992), licenciatura em Dança, licenciatura em Ciências do Desporto, no ramo de Educação Física e Desporto Escolar, na Faculdade Motricidade Humana de Lisboa (2003). Surgia desdobrada em duas disciplinas (História da Educação I e História da Educação II) em 2004 e mais tarde como disciplina de mestrado13.
1.2. Marcos temporais relacionados com a formação de professores e o Ensino de História da Educação em Portugal14
Até o início do século XX não existia, em Portugal, nenhum processo de formação de professores, tanto para o ensino liceal como para o secundário em geral. A formação existente nas Escolas Normais servia apenas para a preparação dos professores primários. Os docentes eram recrutados por meio de concursos de provas públicas, mesmo sem terem qualquer diploma de ensino superior. Em 1901 e 1902 investiu-se no papel formativo do Curso Superior de Letras (em Lisboa) conferindo-lhe um papel na preparação de professores de Geografia, Línguas, Filosofia e História. Os conteúdos passavam pela Pedagogia do Ensino Secundário e História da Pedagogia com um ensaio de iniciação ao exercício na presença de alunos requisitados a um Liceu da capital. Um exame, uma lição e uma dissertação fechavam as necessidades formativas para uma certificação profissional. A Primeira República trouxe as Escolas Normais Superiores, nas Universidades de Lisboa e Coimbra, anexas às Faculdades de Ciências e Letras e, com o fim de promoverem a alta cultura pedagógica e de habilitar para o magistério dos liceus, das escolas normais primárias, das escolas normais superiores e para admissão aos lugares de inspectores de ensino. Entrava-se com o bacharelado das respectivas Faculdades e os cursos tinham a duração de dois anos, funcionando como uma pós-graduação onde o primeiro se destinava à preparação pedagógica e o segundo à iniciação na prática pedagógica. Este processo terminava com um Exame de Estado que incluía dois argumentos, de meia hora cada um; uma lição dada a uma classe ou turma de liceu seguida da respetiva discussão pedagógica e a apresentação de uma dissertação sobre um conteúdo de didática do ensino secundário.
O Estado Novo trouxe, a partir de 1930, dois caminhos diferentes, embora complementares: um teórico, o universitário, onde se adquiria a cultura pedagógica obtida na 3ª secção das Faculdades de Letras das Universidades; um outro prático, designado de prática pedagógica realizada num Liceu Normal ou em escolas de ensaios pedagógicos. Até 1947 teremos apenas os Liceus Normais de Lisboa (Pedro Nunes) e Coimbra (Júlio Henriques, até 1936, e, depois, D. João III, na oportunidade da fusão com o José Falcão) e, a partir de 1957, também o D. Manuel no Porto. A terceira seção incluía as disciplinas de Pedagogia e Didática, História da Educação - organização e administração escolares, Psicologia Geral, Psicologia escolar e medidas mentais e uma semestral - Higiene Escolar. O cume desta formação continuava a passar pelo Exame de Estado que, na sua essência, não sofreu substanciais alterações. Em 1971, as Faculdades de Ciências passaram a integrar a formação profissional na licenciatura. Depois do bacharelado, os alunos optavam pelos dois anos do designado Ramo de Formação Educacional: no primeiro ano a cultura pedagógica era assegurada por dez disciplinas semestrais e no segundo concretizava-se o estágio pedagógico em uma escola ao mesmo tempo que se preparava uma monografia científica sobre assunto da matéria fundamental da licenciatura. Este tipo de formação foi depois alargado a outras licenciaturas em ensino das Universidades do Minho e Aveiro e das Faculdades de Letras (em 1988).
Duas notas complementares: a partir de 1973 começa a exigir-se uma formação adicional em institutos de ciências da educação e, em 1979, aparecem as Escolas Superiores de Educação integradas nos Institutos Politécnicos destinadas à formação de professores para lecionarem os primeiros seis anos de escolaridade. Estas alterações criaram a separação definitiva entre a formação para o ensino básico (1º e 2º ciclos) e o básico (3º ciclo) /secundário (10º a 12º anos). Depois de uma breve experiência entre 1979 e 1985 com uma profissionalização em serviço que implicava dois anos de acompanhamento em contexto escolar (após a licenciatura), criou-se a formação em serviço, com igual duração de dois anos, mas ligada a centros de formação de universidades (CIFOP) e escolas superiores de educação, tentando assim garantir uma componente teórica ligada às Ciências da Educação, a par de uma parte prática acompanhada nas Escolas por supervisores do ensino superior. Em 1988, a formação inicial passou definitivamente para as universidades com as Faculdades de Letras e Ciências a assegurarem a formação pedagógica durante um ano como pós-graduação e a supervisionarem o estágio profissional que ocorria em uma escola, paralelo a um seminário pedagógico universitário, no âmbito do qual produziam trabalhos que articulavam a reflexão teórica e a aplicação prática em sala de aula ou na escola. O Processo de Bolonha que foi adotado pelas Universidades portuguesas em 2007, veio introduzir três alterações substanciais, de repercussões ainda imprevisíveis, face à proximidade temporal: a) a primeira passou por reduzir as licenciaturas a 3 anos e criar mestrados em ensino com a duração de 2 anos e incorporando componentes obrigatórias de Formação Educacional Geral, Didáticas Específicas e Iniciação à Prática Profissional; b) a segunda, juntando no mesmo Mestrado a História e a Geografia com uma redução natural da componente científica específica já que na licenciatura tinha de existir a dupla formação; c) a terceira, mantendo a indefinição sobre as entidades que deviam e podiam realizar formação para o 3º ciclo com duas entidades superiores (universidades e politécnicos) a reivindicarem esse propósito.
Em 2014 houve substanciais alterações, por meio do Decreto-Lei 79, de 14 de maio de 2014, em particular com a separação do Mestrado em Ensino de História do de Ensino da Geografia, e passando a ser um Mestrado mono disciplinar. Esta redução das licenciaturas desde 2007 e depois a separação da Geografia em 2014, permitiu ganhar algum espaço curricular para inscrever a História da Educação, nas opções da licenciatura já que muitos dos estudantes que desejavam seguir os Mestrados em Ensino sentiam necessidade da compreensão das principais alterações educativas ao longo do século XX (sobretudo).
Podemos, pois afirmar, que a formação de professores foi sempre uma área onde a História da Educação ajudava ao sentido de profissionalidade e para permitir a compreensão do seu espaço estrutural no quadro das mudanças de natureza política.
1.3. Programas de ensino da disciplina História da Educação em Portugal
Atualmente, a História da Educação aparece-nos sobretudo inscrita nas Universidades e menos nas Escolas Superiores de Educação, onde para além de existir essa marginalização, surge muitas vezes disfarçada na Análise Sócio Histórica da Educação, na História e Filosofia da Educação ou até na Teoria da Educação ou mesmo Fundamentos da Educação. Evidentemente que a análise dos programas de ensino, têm sobretudo que olhar para os seus conteúdos e bibliografia e menos para a designação da disciplina. Com um enfoque nos conteúdos, é possível descortinar algumas ideias que marcam a matriz dos programas:
a) De um modo geral a distribuição programática segue uma linha marcadamente cronológica, na maioria dos casos a começar na “génese do modelo escolar” nos séculos XVI-XVIII e a terminar, ora no final do século XX na Reforma do ministro Roberto Carneiro (1989)15, ora nos inícios do século XXI com a Reforma de Bolonha de 2007.
b) A sequência dos conteúdos aparece muito próxima das mudanças políticas - pombalismo, liberalismo, republicanismo, Estado Novo e pós 25 de abril de 1974 - não sendo possível identificar as descontinuidades que a Educação apresenta face aos matizes de natureza política. Neste sentido projetos transversais como Roteiros de Inovação Pedagógica16 ajudam a desconstruir as dependências das marcas da política sobre a Educação.
c) Os Programas pós 25 de abril desta unidade curricular, abandonaram os conteúdos anteriores ao século XVI, eventualmente guardados para disciplinas mais de sentido histórico do que educativo. É possível identificar no âmbito da “Cultura e Mentalidades” alguns lampejos informativos sobre Educação, mas sem sentido de continuidade nem de articulação entre as várias disciplinas. Basicamente fica ao critério dos docentes.
d) O internacional surge muito em um quadro comparativo, nas diferentes épocas e nos diferentes temas: tanto podemos encontrar marcas da Reforma Protestante na Educação, como comparações estatísticas sobre o analfabetismo dos diferentes países na passagem do século XIX para o XX. Os autores estrangeiros não são esquecidos e, no século XX, o papel dos organismos internacionais - OCDE, UNESCO... - são referidos com frequência. Um outro aspecto relevante prende-se com a incorporação na bibliografia de atas de vários encontros patrocinados pelos investigadores portugueses de História da Educação como é por exemplo o caso dos Encontros Ibéricos ou dos Congressos Luso Brasileiros.
Estas caraterísticas remetem-nos também para os docentes da disciplina que são, na sua maioria, oriundos da área científica da História ou da Filosofia. Nos últimos tempos tem havido um grande esforço no sentido de romper com as excessivas marcas temporais e pensar a educação a partir de temáticas transversais, reforçando o seu quadro epistemológico e conceitual e libertando-o das conotações marcadamente políticas. Neste esforço convém relevar o trabalho de Justino Magalhães, tanto no trabalho de investigação sobre o Municipalismo17, como as sínteses apresentadas em obras como Da Cadeira ao Banco ou na mais recente Na rota da educação18.
1.4. Manuais da disciplina História da Educação em Portugal
Os manuais são dispositivos de formação, que pretendem levar aos alunos mestres o conhecimento disciplinar de forma organizada e compilando todos os saberes considerados fundamentais para eles poderem vir a ser professores; são instrumentos para promover a consolidação do modelo escolar e, convergentemente, objectos da cultura escolar, fortemente articulados com a produção do currículo.19
Este excerto retirado de uma comunicação de Maria João Mogarro no VI Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação, que teve lugar em Uberlândia/MG, em 2006, sintetiza claramente o grande sentido dos manuais utilizados em disciplinas de História da Educação ou afins, refiro-me, entre outras, a Pedagogia prática, legislação e administração do ensino, Pedagogia, metodologia e legislação relativa às escolas primárias, Pedagogia geral, pedologia e metodologia do ensino primário ou História da Instrução Popular em Portugal20 e remete exatamente para esse trabalho apresentado e para o seu conteúdo. Aí podemos evidenciar aspectos que marcam o espaço da manualística da História da Educação e o sentido das várias publicações surgidas.
Um primeiro destaque passa pela indexação da existência desses manuais escolares à formação de professores, em particular para o ensino primário, a partir da década de 1860, sendo evidente o objetivo de fornecer aos alunos (a partir de 1862) e para as alunas (a partir de 186621) um conjunto de apontamentos organizados, úteis para a sua preparação. Sílvio Pelico Filho, um dos autores de referência, na edição de 1923 do seu livro História da instrução popular em Portugal esclarece este sentido: “A matéria que constitui o presente livro é formada pela série de lições dadas por nós aos alunos da Escola Normal de Coimbra, na cadeira de ‘História da Instrução Popular em Portugal’ de que somos professores”.22
Uma segunda nota passa por referir que a estrutura destes manuais reflete a grande mudança que ocorre em Portugal na área da formação de professores na segunda metade do século XIX, mas também a crença regenerativa da educação em um país em grande mudança, seja pela necessidade de aproximação ao desenvolvimento econômico e social europeu (processos de industrialização e formação de produtores), seja pela consciência do enorme atraso em termos de alfabetização e a vontade de criar uma rede de escolas (discutindo-se aqui a quem caberia essa responsabilidade) que desse corpo a um Homem Novo, diferente e mais consciente da sua intervenção cívica.
Uma outra referência cabe àqueles que abriram o caminho desta experiência manualística em torno das ideias pedagógicas, da legislação ou da evolução da instrução popular em Portugal. Amaral Cirne Júnior (1850-1882) que dirigiu um colégio de referência no Porto, José Maria Graça Afreixo (1842-1919) que apesar de formado em Direito teve funções docentes na Escola Normal de Évora, José Augusto Coelho (1850-1925) professor nas Escolas Normais de Porto e Lisboa, António Leitão (1880-1949) que teve um papel de relevo na Escola Normal de Coimbra ou ainda Alberto Pimentel Filho (1875-1950) que sendo médico foi professor na Escola Normal de Lisboa, podem ser apontados como aqueles que desbravaram o caminho do sentido dos manuais para a lecionação da área de História da Educação23. Esta simples enumeração também ajuda a perceber o ponto de partida diferenciado em termos profissionais daqueles que desempenharam ao longo das suas vidas um significativo papel nesta área científica. Estas referências breves podem ser complementadas por vários estudos que neste momento a comunidade científica já possui de projetos e obras que tiverem esta temática como central24.
Uma nota ainda para o facto de, desde 1858 com a criação do Curso Superior de Letras, existir a oferta de um curso livre de Psicologia e Ciências da Educação, lecionado por Manuel A. Ferreira-Deusdado, que procurava incorporar temáticas idênticas às lecionadas nas Escolas Normais25. Com a institucionalização da formação de professores para este grau de ensino em 1901, houve a oportunidade de no âmbito curricular, criar a disciplina de História da Pedagogia, a mais próxima dos conteúdos da História da Educação enfatizando a vertente das ideias pedagógicas, mantendo-se ao longo da 1ª República.
O período do Estado Novo trouxe uma menor aposta na formação de professores e, sobretudo a partir da década de 1940, uma maior aposta na perspectiva técnica e didática, marginalizando a importância da História da Educação até à década de 1960. Aí, ainda centrada na formação de professores, a disciplina teve oportunidade de ressurgir em duas vias complementares: na formação de professores do ensino secundário (liceal e técnico), sobretudo na formação pedagógica patrocinada pelo ensino universitário (Curso de Ciências Pedagógicas) e nas Escolas do Magistério Primário (sobretudo após a alteração do plano de estudos em 1960).
A partir de 1976-1977 a História da Educação vai sendo reintroduzida nos programas de formação dos professores em geral, perdendo claramente aqui espaço qualquer sentido manualístico ou formatado para a sua lecionação, mas privilegiando conteúdos e metodologias mais despertas para a discussão e comparação.
1.5. Memórias docentes no ensino de História da Educação em Portugal.
De forma significativa, obras e projetos na área de História da Educação têm vindo a incorporar testemunhos orais como fontes a preservar e a incluir nas sínteses científicas desta área. Destacaria dois exemplos que pela sua diversidade ajudam a perceber os enfoques diversos. Foi recentemente encerrado um projeto de investigação que deu origem a vários produtos finais: a) uma obra, organizada por Ana Isabel Madeira, Helena Cabeleira e Justino Magalhães, intitulada, Memórias Resgatadas, identidades (re)construídas: experiências de escolarização, património e dinâmicas educativas locais. Lisboa: Edições Colibri/ Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, 202226; b) um site que procura delinear todo o percurso de investigação e os vários intervenientes, que pode ser acessado em: http://memorias.resgatadas.ie.ulisboa.pt/. c) um conjunto de anexos que nos permite aceder às 81 entrevistas realizadas27, com acesso em: http://memorias.resgatadas.ie.ulisboa.pt/e1-memoria/
Inspirada em um projeto concebido a partir do presente28, a obra traça um caminho objetivo: 1) resgatar o passado sem o congelar; 2) ressuscitar vivências pessoais sobre tempos significativos da vida sem as remeter para um registo individual, mas para uma memória coletiva; 3) dar significado a fontes escondidas ou ignoradas sem o enfoque de simples curiosidade, mas transformando-as em fontes sustentadas do conhecimento; 4) partilhar com a comunidade em geral os resultados que reforçam a identidade local e enriquecem o coletivo académico e científico pela pluralidade de contributos que apresenta29. Este pacote científico do projeto, permite destacar cinco evidências que ficam para além da dimensão das 471 páginas do livro: a) a importância do site construído, não apenas pela sua beleza estética, mas sobretudo pela sua funcionalidade de consulta; b) o quadro epistemológico enriquecido em quatro vertentes fundamentais - a história oral; a história da cultura [(i)material]; a história da educação no seu significado para o presente; a história das identidades individuais e coletivas; c) o significado da história local para o reforço dessas identidades; d) a capacidade de comunicação diversificada e democrática (porque acessível a diferentes públicos) que o projeto foi materializando ao longo do seu percurso e que está muito para além da obra agora editada; e) a colaboração interinstitucional (universidade e politécnico) e internacional para uma maior solidez científica, mas também para mostrar que é possível cooperar independentemente do espaço e da filiação, académica ou científica.
É exatamente em um dos eixos deste projeto/obra/site - o Eixo Memória - que melhor se pode perceber a importância deste tipo de fonte para o estudo da História da Educação. O Eixo Memória “com entrevistas orais semiestruturadas em quatro campos de problemáticas: a) O tempo-espaço da escola; b) O percurso de escolarização; c) As relações entre os modelos de socialização e as aprendizagens escolarizadas; d) os sistemas de transmissão de saberes extraescolares”, como afirmam nas páginas 18 e 19, retrata e materializa esta parte do projeto e, nas suas 615 páginas, permite-nos constatar o rigor metodológico da história oral, a par da riqueza informativa dos testemunhos e a imprescindibilidade da sua incorporação em trabalhos sobre o Tempo Presente na História da Educação.
Um outro exemplo que, tanto pelos protagonistas como pelo momento em que surge, marca a importância das experiências vivenciais diversificadas, é o trabalho de António Teodoro publicado em 2002, com entrevistas a responsáveis políticos no campo educativo30. Como nos afirma (p. 21):
A concretização desta recolha de memórias permitiu o conhecimento de um conjunto de estórias que muito ajudaram a fundamentar a construção de hipóteses centrais para a compreensão das políticas educativas nesta segunda metade do século XX. […] Este imenso e valioso material documental representado por mais de trinta entrevistas e depoimentos de alguns dos mais marcantes protagonistas políticos no campo da educação […] obedece ao propósito de tornar acessível à comunidade educativa e ao conjunto de investigadores neste campo da história contemporânea uma importante fonte documental que pode ser útil para muitos outros projetos que continuem a interrogar as políticas de educação.
Em um e em outro caso destacaria três aspetos essenciais: a) A incorporação da História Oral como “ciência auxiliar” da História da Educação, utilizando metodologias e técnicas de investigação rigorosas para credibilizar o resultado final das investigações que têm a Educação ao longo do tempo como tema central; b) A diversidade dos protagonistas selecionados que tanto podem ser simples utilizadores do sistema educativo, como decisores que, em dada altura, desempenharam um papel central nas mudanças educativas. Em qualquer dos exemplos vamos encontrar docentes que “entram” na História da Educação tanto pela via do utilizador como do agente ou decisor; c) O sentido institucional e científico destas abordagens que têm hoje a preocupação de se tornarem peças de um puzzle heterogéneo e multifacetado, constituído pela comunidade científica das ciências humanas e sociais, garantindo que os vários passos não sejam enclausurados, antes constituam contribuições para a catedral do conhecimento científico.
2. O Ensino de História da Educação no Brasil
Na direção de uma compreensão do percurso do ensino de História da Educação no Brasil, abordaremos cinco temas que apresentam nível elevado de conexão, a saber: referências nos estudos e pesquisas sobre a História da formação de professores e sobre o ensino de História da Educação; percurso do ensino de História da Educação na formação de professores; programas de ensino da disciplina História da Educação na formação de professores; manuais disciplinares em circulação; memórias docentes e discentes.
2.1. Referências nos estudos e pesquisas sobre a História da formação de professores e sobre o ensino de História da Educação no Brasil
No ano 2000, a propósito das comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil pelos portugueses, a Revista Brasileira de Educação (RBE), vinculada a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa e Educação (Anped), publicou um número especial, nomeado 500 Anos de Educação Escolar, que foi organizado por Dermeval Saviani, Luiz Antônio Cunha e Marta Maria Chagas de Carvalho31. Dele constavam sete artigos, com abordagem das temáticas da educação infantil, da escola primária, do ensino secundário, da formação de professores, do ensino industrial-manufatureiro, da escolarização de jovens e adultos e sobre a universidade. Nestes textos, além de uma síntese dos principais acontecimentos e processos históricos que envolveram cada uma das modalidades de ensino, também, constam referências bibliográficas importantes para compreensão das temáticas histórico-educacionais analisadas.
Nesta direção, no que se refere à formação de professores, o artigo de autoria de Leonor Maria Tanuri, nomeado História da formação de professores, busca apresentar uma “síntese da evolução do ensino normal da perspectiva da ação do Estado e da política educacional por ele desenvolvida”32, por meio da abordagem das primeiras iniciativas, da expansão e da consolidação e da descaracterização do modelo. É um texto importante, pois, além de apresentar o percurso histórico acidentado da formação de professores no Brasil, em especial, com a análise das idas e vindas iniciais, demonstra propostas interessantes que não encontraram continuidade e, sobretudo, posiciona-se sobre o presente, nas dificuldades de inovação da formação de professores após a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 199633. É interessante observar também o conjunto de referências acionadas pela autora para redação de seu artigo, que inclui desde estudos e pesquisas pioneiros no campo da História da formação dos professores, até as pesquisas mais recentes34. Por fim, Denice Barbara Catani, no trabalho intitulado Estudos de História da Profissão Docente, publicado em 2000, promoveu um balanço importante dos estudos e pesquisas histórico-educacionais sobre a constituição da profissão docente no Brasil35.
Ao dirigirmos o olhar para os trabalhos que examinaram as instituições educativas dedicadas à formação de professores no Brasil ao longo do tempo, sobre as escolas normais, podemos destacar a obra intitulada As escolas normais no Brasil: do Império à República, publicada em 2008, sob a organização conjunta de José Carlos Souza Araujo, Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas e Antônio de Pádua Carvalho Lopes, que reune 22 capítulos, os quais abordam a emergência e a consolidação de diferentes escolas normais em diferentes estados e cidades brasileiras ao longo do tempo. Obra que demonstra: a existência de um conjunto significativo de pesquisadores dedicados à temática da História da formação de professores em diferentes estados e cidades brasileiras; o levantamento e o tratamento de fontes, por meio do acesso e da criação de documentos para a pesquisa histórico-educacional; a existência de estudos e pesquisas de base que possibilitam análises mais aprofundadas e rigorosas sobre o ensino normal no Brasil36.
No que se refere ao curso de Pedagogia, criado em 1939, inicialmente destinado à formação de professores das escolas normais, que, desde a década de 1960, ampliou suas finalidades, com a inclusão da formação de professores primários, também há trabalhos que permitem examinar seu percurso, entre os quais, podemos destacar: Curso de Pedagogia no Brasil, de Carmem Silvia Bissoli da Silva, publicado em 1999 37; A Pedagogia no Brasil, de Dermeval Saviani, publicado em 2008 38. No primeiro, as preocupações recaem sobre as principais regulamentações do curso de Pedagogia, desde sua criação, em 1939, bem como, sobre a questão da identidade do curso. No segundo, o autor, inicia pela perspectiva histórica, com abordagem das iniciativas e instituições que antecedem à criação do curso de Pedagogia no Brasil e, ao final, procede a análise das proposições em andamento. Em seguida, a análise recai sobre a perspectiva teórica, por meio do tratamento das relações entre Pedagogia e as teorias da educação, os espaços acadêmicos, o impacto nas escolas, a(s) ciência(s) da educação e o campo pedagógico. Finaliza com um glossário pedagógico, no qual elenca o significado de uma série de verbetes relacionados à Pedagogia.
Na perspectiva aberta pela história dos impressos educacionais, que encontrou difusão a partir dos contatos de pesquisadores brasileiros com esta temática investigativa em suas incursões na França39, especificamente, no que se refere à formação de professores, temos a importante tese de doutoramento de Denice Barbara Catani, nomeada Educadores à meia-luz: um estudo sobre a revista de ensino da Associação Beneficente do Professorado Público de São Paulo (1902-1918), defendida em 1989, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo40.
Além disso, ganham visibilidade uma série de estudos e pesquisas sobre instituições dedicadas a formação de professores em diferentes trabalhos, dentre os quais podemos destacar, pela influência obtida, algumas obras. Em 1996, Paolo Nosella e Ester Buffa, tiveram publicado o livro Schola Mater. A Antiga Escola Normal de São Carlos (1911-1933), com o emprego de determinadas categorias de análise, a saber: espaço escolar, docentes, discentes e saberes41. Carlos Monarcha, em 1999, teve publicada a obra Escola Normal da Praça: o lado noturno das luzes, sobre a Escola Normal de São Paulo, com estabelecimento de relações entre a inspetoria geral, a reforma urbana, o positivismo, a República, o clima normalista e o processo de racionalização em curso42. Com a difusão desta temática de pesquisa ao longo do tempo e mediante aportes teóricos e metodológicos de diferentes ordens, foram publicadas diferentes obras, que alcançaram diferentes impactos na produção da área de História da Educação43.
Noutra frente, podemos mencionar estudos e pesquisas que abordam os processos de se tornar professor, ancorado em histórias e trajetórias de vida, tais como, pode ser visto no livro Ser e fazer-se professora no Piauí no século XX: a história de vida de Nevinha Santos, publicado em 2015, com autoria de Jane Bezerra de Sousa44.
Em uma área de transição, dos estudos e pesquisas sobre formação de professores, podemos mencionar os estudos sobre os manuais pedagógicos, com exemplos importantes que podem ser encontrados na dissertação de mestrado e na tese de doutorado defendidos por Vivian Batista da Silva, respectivamente: História de leituras para professores: um estudo da produção e circulação de saberes especializados nos manuais pedagógicos brasileiros (1930-1971), de 2001; Saberes em viagem nos manuais pedagógicos: construções da escola em Portugal e no Brasil (1870-1970), de 200645, nos quais foi promovido um avanço na direção de conhecer os saberes que se esperava fossem disseminados junto nos processos de formação de professores.
Por fim, na tese de doutorado nomeada O percurso institucional da disciplina História da Educação em Minas Gerais e o seu ensino na Escola Normal Oficial de Uberaba (1928 a 1970), defendida em 2012, Rosângela Maria Castro Guimarães, empreendeu uma análise que conjugou a História da formação de professores, em uma Escola Normal, com o exame do pré-curso e do percurso da disciplina História da Educação46. Procedeu a recuperação da História dos cursos normais e do ensino de História da Educação em termos internacionais, nacionais, mineiro e, particularmente, na cidade de Uberaba, com exame, a partir de Chervel47, das finalidades ideais, por meio de extensa bibliografia, legislação, programas e manuais disciplinares, bem como, no exame da realidade pedagógica, por meio da realização de entrevistas de professores e discentes da disciplina ao longo do tempo e de um caderno de aluno encontrado48.
A temática do ensino de História da Educação tem sido abordada desde meados da década de 1980. Nessa direção, o livro Perspectivas Históricas da Educação, de Eliane Marta Teixeira Lopes, publicado em 1986, percorre os caminhos da constituição disciplinar da História da Educação, no âmbito da investigação, mas, também, no exame de aspectos do ensino da disciplina, das razões e das formas de seu estudo49. Mirian Jorge Warde e Marta Maria Chagas de Carvalho, em 2000, tiveram publicado o artigo Política e Cultura na produção da História da Educação no Brasil, no qual também abordaram aspectos importantes do ensino de História da Educação50. Em História da Educação no Brasil: a constituição histórica do campo (1880-1970), publicado em 2003, Diana Gonçalves Vidal e Luciano Mendes Faria Filho promoveram uma análise na qual apontaram as vertentes que presidiram o ensino e a pesquisa em História da Educação, o que incluiu a emanada do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, da Escola Normal e do ambiente acadêmico51. Na esteira deste escritos, mediante complementações, Décio Gatti Jr. teve publicado o capítulo intitulado Percurso histórico e desafios da disciplina História da Educação no Brasil, no qual, além de apontar os principais aspectos da trajetória do ensino da disciplina nos processos de formação de professores, também salientou os desafios postos, sobretudo, diante da contradição entre a proficuidade da produção científica e a diminuição da presença e da carga horária nos currículos dos cursos de formação de professores naquele momento histórico52.
A ampliação do interesse sobre a temática do ensino de História da Educação pode ser confirmado em diversas publicações que integraram pesquisadores brasileiros e estrangeiros, por exemplo, na coletânea publicada em 2009, sob a designação O Ensino de História da Educação em Perspectiva Internacional, organizada por Décio Gatti Jr., Carlos Monarcha e Maria Helena Camara Bastos, que reuniu resultados de investigações e reflexões em torno da temática do ensino da disciplina com autoria de pesquisadores brasileiros, mas, também, da Argentina, Espanha, Estados Unidos e Portugal53. As obras referidas expressam uma pluralidade de entradas temáticas no exame do ensino de História da Educação.
Nessa direção, uma temática relevante está relacionada aos manuais disciplinares de História da Educação, com trabalho pioneiro publicado em 1996 por Clarice Nunes, sob o título Ensino e historiografia da Educação: problematização de uma hipótese54, no qual, a partir de uma pesquisa sobre livros de História da Educação publicados no Brasil, buscou construir hipóteses que permitissem a construção de uma interpretação dos sentidos que elas tomavam e das concepções que elas portavam55.
Quanto aos estudos e pesquisas sobre o ensino de História da Educação pautados no exame do percurso da disciplina no interior de instituições de ensino dedicadas a formação de professores também podemos assinalar que constitui outra frente de investigações, com alguns exemplos, sendo o mais distante no tempo, a dissertação intitulada A História da disciplina História da Educação no Curso de Pedagogia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1946-1976), de Adriana Teixeira Reis, de 1998 56. Desde então muitos outros trabalhos nesta temática foram publicados na forma de dissertações, teses, artigos e capítulos de livros57.
Uma última frente de trabalhos sobre o ensino de História da Educação a destacar poderia ser enquadrada como relacionada as memórias de docentes vinculados ao ensino e à pesquisa em História da Educação, o que inclui entrevistas publicadas em diferentes periódicos da área58, mas, também, algumas obras, tais como, a organizada por Carlos Monarcha, sob o título História da Educação Brasileira: formação do campo, com a primeira edição publicada em 1999 e segunda edição (revista e ampliada) publicada em 2015, que reúne dez depoimentos de pesquisadores da área de História da Educação59; a série História(s) da História da Educação, de 2011, coordenada por Sônia Camara, José Gonçalves Gondra, Adir da Luz Almeida e Jorge Antonio Rangel, que reúne, em quatro DVDs, depoimentos de historiadores da educação de Portugal e do Brasil60; a obra Trajetórias na formação do campo da História da Educação brasileira, publicada em 2013, que foi organizado por Décio Gatti Jr. e Carlos Monarcha, na qual estão reunidos nove depoimentos de pesquisadores brasileiros da área de História da Educação61.
2.2. Percurso do ensino de História da Educação na formação de professores no Brasil62
Na primeira metade do século XIX houve ensaios na direção da implantação da Escola Normal no Brasil, sendo frequente a criação e a extinção de escolas, o que perdurou até 1870, quando houve maior estabilidade, o que se estendeu até 1971. A primeira escola normal foi criada em 1835, na província do Rio de Janeiro, tendo suas atividades encerradas já em 1849.
Na antevéspera da República houve um movimento na direção da valorização da Escola Normal proveniente da crença na educação, o que foi acompanhado da feminização do magistério nacional. Em 1879, com a Reforma Leôncio de Carvalho, o currículo da escola normal torna-se mais complexo, mas, apesar de incluir as disciplinas História Universal e História e Geografia do Brasil, ainda não trouxe a História da Educação como componente curricular. Mais à frente, consta que o “Dr. Carlos Maximiano Pimenta de Laet, em parecer sobre as escolas normais no Congresso de Instrução do Rio de Janeiro (1883-84), recomenda como disciplina do currículo de formação - Pedagogia e metodologia geral: história da pedagogia”63.
Na Primeira República, as classes políticas da região Sudeste do Brasil ascenderam ao poder, finalizando um processo que tivera início no final do século XVII, com a decadência econômica do Nordeste açucareiro. Em consequência, no campo educacional, as inovações levaram o Estado a assumir papel importante na direção dos processos de ensino em todos os níveis, mediante ação racional, planejada e científica, com a disseminação dos grupos escolares, com investida mais firme, ao longo da primeira metade do século XX, na formação de professores.
Na década de 1920, houve significativa inovação na organização da Escola Normal, por meio da divisão em dois ciclos (propedêutico, em três anos; profissional, em dois anos). No ciclo profissional, tornou-se presente na Escola Nova brasileira, com ênfase na formação mais técnica dos professores, com o surgimento da História da Educação como uma disciplina afeta ao ciclo profissional, a saber: 1) Disciplinas existentes: Pedagogia, Psicologia e Didática; 2) Novas disciplinas: História da Educação, Sociologia, Biologia e Higiene, Desenho e Trabalhos Manuais.
Nesse contexto foi introduzido no Brasil o ensino da História da Educação nos processos de formação de professores, antes mesmo da criação de uma estrutura de pesquisa em educação e, de modo particular, da conjugação de esforços efetivos da pesquisa em História da Educação.
Em 1932, por meio da iniciativa de Anísio Teixeira, a Escola Normal do Distrito Federal foi transformada em Instituto de Educação, com quatro escolas (Escola de Professores, Escola Secundária, Escola Primária e Jardim de Infância). Na Escola de Professores, a Filosofia e História da Educação aparecia ao lado da Biologia Educacional, da Psicologia Educacional e da Sociologia Educacional, como parte das disciplinas do primeiro ano do curso. Em 1935, a Escola de Professores seria incorporada à recém-criada Universidade do Distrito Federal (UDF), sendo que a Faculdade de Educação, por meio de suas licenças culturais, daria aos estudantes da universidade a possibilidade de obterem suas licenças magistrais. Este movimento, porém, não teve êxito no Distrito Federal, devido à extinção da UDF, motivada por disputas político-ideológicas presentes no Estado Novo.
Movimento semelhante ocorreu em São Paulo, com a criação da Universidade de São Paulo (USP), em 1934, que incorporou, pela Escola de Professores, o Instituto de Educação Caetano de Campos, com a finalidade de conferir formação pedagógica dos alunos da Faculdade de Filosofia Ciência e Letras (FFCL). Em 1938, ocorreu uma desvinculação e o antigo instituto passou a ser nomeado Seção de Educação da FFCL, com o seguinte currículo: 1ª. Seção - Educação: Psicologia; Pedagogia; Prática de Ensino; História da Educação; 2ª. Seção - Biologia Aplicada à Educação: Fisiologia e Higiene da Criança; Estudo do Crescimento da Criança; Higiene da Escola; 3ª. Seção - Sociologia: Fundamentos da Sociologia; Sociologia Educacional; Investigações Sociais em nosso meio.
A criação do Curso de Pedagogia, em 1939, na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, no Distrito Federal, inaugura um novo modelo de formação, com manutenção da disciplina História da Educação, sendo que nos três primeiros anos de curso estudavam-se os fundamentos da educação, na formação dos técnicos em educação (bacharéis) e, no quarto ano, por meio dos estudos didáticos, formavam-se os docentes dos cursos normais (licenciados). Este modelo do curso de Pedagogia foi trazido pela Igreja Católica, a partir de Lovaina, na Bélgica, com o objetivo de combater os modelos laicistas e cientificistas dos renovadores da educação64.
No âmbito da Reforma Capanema, efetivada entre 1942 e 1946, houve esforço normativo em diferentes níveis de ensino, o que envolveu o Ensino Normal, com a disciplina História e Filosofia da Educação mantida no currículo, especificamente, no curso de formação de professores primários, que foi dividido em três séries anuais, com as seguintes disciplinas: Primeira série (1. Português, 2. Matemática, 3. Física e química, 4. Anatomia e fisiologia humanas, 5. Música e canto, 6. Desenho e artes aplicadas, 7. Educação física, recreação e jogos); Segunda série (1. Biologia educacional, 2. Psicologia educacional, 3. Higiene e educação sanitária, 4. Metodologia do ensino primário, 5. Desenho e artes aplicadas, 6. Música e canto, 7. Educação física, recreação e jogos). Terceira série (1. Psicologia educacional, 2. Sociologia educacional, 3. História e Filosofia da educação, 4. Higiene e puericultura, 5. Metodologia do ensino primário, 6. Desenho e artes aplicadas, 7. Música e canto, 8. Prática do ensino, 9. Educação física, recreação e jogos)65.
Sem grandes alterações no quadro de formação de professores até a década de 1960, cabe ressaltar o processo de disseminação da educação a partir do estado desenvolvimentista, sobretudo pelas iniciativas de Anísio Teixeira à frente do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), desde 1952, e na criação, em 1955, do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) e, nos anos seguintes, dos cinco Centros Regionais de Pesquisas Educacionais (Minas Gerais, Rio Grande do Sul, São Paulo, Pernambuco e Salvador), lugares nos quais teve início a pesquisa acadêmica em Educação e em História da Educação.
Na década de 1960, a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1961, trouxe poucas alterações para a Escola Normal. Ao longo da década, o Conselho Federal de Educação introduziu mudanças no curso de Pedagogia, por meio dos pareceres 251/62 e 252/69, que indicavam e determinavam que o curso poderia formar o professor primário, além dos técnicos e professores da Escola Normal, desde que fossem introduzidas no currículo as metodologias e as práticas de ensino específicas que há muito estavam presentes nos currículos da Escola Normal. Em 1962, a História da Educação Brasileira foi introduzida nos currículos do Curso de Pedagogia.
Além disso, dada a introdução de uma visão tecnicista, associada à teoria do capital humano, o curso de Pedagogia é chamado, desde 1969, durante a vigência da ditadura militar, a habilitar os profissionais dos serviços de supervisão, o que, entre outras consequências, secundarizou a História da Educação e mesmo a didática no currículo, sendo que “os seis a oito semestres antes dedicados à História da Educação foram reduzidos para dois ou, no máximo, três semestres”66.
Na década de 1970, a Lei 5692/71 introduziu a profissionalização obrigatória no ensino de segundo grau, com a transformação das escolas normais de nível colegial em Habilitação Específica para o Magistério (HEM), a extinção das escolas normais de nível ginasial e o desaparecimento dos institutos de educação67. Com isso, a formação de especialistas e professores para o curso de magistério passou a ser feita exclusivamente nos cursos de Pedagogia.
A História da Educação constou no currículo da HEM, no núcleo de formação especial, na designação geral de fundamentos da educação, a saber: Núcleo Comum de Formação Geral, incluindo Comunicação e Expressão, Estudos Sociais e Ciências; Formação Especial, incluindo Fundamentos da Educação (aspectos biológicos, psicológicos, sociológicos, históricos e filosóficos da educação), Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º. Grau, Didática e Prática do Ensino.
O Centro de Formação do Magistério (Cefam), instituição que sofisticou a formação de professores, a partir de convênios estabelecidos entre o governo central e os estaduais, chegou a ter 199 unidades na década de 1980, com currículo que mantinha a História da Educação, mas que buscava modernizar a formação de professores, com oferta em tempo integral, bolsas de estudo e maior integração teórico-prática. Todavia, com a aprovação de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 199668, a formação de professores foi deslocada para os cursos normais superiores, com manutenção das prerrogativas do curso de Pedagogia, o que gerou disputas institucionais e ideológicas importantes, que resultaram, de um lado, no abandono da experiência do Cefam, mas, de outro, na curta duração das iniciativas vinculadas ao curso Normal Superior, com predominância do curso de Pedagogia, que, na atualidade, é um dos cursos com maior número de matriculados no Brasil.
Outro aspecto relevante para o campo do ensino da História da Educação no Brasil, diz respeito aos programas de pós-graduação em educação, criados desde a década de 1960, no qual a História da Educação encontrou lugar tanto na própria designação dos programas, na conjugação mais comum, História e Filosofia da Educação, quanto nas grades curriculares de formação desses cursos. Nesta direção, a pesquisa em Educação originada nas iniciativas do CBPE e dos CRPE, na década de 1950, ganharam institucionalidade mais robusta no âmbito das universidades, desde meados da década de 1960, o que prossegue até os tempos atuais.
2.3. Programas do ensino de História da Educação na formação de professores no Brasil69
Na década de 1830, em meio das primeiras iniciativas de constituição da Escola Normal no Brasil, os currículos eram simples, quase sempre, próximos daquilo que se ensinava no ensino de primeiras letras. Apenas, no processo de institucionalização da escola primária e, por consequência, da Escola Normal, a partir da década de 1870, houve preocupações de se ter um currículo mais abrangente, o que ganhou relevo, ao menos em três momentos, nas reformas da Escola Normal da década de 1920, na criação do Curso de Pedagogia, em 1939 e na Reforma Capanema do Ensino Normal, em 1946. A robustez do currículo dos cursos de formação de professores teve continuidade, ainda que mediante algum constrangimento durante a Ditadura Militar (1964-1985), mas, no período de redemocratização, iniciado em meados da década de 1980 e ainda em curso, houve retomada de processos que consolidaram a sofisticação dos currículos vinculados a formação de professores, notadamente, nos cursos de Pedagogia.
No que se refere à História da Educação, ela era autônoma nas propostas da década de 1920, com currículo enciclopédico70, muitas vezes, próximo dos manuais disciplinares estrangeiros, notadamente, franceses. Em 1932, no âmbito da Escola de Professores, no Distrito Federal, constava com a designação Filosofia e História da Educação, o que não se via na criação do curso de Pedagogia, em 1939, quando foi designada História da Educação. Em 1946, no âmbito da Reforma Capanema do Ensino Normal, constava História e Filosofia da Educação. Desde a década de 1960, porém, foi mais comum constar História da Educação, o que, de modo geral permaneceu até a atualidade.
Na década de 2000, na análise mais de uma centena de programas da disciplina foi possível perceber a predominância da designação simples História da Educação (62%), seguida por designações substitutivas (20%), tais como, Fundamentos históricos da Educação, História da Educação Infantil etc. Por fim, também se faziam presentes designações compostas (18%), tais como, História da Educação Brasileira, História da Educação Geral e no Brasil etc.
Os programas de ensino da disciplina em muitos casos estão próximos do que é apresentado nos manuais de História da Educação adotados, com pouca presença, ao menos na década de 2000, de bibliografia mais recentes, com ausência, de artigos, capítulos de livros e livros mais recentes publicados na área, o que assinalava, ao menos em termos programáticos, um distanciamento das aquisições da pesquisa em relação ao ensino de História da Educação. De modo geral, os conteúdos predominantes referem-se à educação escolar, notadamente, aos processos de implementação dos sistemas escolares, com manutenção de periodização advinda do campo da História, Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea, com divisões por época ou por séculos. Por vezes, ocorre a divisão espacial, por exemplo, Educação na Grécia, Educação no Brasil. Em menor grau, aparece a organização temática, por exemplo, Educação da Mulher, Educação Jesuítica, Escola Nova etc. Em termos de metodologia de ensino predominam as aulas expositivas, com leituras programadas, realização de seminários e de debates, com pouca incidência de pesquisas de campo e de visitas técnicas, mediante a utilização de recursos de projeção de slides.
Quanto a carga horária da disciplina que já foi extensa no passado, na década de 2000, em cursos semestrais, predominava a oferta em 60h (67%) e, em cursos anuais, predominava a oferta em 90h (37%). Em ambos os casos, muito distante das 240h encontradas em muitos programas da disciplina na década de 1970 e de 1980.
2.4. Manuais disciplinares em História da Educação em circulação no Brasil71
Como resultado de incursões nas principais bibliotecas universitárias brasileiras efetivadas por um conjunto de pesquisadores, em diferentes trabalhos, durante a década de 2000, foi possível verificar a existência de aproximadamente 70 manuais de História da Educação, em circulação no Brasil entre 1843 e 1960. Estas obras possuem autores estrangeiros, predominantemente dos Estados Unidos e da França, mas, também, da Alemanha, da Espanha, da Argentina, da Itália, da Inglaterra, do México, de Portugal e de Honduras.
No que se refere aos manuais de História Geral da Educação com autores estrangeiros, traduzidos e publicados no Brasil, em 2009, a listagem abrangia 12 manuais, publicados entre 1939 e 2010, desde a obra de Paul Monroe, História da Educação até a obra organizada por Clermont Gauthier e Maurice Tardif, História da Pedagogia. Obras que estão presentes em boa parte das mais importantes universitárias bibliotecas brasileiras, com utilização frequente por muitos anos nas escolas normais, em cursos de Pedagogia e nos programa de pós-graduação em Educação, conforme o quadro apresentado a seguir.
1ª. ed. Brasil | Autor | Título | Editora |
---|---|---|---|
1939 | Monroe | História da Educação | Companhia Editora Nacional |
1951 | Riboulet | História da Pedagogia | Editôra Coleção F.T.D. |
1954 | Gal | História da Educação | Martins Fontes |
1955 | Luzuriaga | História da Educação e da Pedagogia | Companhia Editora Nacional |
1957 | Hubert | História da Pedagogia | Companhia Editora Nacional |
1962 | Eby | História da Educação Moderna: teoria, organização e práticas educacionais (séc. XVI - séc. XX) | Editora Globo |
1963 | Ponce | Educação e luta de classes | Cortez Editora |
1970 | Larroyo | História Geral da Pedagogia | Editora Mestre Jou |
1974 | Debesse & Mialaret | Tratado das Ciências Pedagógicas 2: história da pedagogia | Companhia Editora Nacional |
1989 | Manacorda | História da Educação: da Antiguidade aos nossos dias | Cortez Editora |
1999 | Cambi | História da Pedagogia | Editora UNESP |
2010 | Gauthier & Tardif | A pedagogia. Teorias e práticas da Antiguidade aos nossos dias | Editora Vozes |
Fonte: LIMA, G.G.; GATTI JR, D. Educação, sociedade e democracia: John Dewey nos manuais de História da Educação e/ou Pedagogia (Brasil, Século XX). Revista História da Educação, v.23, p.1-43, 2019.
É interessante observar que em um trabalho recente no qual foram examinadas as apropriações das ideias de Rousseau pelos autores destes manuais de História Geral da Educação foi possível perceber que apenas a menor parte deles teve êxito no estabelecimento de relações entre as ideias políticas e pedagógicas de Rousseau. Ao invés disso, houve predomínio de análises que privilegiaram a compreensão do pensamento rousseauniano como precursor dos desenvolvimentos futuros da psicologia do desenvolvimento humano, com destaque para a psique infantil. Por sua vez, em uma das obras, o corte analítico fortemente ideologizado no âmbito socialista obscureceu demasiadamente as ideias do autor, o que, também foi percebido nas obras oriundas do catolicismo72.
Nesta direção, os combates entre posições liberais, católicas e socialistas, foi mais evidente nos manuais de História da Educação publicados no Brasil desde a década de 1930 até a década de 1970, o que se repetiu nos manuais de História Geral da Educação e de História da Educação Brasileira, com autores brasileiros, publicados entre 1914 e 2007, com ao menos 38 títulos publicados, desde o texto de René Barreto, História da Pedagogia, até a obra de Cynthia Greive Veiga, História da Educação. Na análise destes manuais, em especial, daqueles publicados na década de 1930, é perceptível a existência de um combate entre liberais e católicos. Os primeiros, na busca da regeneração social, por meio da reforma educacional e, os segundos, na busca da manutenção de sua relevância social, por meio da defesa da centralidade da Igreja Católica na vida social e na oferta educacional. Combate que se expressava, por exemplo, na manutenção de escolas normais pela Igreja Católica, ao lado, das iniciativas oficiais, mas, também, na publicação de manuais disciplinares com foco nestes diferentes públicos. Em ambos os casos, estavam em jogo diferentes projetos de formação da nacionalidade, por meio da formação de professores para atuação na escola primária73.
Ao menos até a década de 2000, o emprego destes manuais de História da Educação ainda era frequente, em especial, nos cursos de Pedagogia, que se tornaram o local predominante na formação de professores para atuarem na Educação Infantil e nas primeiras séries do Ensino Fundamental. Todavia, pode-se perceber também iniciativas na direção de um alargamento de fontes para o estudo universitário da disciplina, com a incorporação de artigos e de capítulos de livros que comunicam resultados de investigação no campo da História da Educação, mas, muito provavelmente, com alcance limitado, dada a profusão da oferta da disciplina nos cursos de Pedagogia, muitas vezes, na modalidade à distância, ancorado na instrução programada, a partir da leitura de textos adquiridos junto as editoras comerciais ou mesmo redigidos pelos próprios docentes da disciplina, normalmente, a partir dos manuais disciplinares disponíveis.
2.5. Memórias docentes e discentes em torno da História da Educação no Brasil
Não é uma tarefa fácil perscrutar a realidade pedagógica do percurso do ensino da História da Educação, pois, se o exame das finalidades de ensino está bem posta nos programas, nos planos de ensino e nos manuais disciplinares, estes somente dão indícios daquilo que se queria ensinar, dado que as fontes que permitem acessar o que realmente se passava nas salas de aula comumente não são preservadas, tais como, cadernos de alunos e avaliações. Por este motivo, as fontes orais ganham relevo, evidentemente, quando a proximidade temporal permite.
Nessa direção, entre 1999 e 2005, Carlos Monarcha individualmente e, em 2013, em colaboração de Décio Gatti Jr., tem empreendido um esforço de publicação de depoimentos de professores e de pesquisadores da área de História da Educação, sobretudo, daqueles que contribuíram para a formação do campo no Brasil, o que incluiu: Carlos Roberto Jamil Cury, Clarice Nunes, Dermeval Saviani, Eliane Marta Teixeira Lopes, Ester Buffa, Jorge Nagle, José Silvério Baia Horta, Leonor Maria Tanuri, Maria Helena Camara Bastos, Maria Juraci Maia Cavalcanti, Maria Luísa Santos Ribeiro, Marta Maria Chagas de Carvalho, Marta Maria de Araújo, Mirian Jorge Warde, Paolo Nosella, Paulo Guiraldelli Jr., Raquel P. Chainho Gandini, Roque Spencer Maciel de Barros e Zaia Brandão74. Longe de ser um conjunto de depoimentos que abranja a totalidade de personagens importantes na formação do campo e que, sobretudo, alcance os pesquisadores mais recentes no campo, estes depoimentos permitem compreender, de um lado, o desenvolvimento do ensino de História da Educação e, de outro, da própria área acadêmica.
Outro conjunto de trabalhos também exemplifica os esforços em torno da memória dos docentes, mas, também dos discentes, em relação ao ensino de História da Educação. Neles, foi possível verificar o quanto se distanciavam as aulas do programa oficial e mesmo, sobre as dificuldades de professores, notadamente, daqueles formados em Filosofia, para se afastar de uma História da Educação pautada na História das Ideais Pedagógicas. Questões relacionadas com as circunstâncias de época também aparecem e, por vezes, moldam as memórias discentes sobre os temas tratados em sala de aula, mais focados nas questões que preocupavam discentes, em um mundo complexo e que vivia um momento de profundas mudanças culturais75.
Sem dúvida, que o exame da relação entre finalidades do ensino e sua realidade pedagógica prescindem desta coleta de depoimentos, de docentes e discentes, bem como, da sorte de serem encontrados cadernos de alunos e avaliações, na direção de uma análise mais completa sobre o percurso da disciplina História da Educação.
É interessante observar que na década de 2000, em mais de uma centena de cursos de Pedagogia oferecidos em universidades, o perfil dos docentes da disciplina contemplava, primeiramente, licenciados em Pedagogia (45%) e, depois, em História (30%) e Filosofia (11%), sendo que a proveniência da pós-graduação em Educação predominava de modo significativo (69%), sobretudo, em relação a segunda posição, em História (18,3%)76, o que assinala um aspecto importante no que se refere à memória docente.
Considerações finais
Conhecer implica pensar, mobilizando categorias e conceitos para organizar as coisas, para criar estruturas mentais que ajudem a ordená-las, a atribuir-lhes sentido. Implica recolher e tratar informação, fazendo uso de protocolos de observação, descrição e verificação, para compreender melhor o que constitui o ambiente em que se age. Implica a comunicação entre diferentes sujeitos de conhecimento, e a acumulação de corpos organizados de ideias, interpretações, técnicas e procedimentos, a que chamamos estudos, disciplinas, ciências. Exige a humildade de que intui a imensidão do que se não sabe […].77
Ao olhar para a História da Educação hoje em Portugal e no Brasil e descortinando-a como um campo epistemológico, é possível identificar todos os requisitos identificados por Augusto Santos Silva para ser incorporada no universo da ciência: há pensamento estruturado a partir de fontes, há a mobilização da literatura de referência em várias áreas, há uma consistente recolha de informação, mas também produção de materiais para a rica interpretação hermenêutica, em estrito e rigoroso cumprimento dos protocolos epistemológicos, há a comunicação por diferentes meios (físicos e virtuais) e para diferentes públicos, há um claro enriquecimento de diferentes áreas científicas e há a humildade de reconhecer que se abriram caminhos que outros agora podem percorrer.
No que se refere especificamente ao ensino da disciplina História da Educação em Portugal e no Brasil foi possível perceber que a bibliografia de referência, tanto no que se refere à formação de professores em geral quanto ao ensino da disciplina em particular, é abundante, com as primeiras produções efetivadas desde meados do Século XX, com crescimento consistente ao longo das décadas seguintes, a ponto de se poder afirmar que houve uma consolidação importante de conhecimentos que possibilitam a elaboração de sínteses consistentes, evidentemente, abertas as possibilidades do surgimento de novas interpretações.
Nesta direção os estudos e pesquisas sobre formação de professores incluem temáticas relacionadas ao exame: das reflexões e propostas realizadas; das legislações aprovadas e substituídas; das instituições formativas criadas, substituídas e transformadas ao longo do tempo; dos currículos iniciais de caráter mais simples, com complexificação que se fez presente ao longo do tempo; das memórias docentes e discentes coletadas e documentadas.
Quanto ao ensino de História da Educação, temática mais recente, percebeu-se sua fertilidade, sobretudo, no papel por ela desempenhada na constituição dos processos de formação de professores em diferentes níveis e instituições de ensino, com presença de embates em torno de concepções de mundo presentes de modo mais intenso na primeira metade do Século XX, o que foi possível observar, tanto na configuração variada das instituições promotoras do ensino, quanto na manualística específica da área de História da Educação. Para além deste período, a fertilidade da pesquisa em História da Educação permitiu um reconhecimento de suas potencialidades no âmbito das Ciências Humanas, sobretudo, pela percepção da escolarização como um fenômeno estruturador da Modernidade, todavia, não houve reflexos imediatos no campo do ensino de História da Educação, o que se está a ver com maior relevo desde o final do Século XX e início do Século XXI, seja nos próprios manuais de História da Educação, mas, também, na produção e difusão de conhecimentos novos que paulatinamente estão a alcançar o âmbito da formação de professores.
Em termos institucionais, o percurso do ensino de História da Educação em Portugal e no Brasil, encontrou aproximações nos conteúdos e algum paralelismo na fase da proeminência da Escola Normal, mas, em seguida, os caminhos institucionais encontraram diversificação, ainda que do ponto de vista dos conteúdos disseminados há mais semelhanças do que diferenças, notadamente, nas aquisições recentes dos resultados da pesquisa na área. Quanto aos manuais disciplinares, a profusão de traduções de manuais estrangeiros no Brasil na primeira metade do Século XX, com sua larga influência e utilização é um ponto de especificidade, com a tardia instituição da obrigatoriedade do ensino de História da Educação Brasileira, na década de 1960, ainda que, na sequência, tenha sido significativo o esforço editorial na oferta de títulos que alcançaram o Século XXI.
No que refere às memórias docentes e discentes, seja na temática da formação de professores, mas, principalmente, do ensino de História da Educação, esforços de recolha e de produção de documentos acessíveis à pesquisa estão presentes em ambos os países, com diferentes estratégias de divulgação, mas que possibilitam caminhar na direção de uma visão mais abrangente destas temáticas de investigação tão importantes para a compreensão dos caminhos percorridos e a percorrer na difícil tarefa da profissionalização docente.