Introdução
No campo da educação de surdos, retomar as origens das primeiras iniciativas educacionais, os implicados com tais ideais e a concretização de projetos por meio da fundação de escolas ou institutos sempre se faz necessário para que possamos entender os fundamentos da Educação Especial e seus desdobramentos, com vistas a dialogar com os desafios hodiernos.
No Brasil, alguns autores retomam questões históricas relativas à educação de surdos e a pessoas com deficiência, entre eles Jannuzzi (2004), Mazzotta (2001), Rocha (2007), Sofiato (2011, 2018), entre outros. Entretanto, com base nos estudos mencionados, ainda existem muitos apagamentos em publicações nacionais no que se refere à educação de surdos em outros países.
A menção às primeiras iniciativas educacionais para pessoas surdas remonta ao século XVI, segundo Carvalho (2007), e relaciona-se a países do continente europeu, a saber: Espanha, Inglaterra, Suíça, França, Alemanha; e, nos séculos subsequentes, avançam em direção a outras partes do mundo.
Nessa perspectiva, um fato chama-nos atenção. Nas poucas publicações que, de fato, encontramos um delineamento de uma trajetória histórica da educação de surdos (CARVALHO, 2007) e da Educação Especial em nível mundial (PESSOTTI, 1984), Girolamo Cardano (1501-1576), médico italiano de altíssima reputação, é destacado como sendo um “precursor na preocupação pedagógica com a instrução dos deficientes1” (PESSOTTI, 1984, p. 16). Assim sendo, Girolamo Cardano, com seu discurso médico, marcado ainda por uma tradição supersticiosa, mas não teológica, fez com que alguns se lançassem ao desafio de levar a cabo a educação de pessoas com deficiência (PESSOTTI, 1984). Curioso é que, historicamente, a Espanha ocupa o papel de precursora da educação de surdos no âmbito mundial, e a Itália iniciou esse processo no século XVIII, apesar das contribuições de Girolamo Cardano.
Para compreendermos como se deram as primeiras experiências educativas para surdos na Itália, é necessário alargarmos os horizontes e visualizarmos o cenário europeu, que, a partir do século XVIII, será representado por duas tendências. São elas: a escola francesa fundada pelo Abade Charles Michel de L’Epée, em 1771, que se tornou uma instituição pública, em 1778, com o nome de Instituto Nacional dos Jovens Surdos de Paris; e a escola alemã, fundada por Samuel Heinicke, em 1778, tendo o seu centro na cidade de Lipsia.
A diferença entre as duas escolas estava no método adotado para a educação de surdos. Na escola francesa, a prática pedagógica centrava-se no método gestual, elaborado por Charles Michel de L’Epée e transformado em um verdadeiro sistema de comunicação denominado “sinais metódicos”. Tal sistema integrava a datilologia e a escrita, possibilitando ao surdo comunicar-se com seu entorno social. Na escola alemã, Samuel Heinicke adotou o método oral para o ensino da fala, adquirindo notoriedade e reconhecimento por parte das autoridades civis, dentre elas, o príncipe Federico Augusto da Saxônia. A escola francesa, com a sua didática orientada pelo sistema dos sinais metódicos, exerceu influência sobre outras escolas para surdos que foram fundadas e que estavam localizadas na Europa e nos Estados Unidos. No entanto, mesmo na Alemanha, onde a abordagem oralista predominava, pode-se verificar influências do método de Charles Michel de L’Epée, como aponta Selva (1973).
É com esse pano de fundo que adentramos a educação de surdos na Itália do século XVIII, como aquela que nasceu de inspiração francesa e com fortes vínculos com a Igreja Católica. De fato, ao revisitarmos a história, percebemos que os primeiros educadores de surdos italianos eram religiosos e buscavam criar um ambiente protegido, de caráter social-educativo, para atender às necessidades da educação especializada presentes no território italiano.
Assim sendo, de acordo com Sani (2008), a escola francesa tornou-se um ponto de referência para as primeiras instituições escolares para surdos na Itália. Essas instituições adotaram o modelo institucional da escola francesa, seu método, seu itinerário e sua organização. A adoção do modelo francês encontra sua razão em duas motivações: a primeira ao considerar que os fundadores eram homens de Igreja e, portanto, tiveram contato direto com o Abade L’Epée ou foram formados a partir de seus escritos e de seus sucessores; a segunda motivação pode ser compreendida a partir da dominação napoleônica sobre a Itália, que, de certo modo, contribuiu para que essas primeiras experiências se consolidassem, recebendo reconhecimento jurídico e auxílio financeiro para se desenvolverem.
A presente pesquisa possui uma abordagem qualitativa, de natureza descritiva. Gil (2002, p. 42) pontua que a pesquisa descritiva tem por objetivo a “descrição das características de uma população ou fenômeno ou, então, o estabelecimento de relações entre variáveis. O objetivo foi o de delinear o trabalho pioneiro das primeiras instituições para a educação de surdos da Itália, nos séculos XVIII e XIX, e apresentar as mudanças ocorridas nos institutos a partir da Lei italiana nº 517, de 4 de agosto de 1977 (ITÁLIA, 1977).
De acordo com Sani (2008), foram fundados mais de 27 institutos para a educação de surdos na Itália. Entretanto, neste estudo, destacamos o trabalho de 12 deles, estabelecendo como critérios para a escolha: i) a expressão que tiveram em território italiano; ii) a localização geográfica, de forma a representar diferentes regiões; iii) o destaque na literatura internacional.
Tendo em vista a escassez de pesquisas que abordam a educação de surdos na Itália em língua portuguesa, o estudo empreendido buscou elucidar o processo de fundação de alguns importantes institutos para a educação de surdos no referido país nos séculos XVIII e XIX, além do impacto que sofreram por meio da Lei nº 517 de 1977, como um contributo para a historiografia da educação de surdos e possibilidade para outras investigações.
Institutos de educação de surdos na Itália: gêneses e propostas educativas
Nesta seção, trazemos aspectos relativos à gênese de alguns institutos para a educação de surdos na Itália, considerando as seguintes regiões: Lombardia, Emília Romana, Campânia, Lácio, Gênova, Trentino de Ádige, Sardenha, Vêneto, Ligúria, Piemonte e Toscana. Geograficamente, por meio das regiões selecionadas, abrangemos o país de Norte a Sul, além dos critérios mencionados anteriormente.
A fundação das primeiras instituições italianas para a educação de surdos remonta aos séculos XVIII e XIX, e cresceram no país a partir das experiências dos precursores nesse tipo de trabalho. Em 1784, foi fundado o Instituto Estadual para Surdos de Roma2. A partir dessa iniciativa, outras começaram a surgir em território italiano no século XVIII. De acordo com Rusciano (2010), o Abade Tommaso Silvestri, fundador da escola, permaneceu seis meses em Paris estudando a metodologia de ensino da escola francesa, de Charles Michel de L’Epée. O primeiro instituto italiano funcionou na casa dos irmãos Di Pietro, o qual, em um primeiro momento, acolheu oito alunos surdos, de ambos os sexos e com os quais Tommaso Silvestri começou a pôr em prática os conhecimentos adquiridos durante o período de formação na França.
Tommaso Silvestri, em sua prática pedagógica, segundo Dovetto (2010), desenvolveu três estágios progressivos: o uso da linguagem natural dos surdos; a aprendizagem da escrita, graças ao alfabeto manual; e a aprendizagem da leitura labial e da articulação oral. Dessa forma, conferiu uma marca pessoal ao trabalho desenvolvido, diferenciando-se, assim, de L’Épée. Maragna e Vasta (2015) afirmam que o Abade Tommaso Silvestri, assim como Charles Michel de L’Epée, não teve contato com surdos antes do início de seu trabalho, mas, a partir do momento que decidiu se dedicar à causa, se entregou de corpo e alma ao projeto, talvez pelo resultado observado, que se dava pela quebra da barreira de comunicação entre surdos e ouvintes.
A exemplo de L’Épée, Selva (1973) refere que a escola de Tommaso Silvestri era aberta às pessoas que queriam dedicar-se à educação de surdos, fundando escolas em outras regiões da Itália e outros países. Dessarte, o referido abade formou muitos educadores, entre eles, Lorenzo Hervás y Panduro (sacerdote jesuíta espanhol) e o Abade italiano Benedetto Cozzolino.
Benedetto Cozzolino, de Nápoles, passou um período em Roma para aprender com Tommaso Silvestre o método para a educação de surdos, pois não tinha experiência. De acordo com Rusciano (2010), em 1788, em Nápoles, já existia uma escola privada fundada pelo Abade Benedetto Cozzolino. O Rei Ferdinando I, por meio de uma deliberação, transformou a escola fundada por Benedetto Cozzolino em escola pública reconhecida pelo governo em 1788. Selva (1973) ressalta que foi a segunda escola para surdos aberta em território italiano e a primeira a obter reconhecimento oficial do governo. A escola atendia a surdos de ambos os sexos, e o ensino abrangia o desenvolvimento da fala e do método mimético-gestual. Podemos inferir que o trabalho pedagógico também se assemelhava ao praticado por Tommaso Silvestri, seu inspirador. Ademais, a motivação para a criação do instituto em Nápoles foi a sensibilização do Abade Benedetto perante a difícil situação em que se encontravam os surdos, tais como a mendicância e a falta de possibilidades de instrução, tal como em outras regiões do mundo. Nesse caso, a benevolência, assumida pela Igreja Católica, apareceu de forma mais explícita por meio da iniciativa do abade.
Rusciano (2010) aponta que, em 1819, a escola passou a ser conhecida como Instituto Governativo de Reeducação para Surdos. Apesar do status conquistado, não seria mais a única escola para surdos em Nápoles em meados do século XIX, devido a uma outra fundada pelo Padre Luigi Aiello, da ordem Salesiana.
No século XIX, outros institutos foram fundados na Itália, e, como refere Sani (2008), as instituições surgidas na Itália nos primeiros 50 anos de tal século se inspiraram no sistema francês. Além de Tommaso Silvestri, outros religiosos italianos tiveram acesso ao trabalho do Abade L’Épée e seu sucessor Roch-Ambroise Sicard. Esse foi o caso de Ottavio Giovanni Battista Assarotti, Tommaso Pendola e do Padre modenês Severino Fabriani.
Ottavio Giovanni Battista Assarotti, de Gênova, conforme aponta Selva (1973, p. 111), recebeu o título de “pai dos surdos italianos”, devido ao zelo e à influência exercida sobre as instituições escolares para surdos que se abriram na Itália no início do século XIX. De 1777 a 1804, Ottavio Giovanni Battista Assarotti dedicou-se ao ensino de Gramática, Lógica, Física e Teologia em seminários e conventos ligados à sua ordem religiosa com uma carreira brilhante, até o seu encontro com Antonio Daneri, um jovem surdo que se destacava pela inteligência e pela vivacidade. Selva (1973) afirma que, a partir desse encontro, o educador elaborou um método pessoal conjugando a datilologia, a mímica e a escrita para aplicar na educação de surdos.
O progresso adquirido na educação de Antonio Daneri impulsionou Ottavio Giovanni Battista Assarotti a realizar a experiência com outros cinco alunos surdos em uma sala do Convento de Santo André, que se tornou o núcleo do que mais tarde seria a escola privada por ele fundada, a qual ganhou visibilidade, sendo considerada uma novidade no cenário educativo da região. Segundo Morandini (2008), apesar do sucesso e da notoriedade do programa educativo de Ottavio Giovanni Battista Assarotti, o seu instituto não recebeu das autoridades políticas, de imediato, os recursos necessários para se desenvolver. Assim sendo, em 1805, por influência de Napoleão Bonaparte, um decreto destinou, para uso do sacerdote genovês, o ex- Convento das Irmãs de Santa Brígida para abrigar o instituto. Todavia, tal decreto passou a valer efetivamente a partir de 21 de novembro de 1811. É importante destacarmos o protagonismo político exercido por Ottavio Giovanni Battista Assarotti no campo das relações com as autoridades para defender e dar sustentabilidade ao seu projeto educativo.
Podemos situar a experiência educativa de Ottavio Giovanni Battista Assarotti, de 1801 até 1828, de acordo com Morandini (2008), como uma trajetória marcada pela busca de uma renovação metodológica e curricular que revelou o pensamento pedagógico e a didática implantada em sua escola.
O programa educativo de Assarotti oferece ideias interessantes para uma reflexão sobre os critérios subjacentes ao método. De fato, o desejo de preparar intervenções educacionais em estreita correlação com as atitudes, a inteligência e o conhecimento do aluno não excluiu o uso de princípios universalmente válidos: em primeiro lugar, a ideia de um aprendizado gradual baseado na experiência, utilizando a intuição das crianças aplicadas aos dados da realidade, em conformidade com as leis naturais do desenvolvimento. O estudo das regras gramaticais foi, portanto, precedido, no ensino de línguas, à tradução de proposições simples: as palavras aprendidas foram então usadas para compor novas sentenças mais complexas. (MORANDINI, 2008, p. 323-324, tradução nossa).
A forma de organizar o instituto, a experiência educacional no campo da educação de surdos e a reorganização do ensino conferiram eficácia ao sistema educativo de Ottavio Giovanni Battista Assarotti, cujo pensamento pedagógico foi fortemente marcado pela originalidade, porque, além do atendimento especializado, houve a preocupação com a formação de professores para atuar em escolas de surdos. O trabalho do referido abade foi referência para a fundação de outros institutos, tais como o de Milão.
O Instituto Estadual para Surdos-Mudos de Milão3 foi o quarto instituto para a educação de surdos fundado na Itália. Ele nasceu dentro das perspectivas abertas pelo Governo italiano e de seu empenho em estender a educação popular a todo o território do país. Nesse sentido, de acordo com Gecchele (2008), o Governo estava à procura de novos e eficazes projetos, os quais deveriam ser analisados por uma comissão ligada ao Ministério do Interior. Foi nesse contexto que Antonio Eyraud de Lion fundou, em Milão, no ano de 1805, uma escola privada para a educação de surdos (SELVA, 1973), tendo como grande mantenedor o príncipe Eugênio Napoleão. Ressaltamos, aqui, que se tratava de uma escola privada protegida pelo Governo. Zatini (2005a) pontua que a escola foi confiada ao Abade Giuseppe Bagutti da Rovio, aluno do Abade Ottavio Giovanni Battista Assarotti, de Gênova.
De acordo com Gecchele (2008), a comissão criada pelo governo para analisar os projetos educativos não aprovou o programa educacional de Antonio Eyraud de Lion, que, mesmo tendo demonstrado eficácia quanto ao itinerário didático, encontrou barreiras institucionais por questões pessoais e políticas. Não obstante essas controvérsias, o projeto de ensino para surdos criado por Antonio Eyraud de Lion foi mantido até o ano de 1816, quando a sua escola foi transformada em Instituto Real Imperial de Surdos-Mudos, destinado a acolher surdos de todas as partes da Itália.
Zatini (2005a) aponta que, a partir de 1821, o trabalho educacional englobava a datilologia, a escrita e o “método mímico-gestual”. Segundo o autor, em 1869, houve um outro direcionamento nesse sentido. Por meio de um decreto exarado pelo Ministro Real, o método oralista dos Padres Tommaso Pendola e Giulio Tarra passou a predominar no instituto. Debè (2014) comenta que Pendola, Balestra e Tarra enfatizavam a adoção da “palavra” como canal exclusivo de comunicação com o surdo; inclusive Tarra foi o protagonista de uma pedagogia corretiva para surdos, promovendo uma reforma no ensino. A depender do instituto, observa-se a influência do trabalho do Abade Charles Michel de L’Epée, da escola francesa ou de Samuel Heinicke, da escola alemã; entretanto, em alguns casos, a hibridização dos métodos acabou ocorrendo.
Outro sacerdote que estudou o contexto francês e fundou uma instituição em 1821, em Modena, foi Severino Fabriani. De acordo com Selva (1970), a escola para surdos de Modena figurou entre as primeiras a serem reconhecidas como instituição pública em território italiano.
Sani (2008), em estudo realizado sobre os institutos para surdos fundados no século XIX, destaca a importância de Severino Fabriani no contexto da educação de surdos da época. De fato, suas experiências e suas responsabilidades educativas ligadas às atividades das Escolas de Caridade levaram-no a pesquisar, a fazer contatos e a visitar as escolas para surdos, tanto na Itália como na França. As referidas visitas visavam compreender os aspectos e os desafios da Educação Especial, bem como conhecer os métodos e as técnicas para o ensino da linguagem para os alunos surdos. Severino Fabriani observou a eficácia do método de Ottavio Giovanni Battista Assarotti no ensino da linguagem para surdos, o desenvolvimento dos alunos e a padronização do instrumento linguístico adotado no instituto de Gênova.
Foi no contexto de iniciativas escolares em favor dos surdos que Severino Fabriani, em 1826, fundou o Instituto das Filhas da Providência para Surdos-Mudos de Modena4, cujo projeto educativo consistia em atender a meninas surdas, fornecendo-lhes uma preparação cultural que lhes permitisse viver e atuar em qualquer tipo de ambiente social. Como estudioso dos fenômenos pedagógicos, a proposta educativa de Severino Fabriani era dotada de originalidade e de inovação, segundo Sani (2008). Para isso, fazia-se necessária uma atividade didática personalizada e adaptada às especificidades das meninas surdas por meio do método gestual, que se baseava na escola francesa.
Zatini (2005b) refere que o programa escolar do instituto de Severino Fabriani prezava pelo desenvolvimento pleno da pessoa por meio do desenvolvimento da educação moral e religiosa, intelectual e profissional. Para isso, contava com irmãs religiosas que se dedicavam a esse trabalho. O referido programa também dispunha de atividades de dramatização, com ênfase nas representações sagradas. Esse era o diferencial de Severino Fabriani, cujo trabalho se estendeu até mesmo para o Brasil, no século XX.
Em 1828, Tommaso Pendola, que se destacava pela sua elevada cultura, atividade científica, pedagógica e didática especializada, fundou o Instituto Tommaso Pendola para Surdos-Mudos de Siena5, uma escola para surdos de ambos os sexos, como ressalta Selva (1973). Assim como os demais fundadores de escola para surdos na Itália, Tommaso Pendola também foi formado sob a influência da escola francesa de Charles Michel de L’Epée e do Abade Sicard, que privilegiava os sinais e a escrita no procedimento didático, conforme expressa Sani (2008).
Em 1831, ao comprar o ex-convento de Santa Margherita em Castelvecchio, o instituto foi organizado para atender a alunos de ambos os sexos, sendo reconhecido em 1843, por meio do decreto do Grão Duque da Toscana, como Real Instituto Toscano para Surdos.
Tommaso Pendola viajou para a Alemanha e convenceu-se da eficácia do método oral introduzido por Samuel Heinicke e de sua ampla divulgação naquele país. Em virtude disso, em 1870, iniciou a aplicação do método oral em seu instituto. Com o método oral, segundo ele, era possível completar o método mímico-gestual (SELVA, 1973). Em 1872, Tommaso Pendola fundou, juntamente a Giulio Tarra de Milão e Giovanni Anfossi de Turim, a revista L’educazione dei Sordi in Italia.
Apesar de a maioria dos institutos assentarem o seu trabalho no método desenvolvido por L’Épée, em 1832, foi fundado um que priorizou o método oral. O fundador foi o Padre Antonio Provolo, que abriu uma escola para surdos em Verona6, aplicando tal método. As primeiras proposições para o atendimento educacional de alunos surdos proposto por Antonio Provolo foram marcadas pela fase de sensibilização dos governantes e das autoridades. Assim como L’Epée, realizava aulas públicas com os alunos surdos, a fim de demonstrar ao público os resultados obtidos no processo educacional e com o intuito de receber financiamento para a consecução dos objetivos pedagógicos e institucionais.
De acordo com Gecchele (2008), essas apresentações tiveram início em 1838, quando Antonio Provolo demonstrou que o método usado pelo Abade Sicard, sucessor do Abade Charles Michel de L`Epée, já não era suficiente para educar os surdos, mostrando-se insatisfeito com tal escolha. Foi nesse contexto, que Antonio Provolo, em uma de suas demonstrações públicas, introduziu a importância do canto e da música para a educação de surdos. O método, propriamente dito, foi exposto na quarta demonstração, quando Antonio Provolo ressaltou que a educação de surdos deveria ser organizada a partir da linguagem dos gestos, da palavra articulada e do canto. Ele partiu de uma experimentação prática para lentamente promover a mudança e ampliar o conhecimento, a fim de chegar à validação de seu experimento. A partir de sua experiência, Antonio Provolo constatou que:
Leva tempo, esforço e paciência, porque, com grande dificuldade, aprendem e, com a mesma facilidade, se esquecem das coisas aprendidas, pois é preciso fazer de tudo o que aprendem uma análise muito minuciosa: devem ensinar-lhes um vocabulário, uma gramática, para torná-los aptos a aprender a ciência da Religião. (GECCHELE, 2008, p. 363, tradução nossa).
O pensamento pedagógico de Antonio Provolo pode ser encontrado em sua obra intitulada Manuale per la scuola de’ sordi-muti di Verona (Manual para a escola de surdos de Verona, tradução nossa), de 1840, onde ele apresenta a sua ação didática, fundamentando a importância da articulação, da língua falada e da leitura labial na educação de surdos. Segundo Gecchele (2008, p. 362, tradução nossa):
Provolo surgiu entre todos os educadores dos surdos italianos e estrangeiros, e os princípios sobre os quais ele baseou seu método, proferidos na introdução de seu Manual publicado em 1840, permaneceram como base para as evoluções que, mais tarde, se formaram, e ele foi aclamado o introdutor e pai do método oral na Itália.
É de grande importância o reconhecimento do pensamento pedagógico de Antonio Provolo e de sua organicidade em torno da aprendizagem de uma língua, do modo de ensinar ideias abstratas e espirituais e da palavra ao canto para alunos surdos, tendo como finalidade uma educação para a inclusão social e religiosa, visto o contexto de marginalização e de abandono dos surdos da época.
Em 1835, mais um instituto foi fundado por um discípulo do Abade Ottavio Giovanni Battista Assarotti. Desta vez, foi na cidade de Turim7. O Rei Carlo Alberto designou o Padre Francesco Bracco para fundar uma escola para surdos, dedicando-se, também, à formação de professores (SELVA, 1973).
Na pesquisa empreendida por Morandini (2014), foram levantados aspectos quanto às origens, à disciplina e aos métodos utilizados no instituto para alunos surdos de Turim. A autora organizou os elementos históricos de forma a nos permitir compreender a trajetória do referido instituto, passando pelas primeiras experiências como iniciativa privada, a transformação em instituição pública, a mudança metodológica e a adoção do oralismo antes do Congresso de Milão em 1880. Ademais, a experiência pedagógica buscou respaldo na hereditariedade de Giovanni Battista Scagliotti, cuja ação educativa voltada para os surdos era dotada de resultados positivos e satisfatórios. De acordo com Morandini (2014, p. 79, tradução nossa):
A organização didática foi objeto de um regulamento posterior, que, em 18 de fevereiro de 1839, enfocou o método e o conteúdo da instrução dada aos surdos-mudos, além de lidar com o perfil do aspirante a tutor, obrigado a possuir, além do conhecimento necessário, atitudes pessoais específicas e um senso moral rigoroso. O programa de ensino incluiu disciplinas destinadas a desenvolver inteligência (aritmética), para promover a comunicação com a realidade circundante (gramática e caligrafia) e promover a vida interior (religião e estudo da história sagrada): outro componente que não foi negligenciado refere-se à prática de uma educação voltada para as mulheres, direcionando o trabalho feminino, e, para os homens, pela possibilidade de aprender os elementos básicos de uma profissão.
Esse excerto permite-nos visualizar o currículo prescrito para a educação de surdos, com itinerários de formação específicos para meninos e meninas, visando, também, a profissionalização dos alunos. Tal currículo se assemelhava ao currículo delineado no Instituto Nacional de Surdos de Paris e de alguns outros países da Europa. A importância de uma formação que englobava o aprendizado de uma profissão fazia parte da proposta educacional para que os surdos, ao saírem do instituto, não onerassem o Estado, com sua presença não produtiva (QUEIROZ; RIZZINI, 2012).
Seguindo a trajetória da fundação de escolas para surdos na Itália, apontamos como relevante e digna de nota a do Instituto Privado e Episcopal para Surdos-Mudos de Trento8 que, por sua vez, também sofreu fortes influências do método gestual da escola de Paris, fundada por Charles Michel de L’Epée, em 1771. De acordo com Gecchele (2008), a escola para surdos foi fundada pelo Padre Pietro Tambosi, em 1843. Usando a herança recebida após a morte de sua mãe, ele alugou uma casa na qual organizou os espaços para acolher 12 alunos na fase inicial.
No arco de 13 anos, a escola, de cunho diocesano, passou por várias sedes até ser transferida para o edifício em Via S. Giovanni Bosco, cercado por pátios e uma horta, na qual se cultivavam frutas e verduras, tendo, também, espaços destinados para a lenha, a lavanderia e um depósito. Nessa trajetória, cabe ressaltarmos que havia cinco requisitos básicos para poder frequentar o instituto.
De acordo com Gecchele (2008), as condições de admissão eram: ser proveniente de uma legítima família e de orientação católica; ser surdo (não sendo considerado o grau de surdez para a admissão); ser reconhecido como educável; ser saudável e sem defeitos físicos incompatíveis com a vida em comunidade; e ter idade entre 10 e 14 anos. Faz-se mister destacarmos que tais exigências para o ingresso eram compatíveis com as de outros institutos europeus, sugerindo, dessa forma, uma uniformidade quanto à escolha do alunado.
Nessa incursão pela fundação dos institutos, não poderíamos deixar de destacar a experiência de Bolonha protagonizada pelo Padre Giuseppe Gualandi, jovem sacerdote formado pela Academia de Belas Artes e graduado em Teologia e Direito, que se dedicou à assistência dos surdos, com a intenção missionária de tornar conhecida a palavra de Deus àqueles que não podiam naturalmente ouvir e entender. Em 1849, começou a procurar por meninos surdos e a hospedá-los na casa da família e, em 8 de julho, iniciou a sua obra educativa.
Nas intenções do Padre Giuseppe Gualandi, estava a fundação de um núcleo familiar, em vez de um colégio interno, para que os surdos pudessem viver juntos, se comunicar, brincar, aprender e conhecer os fundamentos da religião. Contudo, ele não acreditava que o trabalho com surdos devesse ser apenas uma obra de caridade cristã do tipo assistencial. Tinha a consciência da necessidade da pedagogia e de métodos apropriados levar a cabo tal intenção. Giuseppe tinha um irmão, Cesare Gualandi, que, por 36 anos, o ajudou com muito empenho no trabalho com os surdos, até seu falecimento aos 57 anos.
Selva (1973) observa que, além do contato com a literatura sobre a educação de surdos, os irmãos Gualandi visitaram os diversos institutos para surdos na Itália, com o intuito de conhecer as atividades pedagógicas e os métodos especializados por eles utilizados. Em 1855, os irmãos Gualandi abriram uma escola no antigo mosteiro de Santa Maria dos Anjos e, em 1858, o Estado Pontifício reconheceu o Instituto Gualandi como uma instituição filantrópica. A Associação foi reconhecida em 1872 pelo Cardeal Morichini e tornou-se uma congregação de religiosos com o nome Pequena Missão para Surdos-Mudos9.
Em 1874, com a chegada de Orsola Mezzini, foi fundada a ala feminina para a educação de meninas surdas. A atividade desenvolvida pelos Gualandi consistiu também em criar unidade entre os institutos para surdos em toda a Itália, por meio de visitas e de contatos com os professores e as escolas, dentre as quais podemos destacar a de Fabriani, de Pendola, de Balestri, de Borsari, de Aiello, de Tarra, de Verona, de Veneza, de Vicenza, de Bergamo, de Trento e de Turim (SELVA, 1973). Por um decreto de Vittorio Emmanuele II, em 1896, o Instituto Gualandi foi reconhecido como Instituição Pública de Assistência e Caridade (IPAB), e, dois anos mais tarde, teve a aprovação do seu Estatuto Orgânico assinado pelo Rei Umberto I, com o nome de Instituto Gualandi para Surdos-Mudos de Bolonha10.
A herança dos irmãos Gualandi, ao receber apoio de muitos benfeitores, levou à abertura do Instituto Gualandi para Surdos em Roma, em 1884, em Florença, em 1885, em Giulianova (Teramo), em 1903, e, em 1910, um primeiro abrigo para surdos foi aberto em Le Roveri, perto de Bolonha. As congregações atuaram no âmbito da educação, da reabilitação da fala e da formação cristã, realizando experiências e métodos de qualificação e ensino comparados entre si (SELVA, 1973).
De acordo com Zatini (2005c), um instituto para surdos também foi criado em Cagliari11, na Sardenha, em 1867, após uma pesquisa estatística empreendida pelo prefeito da região, Domenico Elena, e do superintendente para os estudos de Cagliari, Agostino Piga. O instituto foi reformado em 1872, após uma arrecadação pública em favor dele, e, assim, passou a atender melhor ao seu objetivo: a educação especializada.
O instituto teve Antioco Vincenzo Canè como professor, e a prática dos ensaios escolares, ou apresentações públicas, era um recurso muito utilizado pelos fundadores para demonstrar os progressos realizados na educação de surdos. De acordo com Serra (2008), os ensaios escolares contribuíram para difundir o trabalho educativo realizado na escola de Cagliari.
Em poucos anos, a notoriedade do trabalho educativo realizado em Cagliari pelo Antioco Vincenzo Canè cruzou as fronteiras da Sardenha e se espalhou pela península e pelo exterior, tanto que, em fevereiro de 1875, Leon Vaïsse, diretor do prestigiado Instituto Nacional de Surdos, em Paris, exprimiu a satisfação com o progresso alcançado no campo da educação especial em Cagliari, em particular pela centralidade que ele deu ao ensinar o chamado método oral, que, nesses mesmos anos, se instalou nas principais instituições educacionais para os surdos do continente. (SERRA, 2008, p. 489, tradução nossa).
O instituto, reconhecido como instituição pública em 1881, oferecia um ensino bem-organizado e de bom nível, centrado no método oral puro e em uma atividade formativa eficaz, que visava favorecer a socialização e o desenvolvimento das habilidades profissionais dos jovens surdos. A partir de 1893, tornou-se uma grande instituição de ensino, podendo acolher e educar um número maior de estudantes.
Foi nesse contexto que o instituto passou por um processo de modernização didático-pedagógica, implementando ações que contribuíram para sua notoriedade, conforme ressalta Serra (2008, p. 502, tradução nossa):
Entre 1893 e 1897, o diretor realizou uma revisão orgânica dos programas de estudo, reorganizou e completou os exercícios escolares, dedicou-se a completar os livros didáticos apropriados e aumentou ainda mais a provisão de material didático destinado ao uso dos alunos internos, a qual contava com uma rica coleção de mapas desenhados na parede, para nomenclatura e geografia, e pôsteres especiais para o estudo do sistema decimal. Também a instrumentação e os subsídios didáticos para o ensino da língua foram renovados e aumentados, a fim de possibilitar uma melhoria constante das atividades pedagógicas.
A busca pela elevação da qualidade didática e do ensino sempre fizeram parte da trajetória do instituto.
Filippo Smaldone foi um sacerdote italiano que dedicou sua vida aos marginalizados da sociedade, entre eles os surdos, levando-o a fundar a Congregação das Irmãs Salesianas dos Sagrados Corações, em 1885, na cidade de Lecce, tendo como carisma a educação, a instrução e a formação cristã e cultural do surdo. Para desenvolver sua atividade com os alunos surdos, empenhou-se em conhecer os meios e os métodos válidos para a educação, dando início ao que se pode chamar de a pedagogia do amor, que continua, hoje, por meio do trabalho da congregação religiosa por ele fundada.
Foi observando o silêncio do Estado, a pobreza do Centro Sul da Itália e as condições de abandono dos surdos, que Filippo Smaldone amadureceu, na sua consciência pedagógica, a convicção da necessidade de programar organicamente a atividade didática para atender aos alunos surdos, com uma preparação específica e profissional, fundando o primeiro Instituto para Surdos de Lecce, em 1885. Diante desse contexto, vale considerarmos que:
O período de aprendizado do Padre Filippo Smaldone como educador de surdos começou por volta de 1869, quando o jovem clérigo entrou em contato com os padres da Casa Pia de Nápoles. Animado pelo desejo de aprofundar os múltiplos aspectos e os problemas do seu apostolado, o Padre Smaldone dedicou-se a aprender os métodos e as técnicas para a educação dos surdos. (SALADINI, 2008, p. 468, tradução nossa).
Segundo Saladini (2008), o Estatuto do Pio Instituto Filippo Smaldone de Lecce12, de 1893, defendia que, no programa de estudos, devia constar o ensino da escrita, da leitura, da língua nacional, do catecismo, da História Sagrada, da aritmética, da geografia, da história da Pátria, além de conhecimentos naturais, morais e civis. De acordo com a autora, o Instituto de Surdos de Lecce e as outras instituições que faziam parte de seu núcleo de fundação adotaram o método oral aprovado no Congresso Internacional de Milão, em 1880.
Havia uma diferenciação no plano de estudos de acordo com o gênero e a classe social dos alunos, conforme refere Saladini (2008). Para os alunos surdos pobres, era ofertada uma educação voltada para o trabalho na indústria e de acordo com as habilidades do aluno. Para as meninas surdas, ao processo de formação intelectual se somavam atividades voltadas para o artesanato e cuidados domésticos, visando, nesse caso, proporcionar aos alunos e às alunas uma preparação que os levasse a assumir uma posição na sociedade quando completassem os estudos e deixassem o instituto. A autora ainda acrescenta que “no sistema Educativo adotado no Instituto de Surdos de Lecce, encontramos os traços de qualificação e os fundamentos de uma perspectiva educacional essencialmente centrada na prevenção” (SALADINI, 2008, p. 479, tradução nossa). Esse era o núcleo central da proposta formativa de Filippo Smaldone, o que denota consonância com a reflexão e a prática pedagógica de outros educadores italianos contemporâneos a ele.
Importa destacarmos que, em 1880, o polêmico Congresso realizado em Milão alterou os rumos da educação de surdos na Itália e, no âmbito mundial, a deflagração da priorização do método oral para a educação de surdos. Segundo Carvalho (2012), houve a obrigatoriedade do ensino da língua oral para os surdos e a extinção da utilização da língua de sinais em sua educação. Assim sendo, de acordo com o autor, algumas escolas tentaram resistir, mas a imposição teve amplo impacto. Consequentemente, os institutos italianos, assim como outros ao redor do mundo, também assumiram essa decisão, alguns antes do Congresso, como constatamos neste estudo.
A promulgação da Lei nº 517, de 4 de agosto de 1977
Um aspecto que influenciou os rumos de vários institutos seculares mencionados que lograram chegar ao século XX foi a promulgação da Lei nº 517 de 1977, que modificou o ordenamento escolar, encerrou as classes e as escolas especializadas e inseriu, no contexto da escola comum, os alunos com deficiência (ITÁLIA, 1977); e, por consequência, promoveu mudanças muito incisivas no contexto educacional. Meirelles, Dainese e Friso (2017, p. 191) destacam que essa importante mudança na política educacional italiana mobilizou algumas ações fundamentais para a sua efetivação: “O professor de apoio especializado, número de alunos por turma não superior a 20 e a oferta de serviços especializados sob responsabilidade do governo e das redes locais de ensino (Estados e Municípios)”.
A referida lei valorizava o papel central da escola para a evolução de cada aluno e enfatizava o desenvolvimento de um sistema integrado, incluindo serviços locais de saúde e de cunho social para subsidiar o processo de integração escolar. A ideia era superar a lógica da guetização das escolas especializadas existentes nas décadas de 1960 e 1970 (MONTANARI, 2018).
Dessa forma, os institutos de educação de surdos que continuaram as suas atividades a partir das referidas décadas tiveram de ressignificar o seu trabalho em virtude da lei mencionada. Alguns institutos, frente às novas exigências, sucumbiram às mudanças. Foi o que ocorreu com o Instituto para Surdos-Mudos de Cagliari, que encerrou as suas atividades didáticas em 1983. Ademais, algumas instituições nem chegaram a experimentar tais mudanças, pois encerraram as suas atividades em período anterior à promulgação da lei. Foi o caso do Instituto Nacional para os Surdos de Gênova, que entrou em decadência após a morte do fundador e encerrou as atividades.
O funcionamento do Instituto Estadual para Surdos de Roma foi alterado devido à diminuição do número de alunos. Atualmente, tal instituição é um centro de referência sobre a surdez em Roma, mantendo o Departamento de Neuropsicologia da Linguagem e Surdez e o Departamento de Psicologia do Conselho Nacional de Pesquisa em suas dependências.
No caso do Instituto Governativo de Reeducação para Surdos de Nápoles, segundo Rusciano (2010), também houve uma queda no número de matrículas, que aliada aos problemas causados pelo terremoto de 1980, levou o Instituto a encerrar as suas atividades. Os alunos foram transferidos para o Instituto Salesiano do Padre Luigi Aiello. A perda de alunos também ocorreu no Instituto Estadual para Surdos-Mudos de Milão. Suas dependências, segundo Zatini (2005a), foram utilizadas para alunos ouvintes de outros níveis da educação.
Uma outra experiência surgiu no Instituto das Filhas da Providência para Surdos-Mudos de Modena a partir da Lei nº 517 de 1977. Desde 1978, a escola passou a atuar com projetos de integração entre alunos surdos e ouvintes, visando criar uma comunidade escolar na qual pudessem crescer juntos, com base na colaboração. Zatini (2005b, n.p., tradução nossa) acrescenta que, atualmente,
as Filhas da Providência estão presentes na Itália e no Brasil. Permanecendo fiéis à inspiração de seu Fundador, dedicam-se, com um voto especial, a educação dos surdos, para removê-los da marginalização, abri-los ao conhecimento de Deus, atribuir-lhes um lugar autônomo e ativo na sociedade.
Experiência semelhante ocorreu no Instituto Antonio Provolo para Surdos-Mudos de Verona, em decorrência da lei mencionada. A instituição moldou-se às novas iniciativas, abrindo turmas regulares e integradas, a fim de favorecer uma inserção adequada dos alunos surdos nessas turmas. Outrossim, uma parceria foi estabelecida entre o Instituto Antonio Provolo, que possuía um moderno centro audiológico e a Clínica de Otorrinolaringologia de Verona, a fim de dar continuidade ao serviço. O Instituto Antonio Provolo também organiza o curso de dois anos para a especialização de professores de apoio, autorizado pelo Ministério da Educação Pública desde 1987. O Instituto para Surdos-Mudos de Turim soma-se aos dois anteriores, pois adaptou-se às mudanças, prestando um inovador serviço educacional para alunos surdos inseridos nas escolas públicas da Região do Piemonte, mantendo-se aberto ainda hoje.
Outros institutos tiveram de reinventar seus espaços. Esse foi o caso do Instituto Tommaso Pendola para Surdos-Mudos de Siena. Em função da referida lei, a atividade escolar foi suspensa por causa da crescente diminuição de alunos, em função da integração no ensino regular. Contudo, a obra de Tommaso Pendola não foi extinta, graças à intervenção do Tribunal Administrativo, dos advogados e a colaboração do Professor Marino Bennati e seus auxiliares, bem como das associações de surdos e familiares que se colocaram contra a extinção da instituição. A referida intervenção foi deliberada pelo Governo da Toscana. Atualmente, a sede do instituto abriga um museu dedicado à escola para surdos, uma biblioteca pedagógica e um centro de documentação e pesquisas, como aponta Macchietti (2004). A necessidade de reinvenção para a continuidade da existência também foi observada no Instituto Gualandi para surdos de Bologna, que enfrentou uma crise a partir de 1998. Para dar continuidade ao compromisso com as novas necessidades e as novas tarefas, o Instituto Gualandi foi transformado em uma instituição privada, que assumiu o nome de Fundação Gualandi em favor dos surdos.
O Instituto Privado e Episcopal para Surdos-Mudos de Trento, após uma longa e qualificada trajetória a serviço dos surdos e de suas famílias, no auge das transformações sociais e educacionais da década de 1970, também modificou os serviços oferecidos. Tal iniciativa visava garantir um atendimento efetivo, por meio do apoio educacional e da reabilitação, para a integração escolar e a aprendizagem dos alunos no ensino regular, em acordo com a Província Autônoma de Trento e o Departamento de Educação. Essa iniciativa durou até o ano de 2003, quando as atividades educacionais do instituto foram definitivamente encerradas.
O Pio Instituto Filippo Smaldone de Lecce, na década de 1980, procedeu com a plena integração de alunos surdos, colaborando com outras escolas da cidade em projetos de rede para treinamento de professores e coordenação de várias iniciativas educacionais.
O impacto que a Lei nº 517 de 1977 provocou foi notório em todos os institutos estudados e em outros espaços educacionais. Em virtude das muitas alterações exigidas pela lei, percebemos que houve, por parte de algumas instituições, iniciativas para o enquadramento e a continuidade de atendimento ao público-alvo em questão. Entretanto, mudanças de tal envergadura são complexas e nem sempre se consegue atingir os objetivos educacionais propostos, pelo menos a curto prazo. O caso da Itália, nesse período, permitiu-nos conhecer um processo marcado pela necessidade de mudança, por imposição legal, e um repensar urgente em termos de concepção de escola, que extrapolava o caráter pedagógico e um novo delineamento para o atendimento aos públicos abrangidos pela lei, que incluía os surdos.
Considerações finais
Ao final desta incursão histórica, podemos considerar que a educação de surdos na Itália foi marcada por iniciativas que culminaram com a fundação de institutos especializados como uma resposta às necessidades da Educação Especial, tendo como referência inicial a tradição da escola francesa fundada por Charles Michel de L’Epée e, posteriormente, em alguns casos, a escola alemã, de Samuel Heinicke.
Abordarmos a trajetória dos diferentes institutos explicitados neste estudo, de Norte ao Sul da Itália, proporcionou-nos conhecer, no recorte temporal estabelecido, suas propostas pedagógicas iniciais, suas metodologias e seus princípios para a educação de surdos. Ao analisarmos essas iniciativas, cruzando seus percursos, observamos que a grande maioria nasceu por meio da disposição da Igreja, de caráter socioeducativo, com vistas a atender uma parcela marginalizada pela sociedade e pelos governos.
Outro elemento relevante a ser destacado, a partir da pesquisa empreendida, é que a Lei nº 517 de 1977, cuja essência preconizava a integração no ensino comum, alterou o rumo dos institutos especializados e exigiu no âmago de cada instituto, um processo de ressignificação para atuar de acordo com o novo contexto. Como verificamos, em virtude da falta de um planejamento estratégico e de ações inovadoras para fazer frente ao processo de integração de alunos surdos no ensino regular, alguns se extinguiram e poucos foram os que conseguiram se reinventar e dar conta dos desafios contemporâneos.
Este estudo também nos permitiu entender que algumas ações empreendidas nos institutos italianos impactaram igualmente o contexto da educação de surdos no Brasil a partir do século XIX. Como o início da educação de surdos no Brasil inspirou-se e moldou-se de acordo com a tradição francesa, a forma de organizar a escola, a estrutura curricular, a divisão do ensino por gênero, a abordagem oralista utilizada e o uso de materiais didáticos possuem similitudes. Ademais, alguns precursores da educação de surdos, na Itália, serviram de inspiração para as escolas especializadas brasileiras, tais como Severino Fabriani, Tommaso Silvestri, os irmãos Gualandi, entre outros.
O percurso da educação de surdos na Itália, antes de 1977, mostra-nos um trabalho caracterizado por uma tradição, iniciada por Tommaso Silvestri e difundida para outras regiões do país por meio de outros homens, que, por vezes, se tornaram discípulos e multiplicadores das ideias pedagógicas consideradas exitosas. O esforço em unir os institutos, preconizado pelos irmãos Gualandi, mostrou-nos uma tentativa de criar uma identidade nacional para o trabalho com surdos, algo que não ocorreu de forma maciça, mas, sim, em relação ao uso de métodos combinados. Observamos que, nessa trajetória, a presença de mulheres foi bem mais restrita, tímida e marcada pela atuação em espaço que, além do educacional, congregava o caráter religioso.
Outro aspecto que marcou definitivamente a Itália no cenário mundial foi o Congresso de Milão, em 1880, que se propôs a discutir a educação de surdos. A adesão às suas determinações fez com que prevalecesse a ideia de que o oralismo puro seria o método mais eficaz a ser utilizado na educação e na reabilitação de surdos. E assim se fez por quase 100 anos!