Introdução
As origens da prática formativa/educativa do homem grego remontam ao alvorecer de sua cultura, ao período que se convencionou chamar arcaico. Ainda que envoltos nas penumbras do tempo, os poemas homéricos, Ilíada e Odisseia, têm posto a lume a Grécia heroica e desvelam o espírito criador e formativo daquele povo. Considerados os documentos mais antigos da cultura ocidental (GALINO, 1973), tais poemas tornaram-se um legado privilegiado para a História da Educação referente ao período.
Nessas duas obras, a prática formativa/educativa funda-se no conceito de virtude, guardando intima relação com os valores e os interesses de uma sociedade aristocrática. No entanto, o ideal de formação do herói, do homem ideal, mesmo sobre o fundo comum da virtude, é abordado de forma diferente nos cantares homéricos. Em cada um deles, o autor desenvolve um referencial formativo/educativo específico: no cenário, no enredo, na característica, na particularidade e nos objetivos de seus heróis expressa sua preocupação em atender a sociedade que está a servir, a aristocracia arcaica tradicional.
Em Ilíada, a preocupação parece ser a de pontuar a virtude do herói guerreiro. Ao elaborar esse modelo do homem ideal, atribui-lhe coragem, força, bravura, valentia, sagacidade, amor e entusiasmo pela guerra. Em seu exercício bélico, o herói faz questão de mostrar seus valores e conquistas para aqueles que o observam no campo de batalha (RIBEIRO; LUCERO; GONTIJO, 2008), no espaço em que ele se realiza e se constrói plenamente quer como herói quer como referencial.
Já, em Odisseia, o autor canta o herói do pós guerra, a viagem que empreitou de volta para sua terra natal, suas peripécias para retornar ao que deixou quando foi para a guerra. Nesse cantar, ocorre um processo de substituição da excelência da prática guerreira por um novo agir, fundado em virtudes também vinculadas aos interesses aristocráticos. A excelência, neste caso, é o domínio da linguagem, das belas e hábeis palavras que têm a virtualidade do convencimento, da persuasão e, até mesmo, do engodo. Laureia-se o herói que tem a argumentação certa, na hora certa (RIBEIRO; LUCERO; GONTIJO, 2008), no momento certo, ou seja, a ocasião demandava a elaboração do discurso, da argumentação, dos meios de convencimento para a solução das situações problema que se apresentavam.
Neste artigo, analisa-se Ilíada com o objetivo de buscar nesse poema homérico referências ou indicativos dos ideais de formação do homem guerreiro. Considera-se que a obra é um documento da primeira tentativa formativa do jovem grego no período arcaico, quando a produção da vida era respaldada na guerra, no saque e no botim. Em suma, o objetivo é abordar a Ilíada como peça essencial na discussão sobre a formação do homem ideal grego, que cumpriu seu papel histórico na sociedade de então.
Nessa obra, a antiga tradição lendária, que representa os valores precípuos dos povos de então, é contemplada pela habilidade criadora do poeta, admirável em sua sensibilidade quase ingênua, pensada, refletida e sazonada por uma decantada experiência poética (GALINO, 1973, p. 117). Graças a esses legados é possível vasculhar, descobrir e encantar, surpreendentemente, em grande medida, as mais recônditas particularidades da formação dos homens naquela comunidade cortês-aristocrática em seu alvorecer cultural.
Entre os gregos, a educação era patrimônio da aristocracia, detentora do poder político e hipotecária da cultura. Por sua vez, os setores inferiorizados socialmente, a massa popular, tributária dessa aristocracia cavaleiresca, em uma relação quase patriarcal, não tinha acesso a qualquer benefício, vivendo às margens do sistema. A vida no ócio elegante, privilégio da aristocracia, isenta das lides servis, oportunizava aos jovens aristocratas o benefício de uma formação aprimorada, quer para o exercício guerreiro, quer para a condução política de sua comunidade. Assim, a educação praticada na sociedade homérica destinava-se a preparar o homem aristocrata, o aristoi, cujo caráter cavaleiresco atendia às demandas de então.
Essa pedagogia arcaica assentava-se em um ideal de perfeição humana, com base no qual o jovem aristocrata receberia uma formação integral, tornando-se apto a desenvolver um corpo vigoroso e saudável e a nobreza da alma. Nos poemas homéricos está candente o exemplo divino-heroico que era o referencial dessa educação para o corpo e para a alma. Deuses e heróis, seres superiores, super-homens eram os modelos a serem seguidos e imitados. Nessa dinâmica, o jovem era projetado para se sobressair, ser o melhor, superior, reconhecido, credor de uma honra universal perpétua.
Cifra-se aqui o astoi, cujas excelência e nobreza superiores eram o grande objetivo e o fim cavaleiresco. Ou seja, o fim seria atingir o mais alto destino do herói, a conquista de uma respeitabilidade terrena gloriosa entre os seus pares, entre os seus e em sua comunidade, já que a sociedade aristocrática não tinha perspectiva em relação à vida ultra tumba (GALINO, 1973, p.118).
Nessa concepção, os Campos Elíseos não simbolizavam para o herói o paraíso, mas o domínio das incertezas promovidas pelo desconhecido, representado pela morte. Em última instância, simbolizavam a destruição, o aniquilamento, o ponto final dessa vida festejada.
Isso explica o insaciável desejo do herói de viver plenamente o seu destino e encontrar, nessa realização, a fonte de uma alegria transbordante. Para alcançar tal objetivo, o herói era preparado para o sacrifício pessoal em busca da honra, para dignificar seu nome pela fama, que o faria imortal. A vida, celebrada e vivida com intensidade, não representava muito quando esses altos valores heroicos eram colocados em tela, razão pela qual não se rejeitava a ocasião de alcançar o fim para o qual o herói foi formado e que deveria ser perseguido durante sua existência. Não era a glória pessoal que movia sua ação, mas o encantamento, a felicidade e a honra de ter vivido a beleza absoluta, de ter chegado aos domínios do ideal de perfeição, da realização plena. Fica evidente com isso o espiritualismo daquele pensar ético que ensejou no homem um acentuado orgulho de seu humanismo.
Desenha-se, assim, a dimensão de plenitude que assumiu a areté enquanto processo formativo do aristocrata, daquele homem que se pretendia ideal. A consecução desse ideal formativo, o aperfeiçoamento do homem, reivindicava luta incessante, pois, somente por meio dela, seria possível atingir o fim almejado, e esse combate colocava em evidência sua virtude. A morte se apresentava como desejada e valorizada quando consumava o destino do herói (GALINO, 1973, p. 117-119) e, unicamente com esse desfecho, a areté se realizaria em seu sentido pleno, conforme pontificado nos poemas homéricos.
Matizes e significados da areté homérica
O conceito de areté contém importantes pistas para a discussão do fim, dos objetivos e das características da educação homérica. A areté, ideal que representa o objetivo da formação/educação do homem do período mítico, no qual se destacam a força e o valor heroico, está evidenciada na Ilíada, um testemunho da consciência educadora da aristocracia no período homérico.
A análise cuidadosa de como esse fecundo e polifacetado conceito central da formação da aristocracia grega aparece na Ilíada põe à luz sua multiplicidade de significados e de matizes.
Os dois aspectos básicos da formação/educação do herói (o técnico, relacionado com a techne, e o ético, com a areté) são fundamentais no processo formativo/educacional cavaleiresco. O homem homérico, ao se capacitar para a ação e para a argumentação, buscava um estilo ideal de vida, misto de guerreiro e cortesão. Essa distinção está incluída na organização dos conceitos da paidéia grega. O aspecto técnico da educação engloba: 1) a preparação físico-desportiva (os esportes, os exercícios físicos e a habilidade no uso das armas), ou seja, aquela que se refere ao objetivo da areté física; 2) a preparação espiritual e cultural (artes musicais, canto, dança, habilidade com a lira e com outros instrumentos musicais), o domínio da expressão e da linguagem (expressar-se com elegância e precisão) e a experiência de mundo (saber viver, conviver e “transitar” nesse mesmo mundo referem-se aos objetivos da areté espiritual). O aspecto ético compreende a formação de determinadas atitudes e a aquisição de virtudes, como a bondade, a nobreza, o orgulho, o temor e a reverência aos deuses (REDONDO; LASPALAS, 1997).
Mesmo que, nesse poema, Homero não tenha posto à luz uma ideia elaborada de ética, deixou alguns vestígios de um conjunto de valores que se articulavam e se cruzavam, manifestando uma abertura progressiva para o porvir e atribuindo importância a esses mesmos valores na orientação do comportamento do homem ideal (FREITAS, 2007, p. 105). Ele mostrou o herói em seu modo de ser, em seus costumes e em suas relações com o seu entorno e com o seu meio social. Vale lembrar que, na ausência de princípios éticos efetivos, ao mostrar a dinâmica dessas expressões sobre-humanas, ele inspirou a formação/educação de sucessivas gerações da sociedade grega (SCHÜLER, 1985, p. 15).
Entre os valores defendidos pelo poeta aparecem em destaque a honra, a glória, a vida guerreira (COSTA JUNIOR, 2012, p. 29), mesmo que o preço a pagar fosse uma vida breve, entretanto, plena: “[...] a escolha do herói por uma vida curta e gloriosa, propiciada pela “bela morte” no campo de guerra, origina-se da consciência da efemeridade da vida humana e da “dimensão metafísica da honra heroica”” (ROSA, 2016, p. 20). Essa ética guerreira, no entanto, é individualista, motivada pela honra e pela glória (COSTA JUNIOR, 2012), que deveriam ser perseguidas com bravura, coragem e valentia pelo herói. Assim, dignificado pelos feitos heroicos, privilégio do homem aristocrata, ele se tornaria o melhor, o superior.
Esses valores do herói cavaleiresco implicam a luta obstinada para ser o melhor, superior aos demais, para se destacar entre os pares, ser excepcional, ser o primeiro na guerra e na olimpíada. Isso explica a importância da emulação e do espírito de competição na formação/educação mítica. Dessa forma, o herói desenvolve a megalopsiquia (grandeza de ânimo) para assumir o ideal agonístico da vida, no qual está implícita uma peculiar concepção ascética de triunfo e de autossuperação.
Posteriormente, o perfil completo e equilibrado dessa formação/educação para o corpo e para a alma recebeu a denominação de kalokagathia, expressão intraduzível que expressa o ideal da educação destinada à aristocracia grega anterior ao século V e que foi assimilado parcialmente pela democracia ateniense, configurando a paidéia grega em sua plenitude (REDONDO e LASPALAS, 1997).
A paidéia homérica não se constituía como um modelamento externo; pelo contrário, estava assentada no modo de ser, na natureza do homem. Cabia à formação/educação potenciar sua tendência natural para o aperfeiçoamento, oportunizar o engrandecimento da alma, humanizar o homem, instrumentalizá-lo para se fazer melhor.
O sentido do dever, o orgulho por pertencer a determinada classe, a paixão e a perseguição da glória dinamizavam a paidéia heroica. Neste cenário, a formação/educação tinha por objetivo envolver o homem aristocrata para se colocar entre os melhores (o aristoi), preparando-o para a excelência no campo de batalha, para a força, a bravura e a coragem, para o combate, para a ética guerreira e para a eloquência convincente na esfera da ágora (SOARES; VIEIRA, 2009).
A coragem, a valentia e o destemor eram valores próprios do homem aristocrata, daquele que desfrutava de destaque e de posição social. A luta e a vitória compunham para ele a mais alta distinção, o conteúdo e o motor de sua existência (JAEGER, 1996). Por esse motivo, ao exaltar o homem aristocrata, Homero hipotecou-lhe virtudes modelares, como a honra, a amizade, a lealdade, a hospitalidade, o bem falar e o respeito, até mesmo pelo inimigo, quando este demonstrasse ter os valores da virtude (SCHÜLER, 1985).
A virtude permitia-lhe, de alguma forma, identificar no outro seu próprio valor, ou seja, refletir nele suas próprias qualidades, aquelas inerentes ao herói dignificado e glorificado entre os gregos (ROSA, 2016). Essa consciência somente seria adquirida quando o herói fosse reconhecido pela sociedade a que estava vinculado.
Homero associa a noção de homem à noção de virtude, que, de algum modo, definia o próprio homem. Nesse entendimento, a virtude era uma qualidade própria do homem aristocrata, típica desse setor dominante, e somente poderia ser desenvolvida por homens que já a possuíam latente, como dádiva de sua origem superior (ANDERY; MICHELETTO; SÉRIO 1996).
A honra foi uma grande preocupação de Homero. Por conta dela, eclodiam conflitos, desenvolviam-se batalhas, selavam-se destinos e quebravam-se compromissos (SCHÜLER, 1985). Pela honra de Menelau, rei de Esparta, ofendida por Páris, príncipe de Tróia, que seduziu sua bela esposa Helena, levando-a com ele, os gregos deflagraram uma longa e sangrenta guerra com os troianos. Pela honra, ofendeu-se Aquiles, filho do rei de Ftia e da deusa Tétis, a encarnação de todos os ideais heroicos (o herói modelar): quando Agamenon, rei de Mecenas e comandante supremo da expedição grega, tomou-lhe a bela Briseis, sua “presa de guerra”, ele se afastou do campo de batalha. Foi em resposta ao ultraje à sua honra, praticado por Agamenon, que ele contrariou o estatuto dos heróis e, movido pela ira, assumiu uma postura desmedida, colocando em risco toda a hoste grega.
Para a aristocracia heroica, a negação da honra representava a grande tragédia humana, por isso a honra deveria ser vingada, reabilitada segundo os ditames da tradição. Na obrigação de tratamento de mútuo respeito entre os pares assentava-se toda a ordem social daquele momento. Não poderia ser diferente: quanto mais notoriedade tivesse o herói, mais distinção requisitava para sua honra. Era quase natural reivindicá-la por um serviço prestado ao bem social.
Ao romper com esse princípio caro aos gregos e requisitar a “presa de guerra” de Aquiles, o primeiro dos heróis, Agamenon, “rei dos reis”, comandante supremo das hostes gregas, desconsiderou publicamente o direito de posse, legitimamente conquistado, e, por extensão, a honra de um de seus pares mais respeitados. Esta deveria, portanto, ser reparada. Além de negar a Aquiles a honra conquistada por ações e façanhas heroicas, a atitude de Agamenon correspondia a uma nova manifestação de poder, representada pela opressão, que desconsideraria valores consagrados pela tradição (REDONDO; LASPALAS, 1997).
No momento, no entanto, isto não era fundamental. O que importava verdadeiramente era o grau de ofensa implícito na negação de uma honra correspondente a uma areté superior.
Para além dessa questão, Homero investiu Aquiles de sentimentos e comportamentos contraditórios. De um lado, o herói tinha clara consciência dos limites impostos pelos deuses ao homem. Há nele bravura, eloquência e encarnação de todos os ideais heroicos, um profundo respeito pela hierarquia, quer militar, quer social. Se assim não fosse, teria matado Agamenon, quando este lhe reivindicou Briseis. De outro, ao se deixar levar pela ira, pôs em risco toda a hoste grega, o que foge aos fundamentos da formação/educação heroica. Diante da ameaça de Agamenon de lhe tirar a “escrava” ou da embaixada enviada por esse rei para cumprir o que havia ameaçado, Aquiles, em estado de fúria e de cólera, denunciou veementemente as vantagens acumuladas pelo rei por ocasião das partilhas dos despojos e botins, as quais sempre obedeciam à posição social e não ao valor pessoal. O primeiro passo de Aquiles para reparar sua honra foi reivindicar que sua mãe punisse Agamenon por lhe ter tomado o “bem”, agora simbólico, sem se importar com o preço a pagar: a punição de toda a hoste grega. Isso o distanciou da virtude heroica de lealdade, fidelidade e comprometimento com os pares.
Em que pese esse comportamento pendular e oscilante, Aquiles tem noção de limites, os quais, mesmo nas situações conflitantes, são retomados. É o que fica claro no diálogo com Pátroclo, seu amigo e pupilo, antes de este entrar no combate com Heitor, o que ocasionou sua própria morte. Sem dúvida, é necessário atribuir a construção de sua personalidade mítica àquela fidelidade micênica que projeta no Olimpo a semelhança com uma sociedade humana com base em uma rígida hierarquia (ROBERT, 1998).
Em contraponto a Agamenon e a Aquiles, surge Nestor, rei de Pilos, que, com a serenidade e a sabedoria angariadas pela idade, argumentou em reprovação ao conflito que se punha entre eles. Sua postura contrasta com a juventude impulsiva, intempestiva e impetuosa daqueles contendores, mostrando que ele era portador do ideal de moderação, no qual estão contempladas todas as virtudes prezadas pelos gregos, cuja harmonização, valorização e elevação a uma plenitude moral e cívica superior importavam a quem estava destinado a comandar a um povo (SCIACCA, 1966, p. 68). Contrapondo-se a um pela imposição do poder e a outro, pela ira, e alertando-os para os comportamentos desmedidos, o velho fez de tais virtudes argumento para conclamar esses reis a retornar à serenidade que o momento exigia, para o bem dos gregos. O que o velho conselheiro punha em tela era a atitude desmedida desses heróis, o comportamento e a prática que eram negados pelos gregos: suas palavras tinham o sentindo de convidá-los a voltar à medida própria do aristoi, que tinha responsabilidade de liderança entre os seus.
Ao lado da honra, Homero atribui lugar primacial à amizade. Por ela, o contraditório Aquiles esqueceu a ira que sentia por Agamenon e resolveu retornar ao campo de batalha para vingar Pátroclo, vencido em combate pelo príncipe Heitor, o principal guerreiro troiano. Pela amizade que dedicava ao amigo querido, abandonou a ira provocada pela honra ferida e decidiu-se a infringir ao inimigo espetacular derrota. Por essa amizade, pela segunda vez, Aquiles quase violou outro código ético prezado pelos heróis: ao matar Heitor, pensou em lhe mutilar o corpo, atitude que deporia contra a ética heroica, exatamente porque voltada para aquele que constituía o opositor ideal, sua antítese (BOWRA, 1983).
Na Ilíada, Aquiles não é o único herói modelar que se destaca pela bravura entre os melhores heróis gregos: Tróia também tinha seu herói, investido dos valores e virtudes próprios desse mundo místico de personagens heroicas. Isso pode explicar, em parte, a especial atenção que Homero dedica a Heitor, senhor de todos os valores heroicos, destacado entre os troianos, respeitado pelos gregos, o que não o isenta de ser um herói desafortunado. Como tinha consciência do seu fado, aceitou a morte: por sua responsabilidade cívica, morreria pela pátria, cumpriria seu dever e evidenciaria sua honra, sua bravura e sua dignidade diante do destino (SCIACCA, 1966). Esse mortal, dotado de qualidades próprias de um homem, era passível de ter momentos de dúvida e até de medo, mas sua bravura deliberada tinha como inspiração o amor à terra. Além disso, Heitor era esposo e pai irrepreensível, o filho predileto, que sentia a obrigação como responsabilidade humana, que Aquiles, por sua condição, desconhecia (ROBERT, 1998). Heitor é um herói humano; sua condição de herói é legitimada por suas características guerreiras; ele é um homem normal, filho de humanos, não de mortal com uma divindade. Não é um semideus, como Aquiles, filho de uma deusa marítima (SOARES; VIEIRA, 2009). Objeto de amor e de admiração, Heitor sabia lutar bravamente e até mesmo, porque esse era seu dever, em posição de inferioridade ao lutar com forças para além das humanas. Assim, não desfrutou muito o arrebatamento das batalhas.
Sobre ele pairava a sombra da morte, conforme fica explícito nos pedidos de seus pais, o rei Príamo e a rainha Hécuba, e de sua mulher Andrômaca, bem como no conselho do amigo Polidamante para que se protegesse nos muros da cidade, pelo bem de sua vida e de muitas vidas troianas.
Apesar da angústia, Heitor decidiu lutar com Aquiles. Ao ver seu opositor, sentiu a desvantagem e fugiu, sendo perseguido pelo principal herói grego. Entre sentimentos contraditórios, temor e ímpeto da glória, sua decisão de ir ao combate foi potencializada pela dissimulação e pelo disfarce de Atena. Ao perceber que foi enganado pela deusa, compreendeu que seu fim era chegado, sua hora era chegada, segundo a vontade dos deuses, e que lhe cabia enfrentá-la conforme fora preparado, formado/educado. Herdeiro de valores legitimados e respaldados pela honra, era cônscio do dever se perpetuar sem a desonra de um comportamento covarde (SCHILLING, s/d). A covardia não tinha lugar na formação/educação do herói.
Em sua decisão, Heitor buscava sua excelência enquanto homem da guerra, mas nessa preocupação de glória pessoal, não deixou de fora seus pais, seu povo e sua terra. Em sua glória estava a glória coletiva, de seu povo e de sua família, o que o opõe a Aquiles, o herói sanguinário, que luta por si, por uma glória pessoal. Aqui, Homero coloca em pauta a humanidade de Heitor (SOARES; VIEIRA, 2009).
No enfrentamento entre Aquiles e Heitor, as desvantagens são expressas: o maior dos heróis gregos não manifestou nenhuma intenção de protesto quando a deusa Atena, em pessoa, estabeleceu a trajetória das setas e coordenou os golpes de espada.
Nessa epopeia dedicada à glória de Aquiles, o ponto culminante é exatamente aquele em que o herói tem atitudes mínimas tomadas por ele mesmo. O que se configura é um assassinato, muito distante de uma prova de força, destreza e resistência. O mesmo Aquiles que, desde os momentos iniciais da luta, fazia sinais aos arqueiros para que não alvejassem o opositor, para não lhe tirar a glória, em nenhum momento manifestou a intenção de afastar a deusa parcial, que lhe ofereceu vitória na luta a dois. Desde muito, o pai lhe avisara que sua vitória seria uma dádiva de Hera e Atenas, o que lhe cabia era administrar sua impulsividade (ROBERT, 1998).
Heitor é a antítese de Aquiles. Foi projetado para ser o opositor do herói perfeito, em correspondência com sua excelência. O Olimpo não conspirava a seu favor; pelo contrário, ele estava marcado para morrer pelas mãos de Aquiles. Então, no enfrentamento entre os heróis, no caso específico de Heitor, a derrota em si não era um acontecimento infeliz e o duelo não constituía uma prova efetiva de virilidade. O sentido épico do destino o impedia. Um homem morre quando o destino ou os deuses assim o querem. Ao herói, cabia fazer o máximo, lutar com honra, o que significava ser o mais implacável possível para o seu inimigo, sem ofender as convenções básicas. A demonstração de medo era inconcebível para o herói, embora Heitor tenha se mostrado resistente a enfrentar Aquiles, o que pode ser justificado e entendido como uma emoção indesejada enviada por algum deus. Assim, o que realmente importava era o duelo, a maneira de confrontar o inimigo, responder ferimento com ferimento, a maneira como proceder ao ataque, como investir contra o opositor, arrancar sua armadura triunfantemente ou enfrentar a agonia da morte fatal, aproveitando os últimos momentos da vida para dizer mais uma palavra de nobre desafio (KIRK, 1962, p. 373), confirmando sua coragem, seu valor e sua bravura, conforme previa o estatuto dos heróis mitificado pela tradição.
No confronto entre o guerreiro munido com armas produzidas por homens e o herói armado com artefatos forjados em oficinas divinas, o resultado não poderia ser outro: o homem vencido, Heitor abatido (BOWRA, 1983). O tratamento que Homero deu ao guerreiro exemplar troiano pode ser entendido como a mais antiga manifestação da imparcialidade e até mesmo da superioridade moral incorporada pela sociedade grega (ROCHA PEREIRA, 1998).
A morte de Heitor e a investidas de Aquiles para lhe profanar o corpo levaram Príamo, rei de Tróia, e pai do herói troiano, à necessidade de recuperar seu corpo para lhe dar as devidas honras fúnebres, indo, escondido pela noite, à tenda de Aquiles. As súplicas de Príamo, alavancadas pela bravura de Heitor, qualificavam pai e filho para a obtenção do respeito do primeiro dos heróis gregos.
Nesse momento, Homero põe em destaque no processo formativo/educativo o respeito reverencial, próprio do herói, até mesmo para com os inimigos, quando estes demonstram virtudes modelares. Não foram os presentes oferecidos pelo sofrido e transfigurado pai que abrandaram a fúria de Aquiles e o convenceram a entregar o corpo do bravo filho, o príncipe Heitor, que havia tombado na luta com o herói protegido por Atenas e Hera.
O sentimento paterno colocou-se acima da imagem do rei inimigo (SCHÜLER, 1985). Então, o herói se humanizou ante o pai alquebrado, humilhado e indefeso, mesmo detendo um título real. Aquiles se sensibilizou com as palavras e a expressão de dor daquele homem altivo, que não hesitou em se humilhar diante do inimigo e depositar beijos nas mãos que haviam assassinado o filho. Depois de ter assumido uma crueldade primitiva, o protegido do Olimpo ofereceu comida a Príamo, entregou-lhe o troféu, o corpo pranteado de Heitor, seu valente inimigo, limpo e perfumado (ROCHA PEREIRA, 1998). Além disso, concedeu trégua de doze dias ao rei para que pudesse celebrar os funerais do ente amado.
Nessa profusão de sentimentos e emoções que marcam o encontro entre Príamo e Aquiles, um cenário se projeta, quebram-se as demarcações que dividem homens em guerra, em apreço ao valor da vida, que estabelece um limite moral acima de todas as diferenças entre vencedores e vencidos (SCIACCA, 1966). Aqui são apenas homens marcados, sofrendo a mesma dor humana, que os faz iguais, abatidos pela perda definitiva e irreparável de entes queridos e amados.
No elenco dos comportamentos ideais do herói, referentes ao convívio social, destaque merece a hospitalidade para com suplicantes e hóspedes. Era de bom tom amparar e defender alguém que solicitava proteção, adotando a atitude clássica da súplica: “tocar com a destra na barba e a esquerda os joelhos”. Essa prática grega dava a muitos a certeza de encontrar abrigo e guarida em lugares distantes do seu, principalmente em exílio ou em fuga da terra natal.
A hospitalidade criava um vínculo de ordem moral entre o hóspede e o hospedeiro e isso se sobrepunha até mesmo aos deveres militares e se projetava para além das gerações (ROCHA PEREIRA, 1998). É o que expressa o diálogo entre Glauco, príncipe de Argos, e Diomedes, rei de Tirento, quando se preparavam para o combate:
Hipóloco foi meu pai. Mandou-me a Tróia e recomendou-me muitas vezes que me destacasse e me sobrepujasse aos demais, e não envergonhasse a raça do meu pai, a mais valente em Éfira e na vasta Lícia. Dessa raça e desse sangue eu me orgulho de ser.
Assim falou, e Diomedes de forte grito de guerra regozijou-se. Arremessou a lança à fértil terra e dirigiu-se com palavras amáveis ao pastor do povo: “Em verdade, és de uma velha família minha amiga. Eis que Oineu acolheu certa vez o admirável Belerofonte a conservou-o em seu palácio durante vinte dias, e eles trocaram entre si presentes de amizade. [...] Assim, sou teu hospedeiro em Argos e tu és o meu na Lícia, quando eu viajar naquela terra” (HOMERO, 1978, p. 109-110).
A identificação das respectivas linhagens antes do enfrentamento direto, como era de costume, leva ao conhecimento de que um antepassado de Glauco fora hóspede de um antecedente de Diomedes. Por isso, suspendeu-se a luta e, para dar público testemunho e selar a amizade ancestral, os oponentes promoveram a troca das suas armas:
Evitemos, portanto, a lança um do outro, no meio do combate: há muitos troianos e famosos aliados que possam matar e muitos aqueus para matares, se puderes. Troquemos de armas um com o outro, para que estes homens saibam que nos declaramos amigos através de nossos pais (HOMERO, 1978, p. 110).
Esse mesmo estatuto de convivência social não foi respeitado por Páris, que seduziu Helena na esfera doméstica do marido que o recepcionou. Embora o crime do príncipe estivesse vinculado ao roubo e à pirataria, não foi por isso que mereceu a reprovação da consciência pública, mas sim pelo ultraje à honra, agravado pela violação da hospitalidade do rei de Esparta que também precisava ser punida. Esse castigo deveria ser extensivo à cidade de Tróia, considerada cúmplice do comportamento reprovável de Páris que se negou a apresentar uma satisfação e a devolver a esposa infiel (REYES, 2000). Tróia responderia pela inconsequência do seu príncipe e, com o sangue dos seus, pagaria aquela quebra de protocolo.
A virtude do herói não se expressava apenas no campo de batalha, onde a coragem, a bravura, a força e a destreza nas armas se conjugavam para fazer eclodir a plenitude humana. Ela se realizava também na assembleia, onde todas as decisões importantes eram tomadas com a participação de todos os guerreiros, mesmo que tacitamente (SCHÜLER, 1985). Esse era o espaço do discurso, dos exercícios de convencimento e de persuasão. Era nas assembleias, espaço privilegiado dos aristoi, que os heróis se realizavam.
Isso pode explicar, em certa medida, a fala do deformado Térsites. Na assembleia, ele tece críticas veementes aos príncipes, especialmente a Agamenon, e dá voz à angústia dos desfavorecidos (SHULLER, 1985), até então silenciados pela ordem posta pela sociedade grega.
Filho de Atreu, por que te queixas? O que te falta? Tuas tendas estão repletas de bronze e há nelas muitas mulheres escolhidas que nós, os aqueus, te damos, sempre que tomamos uma cidade. Ainda queres ouro que algum dos troianos [...] trarão de Ílion como resgate para seu filho, eu [...] Não é justo que aqueles que reina traga para o infortúnio os filhos dos aqueus. Covardes, desgraçados idiotas, mulheres de Acaia e não homens, voltemos à pátria com os nossos navios e deixemo-lo dirigir suas presas aqui em Tróia. Ainda agora ele insultou Aquiles, o homem muito melhor do que ele, pois tomar sua presa de guerra [...] não há irá, porém, no coração de Aquiles: ele não se preocupa de modo algum. De outro modo, filho de Atreu, esta seria a tua última insolência (HOMERO, 1978, p. 34).
Apesar de o homem do povo estar aí representado, o protesto episódico do infeliz Térsites foi silenciado pela força e violência de Ulisses, rei de Ítaca, num gesto de legitimação do poder instituído.
Térsites, tagarela insensato, embora seja orador fluente, convém dominar-te e não queiras sozinho lutar contra reis. Creio que não existe homem pior que tu, entre todos os que vieram a Ílion [...]. Não deves, portanto, falar com os limpos, nem deves censura-los, nem esforçares para o teu regresso. [...] mas uma coisa te digo e cumprirei sem sombra de dúvida: se outra vez encontrar-te fazendo-te de tolo, como neste momento, que a cabeça de Ulisses não fique mais em cima de seus ombros, que eu já não seja chamado de pai de Telêmaco, se eu não te agarrar e arrancar-te todas as tuas vestes, teu manto e tua túnica, que escondem tua nudez, e mandar-te de volta, chorando. Aos velozes navios, depois de te expulsar da assembleia, expulsando-te vergonhosamente (HOMERO, 1978, p. 35).
Mesmo que Ulisses, o autêntico representante da aristocracia mítica, da qual Homero cantava os feitos heroicos, tenha neutralizado o maledicente Térsites, num indicativo de que o principal segmento da sociedade grega ainda conservava o seu poder, o episódio mostra que não era possível impedir as primeiras manifestações e ataques do novo tempo que começava a se organizar.
Para evidenciar a importância da bravura e o que dela decorria, Homero fez acompanhar o nome dos guerreiros com atributos, por mais insignificantes que fossem e mesmo que por um único momento, conforme a extensa lista do segundo canto de Ilíada. Em sua exaustiva prolixidade, o poeta homenageava centenas de anônimos. À medida que iam recebendo o seu reconhecimento, cada um desses homens retirava-se de cena, tombado por uma ferida honrosa, para deixar lugar a outro bravo guerreiro. Os que não ostentavam façanhas e ações dignas de registro eram contemplados pelo menos com a lembrança do seu momento derradeiro, da hora da sua morte.
No entanto, a preocupação de Homero era o homem aristocrata, representado de forma mítica na figura do herói. Este, ao encarnar o ideal supremo da areté humana, passou a ser o exemplo mais elevado de humanidade, uma vez que tinha transcendido o que era inferior e desprezível.
Assim se explica que a excelência do processo formativo se situasse nas duas esferas já mencionadas: a da habilidade com o manejo das armas e a da argumentação lógica e fluência ao falar.
Uma questão essencial para a formação/educação heroica era buscar um ponto de equilíbrio entre a capacidade para a ação e o discurso bem elaborado, ou seja, a necessidade de capacitar para a vida e cultivar o espírito. Aquiles, o autêntico representante dessa areté superior, congrega a habilidade de Ulisses, o mestre da palavra, e a perícia de Ájax, o homem de ação (SCHÜLER, 1985). Esse equilíbrio aparece nas considerações de Fênix, o velho preceptor de Aquiles:
O velho cavaleiro Peleu mandou-me contigo, no dia em que te enviou, ainda criança, da Ftia para Agamenon [...] Ele me mandou, portanto, para ensinar-te todas essas coisas: a ser um bom orador de palavras e um bom executante de ações (HOMERO, 1978, p. 158-159).
Assim Fênix se refere à sua antiga responsabilidade pedagógica para com Aquiles, conforme solicitara o pai do herói: formá-lo nos domínios da palavra e da ação, na habilidade com a argumentação e na agilidade com as armas, na perspicácia no conselho, na intuição na prática da vida, no domínio sobre o outro pelo poder da palavra. Mais, a coragem viril, o vigor físico para triunfar sobre o inimigo, fazer-se digno de honra, respeito e estima de seus pares. Afinal, o herói tinha que ser senhor da areté, distinguir-se pela excelência da sua atividade guerreira e argumentativa (SCIACCA, 1966).
Nesse diálogo com o antigo discípulo, ao mesmo tempo em que planejava vergar sua obstinada decisão de abandonar as forças gregas, quando desrespeitado por Agamenon em sua honra e chamá-lo à razão para assumir um perfil de expressivo vigor, o velho preceptor delineava o homem ideal que a sociedade mítica queria formar/educar. Ao evocar o passado, o velho preceptor procurava instar o antigo discípulo a reaver virtudes e valores precípuos da formação/educação mítica que abandonava motivado pela ira, o que se constituía numa atitude anti-heroica (SCHÜLER, 2004). Essa atitude desmedida deixaria resultados desastrosos para os gregos. O sábio mestre procura projetar o antigo discípulo descontrolado para os domínios da justa medida, virtude consagrada pela cultura grega. No fracasso de sua missão, deixa antever o trágico desenlace resultante da irredutível vontade do herói do qual sempre fora servidor.
A fala de Fênix levou um tempo para impressionar os gregos de tempos que se distanciavam do seu, tornando-se a mais antiga formulação do modelo de homem que responderia às necessidades da sociedade grega em sua tentativa de envolver a totalidade do humano (SCHÜLER, 1985). Sua evocação é uma constante entre os gregos, até mesmo no período da erudição e da retórica, e põe em relevo a alegria da ação dos tempos heroicos, em contraposição a esse presente marcado pela expressividade da palavra, mas carente de ação (JAEGER, 1996).
Em Homero, a ação bélica atrai o homem, facultando-lhe realizar potencialidades não requisitadas nas atividades cotidianas. Perfila-se aí a ideologia aristocrática voltada ao desprezo das atividades manuais (REDONDO; LASPALAS, 1997).
Esse modelo característico do ideal homérico não significa que havia uma racionalização do problema educativo. Essa racionalização ocorreu em outro momento, com a prática da reflexão e da análise do ideal de formação. De qualquer forma, o grego entendia que a formação, para ser legítima e eficaz, necessitava da força exemplificadora de um arquétipo, o que leva à compreensão de que o grego atribuía a responsabilidade educativa aos artistas, já que vislumbravam na arte um ilimitado poder de conversão espiritual, o que foi chamado de psicagogia, ou seja, a condição de guiar almas (JAEGER, 1996, p. 63).
Por esse motivo, Aristófanes afirmava que os poetas deveriam ser para os adultos o que os mestres eram para os discípulos:
É verdade que não, mas o poeta deve lançar um véu sobre o que é indecoroso, e evitar sua exposição à luz do dia ou apresentá-lo em cena. O poeta trágico é para a idade viril o que o preceptor é para a infância (ARISTÓFANES, 1996, p. 264).
Para esse comediante, a poesia, em seu corte intuitivo e representativo da paidéia, constituía o motor formativo/educativo originário da cultura grega, sendo superada com o tempo, primeiro pela lei e depois pela filosofia e pela retórica.
Nesse sentido, o projeto da paidéia era fazer do herói bom conselheiro, prudente e reflexivo; bom orador, persuasivo e consciente; executivo capaz, um homem de ação. Assim, foi se construindo o conceito grego de logos, o logos como pensamento, palavra e motor da ação no duplo sentido: “trabalhar” e “fazer”, o agere e o facere na dimensão conceitual e terminológica do mundo latino (REDONDO e LASPALAS, 1997).
Pode-se concluir que Homero situou o homem no centro do universo e, em torno dele, fez gravitar a ação. Assim, deixou posto o herói, o homem que se sobressai pela atuação no mundo e pelo relacionamento com os demais.
Considerações Finais
As narrativas homéricas e, no caso específico deste artigo, a Ilíada, mostram um esquema formativo/educativo consagrado pela tradição, conforme reconhece o próprio Platão, que considerava Homero o educador da Grécia.
O canto de Homero dignificou um modelo de homem, o ideal de nobres guerreiros, conforme as demandas de uma sociedade aristocrática. Esse homem, o herói, era hábil no falar e no manejar das armas, quer nas assembleias e nos conselhos, quer nas ações em tempos de guerra. Esse homem fazia-se efetivo em seu comportamento, nas práticas e nos atos de vida cortês, era reverente, cavaleiresco, religioso, hospitaleiro, bravo, defensor da honra, da busca da glória, amante da guerra, mesmo que lhe custasse a vida e desde que a morte fosse gloriosa.
Senhor de contradições, Aquiles, o principal herói grego, muitas vezes rompia com o protocolo dos heróis, para, na sequência dos fatos, reconsiderar e retornar aos objetivos de sua formação/educação e às regras rígidas que norteavam seu estatuto formativo/educativo heroico. O reconhecimento de seu valor dependia do arbítrio de seus pares, da benevolência e da proteção dos deuses. A excelência era o objetivo de sua existência, motivo pela qual entregava sua vida para garantir a sua honra e perpetrar sua glória por meio de uma “bela morte”.
Aquiles representa a mais antiga elaboração do ideal grego de formação/educação, sendo descrito em sua totalidade. Nele, saber, palavra e ação estavam a serviço da virtude, diferentemente dos períodos de decadência, fecundos em “palavras” e pobres em “ações”.