SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.29 número2O estado do conhecimento sobre as salas de recursos multifuncionais: as produções acadêmicas dos programas de pós-graduação stricto sensu no BrasilOs sentidos da escola contemporânea: deslocamentos a partir das narrativas de jovens alunos e alunas índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Reflexão e Ação

versão On-line ISSN 1982-9949

Rev. Reflex vol.29 no.2 Santa Cruz do Sul maio/ago 2021  Epub 27-Set-2023

https://doi.org/10.17058/rea.v29i2.14327 

Artigos do Fluxo

Os manuais e a pedagogização da docência na educação infantil

Manuals and pedagogization of teaching in early childhood education

Manuales y pedagogización del profesor en la educación infantil

Marcelo Oliveira da Silva1 
http://orcid.org/0000-0003-3961-7449

Rodrigo Saballa de Carvalho2 

Amanda de Oliveira Lopes3 
http://orcid.org/0000-0003-0030-7056

1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre - Rio Grande do Sul - Brasil.

2 Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre - Rio Grande do Sul - Brasil.

3 Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre - Rio Grande do Sul - Brasil.


RESUMO

Este artigo tem como foco discutir as tecnologias de pedagogização da docência presentes no manual: Campos de experiências - efetivando direitos e aprendizagens na Educação Infantil. Entende-se como pedagogização o conjunto de estratégias discursivas por meio das quais se busca decodificar, traduzir e ensinar para os professores de um modo acentuadamente prescritivo e "didático”. A metodologia utilizada é a análise do discurso de inspiração foucaultiana. Os resultados indicam a necessidade de que continuem sendo problematizados os discursos presentes em manuais de formação, pois a docência deveria ser pensada para além de roteiros regulatórios, mas como espaço de criação e invenção.

Palavras-chave: Educação Infantil; Discurso; Pedagogização; Docência

ABSTRACT

This article discusses pedagogization technologies found in the manual: Campos de experiências - efetivando direitos e aprendizagens na Educação Infantil. Pedagogization is understood as the set of discursive strategies through which one seeks to decode, translate and teach teachers in a markedly prescriptive and "didactic" manner. The methodology used is Foucault-inspired discourse analysis. The results reveal the need to continue to discuss the discourses present in training manuals, as teaching should be thought beyond regulatory scripts, but as a space for creation and invention.

Keywords: Children education; Pedagogization; Teaching

RESUMEN

Este artículo enfoca en discutir las tecnologías de pedagogización de la enseñanza presentes en el manual: Campos de experiências - efetivando direitos e aprendizagens na Educação Infantil. La pedagogización se entiende como el conjunto de estrategias discursivas a través de las cuales se busca decodificar, traducir y enseñar a los maestros de un modo prescriptivo y "didáctico". La metodología utilizada es el análisis del discurso con inspiración en Foucault. Los resultados indican la necesidad de continuar discutiendo los discursos presentes en los manuales de formación, ya que la enseñanza debe pensarse más allá de los guiones regulatorios, pero como un espacio para la creación y la invención.

Palabras clave: Educación Infantil; Pedagogización; Enseñanza

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

[...] assumir a dimensão constitutiva da linguagem e enfrentar o desafio de questionar os efeitos de verdade dos discursos que operam no governamento da formação docente se configura uma importante atitude ética na atualidade. (CARVALHO, 2019, p. 100)

Os manuais pedagógicos vêm desempenhando um papel de destaque na Educação, em especial, na Educação Infantil. Entendemos, em princípio, que a acentuada difusão desses manuais de Educação Infantil visa atender as necessidades do mercado pedagógico e de modo correlato dos professores e instituições de Educação Infantil, em relação as demandas da Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017). Em tal perspectiva, tais manuais operam na “transmissão de verdades, na apropriação dos saberes e na produção de sujeitos [professores] na sociedade” (IGNÁCIO, 2019, p. 282).

Desse ponto de vista, a partir do campo dos Estudos Culturais em Educação (PEREIRA; RATTO, 2008; BOCHETTI, 2009; BUJES, 2009; CARVALHO, 2013) e das contribuições de Michel Foucault (2007, 2008), temos como objetivo analisar as tecnologias de pedagogização da docência presentes no manual: Campos de experiências - efetivando direitos e aprendizagens na Educação Infantil (OLIVEIRA, 2018). No contexto da discussão empreendida, entendemos a pedagogização da docência, como o conjunto de tecnologias discursivas por meio das quais se busca decodificar e ensinar aos professores, “um modo de pensar específico sobre a Educação [Infantil], sobre a ação pedagógica e sobre as necessidades de formação” (BOCHETTI, 2009, p. 84) a partir de um econômico processo de governamento (FOUCAULT, 2008). Em suma, trata-se de “[...] uma modalidade de governamento de comandos brandos, porém ubíquos, posto que sem concorrência, nem contestação [...] (AQUINO, 2013, p. 208).

Metodologicamente, a partir da análise do discurso de inspiração foucaultiana (FOUCAULT, 2007), evidenciamos os pressupostos teóricos da Pedagogia da Infância (ROCHA, 2001; BARBOSA, 2010) como racionalidade em pauta no material, bem como estratégias textuais e discursivas utilizadas para capturar a atenção do leitor, posicionando-o em uma situação de autoavaliação profissional e de permanente prospecção de mudanças em sua prática. Em tal direção, apresentamos o manual pedagógico Campos de experiências - efetivando direitos e aprendizagens na Educação Infantil de Oliveira (2018) como materialidade investigativa de nossas análises. Entendemos esse material como um manual, pelo fato do mesmo a partir de suas prescrições, operar como difusor de uma expertise pedagógica, assentada em um produtivo processo de governamento docente, no qual se reitera a ideia de que “é possível e necessário que o professor escolha caminhos próprios, desde que secundados por indicações exógenas” (AQUINO, 2013, p. 208).

Esclarecemos que o manual é composto por 122 páginas apresentadas em nove seções, assim intituladas: 1) Apresentação; 2) Introdução; 3) O eu, o outro e o nós; 4) Corpo, gesto e movimentos; 5) Traços, sons, cores e formas; 6) Escuta, fala, pensamento e imaginação; 7) Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações; 8) Algumas considerações sobre os direitos de aprendizagem; 9) Leituras recomendadas. O foco central são os campos de experiências, bem como a explicitação dos objetivos dos mesmos e as possibilidades de planejamento de propostas decorrentes das orientações constantes na Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017). Escolhemos este material, em particular, pelo fato de tal produção, ter sido apoiada pelo Ministério da Educação e outras fundações ligadas à educação.

Tendo em vista o exposto, esclarecemos que o artigo se encontra organizado em cinco seções. A partir dessa seção introdutória, na segunda seção apresentamos os aspectos metodológicos, assim como as ferramentas conceituais que pautaram nossas análises. Na terceira seção, discutimos o processo de pedagogização da docência na BNCC (2017), e seus efeitos na difusão de materiais didáticos para formação de professores de Educação Infantil. Na quarta seção, a partir de uma discussão inicial sobre campos de experiência, compartilharemos as análises empreendidas. Devido aos limites do artigo, focalizaremos em nossas análises, os modos como estrategicamente são apresentados no manual, recomendações pedagógicas para o trabalho com o campo de experiência: O eu, o outro e o nós. Por fim, apresentaremos as considerações finais do artigo, defendendo o argumento de que os discursos compartilhados no material analisado, prescreve uma série de práticas pedagógicas, promotoras de um “[...] governamento de caráter provedor, devocional e redentor, que [tem] o ideal de (auto)formação como ponto de mira e o próprio profissional como artífice [...]” (AQUINO, 2013, p. 208), do sucesso ou fracasso de sua ação docente.

O DESIGN METODOLÓGICO: DA MATERIALIDADE INVESTIGATIVA ÀS FERRAMENTAS ANALÍTICAS

Metodologicamente, o que nos interessa é análise discursiva do material. Por essa via, entendemos o conceito de discurso, a partir de Foucault (2007, p. 132) “como um conjunto de enunciados que se apoia na mesma formação discursiva”. Desse ponto de vista, “é a ordem do discurso pedagógico que permite aos seus enunciados se inscreverem em certo horizonte teórico e definirem o que pertence a este campo, os limites entre proposições verdadeiras e falsas” (BUJES, 2009, p. 285) no que diz respeito ao exercício da docência com crianças. Os discursos têm sentido somente a partir de sua exterioridade, ou seja, não há nada por trás dos discursos, esperando para ser descoberto conforme postulam as teorias críticas. Portanto, em nossas análises procuramos estabelecer a relação entre os enunciados e aquilo que eles descrevem (FOUCAULT, 2007), interrogando a linguagem, o que efetivamente foi (e é) dito a respeito de determinado aspecto relativo à docência com crianças.

Nesse sentido, concordamos com Bujes (2009, p. 270), quando defende que a formação docente “pode ser considerada como uma problemática de governamento, se a entendermos como um domínio prático e técnico cuja finalidade é a de potencializar a capacidade de alguns para agirem sobre as condutas alheias”. A partir dessa lógica, de acordo com Dean (1999), governamento é concebido como qualquer modo mais ou menos calculado de direcionamento dos comportamentos e/ou ações dos indivíduos. Em tal perspectiva, consideramos que o manual em análise, opera no governamento docente ao criar “vocabulários comuns, orientações teóricas, posições normativas e formas de explicação que ajudam a estabelecer as formas de coordenação e associação entre, indivíduos, grupos e organizações” (BUJES, 2009, p. 271). Por meio do compartilhamento de prescrições e da correlata constituição de um vocabulário pedagógico comum, a finalidade do manual é a de formar e transformar não apenas o que o professor de Educação Infantil faz ou sabe, mas a sua própria maneira de ser. É pela liberdade de escolha e pela sedução das tecnologias empregadas que o professor se filia aos discursos pedagógicos veiculados pela publicação. Isso quer dizer, tal como asseguram Bochetti (2008) e Carvalho (2013) que a liberdade é tomada como condição para o exercício do governamento (FOUCAULT, 2008) docente. Ratificando o argumento compartilhamos a seguir, uma transcrição do texto de apresentação do manual:

É impossível e indesejável estabelecer um roteiro de ações a ser meramente cumprido no trabalho em Educação Infantil. A escolha das práticas a serem promovidas no espaço educativo é do professor, iluminado por sua formação profissional e pela proposta pedagógica construída coletivamente na unidade de Educação Infantil, mas, em especial, por sua sensibilidade para, a cada dia, ouvir e acolher os propósitos das crianças de seu grupo (OLIVEIRA, 2018, p. 4)

Apresentaremos, contudo, grandes marcos, as atitudes comuns para orientar o trabalho com os diferentes grupos etários presentes na BNCC para a Educação Infantil, mas, em especial, por sua sensibilidade para, a cada dia, ouvir e acolher os propósitos das crianças de seus grupos (OLIVEIRA, 2018, p. 4)

Inicialmente nas transcrições apresentadas, nega-se o caráter prescritivo do manual, todavia, na sequência demarca-se o papel da expertise pedagógica, a qual tem o poder de definir linhas de ação docente para atuação com as crianças. A partir do exposto, é possível destacarmos que o governamento, encontra-se relacionado ao modo pelo qual, indivíduos livres, nesse caso, os/as leitores/as da publicação, são levados a governar a si mesmos como sujeitos simultaneamente dotados de liberdade e de responsabilidade (DEAN, 1999). De modo algum, se trata de um processo de dominação, pois os leitores têm liberdade de escolha e até mesmo de contestação do que está sendo proposto. Por outro lado, a partir de um processo de reflexão contínua, os leitores passam a avaliar “a distância entre aquilo que são [como docentes] e o que devem se tornar” (BOCHETTI, 2009. p. 80), caso sigam as indicações prescritas na publicação. A partir de tal ponto de vista, concordamos com Carvalho (2013, p. 80), quando afirma que a “questão em pauta não é da ordem da coerção, mas da produção de cidadãos intervenientes nos jogos e nas relações de poder, os quais supostamente vivenciam mais autonomia e liberdade”. Assim, atribuise ao docente [...] a condição de um consumidor sempre em prontidão para angariar uma miríade de conhecimentos, que cumpre lembrar jamais poderão ser adquiridos por completo” [...] (AQUINO, 2013, p. 208).

Portanto, prosseguindo a discussão, na próxima seção apresentaremos panoramicamente a BNCC (BRASIL, 2017) considerando os efeitos de tal documento, na difusão de publicações de manuais para que tem o intuito de orientar as práticas pedagógicas de docentes que atuam na Educação Infantil.

DELINEANDO O CENÁRIO: PEDAGOGIZAÇÃO DA DOCÊNCIA E BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR

A Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017) foi elaborada tendo em vista a regulamentação e garantia de operacionalização das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009). A BNCC (BRASIL, 2017), inspirada nos referenciais curriculares italianos de Educação Infantil, apresenta os seguintes direitos de aprendizagem e desenvolvimento: conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se. Tais direitos, conforme sinaliza o documento, devem ser garantidos às crianças por meio dos seguintes campos de experiência: 1) O eu, o outro e o nós; 2) Corpo, gestos e movimentos; 3) Traços, sons, cores e formas; 4) Escuta, fala pensamento e imaginação; 5) Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações. Os campos de experiência não são vinculados a áreas de conhecimento, áreas do desenvolvimento ou ainda a datas comemorativas, que historicamente vêm constituindo o currículo nas instituições de Educação Infantil. Todavia, conforme argumenta Pereira (2020, p. 85), da forma como está posta, a BNCC não traz nenhuma proposta de um currículo integrador para a infância brasileira”. Isso porque, [...] “essa organização dos campos de experiência propostos na BNCC - EI, não é originalmente elaborada pelos consultores brasileiros [...] (ARIOSSI, 2019, p. 253), ou seja, não houve uma “observação das realidades [brasileiras] como fonte principal para elaboração das orientações curriculares para as creches e pré-escolas no Brasil” (ARIOSSI, 2019, p. 254). Em tal direção, tal conforme argumentam Silva e Carvalho (2020, p. 503), “talvez a informação que esteja faltando aos professores é que nosso país não faz parte da Europa e que enquanto América Latina, temos acúmulo suficiente de pesquisas [...] que podem incidir nos modos de constituirmos uma Pedagogia da Infância mais próxima à nossa realidade”.

Desse ponto de vista, o que deveria ser um documento de cunho mais aberto para produção de um currículo que atendesse das demandas dos/as professores/as e crianças, encerrou-se na versão final da BNCC (BRASIL, 2017) com uma lista de objetivos de aprendizagem e desenvolvimento a serem alcançados por faixa etária e por campo de experiência. Explicitar listas de objetivos, como faz a BNCC (BRASIL, 2017) circunscreve as práticas dos professores, a partir de determinados modelos de raciocínio, que incidem no governamento deles por meio da condução de suas condutas. A esse respeito, concordamos com Pereira (2020, p. 85), quando afirma que “da forma como está, se assumida por professores e professoras, sem reflexão e criticidade sobre os conceitos de sua proposta, a BNCC se constituirá como uma tentativa de controle da ação docente, para avaliações meritocráticas”.

Por exemplo, no manual que constitui o nosso corpus de análise, alinhado aos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento apresentados na BNCC (BRASIL, 2017), para cada faixa etária, são prescritas orientações pedagógicas, no intuito de que os objetivos previstos sejam alcançados e os direitos de aprendizagem e desenvolvimento das crianças garantidos. De fato, a BNCC (BRASIL, 2017), tal como os manuais decorrentes da mesma (e seus correlatos, como livros didáticos para docentes), podem “constituir-se em controle das crianças, já que vemos surgir propostas de avaliação das crianças já na Educação Infantil, com base em objetivos e habilidades comportamentais” (PEREIRA, 2020, p. 85).

Dessa forma, argumentamos que as orientações presentes no manual em análise, a partir de “sua constituição mecânica, levam sempre ao mesmo caminho de compreensão” (PEREIRA; RATTO, 2008, p. 7), por meio da veiculação de práticas consideradas imprescindíveis para que o/a docente da Educação Infantil, atinja os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento previstos pela BNCC (BRASIL, 2017) E é, justamente nesse cenário que movimenta-se o mercado pedagógico contemporâneo (SILVA; CARVALHO, 2020), no qual proliferam-se na “velocidade da luz”, lives, cursos, palestras, oficinas e treinamentos que veiculam abordagens, pedagogias e livros didáticos que, supostamente, pretendem formar um docente de Educação Infantil, capaz de exercer um tipo de docência que esteja em consonância com os “mandamentos” presentes em documentos curriculares, inspirados em referenciais italianos.

Por essa razão, ao abordarmos o processo de pedagogização da docência na Educação Infantil, estamos nos referindo particularmente ao modo como os materiais de formação de professores/as, após a homologação da BNCC (BRASIL, 2017), têm se configurado em modelos a ser seguidos. Isso quer dizer, que por de um intenso processo de pedagogização docência, transformam-se princípios teóricos, em sequências de orientações que têm como objetivo central a constituição de um determinado perfil docente. Em tal direção, para ilustrarmos o contexto mais amplo, no qual emergiu o manual que estamos analisando, destacamos que contemporaneamente, cada vez mais tem sido produzidos livros didáticos endereçados aos docentes da Educação Infantil. Obviamente que antes da Base, o mercado editorial de livros didáticos para docentes já existia. Por outro lado, após a homologação da BNCC (BRASIL, 2017), nos causa espécie, a difusão cada vez mais acentuada de materiais que tem como foco a docência com crianças pequenas, os quais também podemos atribuir a alcunha de manuais pedagógicos. A título de exemplo, no intuito de evidenciarmos tal cenário de produção editorial, no qual tem sido produzidos discursos sobre a docência na Educação Infantil, referenciaremos duas obras lançadas após a homologação da BNCC (BRASIL, 2017), cujo intuito é o de orientar os/as docentes em relação ao trabalho pedagógico que deve ser desenvolvido com as crianças.

A primeira obra é a publicação: Aprender com a criança: experiência e conhecimento (DEHEINZELIN; MONTEIRO; CASTANHO, 2018). O livro é organizado para que o /a docente a partir das recomendações presentes na obra, realize o seu planejamento de modo a atender as demandas das novas orientações curriculares da Educação Infantil. Tendo em vista a ampliação do repertório docente o livro apresenta indicações literárias, cinematográficas, musicais e uma miríade de atividades que são complementadas através de materiais de apoio disponíveis on-line. Além disso, as autoras apresentam uma pauta de observação na qual constam os aspectos que devem ser registrados para a realização do acompanhamento das crianças.

Na mesma perspectiva, também destacamos a obra: Educação Infantil: um mundo de janelas abertas (ROSSET; RIZZI; WEBSTER, 2017). A publicação, apresenta um modo de organização diferente do livro anterior, ainda que pautada na mesma racionalidade. A obra focaliza os campos de experiência, e em cada capítulo apresenta um repertório de imagens, reflexões e propostas voltados para docência. Embora, as autoras do livro em sua introdução, apontem que o objetivo da publicação não é servir de modelo, é evidente o processo de pedagogização da docência em pauta.

Em tal perspectiva, a partir de Pereira e Ratto (2008, p. 7), destacamos que as “linhas de raciocínio apresentadas nos textos [dos manuais] se inscrevem segundo um determinado regime de verdade”. Isso implica dizer, que “o conteúdo [de tais materiais] obedece a um conjunto de regras, dadas historicamente, afirmando verdades de um certo tempo e de um certo lugar” (PEREIRA; RATTO, 2008, p. 7). Isso implica dizer, que atualmente estamos vivenciando um tempo, no qual evidenciamos a “[...] mostra cabal da investida pedagogizante da governamentalidade educacional atual, via jogo do expert, na esteira da qual coerção e livre arbítrio articulam-se, embaralham-se e, então amalgamam-se” (AQUINO, 2013, p. 208).

Na próxima seção, apresentamos o conceito de campos de experiência veiculado pela BNCC (BRASIL, 2017), no intuito de analisarmos um conjunto de orientações apresentadas em nosso material analítico.

CAMPOS DE EXPERIÊNCIAS: EFETIVANDO DIREITOS E APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Trabalhar com campos de experiências na Educação Infantil constitui um convite a uma nova maneira de compreender a prática pedagógica como resultante de aprendizagens significativas não só para as crianças, mas também para o professor (OLIVEIRA, 2018, p. 11). Em síntese, o professor deve acolher os desejos e as necessidades das crianças e atender as suas especificidades de modo a assegurar-lhes os direitos propostos pela BNCC para Educação Infantil (OLIVEIRA, 2018, p. 13).

A BNCC (BRASIL, 2017, p. 36) conceitua campo de experiência, como um “arranjo curricular que acolhe as situações e as experiências concretas da vida cotidiana das crianças e seus saberes, entrelaçando-os aos conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural”. A intenção do documento curricular, não é a de que sejam realizadas propostas isoladas, tendo em vista a promoção de experiências pertencentes a determinado campo. Os campos de experiência devido a sua característica interdisciplinar, possibilitam com que sejam pensados planejamentos contextuais, promotores da curiosidade epistemológica, os quais podem ser operacionalizados, a partir de projetos de investigação, experimentação e descoberta que atendam as demandas das crianças. Isso porque, se não forem devidamente compreendidos, os campos de experiência podem acabar tornando-se “disciplinas escolares e distanciando-se da pedagogia de projetos interdisciplinares nas quais estão originalmente inseridos” (PEREIRA, 2020, p. 85). Por outro lado, devido ao caráter altamente prescritivo do manual em análise, as orientações acabam delimitando as possibilidades, de uma ação docente em que interações e brincadeiras, de fato se tornem eixos articuladores do currículo. Como lembra Bujes (2009, p. 272), “os modos de dizer já configuram uma prática que constitui aqueles/as que se embrenham na leitura de manuais de orientação para a ação docente”.

De fato, tal manual pedagógico, foi publicado objetivando capacitar as professoras para que executem, os princípios de organização curricular previstos na BNCC (BRASIL, 2017). Para tanto, a partir da pedagogização da docência, os textos veiculados no manual, operam um processo de governamento do leitor (BOCHETTI, 2008), a partir de uma espécie de “tradução” da BNCC (BRASIL, 2017), por meio de ações a serem executadas pelos/as docentes. Cada um dos capítulos do manual é apresentado com o mesmo formato. Inicialmente é nomeado o campo de experiência, em seguida é apresentada uma introdução ao assunto que será abordado. A partir da introdução, Oliveira (2018), apresenta os conceitos básicos do campo de experiência e, por conseguinte, os direitos de aprendizagem relativos ao mesmo. Na sequência, são apresentadas orientações gerais quanto ao processo pedagógico referente ao campo de experiência em questão. Prosseguindo, com o detalhamento das orientações, a autora apresenta o tópico: O professor e a garantia dos direitos de aprendizagem, indicando o campo de experiência abordando o campo de experiência ao qual se refere o texto. Nesse texto, são compartilhados os objetivos de aprendizagem referentes ao campo de experiência, para: 1) bebês de zero a 1 ano e 6 meses; 2) crianças bem pequenas de 1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses; 3) crianças pequenas de 4 anos a 5 anos e 11 meses. Por fim, sempre é apresentado um quadro, intitulado atenção. Em tal quadro, são retomados aspectos que não devem ser esquecidos pelo professor. Trata-se de uma síntese, que interpela o leitor a retomar o conteúdo abordado no decorrer do capítulo.

Conforme, sinalizamos, o manual veicula orientações especificas para serem desenvolvidas pelo professor em cada campo de experiência. Portanto, esse tópico está presente no decorrer de toda a publicação, pois são veiculadas orientações específicas para o desenvolvimento do trabalho pedagógico com cada um dos campos de experiência. Para fins de análise, nesse momento nos deteremos especificamente no tópico intitulado: Orientações gerais quanto ao processo pedagógico do campo de experiência - O eu, o outro e o nós. A proposta principal desse campo é oportunizar que a criança interaja com outras pessoas com para que possa construir e “valorizar sua identidade, respeitar os outros e reconhecer as diferenças que nos constituem como seres humanos” (BRASIL, 2017, p. 36). Portanto, conforme assegura o manual “o foco do trabalho do professor é” (OLIVEIRA, 2018, p.19):

CRIAR situações em que as crianças possam expressar seus afetos, desejos e saberes e aprendam a ouvir o outro, conversar, negociar com argumentos e metas, fazer planos comuns, enfrentar conflitos, participar de uma atividade em grupo e criar amizades com seus companheiros (OLIVEIRA, 2018, p. 19). APOIAR o desenvolvimento de sua identidade pessoal, sentimento de autoestima, autonomia, confiança em suas possibilidades e pertencimento a determinado grupo étnico racial, crença religiosa, local de nascimento etc. (OLIVEIRA, 2018, p. 19). FORTALECER os vínculos afetivos com suas famílias e ajudá-las a captar as possibilidades apresentadas por diferentes tradições culturais para compreensão do mundo e de si mesmas (OLIVEIRA, 2018, p. 19). INCENTIVAR a reflexão sobre o modo injusto como os preconceitos étnico-raciais e outros foram construídos e se manifestam e a construção de atitudes de respeito, não discriminação e solidariedade (OLIVEIRA, 2018, p. 20). CONSTRUIR com elas o entendimento da importância de cuidar de sua saúde e de bemestar no decorrer das atividades cotidianas (OLIVEIRA, 2018, p. 20). CRIAR hábitos ligados à limpeza e preservação do ambiente, à coleta do lixo produzido nas atividades e à reciclagem de inservíveis (OLIVEIRA, 2018, p.20).

Mediante a leitura, é possível observar que a ênfase do primeiro conjunto de orientações, refere-se ao que a autora define como sendo “o foco do trabalho do professor” no trabalho com o campo de experiência: O outro, o eu e o nós. Com isso, destacamos o modo regular e incisivo de como são prescritas as orientações para os/as docentes no decorrer do texto. Além disso, “é evidente o constante processo de convocação do leitor para o texto, no intuito de que seja estabelecida uma relação de cumplicidade com os argumentos apresentados” (CARVALHO, 2019, p. 95) pela autora. Prosseguindo com as recomendações, na segunda parte do texto são veiculadas estratégias, para que o/a docente promova interações entre as crianças.

O trabalho pedagógico ganha força e expressão à medida que o professor organiza situações e maneiras de estimular o desenvolvimento da autonomia infantil quanto a relacionar-se com os companheiros, conhecer-se e cuidar de si. Para as crianças aprenderem a relacionar-se com os companheiros, algumas estratégias são: (OLIVEIRA, 2018, p. 20). ORGANIZAR o ambiente e as rotinas para acolher as crianças ingressantes na unidade ou mesmo aquelas matriculadas após um período de férias ou adoecimento, no chamado ‘processo de adaptação’ (OLIVEIRA, 2018, p. 20). ESTRUTURAR um ambiente tranquilo, que favoreça o estabelecimento de interações entre elas, compreendendo seus movimentos como intenções exploratórias e forma de comunicação (OLIVEIRA, 2018, p. 20). POSSIBILITAR a participação em atividades individuais e em grupo que as ajudem a entender os direitos e as obrigações das pessoas (OLIVEIRA, 2018, p. 20). AJUDAR cada uma a reconhecer a existência do ponto de vista do outro e a considerar possíveis sentimentos, intenções e opiniões dos demais, construindo atitudes negociadoras e tolerantes (OLIVEIRA, 2018, p. 20). COMUNICAR com clareza instruções sobre a organização física e social do ambiente, de modo a fortalecer sua autonomia e estimular a colaboração (OLIVEIRA, 2018, p. 20). OFERECER materiais e propor atividades em que percebam a necessidade de compartilhar e cooperar (OLIVEIRA, 2018, p. 20). AJUDAR a organizar tarefas em grupo e estimular a reflexão sobre eventual quebra das regras decididas coletivamente (OLIVEIRA, 2018, p. 20). INCLUIR sua participação na caracterização e no arranjo dos espaços que mais frequentam e no cuidado com seus objetos, de modo a mantê-los bem conservados e acessíveis (OLIVEIRA, 2018, p. 21). ATUAR quando o grupo reage a determinada criança, coibindo preconceitos, agressões e assédios, de maneira a ampliar o olhar de todas para a importância de respeitar os colegas (OLIVEIRA, 2018, p. 21). APOIAR aquelas com deficiências, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação a se perceberem como integrantes dos grupos infantis, demonstrando confiança em suas possibilidades de aprender com os colegas e estimulandoas diante de dificuldades, e, ao mesmo tempo, acompanhar o que o grupo pode aprender com elas (OLIVEIRA, 2018, p. 21). CUIDAR para que os espaços, materiais, objetos, brinquedos, procedimentos e formas de comunicação sejam adequados as especificidades e singularidades do brincar e do interagir das crianças, em especial daquelas com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação (OLIVEIRA, 2018, p. 21).

Conforme é possível perceber, as recomendações constantes no manual, “acabam fazendo um trabalho de captura que não permite mal-entendidos” (PEREIRA; RATTO, 2008, p. 7). Isso porque o objetivo do material é o de “que qualquer leitor chegue à compreensão e ao entendimento do que o texto quer dizer, por meio da fabricação de corredores isotópicos” (PEREIRA; RATTO, 2008, p. 7), os quais conduzem a todos pelos mesmos caminhos. Por fim, na terceira parte do texto, as recomendações, que dizem respeito as ações que o/a docente deve desenvolver para “ajudar as crianças a aprender a conhecer-se e a cuidar de si mesmas” (OLIVEIRA, 2018, p.21), entre as quais destacam-se:

ACONCHEGAR as crianças quando demandam ajuda (pelo choro, pedido de colo, silêncio prolongado, birra) para lidar com emoções fortes (OLIVEIRA, 2018, p. 21). OUVIR E APOIAR a expressão de seus sentimentos, planos, ideias, vivências, preferencias (e não preferencias) por brincadeiras e atividades (OLIVEIRA, 2018, p. 21). INCENTIVAR a identificação de elementos que provocam medo, apoiá-las a superá-lo e adotar uma atitude ativa diante de uma dificuldade (OLIVEIRA, 2018, p. 21). AJUDAR a reconhecer e comunicar sensações produzidas por diferentes estados fisiológicos, como sede, fome, dor, frio etc. (OLIVEIRA, 2018, p. 21). COMENTAR as ações e avaliar as produções (desenhos, esculturas, narrativas, movimentos de dança etc.) respeitando as emoções de cada uma para fortalecer sua autoestima. (OLIVEIRA, 2018, p. 21). GARANTIR igualdade no tratamento de meninas e meninos, disponibilizando brinquedos e outros materiais para todos e propondo a realização de atividades das quais possam participar independemente de gênero (OLIVEIRA, 2018, p. 21). TRATAR as crianças e seus familiares pelo nome e coibir o uso de apelidos pejorativos no tratamento de colegas e adultos. (OLIVEIRA, 2018, p. 22). RESPEITAR os diferentes arranjos familiares e as opções religiosas, bem como acolher as opiniões e aspirações dos pais sobre seus filhos. (OLIVEIRA, 2018, p. 22). INCLUIR no cotidiano brinquedos, imagens e narrativas que promovam a construção de uma relação positiva com seus grupos de pertencimento. (OLIVEIRA, 2018, p. 22). INTERAGIR de modo comunicativo e atento durante as ações de cuidado individual, como troca de fralda, banho, sono e alimentação, em um ambiente planejado, seguro, aconchegante e diversificado. (OLIVEIRA, 2018, p. 22). APOIAR E INCENTIVAR a autonomia em relação ao cuidado pessoal, como escovar os dentes, colocar os sapatos ou agasalho, pentear os cabelos, servir-se nas refeições e organizar pertences, estimulando que se auxiliem mutuamente nessas tarefas. (OLIVEIRA, 2018, p. 22). ORIENTAR o grupo a guardar brinquedos e materiais nos devidos lugares depois de utilizálos nas atividades, cuidar e manter o entorno limpo, sem resíduos de comida ou água que favoreçam a proliferação de animais nocivos a saúde (ratos, insetos e outros), usar sem desperdício os materiais, jogar lixo em recipientes próprios, separando, com a ajuda de um adulto, materiais que possam ser reciclados, reparar objetos que foram danificados, cuidar e preservar as plantas em geral e conhecer os cuidados em relação a animais de estimação. (OLIVEIRA, 2018, p. 22).

A partir da leitura do conjunto de recomendações compartilhadas, consideramos válido lembrar as contribuições de Pereira e Ratto (2008, p. 7), quando afirmam que “uma forte evidência é que quando certas afirmações adquirem valor de verdade e começam a funcionar como matrizes de sentido, os leitores se reconhecem nelas, porque as significações parecem óbvias e naturais”. Sendo assim, o modo pedagogizado como são realizadas as orientações para ação docente, são por nós entendidas como produtivas estratégias de captura do leitor. Mesmo que o manual não aponte explicitamente atividades a ser realizadas, o texto evidencia modos específicos de ação docente. Do ponto de vista expresso no manual, são evidentes “[...] os processos de pedagogização dos modos de vida” [...] (AQUINO, 2013, p. 209) do professor, os quais circunscrevem suas ações dentro de determinados limites. Desse modo, tendo em vista o encerramento da discussão, compartilhamos na próxima seção as considerações finais do artigo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

ABANDONAR: a ideia de crianças como seres frágeis e incompetentes e da infância com período da passividade, dependência ou debilidade. REJEITAR: toda postura pedagógica (incluindo as instruções, os materiais didáticos, as histórias) de rigidez e inflexibilidade, sem atentar para a maneira como as crianças reagem ao que é proposto. NÃO DEFINIR: o processo pedagógico como metas impostas à criança, negligenciando o significado que aquele processo tem na experiência infantil. GARANTIR: a todas as crianças tempo para explorar as proposições que o professor faz. ENTENDER: que elas [as crianças] precisam repetir as mesmas proposições outras vezes, de modo a se apropriar de determinadas ações e elaborar um sentido para a experiência vivida (OLIVEIRA, 2018, p. 12-13).

Abandonar, rejeitar, não definir, garantir, entender, do modo como são veiculados no manual, constituem-se em uma espécie de “mandamentos do professor” de Educação Infantil. A partir da enunciação de modos prescritivos do comportamento docente, se produz “pela repetição e pela alienação teórica, um certo traçado na língua, condicionando a compreensão” (PEREIRA; RATTO, 2008, p. 8). Nesse sentido, os discursos enunciados, “passam a ter o sentido concedido por uma espécie de vocabulário ou glossário” (PEREIRA; RATTO, 2008, p. 8) que limita e circunscreve um determinado modo de ser professor. Em relação ao verbo “rejeitar” e a expressão “não definir”, nos chama atenção, o fato de que o manual opera exatamente ao contrário de suas advertências.

Durante todo o decorrer do material, são indicados objetivos a serem atingidos a partir do trabalho com as crianças e compartilhadas orientações para o exercício da docência. Portanto, indagamos: Deveria o/a professor/a de Educação Infantil, também rejeitar o manual, já que ele é instrucional e totalmente prescritivo? Em vista do exposto, entendemos que a racionalidade, na qual assenta-se o discurso do manual, encontra-se pautada em “um processo cada vez mais acentuado de ‘colonização’ do currículo e, de modo correlato, das práticas docentes na Educação Infantil a partir dos referenciais italianos” (SILVA; CARVALHO, 2020, p. 511), que inspiraram a elaboração do arranjo curricular proposto na BNCC (BRASIL, 2017).

A partir do processo de pedagogização da docência, veiculado no material analisado, evidenciamos a presença de uma “[...] expertise técnico-científica-pedagógica, numa chave tão aconselhadora quanto prescritiva, tão emancipatória quanto doutrinária, tão pastoral quanto policialesca, tão épica quanto arrebanhadora” (AQUINO, 2013, p. 208). Expertise promotora de uma autoavaliação permanente do professor como profissional envolvido na educação das crianças.

Por fim, através da discussão desenvolvida, inferimos que o manual analisado, assume diferentes matizes de um discurso regulativo e normalizador da docência. Ao definir formas do professor se “relacionar com as crianças e de atuar” (CARVALHO, 2013, p. 74), as orientações operam no governamento docente (FOUCAULT, 2008). Como destaca Aquino (2013, p. 208), tratase “de uma espécie de saturação pedagogizante do campo escolar atual, com vistas à naturalização de um tipo de (auto)governamento flexível, porém obstinado, das condutas dos e pelos próprios profissionais”. Todavia, enquanto professores, não podemos perder de vista, de que “não existe um ‘modelo’ de professor, mas que somos nós que constituímos modos de exercício da docência, sempre passíveis de reinvenção” (SILVA; CARVALHO, 2020, p. 512). Em tal direção, argumentamos que nenhum manual é capaz de dar conta da complexidade da formação docente para o trabalho na Educação Infantil. Nossa hipótese é a de que a proliferação e difusão desse tipo de literatura, seja um sintoma do tempo presente, no qual os espaços para criação, autoria e invenção de modos de constituição pessoal e profissional, encontram-se cada vez mais escassos. Por essa via, compartilhamos com os docentes que atuam na Educação Infantil, o convite de que invistam na problematização dos discursos que os convocam a seguir modelos. Afinal, sempre há tempo para constituir espaços, criar caminhos e diferir dos modelos de docência que nos são impostos, apostando na busca de outros modos de constituição profissional.

REFERÊNCIAS

ARIOSI, Cinthia Magda Fernandes. A Base Nacional Comum Curricular para Educação Infantil e os campos de experiência: reflexões conceituais entre Brasil. Revista Humanidades e Inovação, v.06, n.15, p.241-356, 2019. [ Links ]

BARBOSA, Maria Carmen Silveira. Pedagogia da infância. In: OLIVEIRA, Dalila Andrade; DUARTE, Adriana Cancella; VIEIRA, Lívia Fraga. Dicionário: trabalho, profissão e condição docente. Belo Horizonte: UFMG/Faculdade de Educação, 2010. p. 01-03. [ Links ]

BOCHETTI, André. Por um professor mínimo: a produção “a distância” do sujeito docente. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade de São Paulo, SP, 2008. [ Links ]

BUJES, Maria Isabel Edelweiss. Manuais pedagógicos e formação docente: elos de poder/saber. Currículo sem Fronteiras, v.9, n.1, jan./jun., 2009. p. 267-288 [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: DF, 2017 [ Links ]

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução CNE/CEB nº 5, de 17 de dezembro de 2009. Fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Brasília: DF, 2009. [ Links ]

CARVALHO, Rodrigo Saballa. Práticas de governamento em livros de formação de professores de educação infantil: sensibilidades, disposições e conscientizações em discurso. Educação Temática Digital, Campinas, v. 21, n. 1, p. 84-104, jan./mar. 2019. [ Links ]

CARVALHO, Rodrigo Saballa. A invenção do pedagogo generalista: problematizando discursos implicados no governamento de professores em formação. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul (RS), 2011. [ Links ]

DEAN, Mitchell. Governmentality: power and rule in modern society. London: Sage, 1999. [ Links ]

DEHEINZELIN, Monique; MONTEIRO, Priscila; CASTANHO, Ana Flávia. Aprender com a criança: experiência e conhecimento. Belo Horizonte: Autêntica, 2018. [ Links ]

FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. [ Links ]

FOUCAULT, Michel. Segurança, território e população. São Paulo: Martins Fontes, 2008. [ Links ]

PEREIRA, Fábio Hoffman. Campos de experiência e a BNCC: um olhar crítico. Zero-a seis, Florianópolis, v.22, n.41, p.73-89, jan./jul, 2020. [ Links ]

OLIVEIRA, Zilma Moraes Ramos. Campos de experiência: efetivando direitos e aprendizagens na educação infantil. São Paulo: Santillana, 2018. [ Links ]

PEREIRA, Marcos Villela; RATTO, Cléber Gibbom. Rastros del fundamentalismo pedagógico em la formación de profesores. Archivos de ciencias de la educación, vol.2, n.2, mar./abr. 2008. p. 121-135. [ Links ]

ROCHA, Eloisa Acires Candal. A pedagogia e a educação infantil. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 22, p. 27-34, jan./abr. 2001 [ Links ]

ROSSET, Joyce Menasce; RIZZI, Maria Angela.; WEBSTER, Maria Helena. Educação Infantil: um mundo de janelas abertas. Porto Alegre, RS: Edelbra, 2017. [ Links ]

SILVA, Marcelo Oliveira; CARVALHO, Rodrigo Saballa. Concepções sobre currículo na Educação Infantil: ressonâncias da Pedagogia da Infância em narrativas de professoras. Currículo sem Fronteiras , v.20, n.02, p. 497-514, 2020. [ Links ]

Recebido: 18 de Outubro de 2019; Aceito: 25 de Fevereiro de 2021

Marcelo Oliveira da Silva Pós-doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Doutor e mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Professor Substituto nas disciplinas de Educação Infantil na Faculdade de Educação da UFRGS e professor da Educação Infantil na Prefeitura de Sapucaia do Sul.

Rodrigo Saballa de Carvalho Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da na Linha de Pesquisa: Estudos sobre Infâncias. Professor da área de Educação Infantil do Departamento de Estudos Especializados (DEE) da Faculdade de Educação da UFRGS. Pós-Doutor em Educação (UFPEL). Doutor em Educação (UFRGS). Mestre em Educação (UFRGS).

Amanda de Oliveira Lopes Mestranda (Bolsista Capes/ CNpq) em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGEdu/UFRGS) na linha de pesquisa: Estudos das Infâncias. Possui graduação em Pedagogia pela mesma Universidade (UFRGS/FACED)

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons