A Educação Integral fundamenta-se em uma concepção de formação humana que integra diferentes dimensões - cognitiva, ética, política, afetiva, estética - e direitos. No Brasil e nos demais países latino americanos encontramos diferentes experiências e políticas ao longo da história que expressaram distintos projetos e concepções de Educação Integral. Na América Latina, uma das características em relação à Educação Integral para o Ensino Médio é a ênfase no tempo ampliado da jornada escolar e não, necessariamente, na formação humana integral.
As políticas educacionais curriculares de ampliação da jornada escolar estão, invariavelmente, relacionadas às influências políticas, econômicas e internacionais onde diferentes atores concebem e incentivam a denominada “educação de tempo integral” como principal instrumento para investir em políticas de proteção social e de desenvolvimento econômico. No cenário contemporâneo, por exemplo, a defesa ou a implementação da ampliação da jornada escolar para o Ensino Médio público vem estabelecendo uma relação sinonímia entre Educação Integral e Educação de Tempo Integral, afetando o comprometimento, as concepções e a abrangência de uma Educação Integral em sua perspectiva original crítica e emancipatória, gerando exclusão dos jovens de suas escolas.
No Brasil, a reforma do Ensino Médio instituída pela Medida Provisória 746/2016, posteriormente convertida na Lei 13.415/2017, além de estabelecer uma reforma curricular para a etapa final da educação básica, prevê a ampliação do tempo da jornada escolar. O artigo 13 desta lei exara sobre a instituição da Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio de Tempo Integral, que se concretiza com um programa de mesmo nome, o Programa de Fomento ao Ensino Médio de Tempo Integral (PFEMTI). A expansão do Ensino Médio de Tempo Integral já estava prevista no Plano Nacional de Educação (PNE), período de 2014-2024, cuja meta de número 06 visa a ampliação da oferta de educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos alunos da Educação Básica até 2024.
No que diz respeito à América Latina, a exemplo de países como Argentina, Chile, Colômbia, México, Uruguai, El Salvador, República Dominicana e Venezuela, estudos que analisaram os programas de ampliação do tempo escolar e diversificação curricular implantados a partir da década de 1990 identificam que os principais objetivos da ampliação do tempo escolar estiveram vinculados à promoção da elevação do desempenho em exames nacionais e internacionais de larga escala. No contexto atual brasileiro, percebe-se que o setor empresarial vem assumindo responsabilidades em relação ao Ensino Médio e à Educação Integral, atuando na produção de conteúdos, de protótipos curriculares e de adequação do currículo aos objetivos de avaliação de larga escala, especialmente direcionados para a escola pública.
A educação integral em jornada ampliada insere-se em um contexto político amplo e complexo. Se, de um lado, o tema exige atenção aos aspectos históricos das políticas educacionais e curriculares das últimas décadas, de outro implica considerar algumas especificidades que caracterizam e/ou caracterizaram reformas e as experiências curriculares em diferentes países, particularmente em relação à educação secundária. Além disso, a conjuntura provocada pela pandemia da COVID-19 impõe problematizar as relações com os tempos e espaços das/nas práticas educativas contemporâneas.
Quais ideias estão caracterizando, justificando e legitimando as narrativas de defesa e de recusa de ampliação de jornada escolar na atualidade, particularmente para o Ensino Médio? Quais são os objetivos e resultados das reformas curriculares de ampliação do tempo escolar na América Latina? Em que medida determinados projetos, programas e experiências de Educação de Tempo Integral aproximam-se e/ou distanciam-se da concepção de Educação Integral na perspectiva da omnilateralidade e da emancipação humana? Considerando as relações entre juventudes e trabalho, os projetos e programas de Educação Integral para o Ensino Médio tornam a escola pública mais inclusiva ou mais excludente? Quais as experiências, desafios e dilemas marcam hoje o Ensino Médio no Brasil e na América Latina quando se pensa em formação integral?
A proposta de organização deste dossiê surgiu no contexto da realização do I Congresso Internacional sobre Ensino Médio e Educação Integral na América Latina, organizado por nós no ano de 2020 (http://www.unisc.br/site/congresso-medio-integral/pages/programacao.html). Os artigos que o integram contemplam estudos de diferentes Estados do Brasil e de uma região do Chile, todos submetidos ao processo de avaliação ad hoc da Revista. No conjunto, os textos contribuem para um debate ampliado sobre os dilemas do Ensino Médio/Educação Secundária em relação à Educação Integral e ao tempo ampliado.
O artigo Ensino Médio Integral e Trabalho Docente: a produção científica em repositórios institucionais, de Thamyrys Fernanda Cândido de Lima (UFPE) e Katharine Ninive Pinto Silva (UFPE), apresenta um levantamento da produção acadêmico-científica sobre o Ensino Médio Integral. Dentre os aspectos destacados pelas autoras está a evidência de que as pesquisas mapeadas sobre o tema estão sinalizando a degradação das condições de trabalho dos docentes, com aumento de jornada e da flexibilização das formas de contratação.
Rafaela Batista Santarosa (IFPR) e Zária Fátima de Rezende Gonzalez Leal (UEM), na sequência, a partir de entrevistas com alunos de um dos campi do Instituto Federal do Paraná, desenvolvem o artigo Educação e Trabalho: Ensino Técnico Integrado ao Ensino Médio dos Institutos Federais. O texto colabora com a temática do dossiê na medida em que analisa como os adolescentes da Educação Profissional e Tecnológica da modalidade Ensino Técnico Integrado ao Ensino Médio compreendem a relação entre escola e trabalho.
O terceiro artigo do dossiê é assinado por Alessandra Nitschke, Reginaldo Leandro Plácido e Henrique Pitt, do Instituto Federal Catarinense (IFC). Intitulado O Núcleo Docente Básico na construção curricular do Ensino Médio Integrado em um Instituto Federal: avanços e limites, o artigo problematiza como o Núcleo Docente Básico (NDB) utiliza as informações sobre egressos nos processos de avaliação, acompanhamento e reformulação dos currículos dos cursos técnicos integrados ao Ensino Médio, destacando a importância dos NDBs nos processos de construção e discussão dos currículos integrados e de tempo integral.
Na sequência, em Juventudes e Neoliberalismo: interfaces para pensar o currículo do Ensino Médio, Shirley Sheila Cardoso (Unisinos), Luthiane Miszak Valença de Oliveira (Unisinos) e Victor Hugo Nedel Oliveira (UFRGS) problematizam o Ensino Médio a partir da análise das influências do neoliberalismo no currículo e nos contextos juvenis. A partir da Reforma Curricular atual do Ensino Médio no Brasil, os autores destacam a responsabilização da formação do sujeito; a criação de um neosujeito empresário de si e as relações de financeirização da vida como algumas das principais interposições do neoliberalismo no currículo da última etapa da educação básica.
Prosseguindo com a temática das políticas neoliberais para o Ensino Médio, Patrícia de Faria Ferreira (UFPel) e Juliana Mezomo Cantarelli (IFF) analisam a proposta de Escola de Ensino Médio em Tempo Integral, um dos eixos do “Novo Ensino Médio” instituído pela Lei 13.415/2017. No artigo intitulado Escola de Ensino Médio em Tempo Integral e as Políticas Gerencialistas, as autoras associam a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio de tempo integral à perspectiva gerencialista de educação e de gestão empresarial dos serviços públicos.
Em Ensino médio integrado e abandono escolar: uma análise do Instituto Federal do Paraná (2017-2019), Lucas Barbosa Pelissari, Patrícia da Silveira e David José de Andrade Silva (IFPR) analisam as relações entre o abandono escolar e os arranjos curriculares do Ensino Médio Integrado a partir da investigação de 69 cursos ofertados pelo Instituto Federal do Paraná (IFPR) entre 2017 e 2019.
Retomando ao tema do “Novo Ensino Médio”, Raiany Priscila Paiva Medeiros Nonato (IFRN) e Cícero Nilton Moreira da Silva (UERN) assinam O Ensino Médio em Tempo Integral em Pau dos Ferros/RN no contexto da Lei 13.415/2017. No artigo, analisam como as implicações da Lei 13.415/2017 repercutem no Ensino Médio em uma escola pública do município Pau dos Ferros/RN.
Outra contribuição importante é encontrada no artigo O Ensino Médio e o dilema da descontinuidade das políticas, de Chanauana de Azevedo Canci (URI), Janaína Raquel Cogo (UFSM) e Jaqueline Moll (UFRGS / URI). As autoras argumentam que a descontinuidade de políticas educacionais é um dos problemas do Ensino Médio no Brasil e propõem uma reflexão crítica quanto aos desafios em universalizar o Ensino Médio com qualidade e com vistas à diversidade de contextos que compõe o país frente ao dualismo que permeia a educação dos jovens.
Em sequência o dossiê apresenta o artigo Impactos da Pandemia de Covid-19 em um curso integrado ao Ensino Médio, de Silvana de Fátima dos Santos (UNESP) e Neusa Maria Dal Ri (UNESP). Nele as autoras analisam a reorganização do Curso Técnico em Agropecuária, Integrado ao Ensino Médio de tempo integral do Instituto Federal de Rondônia, Campus Ariquemes, no contexto da pandemia da Covid-19.
Em Narrativas de Proyecto de Vida de estudiantes como puente de Formación Integral entre la Educación Escolar y La Universitaria, Sonia Brito Rodríguez (Escuela de Trabajo Social, Universidad Autónoma de Chile) e Lorena Basualto Porra (Instituto teológico Egidio Viganó, Universidad Católica Silva Henríquez, Santiago de Chile) analisam o impacto da educação secundária no Projeto de Vida de estudantes de Pedagogia.
No penúltimo texto, intitulado Educação Integral no Ensino Médio: um ensaio em torno de ‘Compromissos com o Mundo do Trabalho’, Carlos Thiago Gomes Sampaio e Ligia Martha Coimbra Da Costa Coelho (UNIRIO) problematizam a ampliação da jornada escolar para o Ensino Médio na rede estadual do Rio de Janeiro, entre os anos de 2007 a 2017.
Por fim, encerrando o dossiê, Isis Azevedo da Silva Carvalho e Suzane da Rocha Vieira Gonçalves (FURG) assinam Reflexões sobre a Reforma do Ensino Médio - Lei 13.415/17 no Rio Grande do Sul. No artigo abordam as transformações propostas para as escolas de Ensino Médio, desencadeadas pela Lei 13.415/17, contribuindo para a compreensão dos momentos iniciais do “Novo Ensino Médio” no Estado do Rio Grande do Sul.
Uma excelente leitura a todos/as!