1 Introdução
Os efeitos da gloalização e das tecnologias digitais são uma evidência e é impossível não identificar as transformações que estão a ser operadas na sociedade, em todos os aspetos, nomeadamente no emprego e na forma como as pessoas traalham, com repercussões no funcionamento do mundo e na interação interpessoal. mudança em curso, que poderá comportar aspetos negativos, tamém traz várias oportunidades que podem ser maximizadas. No caso de Portugal, a forma como o país poderá aproveitar a mudança em termos de crescimento futuro passa pela melhoria das competências da sua população, numa determinação da própria OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, no seu mais recente relatório, “Skills Strategy Implementation Guidance for Portugal” (2018).
Em resultado das referidas e reconhecidas alterações, não falamos apenas de desenvolver as literacias fundacionais, como é o caso do domínio da língua, da matemática ou da ciência. alamos, soretudo, de dotar os cidadãos de competências adequadas aos novos desafios. Competências que estão já identificadas, em documentos pulicados como o do órum Económico Mundial (2015), onde se definem as competências essenciais para o cidadão do século XXI, e que se traduzem no pensamento crítico e consequente capacidade de resolver prolemas, na criatividade, e na capacidade de comunicação e colaoração.
Da leitura destas disposições de instâncias internacionais, como o referido nos documentos do WE, podemos inferir que a ordem internacional preconiza uma formação e educação focadas em muito mais do que as tradicionais “hard skills” - e mesmo as “soft skills” parecem não responder a todas as necessidades do nosso futuro coletivo. Neste processo, a alfaetização digital assume-se tamém como um imperativo para o desenvolvimento pessoal, e para a inclusão e participação nesta sociedade em rede e digital.
No entanto, se esta tarefa se anuncia especialmente desafiante, assume contornos mais homéricos se tivermos em linha de conta os grupos sociais desfavorecidos ou em situação de exclusão social, como é o caso dos cidadãos reclusos. pesar da consagração Constitucional dos seus direitos de cidadania face à educação e a existência de directrizes internacionais que postulam a educação de adultos e ao longo da vida, este púlico tem visto os seus direitos a este nível, sistematicamente ignorados.
Refira-se que, do ponto de vista legal, a própria Constituição da Repúlica Portuguesa, no artigo 74º, consagra o direito à educação, “para todos”. Esse direito prevalece mesmo quando outros direitos e lierdades são limitados pelo Estado, nomeadamente em casos de encarceramento por motivos de justiça, no cumprimento das penas previstas na Lei. Quer isto dizer que um cidadão, ainda que privado da sua lierdade, não deve ser privado do seu direito à educação (CONSTITIÇÃO D REPÚBLIC PORTGES, 1976).
Além de ser um direito, a educação assume-se como uma ferramenta de inclusão social e de partilha de valores (MDO, 2017), servindo como instrumento de valorização individual, particularmente em situações de púlicos socialmente desfavorecidos (PPIONNO; GRVNI, 2018). Sendo uma construção relativamente recente - soretudo do pós-II Guerra Mundial (BRROS; MOREIR, 2015), a educação de adultos e “ao longo da vida”, são constructos estudados pelas ciências da educação, emora fundados em princípios de valores que podemos encontrar no classicismo helénico e “desde o início da história da humanidade” (LCOORDO et al, 2011).
Num sistema judicial que procura a reinserção social e espera que o cumprimento de pena tenha efeitos regeneradores, promover o desenvolvimento da alfaetização e das competências digitais entre este púlico pode ser considerada uma oportunidade de inclusão e de justiça social, através não só do acesso às tecnologias, como tamém da estimulação da capacidade de criar e produzir significados e sentidos nos amientes digitais.
Em Portugal, a Lei n.º 115/2009, de 12 de outuro, e a sua versão mais recente (Lei n.º 21/2013, de 21/02) enaltecem a promoção da frequência do ensino superior por parte de reclusos adultos “(…) designadamente através do recurso a meios de ensino à distância” (artigo 38.º). Esta determinação, no entanto, não tem tido repercussões práticas, porque como destacam Moreira, Machado e Dias-Trindade “parecem existir fortes indícios de que, apesar de já regulamentada, a modalidade de EaD ainda não se encontra convenientemente estruturada de forma efetiva e eficiente” (2018).
Neste contexto, a criação de amientes digitais, promotores de inclusão e que sejam em simultâneo veículos de transmissão de conhecimento formal e informal, assume-se como um imperativo de justiça social, além de concorrer tamém para a resposta necessária à educação e formação de adultos em contexto de reclusão.
2 Origem e evolução do projeto Campus virtual educonline@pris
Ao iniciar a redação deste ponto é importante destacar que a nossa análise se deruça sore o traalho que tem sido desenvolvido na educação de adultos em contexto de reclusão pela niversidade erta, universidade púlica portuguesa e a única instituição de ensino superior totalmente em regime de eLearning. Sendo possível e não inédita a frequência de ensino superior por parte de estudantes reclusos, em qualquer instituição de ensino superior presencial, essa frequência tem sido muito limitada por motivos de natureza prática, quer, por exemplo, pela necessidade de autorização para a realização de provas de avaliação nas instalações da instituição de Ensino Superior fora dos presídios, quer pelos recursos humanos e financeiros necessários para essas deslocações.
No caso da niversidade erta (), essas limitações não se aplicam devido à natureza da modalidade e do modelo pedagógico virtual desenvolvido, muito centrado na flexiilidade, na autonomia do estudante e na inclusão digital.
Desde o início da assinatura do protocolo de colaoração, em 2016, entre a niversidade erta e a Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP, onde se destacava a necessidade e o compromisso de criar e desenvolver um Campus Virtual, concebido para a população reclusa, com acesso seguro, para o desenvolvimento de atividades no domínio do ensino e formação em Educação a Distância e eLearning (Cláusula 2.ª - Cooperação), a situação dos reclusos a frequentar o ensino superior a distância passou por diferentes etapas.
Passou-se de uma situação inicial em que o acesso à plataforma digital de eLearning Moodle era realizado por familiares e amigos fora do presídio, para um sistema de acesso à plataforma offline, ocorrido no espaço escolar do presídio com computadores sem rede. Nesta primeira versão do sistema, os estudantes reclusos tinham acesso aos conteúdos e recursos pedagógicos em formato digital, mas offline, sem rede e sem possiilidade de comunicarem com a comunidade educativa e sem acesso a qualquer atualização da sala de aula virtual. Este sistema foi utilizado nos anos letivos de 2016-2017 e 2017-2018, nos presídios da cidade do Porto (EP Custóias) e de Paços de erreira (EP Paços de erreira), por serem os presídios com maior número de estudantes. m estudo recente confirmou esta realidade, identificando várias limitações: “os recursos educativos a que têm acesso são escassos e limitados, sendo que as maiores dificuldades se prendem com a falta de orientação sore o que estudar, de um apoio mais efetivo por parte dos professores (…) e de acesso à Internet” (MOREIR; MCHDO; DIS-TRINDDE, 2018), O mesmo estudo identificava ainda a existência de poucos equipamentos informáticos, com sistemas operativos osoletos que dificultavam o acesso aos recursos na plataforma institucional em modo offline.
Após esta fase inicial de transição, e na sequência do protocolo assinado, foi criado o Campus Virtual educonline@pris com o ojetivo principal de promover a educação e a formação em presídios e melhorar o acesso dos cidadãos reclusos ao ensino superior, mediado e enriquecido por tecnologias e plataformas digitais. Oviamente que, para além, a sua capacitação intelectual e académica, o Campus permitirá tamém a nível social a requalificação destes sujeitos socialmente vulneráveis, a aquisição de competências transversais e a melhoria do seu autoconceito e da sua auto-estima como comprovado por outros estudos (WLEED, 2017).
O ano letivo de 2018-19 foi o ano de arranque do projeto-piloto do Campus Virtual educonline@pris que funcionou pela primeira vez em Portugal, em quatro presídios do Norte do país. O presídio com maior expressão aqui referenciado como EP Custóias, foi o da cidade do Porto, que tem 20 estudantes matriculados, distriuídos por três graduações, Ciências Sociais, Gestão e Ciências do miente, e em anos curriculares distintos.
O Campus possui um portal internet agregador, um sistema de informação, que se interliga com a plataforma de eLearning da niversidade erta, com um Sistema de Gestão de prendizagem com cursos de prendizagem ao Longo da Vida e com um Repositório de Conteúdos e Recursos que possiilita aos utilizadores o acesso a conteúdos de caráter académico e de cidadania digital.
A nível da solução tecnológica de suporte ao sistema de eLearning, e com o apoio da jp.ik e da undação PT, que forneceram computadores portáteis e a rede de anda larga, respetivamente, foi implementada uma ligação segura à internet que garantiu o total controlo e monitorização dos acessos2, sendo que os estudantes possuem um perfil específico que não lhes permite comunicar online com a comunidade académica (professores e estudantes) e apenas têm acesso ao endereço do Campus e das três plataformas.
O Campus assume assim, tamém, a possiilidade de contriuir para a criação de redes que possiilitem aos reclusos continuar o seu percurso educativo após a transferência para outro presídio ou até mesmo em lierdade, após o cumprimento da pena.
A criação do Campus Virtual educonline@pris “oedeceu a um aprofundamento das relações institucionais entre a e a DGRSP, tendo como principal ojetivo a construção e desenvolvimento de um campus académico que responda às necessidades organizacionais e formativas da DGRSP e dos presídios” (MOREIR; MONTEIRO; MCHDO, 2017).
Aquando da sua criação, a expectativa seria de que o Campus pudesse dar resposta às necessidades dos estudantes em reclusão, aumentar a qualidade da educação digital nos presídios em Portugal, responder aos desafios que a sociedade digital e as novas tecnologias colocam, especialmente neste contexto, sendo ainda garantia do direito de acesso à educação a todos os cidadãos (MOREIR et al., 2016).
A curto prazo o Campus deverá alargar o seu campo de intervenção para formações não conferentes de grau, de prendizagem ao Longo da Vida (LV) não apenas para a população reclusa, mas tamém para os funcionários da DGRSP, nomeadamente técnicos de reeducação e reinserção social.
Quanto ao presente estudo, e como já referimos pretende avaliar as potencialidades e as limitações e constrangimentos associados à implementação do Campus Virtual e do seu modelo pedagógico no ano letivo de 2018-2019. metodologia de avaliação pretende, pois, por um lado, identificar as necessidades de ajustamento do modelo pedagógico virtual da , e por outro avaliar as soluções tecnológicas implementadas e perceer que possiilidades de configuração do ecossistema do Campus podem ser adotadas.
É de destacar que o modelo pedagógico adotado é suportado por uma visão humanista da própria aprendizagem de adultos que tem norteado as políticas europeias. Desta forma, supõe que a formação da pessoa é um processo holístico, assumindo-se como resposta aos desafios de reconhecimento e reinserção social particularmente evidente em grupos fragilizados e com poucas qualificações, prevendo ainda que esta formação seja projetada tamém na realização individual dos sujeitos e antecipando dividendos quanto à sua ressociailização. Emora não existam, de momento, dados sore a reincidência de crime e de taxas de ressociailização em relação aos reclusos portugueses, encontramos indicadores que citam estimativas oficiais de 48% de reincidências (COELHO, 2014), emora a então Secretária de Estado da Justiça, naela Pedroso, admitisse em declarações de janeiro deste ano, ao jornal “Púlico”, que “o Sistema de Informação das Estatísticas da Justiça que permite fazer essa contagem, ‘padece de graves insuficiências’, pelo que não é possível ‘traçar um retrato minimamente fiável do nível de reincidência dos condenados’” (COST; HENRIQES, 2019).
3 Metodologia
O principal ojetivo deste traalho é avaliar, do ponto de vista pedagógico e tecnológico, o processo de implementação do Campus Virtual enquanto plataforma fundacional da Educação Digital no Ensino Superior em Contexto de Reclusão em Portugal.
Para atingir este ojetivo considerou-se fundamental analisar as perceções dos estudantes reclusos que participaram no projeto-piloto relativamente ao funcionamento do Campus, quer no que diz respeito aos constrangimentos e limites associados à aplicação do modelo pedagógico virtual da quer às dificuldades relacionadas com as infraestruturas tecnológicas disponíveis (rede e computadores).
A natureza da nossa investigação conduziu-nos à opção por uma metodologia de natureza qualitativa, nomeadamente pelas características não generalizantes dos sujeitos em questão e pela necessidade de compreensão da sua individualidade (MDO et. al., 2017). oi dada primazia ao discurso direto dos sujeitos, utilizando a entrevista semi-estruturada como instrumento de recolha de dados. recolha foi realizada no presídio de Custóias, como já foi referido, por ser o presídio que tem mais estudantes reclusos matriculados a frequentar o Ensino Superior em Portugal. pós essa recolha procedeu-se à análise de conteúdo, através da codificação das declarações dos entrevistados (BRDIN, 1977; SILV; OSSÁ, 2015).
A nossa amostra foi constituída por dez reclusos a frequentar cursos de Ensino Superior da , todos a cumprir pena no presídio de Custóias, na cidade do Porto, em Portugal. Do grupo inicial de estudantes neste presídio, que eram 20 no início do ano letivo, cinco saíram em lierdade ou foram transferidos para outros presídios, sendo que entre os restantes, cinco não utilizaram a plataforma e/ou estiveram indisponíveis no dia da recolha de dados.
De salientar que um dos estudantes reclusos entrevistados (ES10) frequenta três licenciaturas em simultâneo e um outro estudante recluso, candidato aprovado a mestrado, já é licenciado pela neste contexto de reclusão. Este último -ES05-, tem desempenhado apoio e mentoria informal dentro do presídio a outros estudantes, porque uma das suas funções no presídio é dar apoio à escola3. ssim, e tendo em consideração o seu histórico enquanto estudantes da , estes dois sujeitos têm uma visão longitudinal do processo útil para poder avaliar a sua evolução desde o início.Na taela seguinte apresentam-se as características dos sujeitos que permitem a sua caracterização, sendo que para este estudo definiram-se indicadores como a idade, as haitações académicas à entrada para o presídio (e percurso formativo), o tempo atual em reclusão, o curso que está a frequentar e o ano de frequência. Há ainda uma referência à modalidade de avaliação escolhida pelo estudante. Este indicador reveste-se de especial importância, como veremos na análise de resultados, pois foi a primeira vez que os estudantes reclusos tiveram a possiilidade de optar pela modalidade de avaliação contínua. (Taela 1)
A recolha de dados para este estudo foi feita através de entrevista semi-estruturada, dividida em duas partes. primeira destinada à recolha de dados pessoais e académicos e a segunda com as questões relacionadas com a implementação do Campus Virtual.
As entrevistas foram realizadas presencialmente, gravadas com autorização da direção do presídio de Custóias e com consentimento informado por parte dos participantes. preparação dessas entrevistas seguiu o modelo de análise de conteúdo de Bardin (1977), nomeadamente na pré-análise e preparação das questões, validadas entre pares. Seguiu-se a transcrição do material gravado, a codificação e categorização das unidades de registo consideradas.
A análise de dados incluiu uma fase de análise vertical (MILES; HBERMN, 1994) de cada uma das entrevistas dos estudantes e, posteriormente, uma análise comparativa ou horizontal (MILES; HBERMN, 1994) com recurso ao método da “análise comparativa constante” (GLSER; STRSS, 1967), que permite comparar as perceções dos sujeitos, relativamente ao ojeto de cada categoria definida.
Código | Idade | Tempo em Reclusão | Curso Universidade Aberta | Ano | Regime de Avaliação | Habilitações |
---|---|---|---|---|---|---|
ESOl | 42 | 1 ano e 1 mês | Ciências do Ambiente | 1° (apenas 2o semestre) | Contínua | Licenciatura e Mestrado |
ES02 | 50 | 4 anos e 3 meses | Ciências Sociais | 3° | Final | 12° ano |
ES03 | 38 | 4 anos e 2 meses | Ciências Sociais | 1° | Contínua | 11° ano e formação técnica |
ES04 | 40 | 5 anos | Ciências do Ambiente | 1° | Contínua | 12° ano com dupla certificação em jardinagem (no presídio) |
ES05 | 46 | 7 anos e 3 meses | Graduação em Gestão/ Mestrado em Gestão | Concluída a Graduação - admitido em mestrado | n.a. | 12° ano incompleto |
ES06 | 72 | 8 anos | Ciências Sociais | 1° | Contínua | Ensino secundário |
ES07 | 42 | 5 anos e 5 meses | Ciências Sociais | 1° | Contínua e alterada para final | Ensino Secundário estrangeiro - fez formação no presídio desde o 5o e 6o ano |
ES08 | 38 | 7 anos | Ciências Sociais | 1° (apenas 2o semestre) | Contínua | 6o ano incompleto |
ES09 | 49 | 2 anos e 6 meses | Ciências Sociais | 1° | Contínua e alterada | Ensino Secundário |
ES10 | 42 | 5 anos e 6 meses | Ciências Sociais Gestão Ciências do Ambiente |
3o ano (a terminar) e 2o ano de Gestão e Ciências do Ambiente | Final e Contínua, nas diferentes licenciaturas frequentadas | Ensino Secundário |
Fonte: Os autores.
Resultados
Como referimos anteriormente com este estudo pretende-se conhecer as representações dos estudantes relativamente à implementação do Campus Virtual, quer no diz respeito aos constrangimentos e limites associados à aplicação do modelo pedagógico virtual da quer às dificuldades relacionadas com as infraestruturas tecnológicas disponíveis (rede e computadores). Otivemos cento e trinta cinco registos que foram divididos nas seguintes categorias: Acessibilidade, Avaliação, Recursos, Limites e Constrangimentos, Inclusão e Competências Digitais e Da EaD ao eLearning.
Na primeira categoria, Acessibilidade, temos vinte unidades de registo, que permitem perceer a forma como esteve organizado o acesso ao Campus Virtual e as condições espaciais físicas em que funcionou.
Como podemos ler nas unidades de registo exemplificativas na igura 1, foram estaelecidos horários de acesso ao espaço escolar físico, duas a três vezes por semana, para que todos pudessem aceder ao Campus. Estes horários viriam a ser alargados e foi criado pela direção do presídio um regime flexível de acesso à sala de aula criada para os estudantes do Ensino Superior. O acesso ao Campus realizou-se através de três computadores portáteis, ligados a um router, que permitiu o acesso às duas plataformas moodle da niversidade erta e a uma terceira plataforma digital de recursos educacionais adicionais. Para além disso, os estudantes podiam ainda recorrer a quatro computadores -desktops- sem rede com os recursos descarregados das plataformas, sendo que é possível imprimir os recursos e levá-los para a cela. Gloalmente, esta forma de funcionamento merece a aprovação dos estudantes, emora alguns admitam que gostariam de ter mais tempo: “Há uma escala para cada recluso. Gostávamos de vir aqui todos os dias” (ES09). pesar disso, esta forma de organização e de acesso ao Campus parece ter sido apreciada por todos os estudantes da niversidade. m último aspeto, que tamém é de destacar nesta categoria é a perceção da diferenciação positiva que se cria entre aqueles que estão a estudar neste nível de ensino. spetos comportamentais, que são relevantes o suficiente para vários sujeitos os referirem, entre os quais se destaca a perceção do ES09 ao sulinhar que “… o grupo da universidade, sem suestimar ninguém, acho que são pessoas que saem estar.”
Na categoria Avaliação da Implementação do Campus, analisaram-se as vinte e nove unidades de registo referentes ao Campus, verificando que as perceções neste domínio são muito positivas, destacando-se a facilidade de acesso e o interface simples e intuitivo da plataforma de eLearning.
A possiilidade de ter acesso a um computador com internet, ainda que limitada é, só por si, um aspeto valorizado pelos estudantes, nomeadamente pelo efeito de positividade emocional que aporta, como podemos apreciar nas seguintes unidades de registo: “Só a sensação de chegar aqui e pegar no computador, parece que estou no exterior” (ES06); “ma cadeia não é um hotel. Mas perante as perdas todas que temos, há aprendizagens. E para mim a niversidade erta foi uma mais-valia e é um incentivo” (ES09): “Este é um espaço de lierdade dentro da cadeia” (ES10).
É interessante destacar que os estudantes reconhecem que o processo de implementação do Campus Virtual só tem sido possível, porque existe autorização superior e aertura e disponiilidade, quer da direção do presídio, quer do corpo da guarda prisional, quer ainda dos próprios estudantes, porque na opinião do ES05: “Os estudantes têm tido um comportamento irrepreensível e temos tido o apoio de todos.”
No que diz respeito à categoria Recursos, com dezasseis registos, refira-se que esta foi definida com o intuito de se poder perceer quais os recursos pedagógicos a que os estudantes têm acesso na plataforma digital e quais aqueles que não estão acessíveis. Esta categoria, e como facilmente se perceerá, relaciona-se, de forma intrínseca, com a categoria associada às limitações e constrangimentos, porque na realidade o acesso a uma rede limitada, segura, com endereços pré-definidos, limita o acesso aos recursos disponíveis em repositórios de conteúdos aertos como podemos comprovar pelos testemunhos presentes na igura 3.
Emora todos reconheçam que o acesso aos conteúdos e recursos ficou muito mais facilitado e que agora é possível aceder e imprimir com mais facilidade os documentos, textos e recursos pedagógicos, continua a existir dificuldade em adquirir livros no exterior e a ter acesso a outros materiais que não estão disponíveis na plataforma, devido às limitações de acessiilidade, soretudo a nível de links que remetem para endereços aos quais não é permitido aceder.
Com efeito, e no que diz respeito aos recursos analógicos, livros referenciados pelos professores para aquisição, quem tem possiilidades financeiras tem adquirido esses livros, quem não tem essas possiilidades tem tido mais dificuldades, que se têm procurado colmatar, quer com o apoio da rede familiar ou de amigos no exterior, quer com empréstimos realizados pela ilioteca do presídio ou pelas iliotecas da niversidade Aerta. Para além disso tem-se procurado sensiilizar os professores para esta situação, solicitando aos mesmos que disponiilizem recursos digitais alternativos para estes alunos.
Por sua vez, as limitações de acesso à rede e consequentemente de acesso a recursos disponíveis na rede externa ao endereço disponível, tem criado dificuldades na concretização das provas no regime de avaliação contínua -efólios-, porque nas situações em que é preciso fazer pesquisas na rede e aceder a vídeos em redes sociais, como o youtube, os estudantes reclusos estão impedidos de o fazer: “Temos que pedir matéria de fora para fazer os traalhos. É fundamental porque aqui está limitado” (ES03).
A categoria Limitações e Constrangimentos, com trinta e seis unidades de registo é uma das mais relevantes neste estudo, porque é aquela que permitirá identificar as limitações e os principais constrangimentos do Campus, podendo a partir desses elementos sugerir recomendações futuras.
Todos os estudantes pareceram hesitar um pouco no momento de criticar o processo de implementação e o funcionamento do Campus, mas a perceção de que estes dados podem ser utilizados para melhorar o desempenho da plataforma serviu de incentivo. Entre os dados recolhidos, as principais limitações e constrangimentos tecnológicos e pedagógicos identificados pelos estudantes foram: a necessidade de terem mais computadores disponíveis, a lentidão da rede no acesso aos conteúdos, a impossiilidade de comunicar diretamente com os professores através do sistema digital, quer de forma privada, quer púlica e a inacessiilidade de alguns recursos, como já foi analisado anteriormente.
Há ainda um aspeto a registar que dificultou a implementação do Campus no primeiro semestre do ano letivo de 2018-2019 relacionada com a greve dos guardas prisionais, referida por vários sujeitos. Com efeito, a greve do corpo da guarda prisional que se prolongou durante algumas semanas impossiilitou o cumprimento das atividades pedagógicas e a realização das provas de avaliação dos estudantes em regime de avaliação contínua nesse período. contecimentos desta natureza podem sempre surgir, dado que este Campus nunca poderá interferir com o normal funcionamento do presídio, nem com questões de segurança.
Ainda no que diz respeito aos constrangimentos associados à questão da avaliação há ainda um outro aspeto a considerar relacionado com as datas limite de sumissão dos e-fólios, e referenciado por exemplo pelo estudante -EST03-, que refere que: “(…) para nós é prejudicial (…). Se termina num domingo, temos que terminar na sexta, no máximo até às 17 horas”, porque na realidade os estudantes reclusos não têm acesso à plataforma durante os fins de semana. E alguns traalhos apresentaram datas de entrega que ocorriam nesse período.
Uma das maiores limitações referida por diversos estudantes, é a indisponiilidade de acesso a links e vídeos externos à plataforma de eLearning da . Com efeito, nos recursos disponiilizados pelos docentes existem links para documentos ou vídeos externos à plataforma digital de eLerning da e, como o acesso está loqueado, os estudantes não conseguem ter acesso, como refere, por exemplo o primeiro entrevistado: “Tive uma cadeira de lteração das Condições Climáticas que uma percentagem elevada dos recursos era da internet e não pude aceder” (EST01).
Finalmente é de referir ainda que a maioria dos estudantes gostaria de interagir com os professores daa unidades curriculares. Tendo noção de que é complicado comunicar com os outros estudantes regulares, gostariam que fosse criado um canal de comunicação com os professores que lhes permitisse, pelo menos, esclarecer algumas dúvidas com os docentes, tal como podemos ler na unidade de registo exemplificativa na igura 4: “Ter acesso ao professor era fundamental para tirar dúvidas” (EST10).
Mas é de salientar que apesar destes constrangimentos, o Campus é reconhecido como um enorme e indispensável contriuto para a mudança: “(…) no cômputo geral as coisas estão a dar passos significativos, importantes, e ao mesmo tempo, temos que ter noção que não podemos ter tudo de uma vez, as coisas estão a ser feitas paulatinamente” (ES04).
Por sua vez, a categoria Inclusão e Competências Digitais, que apresenta apenas dez unidades de registo, e se refere, soretudo, à descrição da relação que cada um possui com as tecnologias digitais e a forma como o Campus pode contriuir para potenciar essa relação, merecerá num estudo futuro, maior atenção e detalhe, até porque o modelo pedagógico virtual da , tem como uma das suas principais linhas de força a questão da inclusão digital e os dados revelam a importância de apostar no desenvolvimento das competências digitais destes cidadãos, que claramente se apresentam como um grupo de risco a este nível.
É interessante notar a este respeito que existiu alguma relutância por parte dos sujeitos em assumir o seu limitado conhecimento e relação com as tecnologias digitais, sendo que apenas um estudante o fez como se pode ler na última unidade de registo exemplificativa: “Não tinha relação com a internet antes do curso, nem ligava muito” (ES08), mas a solução passa por pedir ajuda.
Há ainda quem assuma que está a aproveitar para aperfeiçoar as skills da utilização da tecnologia digital: “Nunca fui nenhum expert; para meu uso pessoal na ótica do utilizador, sim senhor. Tenho adquirido muito mais conhecimento” (ES04). Mais uma vez, destaca-se a questão da oportunidade e da mais valia que pode ser esta experiência educacional: “Nós estamos detidos. Não temos acesso a tecnologia, não temos celulares, não temos nada. Pelo menos mexer no computador e ter um ocadinho de lierdade, dá-nos uma sensação de estar a fazer algo de diferente” (ES02).
Finalmente, a categoria Da EaD ao eLearning justifica-se, porque é muito importante perceer como é que os estudantes percecionam o caminho percorrido, desde o “antes” da criação da Campus até à realidade atual. Por exemplo, conhecendo o percurso de um estudante recluso que concluiu a sua graduação sem acesso a uma plataforma digital e que atualmente se encontra matriculado num curso de mestrado e desempenha funções de apoio na escola; ou perceer a visão de um estudante que frequenta três graduações, a primeira das quais está a concluir e que a realizou quase toda sem existência do Campus Virtual.
Para quem tem experiência na primeira pessoa, as alterações foram muitas: “ntes tínhamos só uns resumos e tinha que mandar vir fotocópias e livros de fora. É mais simples estudar assim, seguimos a plataforma” (ES10). Como corroora o estudante EST02: “Sem dúvida que está muito mais facilitado. Mais acesso de matéria, emora nem todos os manuais estejam no programa”, continuando: “O início, o primeiro ano, foi muito, muito complicado. Sem nada. Manuais antigos. E o grande prolema era não se saer a matéria que ia sair. Não tinha por onde me conduzir. Esporadicamente lá vinha uma informação de uma disciplina ou outra. É uma ajuda muito grande”.
O estudante da segunda unidade de registo exemplificativa ainda vai mais longe afirmando que no início: “(…) não havia nada, não tínhamos sala sequer” e “Por vezes a entreajuda não chega quando não há ferramentas. E não havia. oi uma luta” (ES05).
Além das diferenças, a própria criação do Campus ainda causou admiração a um dos estudantes reclusos já no presídio há vários anos: “Nunca ninguém sonharia deixarem ter um router na cadeia” (ES08). E essa criação, resume-se tamém na afirmação de um outro estudante: “Mudou tudo” (ES05).
Conclusões
A análise de resultados, conforme podemos oservar nos dados anteriores, permite concluir que a criação do Campus Virtual e sua implementação tem ainda um longo caminho a percorrer, mas os primeiros resultados são muito animadores e entusiasmantes na perspetiva dos estudantes que interagiram com as plataformas digitais que integram o Campus. Esses resultados são evidentes, não só nas categorias Avaliação e Implementação do Campus e Da EaD ao eLearning, como é transversal a todo o estudo. Há, claramente, um “antes” e um “depois” da criação do Campus que aproximou as realidades educativas do Ensino Superior em contexto de lierdade e de reclusão.
Com efeito, os resultados revelam que a implementação do Campus teve um impacto muito positivo nos processos pedagógicos desenvolvidos na plataforma de eLearning, quer no acesso online aos recursos digitais e e-atividades de aprendizagem, quer no que diz respeito à possiilidade de aceder às diferentes modalidades de avaliação.
Estudantes que estavam dependentes de terceiros (técnicos, amigos e família) para aceder aos conteúdos das unidades curriculares em que estavam matriculados passaram a fazê-lo, ao longo de todo o semestre, em simultâneo com os outros estudantes não reclusos, resultado da criação do Campus Virtual e do seu sinal digital.
O valor acrescentado, quer a nível educativo, quer a nível da justiça social é evidente, diminuindo de forma clara o fosso de acesso ao conhecimento e das competências digitais destes cidadãos.
Existem naturalmente melhorias que podem e devem ser realizadas e limites cuja resolução pode ser difícil e complexa, soretudo relacionados com questões de segurança. É o caso do acesso a links externos aos endereços autorizados, o que implicará sempre uma personalização, por parte dos professores, dos amientes de aprendizagem que deverão atentar ao perfil dos estudantes que integram as turmas.
Para além disso, urge criar canais de comunicação específicos neste novo território educativo digital para os estudantes reclusos, que lhes permitam comunicar com os professores das unidades curriculares. interação com os conteúdos que o Campus Virtual permite foi muito importante para estes estudantes, mas é necessário, em reve, ampliar esta interação, tamém, para os professores procurando criar uma relação de proximidade entre o professor e o estudante, essência do processo de ensino e aprendizagem.
Do ponto de vista tecnológico, pudemos concluir que existe a necessidade de adquirir mais computadores portáteis com um processador de mais qualidade, assim como adquirir uma rede com mais velocidade para dar uma resposta mais adequada ao estudantes deste presídio e dos restantes presídios em Portugal, cerca de vinte, que irão tamém incorporar o Campus Virtual Educonline@pris nas suas práticas educativas a partir do ano letivo de 2019-2020.
Tendo ainda em consideração alguns dos testemunhos dos estudantes será tamém relevante incorporar mais uma plataforma ao Campus virtual, o portal académico do estudante que lhes dará acesso a informações acerca do seu percurso escolar e aos seus dados pessoais.
A nível tecnológico estas são as indicações mais prementes e que devem nortear a nossa ação no alargamento do Campus Virtual a esta rede de presídios no país com sinal digital. Este alargamento da rede terá, pois, de contemplar, não só esta melhoria no parque informático, mas deve contemplar, ainda, ações de formação para os técnicos de educação, a quem será solicitado apoio para o desenvolvimento destes processos pedagógicos nos presídios. Essa formação permitirá melhorar os processos de Educação Digital nos presídios, mas tamém desmistificar questões de segurança e de validade do próprio eLearning.
Terminamos destacando que a educação e a formação enriquecida com tecnologias digitais dentro de um presídio tem tamém influência comportamental, conforme referido e discutido nos resultados. Esse aspeto, cuja relevância não necessita de explicitação maior, deverá servir de reflexão para a evolução deste Campus e da criação de um modelo pedagógico mais inclusivo para este grupo de cidadãos com condições de acesso especiais.
Esperamos, pois, que este projeto consiga dar resposta a alguns dos desafios que a sociedade digital e as novas tecnologias colocam à EaD e eLearning especialmente em contextos de enorme vulnerailidade social, como é o caso da população presidiária, contriuindo, ao mesmo tempo, para que seja garantido o direito de acesso à educação que deve ter qualquer cidadão, no cumprimento do respeito pelos direitos humanos dos indivíduos, privados ou não de lierdade.