Introdução
O presente artigo é resultante da pesquisa de Doutorado em Educação pela Faculdade de Formação de Professores da UERJ que objetivou demonstrar as potencialidades de referências advindas de vivências, as chamadas referências viviográficas, através do desenvolvimento da Viviografia. O conceito de Viviografia surgiu da experiência de Pinheiro (2021) enquanto professora, pesquisadora e defensora da EJA, e versa justamente sobre temática da vida, das vivências e das experiências que guardam aprendizagens e ensinamentos coletivos. Desenvolveu-se como sendo a escrita da vida e a vida inscrita no chão da escola e valorizada e, agora, inscreve-se também em outros chãos.
A Viviografia é a consubstanciação entre a ideia defendida em uma pesquisa que considera os princípios qualitativos e sua própria concretização escrita, em que as narrativas dos envolvidos e colaboradores não são meros objetos de pesquisa, figurando tão somente em uma seção designada a uma aplicação e aos resultados para se comprovar uma hipótese. Entendemos por corporificação textual o sentido de dar corpo, de materializar, na escrita, a ideia ou o conceito de algo. No caso da Viviografia, se defendemos o foco nos discentes ou, em termos mais abrangentes, nos colaboradores de uma pesquisa [que geralmente são chamados de objetos ou sujeitos da pesquisa], é coerente que a narrativa esteja em concordância com o que se preza. Esperamos, pois, a concretização das ideias defendidas encarnadas na própria elaboração do texto escrito.
As reflexões da pesquisa direcionaram-se aos alunos do Ensino Fundamental da Educação de Jovens e Adultos (EJA) de uma escola pública do município de São Gonçalo/RJ. Esses alunos esbanjam experiências que mobilizam saberes em partilha e que se (trans)formam em inspiração, referência e aprendizagem coletiva. Através da leitura de textos curtos da literatura brasileira de temáticas memorialísticas, foi possível inspirar narrativas discentes acerca de suas vivências, promovendo letramento literário e autoria no desenvolvimento da Viviografia, conceito insurgente na defesa da importância das narrativas orais e escritas das histórias de vida e memórias dos alunos para sua formação dentro e fora do espaço escolar, com status de referências viviográficas e para estudos na área (PINHEIRO, 2021).
O estudo de cunho viviográfico se desenrola pela tessitura das contribuições das referências bibliográficas da área e das referências viviográficas, ou seja, os próprios a(u)tores da pesquisa, os alunos da EJA, com narrativas que se enredam e se entrelaçam nas tramas e nos dramas da vida real. Desta forma, as narrativas e experiências dos alunos foram apresentadas na supramencionada tese de Doutorado não apenas como resultados da pesquisa, mas também como fundamento teórico-viviográfico que justifica e embasa a própria pesquisa construída e escrita junto com os alunos da EJA em processos emancipatórios de identidade. Assim sendo, deparamo-nos tanto com o modelo já conhecido de referências bibliográficas conforme as normas estabelecidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), como também com o modelo de referência viviográfica criado e desenvolvido pela docente pesquisadora Pinheiro (2021).
Embora a Viviografia tenha emergido em direção ao público da EJA, essa é uma conceituação que foi tomando forma e se expandindo, podendo abarcar outros cenários de forma abrangente e não restrito à EJA. Insurge, pois, um conceito teórico metodológico-viviográfico em potencial no âmbito das pesquisas narrativas, cuja elucidação é o objetivo principal deste artigo.
Referências viviográficas e Viviografia
Referências viviográficas são referências advindas de vivências que se tornam um embasamento por experiência de vida, por meio de narrativas de memórias inspiradas pela literatura. De acordo com Candido (1995), a literatura precisa ser concebida enquanto um conhecimento específico do humano e, portanto, essencial à vida.
O nascimento e a conceituação do termo “referências viviográficas” antecedem a constituição da Viviografia enquanto fundamento teórico-metodológico. O termo emergiu justamente da reflexão sobre pressupostos canônicos e certas postulações acadêmicas, em associativas ponderações sobre referências bibliográficas. A partir da análise lexical e semântica destas últimas, veio a proposta das referências viviográficas, na tentativa de dar conta do que se julgava carecer nas bibliográficas e reconhecer a vida em toda sua amplitude, complexidade e parte integrante dos processos de pesquisa e, principalmente, as valorosas contribuições dos próprios a(u)tores envolvidos nesses processos.
Entretanto, entendemos que não existe uma dicotomia ou relação binária entre referências bibliográficas e referências viviográficas. As referências viviográficas podem acabar se tornando referências bibliográficas e algumas referências bibliográficas já existentes podem expressar referências de vida, de experiências e memórias e, assim, virem a ser referências viviográficas. O que defendemos é o reconhecimento da relevância de referências provenientes das experiências de vida não apenas de teóricos e autores já conceituados, mas também e sobretudo das contribuições dos próprios envolvidos na pesquisa e a quem ela se direciona. Fica, portanto, a pergunta: “Pode uma referência bibliográfica ser viviográfica? Sim! Só não pode se transfigurar para tentar atingir status científico. A teoria e o método não devem sobrepujar a vida, até porque a vida não segue métodos específicos, ela é fluxo permanente de impermanências” (PINHEIRO, 2021, p. 95).
Nem sempre as bibliografias recomendadas se adequam a realidades pesquisadas, por serem muito genéricas ou muito específicas a contextos particulares de escrita e até mesmo de localizações espaciais. Já em relação a uma Viviografia recomendada, espera-se que seja algo muito mais direcionado, mais próximo e experienciado pelos próprios envolvidos no processo.
Foram os alunos da EJA de uma escola pública do município de São Gonçalo/RJ que plantaram, cultivaram e permitiram o desabrochar desse conceito insurgente. São eles a inspiração e os inspiradores do que se tornou referência viviográfica e, posteriormente, a Viviografia, um embasamento por experiência através de narrativas de vida e formação. O ambiente educacional, genuinamente, exala ensinamento e aprendizagem. Não é difícil reconhecermos tanto os professores quanto os alunos como referências viviográficas, na medida em que são fazedores de histórias e portadores de memórias vivas que guardam profundos ensinamentos.
É do cotidiano que brota a magia. [...] Abra os olhos e apure os ouvidos. É só prestar atenção. [...] Você testemunha grandes e pequenos episódios que estão acontecendo à sua volta. Um dia será chamado a contar também. Então verá que o tecido das vidas mais comuns é atravessado por um fio dourado: esse fio é a história (BOSI, 2019, p. 14).
A pesquisa narrativa trabalha o lado emancipatório da identidade, podendo desenvolver autoestima e possibilitar processos autorais. Connelly e Clandinin (1990) explicam que as narrativas, no campo educacional, são tanto um fenômeno a ser investigado como método utilizado em investigação. A narrativa, portanto, é entendida em sua dimensão epistemológica e em suas possibilidades metodológicas, e as histórias de vida, memórias e diálogos se constituem ferramentas de análise interpretativa. Advertimos, porém, que o objetivo com as narrativas não é realizar uma espécie de sensacionalismo expondo tristezas, mas sim iluminar trajetórias de vida, experiência e formação.
Compreendemos que “a vida contada não é a vida” (DELORY-MOMBERGER, 2006, p. 361), é uma reconstrução, visto que narrativa é movimento e a história se constrói enquanto narramos. Ao reconstituir memórias e histórias de vida, narrando a si mesmo, o narrador é convidado a refletir acerca de suas experiências, tornando o ato de lembrar em possibilidade de conhecimento e aprendizagem de si e das relações estabelecidas com outros.
A memória reconstruída atende a uma função social e o que parece ser individual passa a fazer parte do coletivo (BOSI, 1994). Dessa forma, as narrativas de memórias são consideradas referências por experiência de vida, um embasamento teórico-viviográfico. De acordo com Josso (2010, p. 47), “falar das próprias experiências formadoras é, pois, de certa maneira, contar a si mesmo a própria história, as suas qualidades pessoais e socioculturais, o valor que se atribui ao que é ‘vivido’ na continuidade temporal do nosso ser psicossomático”. Somos enredados em memórias e histórias que forjam quem estamos nos tornando. É por meio do literário e do poético da vida que as narrativas se desenrolam ou até mesmo se enrolam nos emaranhados das memórias que são os fios condutores que costuram as histórias.
Candido (1995, p. 256) alerta que “negar a fruição da literatura é mutilar a nossa humanidade”. Para ele, a literatura corresponde a uma necessidade universal e é reconhecida com força humanizadora e de formação do homem. Segundo Todorov (2009, p. 76), “a literatura pode muito. Ela pode nos estender a mão quando estamos profundamente deprimidos, nos tornar ainda mais próximos dos outros seres humanos que nos cercam, nos fazer compreender melhor o mundo e nos ajudar a viver”. Ainda de acordo com o autor, a literatura pode nos transformar a partir de dentro. Assim sendo, reconhecemos que o literário é um excelente modo, dispositivo e disparador de reflexão acerca da vida.
Dessa forma, a fim de deixarmos nossos escritos mais tangíveis e concretizarmos as ideias defendidas em uma pesquisa encarnadas na própria elaboração do texto escrito, diferentemente das então conhecidas referências bibliográficas, temos as referências viviográficas que são representadas através de dois estilos: as chamadas referências completas e referências reduzidas.
As referências completas são utilizadas em citações longas (mais de três linhas) representadas fora do corpo do texto, com recuo de 4 cm e espaço simples. Esse modelo segue o padrão bibliográfico da ABNT. No entanto, na Viviografia, as epígrafes também se enquadram na estrutura das referências completas, com intento de conceder maior visibilidade e destaque ao autor viviográfico. A citação em si, fora do corpo do texto segue com alinhamento justificado, fonte normal e de tamanho 12 (doze), diferentemente das bibliográficas que usam tamanho menor (onze), as vivográficas são corporificadas no mesmo tamanho de letra do resto do texto corrido, conferindo o mesmo destaque visto que são parte integrante do mesmo. Já as epígrafes são escritas em fonte itálico e de tamanho 10 (dez), com alinhamento à direita. O estilo da letra segue o padrão da escrita do texto, podendo as epígrafes assumirem outros estilos à escolha do pesquisador.
Modelo de referência completa:
Já as referências reduzidas são utilizadas em citações de até três linhas, no corpo do texto, entre parênteses com nome do autor viviográfico (se dentro dos parênteses, em caixa alta e fora dos parênteses, sem caixa alta), seguido do ano e, para diferenciarem-se das referências bibliográficas, acrescentamos a sigla r.v. em itálico ao final, em alusão ao termo “referência viviográfica”. Podem apresentar-se, portanto, em dois modelos, ambos acompanhando o estilo e o tamanho da fonte principal do texto, com exceção da sigla (r.v.) que, como já apontado, fica em itálico.
Modelo 1 de referência reduzida:
Modelo 2 de referência reduzida:
A autora Pinheiro (2021) explica que a escolha do primeiro nome na citação partiu da percepção dos próprios alunos colaboradores da pesquisa de serem reconhecidos pelos demais por seu primeiro nome (ou até apelido) e não pelo sobrenome que, segundo eles, não confere a identidade desejada (muitos renegam ou desconhecem a própria família). Assim, mediante tal percepção, optamos também pela introdução de um pronome de tratamento ou característica marcante do autor viviográfico antes de seu primeiro nome, conferindo representatividade ainda maior.
Observe parte de um conto chamado O que é que o contador tem e atente para os trechos destacados em negrito que ajudarão a melhor justificar a escolha pelo primeiro nome dos autores viviográficos em citações, expressando o propósito fundante da Viviografia.
O melhor contador de histórias
é como um plantador de baobá.
Anos após a vida de quem plantou,
a árvore viverá .
Anos após a vida de quem contou,
a história seguirá.
O nome de quem contou,
o nome de quem plantou, tanto faz.
A árvore é maior do que o plantador.
A história é maior do que o contador.
(GIBSON; FRANKLIN, 2019, p. 85, grifos das autoras)
Ainda que saibamos que não necessariamente ou explicitamente alguém que lê uma citação viviográfica irá utilizá-la enquanto referência por experiência de vida em outra(s) pesquisa(s), mesmo assim o ensinamento e os sentidos transmitidos poderão constar em outros escritos. Só isso já terá valido a pena! Mais do que a experiência da escrita, importa a escrita da experiência vivenciada.
Para tanto, a metodologia da Tematização (FONTOURA, 2011) é de suma relevância para análise e interpretação das narrativas, cujas densidades temáticas são analisadas a partir dos episódios narrados sobre memórias e histórias de vida. De acordo com Fontoura (2011), os dados não falam por si em pesquisa qualitativa (e em pesquisa viviográfica também). É preciso problematizar os achados e estabelecer diálogos com a teoria. Essa metodologia é pautada em uma reflexividade criteriosa e que, didaticamente, apresenta alguns passos para análise das narrativas, resumidos a seguir:
7 passos da Tematização:
Fonte: FONTOURA (2011) - adaptado para ilustração esquemática.
Para Fontoura (2011, p. 78), “devemos aprender a ouvir o sujeito que vivenciou a situação que se quer estudar, o que implica em tê-lo como um parceiro, como alguém que é ativo no estudo e que reflete sobre sua própria vida”. A autora defende ideais de diálogo, cooperação, senso de inacabamento, ação transformadora com valorização e respeito aos saberes cotidianos e criticidade. Seguindo a mesma linha de raciocínio, Pinheiro (2021) desconstrói e reelabora um aspecto clássico de uma pesquisa, as denominações metodológicas de cunho qualitativo, quantitativo e qualiquantitativo, sugerindo a denominação de pesquisa viviográfica, ou seja, a pesquisa não é nem qualitativa, nem quantitativa e nem qualiquantitativa, ela é viviográfica, ao passo que tenta fugir da lógica binária. A pesquisa não é isso ou aquilo, é vida, é complexa, é multi e também una e, por isso, viviográfica.
Buscamos instaurar fundamentos teórico-viviográficos e status de acadêmico-viviográfico, sendo, pois, um conceito em construção que contribui para formas de fazer pesquisa e que tangencia a proposta qualitativa. Dessa maneira, os dispositivos narrativos mais experienciados na Viviografia são textos literários, músicas, imagens e rodas de conversa explorados através de Círculos de leitura (COSSON, 2014) e oficinas artístico-literárias, colaborando para o desenvolvimento do letramento literário que é uma prática social de responsabilidade da escola e que considera os mais diversos domínios da vida (COSSON, 2014; ZAPPONE, 2008). Os Círculos de leitura possuem caráter formativo, propiciando aprendizagem coletiva e colaborativa, sendo “essencialmente o compartilhamento organizado de uma obra dentro de uma comunidade de leitores que se constitui para tal fim” (COSSON, 2014, p. 158). Destacam-se, também, como dispositivos teórico-metodológicos oriundos da Viviografia, o Diário Viviográfico e a Viviossonografia.
Diário viviográfico
Como reflexão e reflexo da construção de uma pesquisa narrativa segundo as bases da Viviografia, emergiu a necessidade de uma espécie de diário de itinerância (BARBIER, 2002) reformulado e adaptado à realidade dos estudos viviográficos, por isso, chamado de diário viviográfico. Essa ferramenta se configura como parte fundante e fundamental do período de gestação de uma pesquisa-formação (JOSSO, 2010).
Segundo Barbier (2002), o diário de itinerância é um instrumento de investigação metodológico voltado a si mesmo, com anotações várias sobre a vida em relação a algo específico (o que confere um caráter de diário), e da itinerância de um sujeito (indivíduo, grupo ou comunidade). Para o autor, a itinerância representa um percurso estrutural de uma existência real que vai se manifestando aos poucos, de forma inacabada e no emaranhado dos diversos itinerários percorridos. Comparando a um diário íntimo, com anotações várias e formas de expressão por sentimentos, difere-se pelo seu caráter publicável ou passível de ser difundido ao menos em partes.
Pensando nessa ideia de Barbier (2002), Pinheiro (2021) elaborou um diário de itinerância personalizado que se denominou diário viviográfico, uma vez que foi inspirado na teoria, mas seguiu seu próprio fluxo e não necessariamente alimentado diariamente. Um traço marcante explicado pelo autor e utilizado na Viviografia é o expressar de comentários e ideias aleatórias, imaginação, função poética e criadora, além da escolha por alguns caminhos não-científicos (no sentido tradicional do termo científico), sem deixar de considerar o espírito crítico e a presença de humor.
Pinheiro (2021) criou um grupo no WhatsApp só com ela mesma, chamado a princípio de “Euanotações” e que, com o desenvolvimento de sua pesquisa de Doutorado, passou a se chamar “Diário Viviográfico”, um amontoado de áudios epifânicos, ideias, imagens, autodizeres, fotografias, vídeos, anotações, textos teóricos, músicas, fragmentos de falas capturadas de congressos, entrevistas, conversas, entre outros. Partes disso tudo foram alinhavadas nas tramas da tese, ora mais explicitamente ora nas entrelinhas. Vídeos e fotos do processo também foram compartilhados com alguns alunos colaboradores de sua pesquisa. Nesse sentido, a ferramenta do WhatsApp se configura como um estilo metodológico importante para desenvolver uma pesquisa viviográfica.
Viviossonografia
A Viviossonografia, por sua vez, é uma metodologia específica para captar as narrativas das histórias de vida por meio da música, das escolhas das trilhas sonoras da vida de cada um e segue a proposta insurgente de Viviografia. A construção da palavra criada dá conta da intenção da metodologia, vivio (prefixo relativo à vida, vivência, Viviografia) e sonografia (referindo-se tanto ao som, à música; quanto à grafia, a escrita que resulta). Sonografia é o estudo do som através de um instrumento que representa graficamente seus componentes acústicos. Assim, a Viviossonografia seria a representação da vida através da música e, mais especificamente, através do (en)canto discente.
Foi considerado na elaboração da palavra o Novo Acordo Ortográfico vigente até o momento dessa escrita, o que justifica a não utilização do hífen quando o prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa com “r” ou “s”, neste caso, duplica-se tais consoantes. Por isso, temos: Vivio (prefixo terminado em vogal) e sonografia (segundo elemento iniciado com a consoante “s” = vivioSSonografia (duplicação da consoante “s”).
A música pode revelar profundas reflexões sobre a vida, ponderações acerca de tempos passados e criar momentos de identificação com as letras da canção e de inspiração por meio da melodia. Essa metodologia provoca fruição melódica e estética, desperta a sensibilidade, inspira reflexão e narrativas acerca da vida, criando uma atmosfera lúdica e sensorial. A partir do diálogo entre os estudos de Pinheiro (2021) e Fontoura (2011), temos a Viviossonografia tematizada com associações entre música e histórias de vida e análise de núcleos de sentidos presentes nas narrativas pessoais e melódicas.
Algumas considerações finais
A Viviografia não é apenas uma escrita como forma de resistência na vida, é também uma maneira de promover autoria, como no caso da pesquisa de Doutorado aqui referendada que promoveu autoria discente na EJA e autoria da própria docente-pesquisadora-narradora. Não se pretende dar voz aos alunos e/ou aos professores, uma vez que a voz já lhes pertence e lhes é por direito, mas sim permitir o desenvolvimento da autoria e o reconhecimento dessa contribuição enquanto material e dispositivo teórico-viviográfico que fundamentam pesquisas acadêmicas e que propõem mudanças de perspectivas no âmbito educacional de possibilidades de escuta para realização de intervenções. Assim, tais narrativas se transformam em referências viviográficas.
Incentivar o estudo e o trabalho com narrativas oportuniza lugares de fala diferentes dos convencionais. As narrativas de si e das experiências vividas se caracterizam como processos de (auto)formação e de conhecimento. Os extratos das narrativas individuais podem ainda se transformar em aprendizagem coletiva, ao passo que se tornam referências viviográficas e o pluralizar dessas narrativas inspiram, ensinam e (trans)formam.
A metodologia da Tematização ilumina densidades temáticas de relevo para a área estudada, uma vez que consiste em apreender núcleos de sentido contidos nas narrativas. É de suma importância advertir que, em momento algum durante o desenvolvimento desta metodologia, intencionamos realizar qualquer tipo de juízo de valor ou julgamento sobre o narrado. A Tematização colabora para melhor entendimento e interpretação do narrado, facilitando o estabelecimento de pontes entre referenciais bibliográficos e viviográficos.
A literatura e suas múltiplas expressões despertam reflexão sobre a vida e fruição ética e estética. O literário, além de costurar narrativas de vida, pode bordar as páginas de uma pesquisa viviográfica. Os Círculos de leitura literária inspiram reconstrução e narrativas de memórias, provocando sentimentos de identificação e/ou distanciamento/ exclusão atribuídos às leituras realizadas. Já as oficinas provocam diversos modos de expressão, garantindo interação e repercutindo em melhorias nos relacionamentos interpessoais. A experiência viviográfica colabora para (trans)formações constantes, com reafirmação de identidade, fortalecimento de autoestima, evoluções quanto à proficiência oral e leitora, fruição ética e estética, e percepções outras acerca da importância da literatura.
A elaboração da Viviografia e de seus dispositivos teórico-metodológicos como o Diário Viviográfico e a Viviossonografia, bem como proposição de inter-relações entre expressões artístico-literárias na instauração de referências viviográficas como embasamento por experiência de vida inaugura novas possibilidades para pesquisa narrativa. Viviografar é entender a complexidade vital da pesquisa encarnada.