de chrónos à aión - onde habitam os tempos da infância?2
as crianças e o tempo: uma introdução
Desde muito cedo, os adultos, sejam eles familiares, sejam professores, projetam nas crianças uma série de desejos, anseios e aspirações, que acabam por delinear as decisões sobre a organização dos seus tempos e de seu cotidiano. Não raro, encontramos crianças com agendas cheias ou com horas preenchidas com atividades escolares que tomam boa parte do seu dia. Todavia, o tempo das crianças não pode ser regulado e medido pelo relógio dos adultos.
Como nos alerta Hoyuelos (2020, p. 22), o tempo da criança “é o da ocasião, o da oportunidade dos instantes que o próprio crescimento proporciona em seu fluir; fluxo e trajeto que são vitais”. O tempo da criança é um tempo inventivo, curioso e aberto à novidade. Tempo que se estende, que se deixa perceber e sentir; tempo que indaga, que permite escutar a si e ao outro; que se irrompe e interrompe. O tempo das crianças é o da experiência, o da intensidade da vida.
O presente artigo, resultante de uma pesquisa bibliográfica, propõe uma reflexão sobre os tempos da infância a partir do olhar filosófico de diferentes autores, como Kohan (2007, 2009, 2018), Pohlmann (2005), Skliar (2018), Kohan e Fernandes (2020), e sob o olhar pedagógico, em diálogo com Hoyuelos (2020), Parrini (2016), Aguilera et al. (2020), Barbosa (2013), Oliveira-Formosinho e Araújo (2013), Oliveira-Formosinho (2018) e Pinazza e Gobbi (2014), que têm se debruçado sobre a importância do tempo para a experiência, o protagonismo e os processos de criação das crianças, nas pedagogias participativas e no contexto da Educação Infantil.
Nosso propósito não é estabelecer verdades absolutas sobre a criança, seus tempos e ritmos, mas pensar caminhos possíveis para a construção de uma outra relação com o tempo. Desejamos pôr em movimento questões que têm nos inquietado e que podem servir para a abertura de um diálogo com professores(as) que pretendam uma escuta atenta das crianças, a valorização dos seus modos de expressão e o respeito pelo seu tempo de viver plenamente a infância.
Perguntamo-nos que tempos são possíveis quando pensamos nas crianças e em suas infâncias. Seria um tempo contínuo e cronológico, um tempo da oportunidade do instante e/ou intenso, aiónico? Tempo da escola ou da skholé?3 Seria possível abrir espaço para outras temporalidades quando estamos imersos em um tempo cronológico, marcado pela organização dos tempos pedagógicos que estruturam as rotinas na Educação Infantil4? Afinal, onde habitam os tempos da infância?
Parece ser imperativo dar tempo às crianças e às suas infâncias. Viver os tempos da infância exige escuta, espera e uma abertura a outras possibilidades de existência. A letra da música de Caetano Veloso, presente na epígrafe deste artigo, instiga-nos a pensar o tempo como inventivo; contínuo, mas não linear. Um tempo intenso, um tempo presente, um aqui e um agora, um tempo infante! Um tempo com o qual possa ser possível construir um outro nível de vínculo. Não seriam assim as crianças e suas relações com o tempo?
O tempo é uma categoria importante, que é evidenciada nas pedagogias participativas e privilegiada na construção de uma escola da infância5 que perceba as crianças como sujeitos da experiência e protagonistas de suas aprendizagens, no entanto carece de ser problematizado e discutido. Como destaca Kohan (2007, p. 86), “é preciso ampliar os horizontes da temporalidade”. Assim, discorreremos a seguir sobre a criança e a sua relação com o tempo, a partir de uma aproximação entre a Filosofia, a Pedagogia da Infância e a Educação Infantil.
tempo, filosofia e educação infantil: olhares em relação
O tempo da infância não se restringe a uma questão cronológica. Não é apenas uma sucessão de fases pelas quais as crianças passam, mas diz respeito também à intensidade com a qual a infância é vivida. Na Filosofia, existem palavras distintas para se referir ao conceito diferenciado de tempo: chrónos, kairós e aión. De acordo com Kohan (2007, p. 86, grifos nossos),
A mais conhecida entre nós é chrónos , que designa a continuidade de um tempo sucessivo. […] O tempo é, nessa concepção, a soma do passado, do presente e do futuro. […] Outra é kairós , que significa ‘medida’, ‘proporção’ e, em relação com o tempo, ‘momento crítico’, ‘temporada’, oportunidade. […] Uma terceira palavra é aión , que designa, já em seus usos mais antigos, a intensidade do tempo da vida humana, um destino, uma duração, uma temporalidade não numerável nem sucessiva, intensiva.
Na mitologia grega, Chrónos representava o deus do tempo, um ser implacável que a todos podia devorar. Casado com Reia, teve seis filhos, e somente Zeus não foi engolido pelo pai, que temia perder seu poder para um dos filhos. Isso porque uma antiga profecia anunciava que o trono lhe seria tirado por um deles. Zeus fez o pai vomitar seus irmãos, dos quais um era Kairós, retratado como um jovem atlético, com um tufo de cabelo na testa e a cabeça careca, exatamente, explica o mito, para não ser pego pelo pai, Chrónos. É justamente essa possibilidade de não ser apanhado que é alardeada por Negri (2003, p. 43) ao afirmar: “Kairós é, na concepção clássica do tempo, o instante, ou seja, a qualidade do tempo do instante, o momento de ruptura e de abertura da temporalidade. É um presente, mas um presente singular e aberto”.
Na nossa sociedade, ao falarmos do tempo, comumente usamos uma palavra associada ao tempo cronológico, conceituando um tempo que se esgota como uma sucessão de causa e efeito; esquecemos que o tempo também pode ser compreendido de outro modo. Heráclito já dizia que o tempo era aión, o acaso, o jogo, a brincadeira. Além disso, para os gregos antigos, o tempo era oportunidade, algo como um “cavalo encilhado que só passa uma vez” (Pohlmann, 2005, p. 34). Desse modo, quase sempre habitamos no tempo chrónos, regidos sob a batuta de relógios, calendários e programações de computadores, esquecidos das oportunidades e da experiência proporcionada pela presença plena e revolucionária que é habitar outras temporalidades.
Quando pensamos no tempo da escola, este parece ser, em sua maioria, ligado ao chrónos. No que se refere à Educação Infantil, chrónos estaria relacionado a uma disposição temporal contínua, que poderia ser ilustrada pelo modo como o cotidiano das crianças muitas vezes está organizado. O que controla essa marcação do tempo são os ponteiros do relógio e as horas que passam. As ações no contexto da escola são, com frequência, comandadas por esse tempo, o da produtividade. É por isso que vemos crianças completamente envolvidas em uma brincadeira sendo obrigadas a encerrá-la porque o tempo para tal fim acabou, é tempo de fazer outra coisa. O recreio é um bom exemplo de um tempo importante para as crianças que é regido por chrónos. Geralmente, é dado às crianças apenas vinte minutos de recreio para os encontros, brincadeiras, explorações e invenções, e, por vezes, ele se constitui como um tempo controlado pelo relógio, que não é vivenciado do mesmo modo pelas crianças. Qual professor(a) não já se deparou com as crianças desejando um pouco mais de tempo-recreio?
Precisamos nos atentar de que existe um valor político no tempo da infância e, de modo mais explícito, nos tempos da Educação Infantil. Uma das maneiras de perceber isso é observando o tempo proporcionado às crianças no espaço escolar (Kohan; Fernandes, 2020). Muito embora o tempo seja uma variável que organiza o cotidiano das crianças, ao imprimir nele movimento, durabilidade, sucessão de acontecimentos e ritmo, ele precisa ser também aquele que permite mudar de rota, traçar outros destinos não planejados previamente.
Skliar (2018, p. 253) enfatiza o risco de tornar a infância e a escola somente uma sucessão de tempos cronológicos, afirmando: “O tempo da infância morre, pois começa a fazer parte da fileira dos eventos ordenados, utilitários, aproveitáveis; das horas da ficção à perda da invenção, do tempo que parece esfumar-se ao tédio […]”. Interromper as linguagens, a expressão de uma criança, é matá-la no que ela tem de criativo e revolucionário. “E uma infância sem voz é, quiçá, a maior de todas as desgraças” (Skliar, 2018, p. 260).
Se chrónos pode ser mensurado pelas batidas de um relógio, aión, no que lhe concerne, é um tempo atravessado por outras relações de intensidade e de duração. Uma força infantil de viver o tempo que, como afirma Kohan (2007, p. 114), “é o tempo circular, do eterno retorno, sem a sucessão consecutiva do passado, presente e futuro, mas com a afirmação intensiva de um outro tipo de existência”.
Essa temporalidade, vivida pelas crianças, também pode ser experimentada no cotidiano da Educação Infantil. O tempo aión pode ser percebido na intensidade como as crianças envolvem-se em seus projetos, brincadeiras e construções, de modo que dificilmente algo as distraem, vivendo com profundidade e inteireza o momento presente. Tal envolvimento é, por vezes, tão intenso e prazeroso que atender às necessidades básicas, como ir ao banheiro ou beber água, enquanto estão implicadas nesses momentos, torna-se segundo plano. O tempo na brincadeira parece não mais ter pressa; caminha devagar.
Essa entrega e esse modo de a criança relacionar-se com a vida e com o tempo não estão presentes somente na brincadeira, mas podem ser vivenciados em suas danças, em suas experiências de desenho, nos movimentos corporais que experimenta, ao subir e descer inúmeras vezes o escorregador e nos seus modos de envolver-se plenamente com a vida que pulsa.
Entre chrónos e aión, reina kairós. Este é entendido como um tempo oportuno, “um aqui e agora concreto, ao que os gregos chamavam de kairós, a oportunidade” (Larrosa, 2018, p. 75). Como expresso na mitologia grega, ele é o tempo de ruptura, do instante propício que surge de modo inesperado. Uma abertura na temporalidade do chrónos. É o tempo da ocasião, que nos tira da rotina e nos convoca a habitar o mundo de modo mais espontâneo e aberto às novidades do extraordinário. Seria possível abrir espaço no tic-tac da escola para experimentar esse tempo-oportuno da infância, de descobertas e criação de sentidos dos bebês6 e das crianças?
Kairós parece a todo momento forçar espaço em chrónos, mas escorre em meio às horas quando não aproveitado. Na escola da infância, a oportunidade do encontro com o tempo kairós pode surgir quando as crianças fazem descobertas e interpelam o mundo, realizando investigações sobre as coisas que lhes despertam interesse. Ou, quem sabe, no instante oportuno de observação das minhocas e formigas que, de modo inesperado, são encontradas no jardim, quando o principal objetivo do planejamento da professora era apreciar as plantas e esta decide acolher o interesse das crianças em vez de seguir com o que já estava previsto.
Nesse sentido, Barbosa (2013, p. 217) defende que “pensar o tempo no cotidiano da educação infantil tendo em vista criar rupturas está vinculado à ideia de romper com a compreensão do tempo linear e com a dinâmica de aceleração imposta pelo sistema capitalista”, que formata o cotidiano das crianças e pauperiza os seus modos de ser e de estar no mundo, capturando-as em uma lógica da produtividade, tão evidenciada pelo tempo chrónos.
As diferenças existentes entre a compreensão conceitual de chrónos, kairós e aión podem nos ajudar a refletir sobre a infância e o modo de as crianças habitarem o tempo. É importante destacar que todas essas temporalidades das infâncias são experimentadas pelas crianças. Elas não se excluem, mas se confundem e se cruzam nos modos como meninos e meninas vivenciam a sua existência. A questão que nos propomos não é a de defender uma em detrimento da outra, mas de abrir espaço para perceber o tempo das crianças sob outras perspectivas, uma vez que:
O que está em jogo não é o que deve ser (o tempo, a infância, a educação, a política), mas, o que pode ser (poder-ser como potência, possibilidade real) o que é. Uma infância afirma a força do mesmo, do centro, do tudo; a outra, a diferença, o fora, o singular. Uma leva a consolidar, unificar e conservar; a outra a irromper, diversificar e revolucionar (Kohan, 2007, p. 95).
É nesse sentido que Kohan (2007) afirma ser possível pensarmos a existência de duas infâncias: a infância majoritária e a infância minoritária. A infância majoritária seria aquela amplamente defendida, ou seja, a infância cronológica que é delineada pela passagem do tempo. Percebida pelas etapas do desenvolvimento humano enquanto bebês, crianças, adolescentes, jovens, adultos e velhos. Essa percepção de infância comumente ocupa a cena política no que se refere à defesa aos direitos das crianças, à elaboração de políticas públicas para a infância, entre outros.
Já a infância minoritária, aiónica, pressupõe uma outra temporalidade, extracronológica. Seria a percepção da infância “como experiência, como acontecimento, como ruptura da história, como revolução, como resistência e como criação” (Kohan, 2007, p. 94). A infância enquanto resistência a tudo aquilo que tende a uma captura e a uma formatação do ser criança, como a ideia, muitas vezes construída pelos adultos, do que seria o modelo de: bom aluno, filho educado, menina comportada, etc.
Interessa-nos afirmar a infância enquanto potência de criação e resistência, um tempo intenso e vivido plenamente pelas crianças, que precisa ser compreendido pelos adultos que com elas interagem. É nesse sentido que o tempo da infância necessita ser palco para a expressão do universo infantil, pois, embora o discurso pedagógico aponte para o compromisso com a escuta e a percepção das crianças como sujeitos históricos, que são capazes de criar, produzir cultura e aprender desde o nascimento a partir das interações que estabelecem, nossas práticas escolares e nossa relação com as crianças ainda se encontram distantes desse discurso. Urge dar tempo às crianças para viverem plenamente as suas infâncias. Sem pressa. Sem antecipações. Sem urgências.
Hoyuelos (2020, p. 24-25) defende que:
Dar tempo às crianças sem antecipação desnecessária significa saber esperá-las, ali onde se encontram com sua forma de aprender. Existe um verbo (em espanhol, talvez já em desuso) que define muito bem esse momento: aguardar. Aguardar significa esperar com esperança por alguém enquanto observa o que faz, com respeito, apreço ou estima. Essa espera vital e autêntica […] tem a ver com o otimismo de ver a infância como quem espera tudo sem esperar nada. É nessa espera esperançosa e incerta que surgem as surpresas do insólito. E aí sempre haverá crianças prontas para nos mostrar o que já esquecemos ou ainda não sabemos. […] Temos que assumir eticamente que os tempos da infância não se deixam antecipar. Sua sabedoria consiste em abraçar a oportunidade do momento.
Aguardar é também escutar e acolher o tempo do outro. É estar com as crianças oferecendo-lhes oportunidades de interação com pessoas, ambientes e materiais, observando “como elas vivem os tempos de seus cotidianos […]. A função educadora dos adultos para com as crianças é potencializar a vontade e a capacidade de aprender, de criar sentidos […]” (Barbosa; Richter, 2015, p. 496).
Assim, é necessário dar tempo às crianças para que elas conheçam a si mesmas, expressem-se, investiguem, descubram, deem continuidade aos seus empreendimentos com argila, materiais não estruturados, elementos da natureza e jogos de construção. Desenhem e contem histórias a partir de suas produções, brinquem de faz de conta e explorem a vida que pulsa no cotidiano das instituições de Educação Infantil. Aguardar pode ser entendido também como dar tempo ao outro e o “tempo das crianças é diferente do tempo dos adultos. É o tempo que se estende, que se interrompe e que volta a ser retomado, tempo para perceber possibilidades, estabelecer hipóteses, experimentar essas hipóteses, fazer teorias, aprender!” (Valverde; Mello, 2020, p. 15).
Na escola de Educação Infantil, as crianças têm interesse por descobrir, projetar, criar, apreciar, retomar, continuar, recriar e reinventar seus projetos e teorias. Tudo isso requer tempo. Hoyuelos (2020, p. 27) afirma que “é necessário rever o conceito de tempo das propostas e atividades e, sobretudo, a organização escolar”, e é nesse sentido que a Pedagogia da Infância7 tem caminhado, uma vez que defende que é imprescindível que seja possibilitado às crianças o direito à participação, à escuta e ao tempo para pesquisar, construir, brincar, desenhar e viver em partilha os tempos da infância.
Posto isso, a infância que mais nos interessa, corroborando com Kohan e Fernandes (2020), é a infância extracronológica, aquela que é potência, movimento e transformação. Com ela também queremos criar uma linha de fuga perante o sistema político e social que nos constitui. Assim, passamos a pensar na Pedagogia da Infância que, como nós, também lança os olhos e o coração nessa direção.
os tempos na(s) pedagogia(s) da infância
A Pedagogia da Infância, campo no qual estão incluídas as pedagogias participativas, percebe-se como “uma pedagogia transformativa, que credita a criança com direitos, compreende a sua competência, escuta a sua voz para transformar a ação pedagógica em uma atividade compartilhada” (Oliveira-Formosinho; Kishimoto; Pinazza, 2007, p. 14).
No âmbito de uma Pedagogia da Infância transformativa, são valorizados os tempos e ritmos dos bebês e crianças, a escuta dos seus gestos, de suas falas e a expressão de suas múltiplas linguagens. Ademais, o tempo é uma categoria fundamental no campo das pedagogias participativas, uma vez que estas rompem com uma pedagogia tradicional transmissiva e têm como um dos seus objetivos o “envolvimento na experiência e a construção da aprendizagem na experiência contínua e interativa. […] A atividade da criança é entendida como colaboração no âmbito do cotidiano educativo” (Oliveira-Formosinho; Formosinho, 2011, p. 15). No que lhe concerne, tem na ação, na escuta das crianças e nas relações com os espaços e materiais8 o encontro profícuo para que meninos e meninas, em suas experiências, seus ritmos, formas de ser e de se relacionar, vivam o tempo infância de modos diversos e singulares.
Abordaremos, a seguir, como a categoria tempo tem sido compreendida na Pedagogia da Infância. No rol da família das pedagogias participativas, tivemos que fazer algumas escolhas, em virtude dos limites deste artigo. Elegemos as abordagens da Pedagogia-em-Participação (Portugal) e as experiências italianas de Reggio Emilia e San Miniato. Essa escolha também se justifica pela vasta produção acadêmica existente e por estarmos em constante diálogo com seus aportes teóricos produzidos na atualidade.
A Pedagogia-em-Participação (Oliveira-Formosinho; Araújo, 2013; Oliveira-Formosinho, 2018), desenvolvida no seio da Associação Criança9, em Portugal, tem na democracia o coração de suas crenças, princípios e valores. Estas relações democráticas se fazem presentes em um cotidiano participativo, no qual crianças, professores e famílias são considerados como sujeitos com agência de seus percursos de aprendizagem. Esta perspectiva participativa concebe a organização do tempo pedagógico em relação com a organização dos espaços e dos materiais. Estes, por sua vez, potencializam as experiências, aprendizagens, descobertas e explorações dos bebês e crianças, possibilitam aos adultos acompanhar, maravilhar-se com as descobertas e conhecer os interesses das crianças, acolhendo-as em seus tempos. Isso porque são propiciadas, tanto para as crianças como para os adultos, relações singulares com a temporalidade “que promovam interesses e motivações plurais e facilite o uso dos sentidos inteligentes e inteligências sensíveis” (Oliveira-Formosinho, 2018, p. 17).
O tempo é compreendido, na Pedagogia-em-Participação, como um “fluir experiencial”, um aqui e um agora, “tempo de aprendizagem, tempo de vida” assertiva, que considera os ritmos temporais, formas de se relacionar, de interagir e a intencionalidade de bebês e crianças, ou seja, suas escolhas, interesses e necessidades (Oliveira-Formosinho, 2018, p. 55). Esse olhar que considera o fluir experiencial se contrapõe à organização dos tempos em rotinas, pois, de acordo com a referida autora, as rotinas, organizadas de modo a realizar as mesmas atividades de forma sempre igual, com todos fazendo as mesmas coisas nos mesmos tempos, têm relação com a pedagogia transmissiva, “que olha a organização do dia e da semana de modo mecânico e rotineiro” (Oliveira-Formosinho, 2018, p. 54-55).
Reggio Emilia é um conjunto de escolas, situadas no município de mesmo nome, localizado na região norte da Itália. A proposta pedagógica de Reggio Emilia expressa a crença no questionamento e na pesquisa, envolvendo educadores, pedagogos, famílias e, fundamentalmente, as crianças. Escuta e observação são basilares nessa abordagem e são centradas na forma como as crianças interagem com os ambientes, com seus pares e como constroem conhecimento a partir de suas teorias.
O tempo, nessa abordagem pedagógica, é compreendido em estreita conexão com a organização dos espaços e ambientes. Estes são muito valorizados e podem promover relacionamentos, mudanças e escolhas a partir das quais as crianças iniciam e dão continuidade a diversas atividades e aprendizagens. Portanto, o espaço é visto não somente como estrutura física, mas inclui o modo como o tempo é pensado, possibilitando que as crianças se relacionem e estabeleçam múltiplas interações com os ambientes, materiais, com as crianças de diferentes agrupamentos, adultos, professores e com suas famílias.
No tempo de exploração nos diferentes espaços e ambientes, as crianças organizam-se de acordo com seus interesses e se envolvem em suas construções (elaboradas com diversos recursos e materiais), podendo desfazê-las quando acharem necessário ou preservá-las do mesmo modo para, então, dar continuidade em outro momento. Assim, as crianças não precisam, obrigatoriamente, desfazerem-se de suas construções porque o tempo para tal fim se encerrou, mas é dado a elas tempo para escolher o que desejam.
Isso ocorre porque um dos aspectos fulcrais nessa abordagem é a imagem de uma criança rica em pensamentos, ativa e ávida por conhecer o mundo e tudo o que a rodeia. Considerando essa imagem de criança potente, os educadores de Reggio Emilia são conscientes que “os bebês e as crianças […] necessitam de tempo para explorar com todos os sentidos, para repetir gestos e ações, para compreender os efeitos dos seus gestos e ações, para se relacionarem com o ambiente físico e social” (Lino, 2018, p. 106).
Outra abordagem participativa que tem como centro uma imagem de criança rica e protagonista dos processos de aprendizagem é desenvolvida no município de San Miniato, situado na região da Toscana, Itália. Na experiência desenvolvida nas escolas de San Miniato, tempo, oportunidade e confiança são aspectos que estão imbricados com a qualidade das experiências cotidianas oferecidas às crianças. Nesse sentido, o contexto educativo proposto às crianças precisa possibilitar condições significativas favoráveis e oportunidades à exploração, às narrativas e às descobertas, em um espaço intencionalmente organizado, que ofereça oportunidades múltiplas nas quais as crianças possam ser protagonistas de suas experiências.
Parrini (2016, p. 76) é enfática ao dizer que “os tempos das crianças não são os tempos adultos”, pois as crianças, em seus tempos, experimentam, fazem e refazem, voltam atrás, buscam outros caminhos, constroem e solicitam dar continuidade às suas construções. Esse é um tipo de tempo no qual as crianças elaboram suas aprendizagens mais genuínas e têm liberdade para experimentar.
A autora problematiza, ainda, que os planejamentos sequenciados privilegiam uma quantidade de atividades que não levam em conta a escuta dos interesses infantis e não possibilitam que as crianças tenham oportunidades outras e estejam no centro da experiência. Por isso, defende que os tempos pedagógicos que organizam as ações pedagógicas em creches e pré-escolas não podem ser rígidos, rotineiros e inflexíveis.
Tais como as crianças, professores (as) também precisam de tempo para as suas demandas educacionais. Segundo a mesma autora,
O fazer e o saber das crianças precisam de tempo para serem observados e interpretados; cada momento utilizado para substituí-lo é tempo durante o qual dispomos de menos olhos para olhá-las, ouvidos para escutá-las, sorrisos para acompanhá-las e incentivá-las nas pequenas e grandes aventuras que habitam seus horizontes em ação (Parrini, 2016, p. 77).
Assim, observar e acompanhar bebês e crianças em seus ritmos, suas aprendizagens e seu desenvolvimento cotidiano requer tempos abertos ao inusitado e à novidade da infância!10 Tempos dispostos a acolher a novidade que a infância nos apresenta, tempos que precisam ser também vivenciados pelos adultos. Algo como uma “invasão aiónica de khrónos, que torna urgente aos educadores e às educadoras de todas as idades, ao habitar um tempo infantil, um presente curioso que olha o mundo com estranheza [...]” (Kohan; Fernandes, 2020, p. 13) e espanto.
Os autores nos convidam a “infanciar a educação” (Kohan; Fernandes, 2020, p. 8), uma possibilidade aiónica a ser cultivada quando nos propomos a ser professores(as) de bebês e crianças. Isto exige “[...] considerar a educação da infância ou, melhor, uma educação infantil propriamente dita, uma infantilidade da educação que aprende com a infância e carrega a infância sempre, por toda a vida [...]” (Kohan; Fernandes, 2020, p. 9).
A ideia que se propõe é a de aprender com a criança; infanciar a existência, a infância, a escola. Fazer uma escola alegre, uma educação moleca, uma constante abertura de caminhos e de modos de ser e estar no mundo. Avistar no tempo chrónos a possibilidade do cavalo encilhado, parado à nossa frente, uma abertura oferecida pelo tempo kairós, e nos deixar inundar e ser atravessados pela experiência proporcionada pelo tempo aiónico. Desse modo é que vislumbramos alternativas de uma dança harmônica entre as temporalidades da infância no contexto escolar.
A seguir, teceremos algumas reflexões sobre a organização do tempo no cotidiano na Educação Infantil e as possibilidades de viver os tempos da infância.
quanto tempo o tempo tem?: a organização do cotidiano na educação infantil e o respeito aos tempos infantis
Na organização do tempo e das ações cotidianas das crianças na Educação Infantil, são os adultos que, geralmente, determinam a sequência temporal das experiências e os tempos reservados para cada uma delas. Por vezes, as crianças são interrompidas em seus empreendimentos porque o tempo destinado para a experiência acabou. Quando há essa interrupção, para a garantia do tempo chrónos, “interrompe-se também os momentos necessários da infância. Este é um problema real que o educador deve resolver com a sensibilidade necessária para combinar os dois momentos” (Cabanellas; Eslava, 2020, p. 56). Assim, a organização desses tempos não pode ser rígida, de modo a não considerar os interesses das crianças e os acontecimentos que surgem, de forma inusitada, no cotidiano da escola.
Ademais, a abertura para a novidade, para o inusitado, para o imprevisto é força aiónica que acompanha as crianças em suas brincadeiras, narrativas, descobertas e criações no cotidiano da Educação Infantil. De acordo com Barbosa (2013), o tempo é um importante articulador da vida, de construção de sentidos, de partilha e abertura para o novo. O tempo existente, no contexto da Educação Infantil, constitui-se como:
[…] uma variável que imprime movimento, energia, ritmo para que as crianças e os professores possam viver, com intensidade, a experiência de vida no cotidiano. É ele, o tempo, que nos oferece a dimensão da continuidade, de durabilidade, de construção de sentidos para a vida, seja ela pessoal ou coletiva. Mas é também o tempo que irrompe e, em um instante, desvenda outros caminhos, desloca, desvia, flexiona outros modos de ser, ver e fazer (Barbosa, 2013, p. 215).
Essa análise corrobora para pensarmos a partir de outras temporalidades, rompendo com uma visão tradicional de organizar o tempo no contexto escolar. Assim sendo, o tempo da infância na escola e no contexto da Educação Infantil não está restrito ao tempo do recreio, cronológico, vigiado, momento de “descanso”, após o tempo fatigante das atividades escolares, mas imprime-se ao longo de toda a organização da vida cotidiana das crianças.
Barbosa (2013) tece reflexões críticas sobre a compreensão do tempo como produtividade. De acordo com a autora, o tempo do capital é percebido, nas escolas, nas instituições de Educação Infantil, como uma pedagogia implícita e suas manifestações podem ser observadas em diversas situações:
Ausência de tempo - os professores dizem, continuamente, que falta tempo. Falta tempo para fazer tudo aquilo que desejam e tudo aquilo que deles exigem. […] não tem tempo para escutar as crianças, para olhar cada uma. Pressa - como as crianças são apressadas para atender aos horários da instituição, para acompanhar o ritmo dos demais colegas […] Fragmentação do tempo - As ações das crianças são reguladas por tempos fixos - fragmentados, sequenciais, lineares, estabelecidos pelos adultos, sem encadeamentos: nem intelectual, nem corpóreo, isto é, sem sentido pessoal. […] Produtividade - A priorização da realização de tarefas […] a organização de processos de avaliação em larga escala para realizar comparações e classificações […] (Barbosa, 2013, p. 216, grifos da autora).
Vivemos em uma sociedade marcada pela regulação temporal. A escola reproduz essa regulação, o modelo fabril. Deste modo, foram instituídos na escola os cronogramas, horários que, em vez de organizar o coletivo, têm caráter controlador. Observam-se rotinas, sirenes e tempo cronometrado para o recreio. Institui-se, dessa forma, o tempo da produtividade. Assim, o tempo da brincadeira, das descobertas, da experiência, muitas vezes, é banido da escola e considerado perda de tempo.
Tempos rígidos e regidos pela ótica da produtividade “empobrecem a vida cotidiana” (Barbosa, 2013, p. 216), na qual as crianças não vivem plenamente seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento e não encontram oportunidades significativas para atribuírem sentido às suas ações. Ora, se a rigidez do tempo empobrece as ações das crianças, talvez as oportunidades para a criação e a inventividade de outras temporalidades possam oferecer aos meninos e meninas novos modos de viver plenamente a sua infância.
Diante de tão importante problemática, concordamos com Barbosa (2013) ser possível pensar outros sentidos para o tempo na Educação Infantil. A autora sugere criar rupturas, refletir sobre as causas e efeitos prejudiciais da vida acelerada, baseada na produção, no consumo, na ausência de sentidos, no excesso de informação, que nos rouba o direito de vivermos plenamente a experiência e a possibilidade de sermos sujeitos da experiência.
Mas, afinal, como se constituem esses tempos cotidianamente em creches e pré-escolas? Segundo Fochi (2019), na Educação Infantil, os tempos estão relacionados e organizam a ação pedagógica. O tempo institucional é aquele que organiza o ritmo das diversas ações cotidianas e envolve horários de entrada, saída, momentos das refeições, do sono e o tempo dos bebês e crianças para suprir suas necessidades. Esse tempo possibilita às crianças construírem e compreenderem a noção social de tempo. Um aprendizado social que ajuda as crianças na previsão do que vai ocorrer durante a jornada em que estão na instituição, dando a elas segurança do que acontecerá no transcorrer do dia; um tempo que envolve especificidades, pois precisa respeitar as necessidades e ritmos de bebês e crianças. Contudo, esse tempo institucional, marcado pelo tempo cronológico, não implica dizer que as práticas cotidianas em creches e pré-escolas precisam acontecer de forma sempre igual e rotineira11.
Fochi (2019, p. 287) afirma que:
Ao invés de pensar na rotina como elemento decisório para organizar o tempo, a reflexão se direciona em sentido à jornada da criança na escola, ou seja, como uma tentativa de acolher o seu tempo subjetivo em meio às outras temporalidades: das outras crianças, dos adultos, da instituição.
Isso significa dizer que, mesmo vivenciando um tempo cronológico, é imprescindível acolher o tempo dos bebês e crianças, tempo que é único e que é vivido intensamente. A escola não pode ser somente espaço de chrónos, sucessão de tempo demarcado pelo passar das horas do relógio, nem mesmo tempo decisório, burocrático e adultocêntrico. O tempo da escola deve se configurar como um espaço-tempo aiónico, de uma força ímpar da experiência infantil, um tempo que não se sucede, que não passa e que é marcado pela “afirmação intensiva de um outro tipo de existência” (Kohan, 2009, p. 49). Um tempo para a exploração, descobertas, criação e imaginação.
A possibilidade, oferecida pela temporalidade kairótica, se abre diante dos olhos do professor que, tendo olhos para ver e ouvidos para escutar, permita que as crianças se envolvam em desdobramentos inusitados, únicos, criativos, transgressores. Então, a criança que brinca, que “pega o vento pelo rabo” (Barros, 2010), pode se fazer presente, viva, sujeito de experiência.
Criação e imaginação têm estreita ligação com a brincadeira, com as expressões artísticas e com a possibilidade de experimentar os movimentos livres do corpo. Assim, pensamos ser possível resistir à rigidez do tempo chrónos, ao possibilitar às crianças e aos adultos viverem os tempos kairós e aión. Quem sabe um início para essa ruptura seja a abertura do adulto a uma escuta atenta e o encontro com a alteridade, sustentados numa horizontalidade ética entre adultos e crianças?
Sobre os tempos da infância, no encontro com a poesia, a filosofia e a educação, Kohan e Fernandes (2020, p. 13) afirmam que a irrupção de um tempo aión no tempo cronológico é “um vetor que atravessa a todas as idades”, um convite para que, como adultos, professores(as), possamos experimentar a força e criação aiónica. Expandir o tempo da infância para todas as idades é possível:
[…] torna urgente aos educadores e às educadoras de todas as idades habitar um tempo infantil, um presente curioso, que olha o mundo com estranheza e pergunta, inquieto, por que o mundo é como é e de que outras maneiras ele poderia ser. É preciso habitar esse tempo da infância, justamente em terras da educação, para revolucionar a própria educação política, deslocando seu foco da educação do outro para a educação de si; da formação da infância para a escuta e atenção à força revolucionária da infância e do modo infantil de habitar o mundo (Kohan; Fernandes, 2020, p. 13).
Fazermos algo assim como fez Paulo Freire, ao reconhecer que o tempo cronológico o aproximou da sua infância, possibilitando que a pedagogia e a educação cultivassem essa força menina, uma força infantil. Para o célebre educador brasileiro, “um educador ou educadora nunca pode deixar de ser menino ou menina” (Kohan; Fernandes, 2020, p. 12) e uma vida educativa acontece na curiosidade, na luta, nos sonhos, no compartilhar a vida! Acreditamos ser esse um convite que nos impulsiona a pensar a partir de outras temporalidades e lugares os modos de ser professor(a) de Educação Infantil. Vamos viver esse tempo com as crianças!
A brincadeira, a corporeidade, a arte e as múltiplas linguagens, enquanto experiência, possuem essa força de resistência, curiosa, pulsante, por se constituírem como formas de expressão, entrega, criação e imaginação das crianças. Podem se constituir como possíveis rotas de fuga ao tempo acelerado, movido pelo relógio e pela produtividade que não considera os tempos da infância.
Entretanto, é importante problematizar alguns obstáculos que impedem que as múltiplas linguagens aflorem e sejam de fato vivenciadas por adultos e crianças no contexto da Educação Infantil e no contexto escolar. Para que sejam vivenciadas em sua plenitude, é preciso ter espaço para o imprevisível, para a oportunidade do momento de expressão, experiência, criação, participação e de relações. Do contrário, pode se tornar algo meramente automatizado, controlado e capturado pelo adulto, pela produtividade ou pelo tempo do capital, e corremos o risco de continuar repetindo as mesmas práticas pedagógicas que não se abrem à novidade da infância.
As autoras Pinazza e Gobbi (2014) defendem que a tríade infância, arte e ciência constitui um outro modo de pensar a educação. A valorização do conhecimento lógico e racional deixou de lado as outras formas de manifestações humanas, tais como a imaginação, a fantasia e a criação poética, como elementos mobilizadores, que possibilitam conhecer as crianças em seus processos criadores, inventivos, poéticos e brincantes. É importante pensar práticas educativas plurais, para infâncias e manifestações do pensamento também plurais.
Para além de resultados escolarizantes e da valorização de apenas um conhecimento em detrimento de outros, igualmente importantes, a novidade da infância precisa ser considerada. Pinazza e Gobbi (2014, p. 33) acreditam na relação fecunda entre infância, ciência e arte e compreendem a arte-ciência como “possibilidade de elaboração de modos de ver e compreender o que as crianças fazem e expressam em sua gramática tão peculiar, sobre a qual ainda temos tantas lacunas a preencher, compreender e conhecer”.
Do mesmo modo, Pinazza e Gobbi (2014, p. 33) chamam a atenção para as relações que as crianças estabelecem entre os conhecimentos, suas teorias e hipóteses, ao mesmo tempo em que criam, fantasiam e imaginam. São crianças cientistas-poetas, cientistas-filósofas, cientistas-brincantes! Nessa perspectiva, o conhecimento é um ir e vir no “tudo ao mesmo tempo agora - passado, presente e futuro”, ou seja, um tempo que se constitui em um aqui agora, um acontecimento, uma temporalidade infante. Esse modo infante de habitar o tempo está presente nas brincadeiras, na imaginação e nas relações que as crianças estabelecem com as coisas do mundo e nas suas formas peculiares de pensamento e criação, são “lógicas próprias e coexistentes das crianças, rompendo até mesmo com a concepção linear do tempo” (Pinazza; Gobbi, 2014, p. 33).
Por sua potência criativa e autoral, as linguagens artísticas, tais como a poesia, a escultura, a música, o teatro, dentre outras, assim como as diversas formas de expressão das crianças, sensibilizam-nos e mobilizam-nos a romper com a dicotomia racional-irracional e com outras concepções dicotômicas e excludentes que marcaram, ou ainda marcam, a história da educação. Certamente esse é um caminho possível e potente a ser trilhado.
considerações (que não pretendem) finais
As reflexões apresentadas neste artigo não serão aqui encerradas. Elas nos convocam a formular mais perguntas, ter novos pensamentos e estabelecer outras relações com o conhecimento. Entretanto, a discussão que ora se inicia pretende problematizar o tempo como uma categoria imbricada com os processos de criação, protagonismo e experiência das crianças em sua inteireza.
Como vimos, o entendimento sobre o tempo pode ser expresso por meio dos conceitos que as palavras chrónos, kairós e aión contemplam, sendo estes últimos os tempos minoritários da infância. Enquanto chrónos é regulado pela sucessão das horas, kairós é o tempo oportuno; e aión, o tempo da experiência, da intensidade da vida. A experiência pulsa nas crianças e é por esta via que meninos e meninas significam o mundo e dão sentido à sua existência. O tempo de as crianças viverem as suas infâncias é o agora e, por estarem abertas ao inesperado, à surpresa e à novidade da vida, é que as crianças vivenciam mais intensamente o tempo aión.
Acreditamos que nós, adultos, talvez tenhamos sido dominados pelo tempo chrónos, ou, quem sabe, tenhamos nos deixado dominar, diariamente, pela urgência da produtividade. A boa notícia é que sempre haverá espaços para as interrupções, espaços de resistência, nem que eles sejam apenas momentâneos, provisórios. O tempo da experiência será sempre possível, desde que se dê tempo para ele. Quem sabe a experiência da arte, da brincadeira, da corporeidade e da expressão, por meio das múltiplas linguagens, ensaie possibilidades para não sucumbirmos à rigidez do chrónos. Sem dúvidas, o melhor tempo para isso é o hoje! O convite à abertura às diferentes temporalidades da infância e da educação infantil segue aberto.
Quando a escola de hoje abrir espaço para a skholé, compreendida como tempo livre para meninos e meninas experimentarem as suas infâncias, ela se tornará um espaço-tempo propício para a escuta das crianças e servirá de palco de habitação dos tempos da infância. Só assim poderá ser possível vislumbrar, como na canção Oração ao tempo, entoada por Caetano Veloso, “[…] o prazer legítimo e o movimento preciso” para seguirmos refletindo e acreditando “[…] ser possível reunirmo-nos, com o tempo […], num outro tipo de vínculo. Tempo, tempo, tempo, tempo…”.