Introdução
No que se refere ao direito de escolaridade da criança doente, refletimos nesse breve texto sobre a situação do atendimento escolar no ambiente hospitalar ou domiciliar, a fundamentação legal e os aspectos que podem beneficiar e aqueles que podem comprometer tanto a implantação quanto a consolidação dessa modalidade de ensino. Apontamos possibilidades para que a realidade escolar para clientela doente possa atender às suas demandas e cumprir o papel de contribuir para que esses estudantes avancem em seus processos de desenvolvimento e de aprendizagem, apesar da enfermidade.
Entendendo a escola no hospital
Para a criança doente, o acompanhamento escolar pode ser feito tanto no hospital quanto em casa. Tal atendimento é de competência de um(a) professor(a) que dará continuidade aos processos de desenvolvimento e de aprendizagem, contribuindo para que o aluno doente não perca o ritmo de construção e aquisição de conhecimentos e possa retornar à sua escola de origem em condições de cumprir suas atividades escolares sem maiores dificuldades.
Temos ciência do quanto, no contexto brasileiro, o direito da criança doente à educação fica comprometido pela precariedade da assistência em saúde que, em meio a vários problemas, pode acarretar o agravamento da condição de enfermidade de boa parte daqueles que precisam de serviços médicos. A morosidade na atenção médica pode fazer com que o controle e/ou a cura da doença requeiram mais tempo e medicamentos de última geração para o efetivo combate da causa da hospitalização (TROTTA; LIMA; SOLEDADE, 1997; LLHERENA JR., 2006).
A inclusão escolar do doente seja no hospital ou em casa, tenha ele, ou não, necessidades especiais resultantes de deficiências e/ou das enfermidades vivenciadas, não é menos difícil. Convivemos com grandes, sérios e complexos entraves na realidade de nosso atendimento educacional (DOURADO; OLIVEIRA, 2009). Em se tratando do doente com condições consideradas raras, mais graves ou complexas (CARAKUSCHANSKY, 2001), se requer recursos profissionais melhor qualificados e materiais mais específicos (COVIC; OLIVEIRA, 2011; 24) nem sempre disponíveis.
Dependendo da enfermidade do aluno, o professor pode não dispor dos recursos necessários para que tenha condições de propor e de desenvolver adequadamente e, de acordo com as necessidades do doente, as atividades escolares pertinentes, podendo comprometer a qualidade do trabalho. Em outras palavras, a estrutura e o funcionamento do atendimento escolar na doença apresentam limitações significativas que restringem a oferta e o desenvolvimento adequados da atenção escolar para essa população. Estudos sobre a realidade do atendimento escolar no ambiente hospitalar (PACHECO, 2017; SALDANHA; SIMÕES, 2013; ORTIZ; FREITAS, 2014), descrevem e analisam tais problemas.
A bagagem de formação profissional necessária para a docência no contexto da escola no hospital também é discutida (VASCONCELOS, 2015; FONSECA, 2008; BARROS, 2007). Aqui, antes de tudo, tem-se que se ter clara a proposição de que é possível acompanhar a escolaridade do aluno doente.
No contexto brasileiro, a escolaridade no ambiente hospitalar e/ou domiciliar é considerada, dentre outras abordagens, com base na construção social (DÍAZ-LEÓN, 2013; KUKLA, 2000) dos conceitos de doença, hospital e morte (FRANCO; KOVACS; CARVALHO; CARVALHO, 2011; MELO; VALLE, 2001). Tais conceitos são culturalmente estabelecidos e acabam por nortear o trabalho que seja pensado, proposto e desenvolvido com o aluno doente, fazendo com que a questão escolar seja, em muitos casos, negligenciada.
Refletindo sobre o assunto, percebemos que há profissionais tanto da área de saúde quanto da área de educação e, mesmo familiares, que consideram a doença como um impedimento à aprendizagem, ou seja, aqueles nessa situação precisam, antes de tudo, recuperar a saúde para que possam retomar a vida escolar. Algumas enfermidades assim como algumas medicações podem, de fato, limitar os processos de desenvolvimento e de aprendizagem do doente (KOVACS, 1992). Mas, mesmo havendo perda de memória, falta de concentração, distúrbios visuais, auditivos e/ou motores, dentre outros, utilizando-se as estratégias e metodologias educacionais adequadas, progressos escolares podem ser obtidos (COVIC; OLIVEIRA, 2011; MUNHOZ; ORTIZ, 2006).
A maneira como se aborda a escolaridade de uma criança deve ser sutil e leve, mas focada no propósito de contribuir para que esse indivíduo avance em seus processos de desenvolvimento e de aprendizagem construindo conhecimento (TARDIF, 2003; ANTUNES, 2002). Essa atitude por parte do profissional de educação não deve se alterar nem mesmo se a clientela estiver adoentada.
Em termos gerais, considerando os aspectos apontados até aqui, além dos entendimentos diversos sobre o papel do atendimento escolar para o doente, essa modalidade de ensino não é disseminada. Assim, sua oferta é bastante restrita no contexto dos ambientes hospitalares e domiciliares brasileiros. Em outras palavras, o quantitativo de escolas em hospitais e de atendimento escolar domiciliar no Brasil é insuficiente para suprir a demanda (ARAUJO, 2017).
Evidenciando a vinculação legal dessa modalidade de ensino
A oferta de atendimento escolar para crianças doentes, hospitalizadas ou não, corrobora o direito de educação para esse grupo específico, conforme preconiza a legislação federal pertinente (BRASIL, 1995; 1996; 1990; 1988).
Quando da elaboração das Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001) e do documento específico sobre estratégias e orientações para o atendimento escolar da criança doente no hospital e/ou domicílio (BRASIL, 2002), ambos evidenciavam o foco do atendimento dos professores na escolaridade dessa clientela. O documento específico (BRASIL, 2002), definia como deveria se estabelecer a parceria entre a Secretaria de Educação e o hospital e/ou com a Secretaria de Saúde para a implantação do atendimento escolar, caracterizava a formação e atribuições dos profissionais de educação e de apoio para o serviço, bem como mencionava os espaços e recursos materiais necessários ao adequado funcionamento dessa modalidade de ensino.
Tendo a Constituição Federal (BRASIL, 1988) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), não haveria necessidade dos dois documentos mais específicos anteriormente elencados. Entretanto, mesmo com as diretrizes e o documento de estratégias e orientações, o direito de escolaridade do doente não se consolidou nacionalmente. Para Ortiz e Freitas (2014, p.596), “percebe-se que as classes hospitalares são amparadas por aportes relativamente recentes e que o amadurecimento de sua vocação educacional dar-se-á na medida em que sejam executadas as recomendações que os documentos oficiais preconizam”. De acordo com Pacheco (2017), “questões referentes ao acompanhamento escolar de crianças e adolescentes hospitalizados são, muitas vezes, desconhecidas pela sociedade e, por vezes, negligenciada pelos setores educacionais” (PACHECO, 2017, p.60). Esta modalidade de ensino requer mais divulgação e empenho de todos para que tenha a devida implantação e o adequado funcionamento, principalmente por parte da Administração Pública para que se configure como realidade nos documentos legais e na prática escolar cotidiana desse alunado.
Mesmo assim, o quantitativo de escolas em hospitais tem se ampliado (ZARDO; FREITAS, 2007), embora problematizado pelo estudo de Saldanha e Simões (2013), que discute que,
os avanços ainda são tênues quando verificamos que o direito a educação para crianças hospitalizadas ainda se encontra à margem das políticas públicas voltadas para a regularização desse atendimento. O Ministério da Educação (MEC) (...) não tem dado o devido reconhecimento a essa modalidade de ensino ao se manter alheio ao processo de estruturação, regulamentação e acompanhamento das ações de cunho escolar que já acontecem em um número significativo de hospitais brasileiros. (SALDANHA; SIMÕES, 2013, p. 456).
Entendemos que muitas prefeituras e estados não devem ter observado ou consideraram não estar em condições de viabilizar tais propostas/recomendações oficiais, levando a que, mesmo que considerando apenas o respaldo legal no âmbito federal (Brasil, 1990; 1996), apenas uma pequena parcela dessa população tenha o atendimento escolar devido e necessário.
Ademais, o Conselho Nacional de Educação (CNE) instituiu as Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial (BRASIL, 2009). Nele, o atendimento escolar do doente não consta como modalidade de ensino do atendimento educacional especializado. Referência ao ambiente hospitalar é feita no sexto artigo dessas diretrizes (BRASIL, 2009) com o texto “Em casos de Atendimento Educacional Especializado em ambiente hospitalar ou domiciliar, será ofertada aos alunos, pelo respectivo sistema de ensino, a Educação Especial de forma complementar ou suplementar.” No mesmo, não fica claro se o atendimento educacional se refere a qualquer aluno doente ou apenas aqueles com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, definidos como a população da Educação Especial. Podemos inferir que, de acordo com a situação atual, o atendimento escolar da clientela doente encontra-se em suspenso no que se refere à sua referência nos documentos ministeriais, o que é extremamente lamentável.
No final de 2018, a então Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) do Ministério da Educação (MEC) abriu consulta pública para ouvir a população sobre a proposta de Política Nacional de Educação Especial: equitativa, inclusiva e ao longo da vida. Com essa consulta pública, o MEC buscava atualizar o documento para adequá-lo à legislação mais recente, melhor organizar os serviços e ampliar o atendimento ao aluno doente. Na redação da nova proposta, foram contemplados de forma mais objetiva os transtornos do espectro autista, a deficiência intelectual e as altas habilidades e superdotação. O atendimento escolar hospitalar foi citado apenas como uma observação em um dos itens do texto proposto. Após o encerramento da consulta, o texto consolidado seria encaminhado ao Conselho Nacional de Educação (CNE). Entretanto, em contato com o MEC, informações sobre os desdobramentos ou a consolidação da referida proposta não foram obtidas.
Com a mudança em 2019 dos gestores no âmbito federal, o Ministério da Educação, reformulou suas secretarias. Foi instituída a Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação (SEMESP), contando com três diretorias: Diretoria de Acessibilidade, Mobilidade, Inclusão e Apoio a Pessoas com Deficiência, Diretoria de Políticas de Educação Bilíngue de Surdos e Diretoria de Políticas para Modalidades Especializadas de Educação e Tradições Culturais Brasileiras. Tanto a diretoria de acessibilidade quanto a de políticas para modalidades especializadas, dependendo do que se entenda por tais denominações, poderia contemplar o atendimento escolar ao doente. Infelizmente, na página do MEC não há detalhes sobre elas e nem sobre os profissionais responsáveis por elas. Novamente, não temos clareza, de fato, onde se encontra, considerando as formulações atuais do MEC, o atendimento escolar ao doente.
A fragilidade da oferta do atendimento escolar ao doente transparece nessa breve análise sobre a fundamentação legal relacionada ao tema. Nesse sentido, partilhamos das considerações de Menezes (2018), que pontua haver “carência de legislação e políticas nacionais voltadas para garantir as condições de acesso e permanência dos estudantes no ensino obrigatório, em situação de internamento hospitalar ou tratamento de saúde em domicílio”. (MENEZES, 2018, p. 24). Complementando, asseveramos o questionamento de Pacheco (2017) que, em seu estudo, menciona que,
enquanto o MEC não se posicionar no que concerne o atendimento pedagógico ao escolar em tratamento de saúde, a partir de uma secretaria com objetivos claros que responda por esse tipo de atendimento, a situação não tende a modificar-se. Consequentemente, esses cidadãos estarão sempre na dependência que estados e municípios compreendam e acatem o que reza a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 205, “que a educação é um direito de todos”. (PACHECO,2017, p.71).
Se os documentos oficiais específicos não foram observados como determinantes de que o direito de escolaridade também diz respeito à clientela doente e, hoje, não são considerados vigentes, temos que tomar como base o que consta na legislação geral de Educação (BRASIL, 1996) e na Constituição Federal (BRASIL, 1988) do Brasil.
Ao longo desse texto, de modo bem amplo, percebemos o que vem acontecendo em nosso cotidiano: as dificuldades enfrentadas no âmbito da educação e da saúde para o acesso a serviços adequados. Mas também podemos relacionar esse fato com as fragilidades que têm sido pontuadas na área de segurança, transporte público e infraestrutura, dentre outras, gerando preocupações para todos.
Se os aspectos legais não forem acatados, reconhecendo em cada indivíduo um cidadão, não apenas a clientela doente ficará formalmente sem atendimento escolar e, assim, sem que o direito básico à educação seja respeitado e atendido. A não atenção e atendimento dos direitos básicos podem atingir a todos os cidadãos, brasileiros ou não, que vivam em nosso país.
Fundamentando o atendimento escolar ao doente
Estudos, eventos e pesquisas contribuem tanto para desenvolver e aprofundar o entendimento sobre uma área específica do conhecimento quanto para a prática daqueles com ela envolvidos. Associações de profissionais interessados também participam desse movimento. Aqui refletimos sobre esses aspectos em relação ao atendimento escolar no contexto da doença.
Quando da realização do primeiro mapeamento brasileiro de atendimento escolar hospitalar (FONSECA, 1999), observou-se que, no que se referia ao perfil docente, 63% dos professores respondentes que atuavam nessa modalidade de ensino tinham formação universitária ou pós-graduação, representando elevada qualificação formal se comparada com a formação dos professores das escolas de educação básica no contexto brasileiro daquela época. Certamente que as peculiaridades do ambiente hospitalar, as enfermidades dos alunos e a necessidade de interação com os profissionais de saúde do hospital, devem ter contribuído para a busca e melhoria da qualificação desses professores, embora a área de formação dos mesmos não tenha sido objeto de estudo na referida pesquisa.
No ano seguinte da publicação desse levantamento inédito sobre o quantitativo das escolas em hospitais, ocorreu a primeira edição do Encontro Nacional sobre Atendimento Escolar Hospitalar (2000). O evento estabeleceu o diálogo entre os professores da clientela doente para que pudessem trocar experiências e aprofundar conhecimento sobre a temática específica da docência no ambiente hospitalar. Com vistas a solidificar intercâmbios e parcerias entre esses docentes, implantou-se a edição do Informativo Semestral sobre esse tipo de ensino (ano 1, n.1, Dezembro/2000). No presente ano, a décima edição do encontro nacional teve como sede a cidade de Salvador (BA) e o informativo caminha para sua 38ª edição.
É importante mencionar que dados contidos no mapeamento, assim como professores envolvidos tanto com o mapeamento quanto com o encontro nacional contribuíram para com a elaboração tanto das diretrizes (BRASIL, 2001) quanto do documento específico sobre atendimento escolar hospitalar (BRASIL, 2002), citados anteriormente no presente texto.
Estudos analíticos dos anais desses encontros nacionais (OLIVEIRA; WEPLER; FONSECA, 2011; FONSECA, 2016) mostraram que, textualmente, há manutenção dos mesmos objetivos para as diversas edições do evento. Entretanto, nas palestras, conferências, apresentações de trabalhos e exposição de pôsteres, diversas temáticas se fazem presentes evidenciando tanto a ampliação do foco específico do encontro quanto contradições e incongruências das terminologias utilizadas para definir esta modalidade de ensino. As reuniões plenárias sobre a fundamentação legal para esse atendimento não foram profícuas, suscitando discussões incipientes que, de alguma forma, estão relacionadas também ao entendimento diverso que se tem do escopo dessa modalidade de ensino, tornando complexa uma formulação consentânea sobre tal. Se o caráter itinerante das diversas edições do encontro facilita a participação de professores que estejam no local sede de cada edição, ou nas suas proximidades, uma vez que suporte financeiro para o descolamento desses profissionais é restrito, contribui também para com a diversidade de olhares não diretamente pertinentes ao atendimento escolar hospitalar. Com equipes organizadora e científica instituídas por pessoas da localidade sede, há a possibilidade de outras configurações do evento.
Já a análise dos informativos semestrais sobre a escolaridade no hospital (FONSECA, 2017), evidenciou que o conteúdo das edições dessa publicação está circunscrito à atenção escolar hospitalar, veiculando aspectos teóricos, metodológicos e legais especificamente relacionados ao tema. Como o acesso ao informativo não implica custo financeiro (é disponibilizado por e-mail), também é democrático na divulgação dos contatos daqueles que contribuem com as matérias apresentadas na publicação, facilitando a interlocução direta entre os interessados. Outrossim, como não houve mudança do responsável pela compilação e edição das seguidas edições do informativo, é perceptível tanto a manutenção de seu foco quanto o fomento do intercâmbio entre os leitores, contribuindo para com a dinâmica das informações e do conhecimento nessa área especifica.
No sentido de conhecer adequadamente a realidade do atendimento escolar ao doente no contexto brasileiro, no segundo semestre de 2017, foi divulgado o Edital sobre oAtendimento Escolar Hospitalar e Domiciliar(PROJETO 914BRZ1148 EDITAL Nº 12/2017 - REPUBLICAÇÃO) proposto pelo MEC e pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Os responsáveis pelo trabalho deveriam produzir informações sobre (1) as normatizações, legislações existentes e as práticas em gestão educacional desenvolvidas pelos Sistemas Públicos de Educação Básica na área do atendimento educacional em ambiente hospitalar e domiciliar; (2) diretrizes operacionais para o atendimento educacional em ambiente hospitalar e domiciliar, visando subsidiar os Sistemas Públicos de Educação Básica na organização desse atendimento educacional; (3) programas e projetos de atendimento educacional em ambiente hospitalar e domiciliar desenvolvidos pelas Secretarias de Educação dos Estados e Municípios; e, (4) estudo das experiências significativas e proposições para definição de diretrizes sobre atendimento educacional em ambiente hospitalar e domiciliar desenvolvidas pelas Secretarias de Educação dos Estados e Municípios. Lamentavelmente, consultando as páginas do MEC e da UNESCO não obtivemos qualquer informação sobre os resultados dessa consultoria.
Existem também entidades que contribuem e oferecem suporte para que, tanto as políticas públicas quanto o atendimento escolar ao doente se configurem de modo adequado e supram as demandas desse grupo específico. Exemplificando, a Hospital Organisation of Pedagogues in Europe1 (HOPE), instituída em 1988, é uma associação europeia de profissionais da área de Pedagogia, majoritariamente professores e gestores do atendimento escolar hospitalar, que tem atuado ativamente para a expansão da oferta dessa modalidade de ensino como defesa do direito à educação das crianças e adolescentes enfermos (ARAÚJO, 2017). A entidade realiza congressos periódicos, organiza formação continuada e desenvolve projetos voltados para a escolaridade da clientela doente envolvendo profissionais e associações semelhantes de outros países.
No ano de 2006, surge a Red Latinoamericana y del Caribe por el Derecho a la Educación de Ninõs, Niñas y Jóvenes Hospitalizados o en Situación de Enfermedad2 (REDLACEH), com sede no Chile. É uma organização que busca promover o direito à educação de crianças e adolescentes enfermos nos países latino-americanos e caribenhos. Em 2017, os Direitos de Educação da Criança e Jovens Doentes formulados pela REDLACEH em 2009, foram ratificados pelo Parlamento Latino Americano (PARLATINO).
É importante lembrar que, em 2000, durante a primeira edição doEncontro Nacional Sobre Atendimento Escolar Hospitalar, houve plenárias com vistas à implantação de uma entidade desse tipo no Brasil. Uma proposta de estatuto para a Associação Nacional pró Atendimento Pedagógico-Educacional Hospitalar foi apresentada e chegou-se a definir secretários para cada uma das cinco regiões brasileiras, indicados dentre os participantes dessas reuniões. Infelizmente, sem atenção específica às burocracias necessárias e participação efetiva dos interessados, a entidade não se formalizou.
Recentemente, o esforço conjunto de quatro organizações internacionais, especializadas em apoiar professores e outros profissionais que atendem crianças e jovens com doenças crônicas ou potencialmente fatais, se configurou no jornal Continuity in Education3(CiE), publicação com conteúdos produzidos por professores em hospitais para professores em hospitais.
Na realidade brasileira, as contribuições dos estudos, pesquisas, encontros, publicações e entidades para o atendimento escolar do doente, não se configuram propriamente. No que diz respeito ao professor que atua no ambiente escolar hospitalar, e que, como vimos, detém grau de escolarização superior em comparação aos demais professores da educação básica. Entretanto, mesmo não sendo exclusividade da realidade do professor do atendimento escolar hospitalar, a obtenção de titulação, principalmente, na pós-graduação se traduz em vínculo profissional temporário ou permanente no ambiente universitário, deixando o exercício profissional na escola hospitalar.
Não poucas vezes, o profissional universitário tem tantas demandas acadêmicas (participação em eventos, avaliações, publicações, etc.), que a manutenção de um projeto de pesquisa demonstrando o vínculo da universidade com o cotidiano, conta com poucas condições de tempo para acompanhar o que acontece com o foco do estudo, no nosso caso, o aluno doente, não gerando o efeito necessário para a melhoria dessa modalidade de ensino.
Em boa parte das iniciativas das universidades no ambiente hospitalar, as mesmas são realizadas por voluntários ou bolsistas de projetos de extensão, de estágio interno complementar e/ou de iniciação científica ou pesquisa que, no caso do atendimento escolar hospitalar, dependem do conhecimento do professor universitário responsável sobre as questões específicas dessa modalidade de atendimento e também, mas não menos importante, de sua disponibilidade de tempo para orientar e acompanhar o que é feito nesse ambiente. Nessas iniciativas, a atuação daqueles que se relacionam com as crianças doentes segue um protocolo de estágio, investigação ou pesquisa. Assim, a atenção ao trabalho escolar a ser desenvolvido com a clientela doente pode passar a ser secundária e, em decorrência, desconectada do que essas crianças desejam, precisam ou tem necessidade de aprender.
Em geral, essas superbem vindasiniciativas não acontecem em hospitais que já contam com professores para o atendimento escolar do doente. Há morosidade e dificuldades para o estabelecimento de parcerias entre a Secretaria de Educação e a Universidade, caso contrário, beneficiaria a todos os envolvidos. E, assim, os professores universitários que tem algum conhecimento sobre atendimento escolar hospitalar ou foram docentes dessa modalidade, mesmo tendo produção acadêmica sobre a temática, não necessariamente conseguem aplicá-la nesse ambiente. E os professores que atuam no ambiente escolar hospitalar nem sempre tem acesso às publicações científicas e nem a possibilidade de participar dos encontros específicos da temática.
Ao longo das edições dos encontros nacionais, observou-se que o foco dos mesmos foi sendo ampliado. Mesmo com a itinerância dos eventos, os professores que atuam nas salas de aulas nos hospitais e aqueles que atendem nos domicílios, enfrentam dificuldades para participar dos encontros. Quatro problemas, que poderiam ser evitados, podem ser apontados como comprometedores dessa participação: a morosidade dos trâmites burocráticos para afastamento; a não alocação de professor substituto para os alunos; a falta de suporte financeiro institucional para o deslocamento para o local do evento; e, o período curto (poucos meses) de antecedência entre a divulgação das datas e a realização de cada nova edição do encontro, que, compromete o tempo necessário que o professor precisa para articular todos os trâmites que resultem na autorização para sua participação no evento.
No que se refere ao informativo semestral, a publicação mantem seu foco específico no atendimento escolar hospitalar, divulga conteúdos diretamente pertinentes à atuação docente e sobre legislações específicas existentes em localidades distintas do Brasil, despertando e/ou motivando o professor da escola no hospital (no caso do respaldo legal), a averiguar a situação de seu atendimento nesse aspecto ou a solicitar que fundamentação semelhante seja discutida e implementada em sua cidade ou estado em benefício dessa modalidade e dos alunos desse atendimento. A postura democrática do informativo semestral, inclusive na divulgação dos contatos daqueles que contribuem com o mesmo, estimula a interação direta entre os professores, contribuindo para com o aprofundamento, interlocução e esclarecimentos sobre as informações de interesse.
Apesar da divulgação sistemática das atividades da REDLACEH nos informativos semestrais e, da entidade ter participado da sexta e da sétima edições do encontro nacional (Niterói/RJ, 2009 e Belém/PA, 2012, respectivamente), e de alguns dos eventos realizados em São Paulo (SP), o quantitativo de professores a ela filiados é ínfima. A participação brasileira se dá nos congressos da entidade com apresentações de trabalhos científicos, o mesmo ocorrendo nos congressos da HOPE, mas sem qualquer envolvimento com as demais atividades de tais entidades.
Mais e mais temos contato com profissionais pós-graduados que pesquisam e publicam sobre o atendimento escolar no ambiente de saúde. Mesmo assim, a relação da pesquisa com sua divulgação e com as políticas públicas no âmbito do atendimento escolar hospitalar está evidente apenas entre os anos de 1999 e 2002 com a publicação do quantitativo de hospitais com escolas (Fonseca, 1999), a realização do primeiro evento sobre o assunto (Rio de Janeiro/RJ, 2000) e a divulgação de documentos relacionados chancelados pelo MEC (BRASIL, 2001; 2002).
Pensando sobre os motivos porque o atendimento escolar do doente permanece vulnerável e, sendo assim, comprometendo a garantia do direito de escolaridade dessa clientela em particular, podemos considerar que esse fato não seja exclusividade dessa parcela da população: todo o sistema educacional, inclusive as instituições universitárias, tem vivenciado muitos entraves. Com isso, os professores que atuam na prática escolar junto à clientela doente, se ressentem da falta de condições adequadas para a realização de um trabalho minimamente qualificado. Os professores vinculados às universidades vivenciam demandas acadêmicas cada vez mais extenuantes para que possam obter alguma parcela de financiamento para suas pesquisas, mesmo que não sejam relacionadas ao atendimento escolar hospitalar. E, nesse sentido, a participação nas edições dos encontros nacionais e nos congressos das entidades envolvidas com essa temática específica, cumpre as exigências das agências de fomento quanto à divulgação de resultados que foram subsidiados e que, assim, podem contar com a continuidade desse suporte financeiro. Essa mesma participação pode contribuir para que se obtenha financiamento futuro.
Resumindo, se o professor do atendimento escolar no ambiente hospitalar ou domiciliar não é ouvido e considerado como profissional chave para o êxito dessa modalidade de ensino, acaba migrando para outras áreas ou para o ambiente universitário, onde a atenção e interlocução com a sala de aula no ambiente hospitalar ou o atendimento domiciliar são dificultadas e, não poucas vezes, sem possibilidade de acesso por conta da estrutura imposta à universidade.
Redirecionando passo
Outros olhares e análises podem ser elaborados sobre o que este texto aqui abordou. As considerações do estudo de Fonseca, Araújo e Ladeira (2018) sobre a trajetória científica e legal do atendimento escolar na doença, sinalizam que mesmo não existindo respaldo legal no âmbito federal, essa modalidade de ensino poderá ser oficializada e resguardada legalmente pelos governos e suas secretarias pertinentes, sejam municipais ou estaduais, dependendo da localidade onde o atendimento do aluno doente aconteça ou se faça necessário. Como dito, a espera por respaldo legal federal não precisa ser imperativa.
Descrevemos a existência de documentos específicos elaborados pelo MEC, mas que, mesmo assim, não parecem terem sido considerados na esfera estadual e/ou municipal brasileiras. “A impressão que se tem é que a normativa tem sido negligenciada e desconsiderada, como se não tivesse validade nacional, o que é uma pena já que se empreendeu tempo para formulá-la no passado” (FONSECA; ARAUJO; LADEIRA, 2018, p.114). Há iniciativas de prestação desse serviço formuladas localmente por cidades e estados, como é o exemplo do Serviço de Atendimento à Rede de Escolarização Hospitalar (SAREH), no Paraná, assim como propostas similares que foram implantadas e estão tendo continuidade em Belém/Pará e no Acre.
No que diz respeito aos professores, aqueles que investigam essa temática, em parceria com os que estão no cotidiano do atendimento escolar hospitalar ou domiciliar, podem planejar e implementar atividades nesse contexto escolar particular de forma a evidenciar as necessidades e as possibilidades de melhoria dessa modalidade de atendimento e da atuação docente, sem o viés de que o desenvolvimento e os resultados das mesmas tenham que ser publicados em revistas e/ou apresentados em eventos científicos. A aplicação prática dos conhecimentos científicos pode fazer diferença significativa e modificar a realidade. E será divulgada e identificada por suas interferências concretas.
Ainda hoje, passados 19 anos desde a realização da primeira edição do encontro nacional sobre atendimento escolar hospitalar (2000) e, com tantos estudos relacionados ao tema, continuamos perseguindo o que constou do subtítulo daquela primeira edição: o direito de ter o trabalho pedagógico-educacional no ambiente hospitalar porque criança doente também estuda e aprende.
Sigamos persistentes nesse propósito!
As crianças e, também os jovens, doentes muitíssimo agradecem!