Introdução
Este artigo apresenta um recorte da pesquisa-mãe “Desafios da escola na atualidade: qual escola para o século XXI? Uma pesquisa com vários atores no estado de São Paulo”, aprovada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em 2017 (Chamada nº 22/2016 - Pesquisa Inovação em Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas) e desenvolvida pelo grupo de pesquisa Contexto Escolar, Processos Identitários da Formação de Professores e Alunos da Educação Básica (CEPId), liderado pela Profa. Dra. Vera Maria Nigro de Souza Placco, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC- SP), e pela Profa. Dra. Vera Lúcia Trevisan de Souza, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Camp).
O objetivo da referida pesquisa foi investigar, na perspectiva de diferentes eixos de investigação1, as concepções de “escola” na contemporaneidade, suas finalidades educativas, seus objetivos e atributos, apresentados por professores, gestores e outros atores ligados à escola, a fim de auxiliar na busca de mecanismos de superação aos desafios e de possibilidades para a escola pública, em meio às questões da sociedade contemporânea.
Este texto é resultado da análise realizada pelas pesquisadoras integrantes do eixo Condições de Trabalho Docente, que teve como objetivo identificar a percepção de educadores da rede pública estadual paulista acerca das condições de trabalho docente e de como tais condições interferem ou não na realização de seu trabalho.
Metodologia
A pesquisa-mãe envolveu as seguintes etapas: 1) revisão bibliográfica; 2) elaboração e aplicação de questionário on-line e 3) análise e discussão dos dados, nos diferentes eixos de investigação.
Para a realização da revisão bibliográfica, os pesquisadores do CEPId consultaram fontes digitais e impressas. Inicialmente, realizaram um levantamento da literatura sobre educação, escola e políticas públicas da educação básica brasileira, com foco em suas concepções, finalidades, função e papel. Em outro momento, após a definição dos seis eixos da pesquisa, uma nova revisão bibliográfica foi realizada, para atender às necessidades de fundamentação, análise e discussão dos dados em cada eixo.
Como instrumento de coleta de dados, os pesquisadores utilizaram o questionário on-line, viabilizado por uma plataforma digital, a fim de alcançarem uma quantidade maior de participantes.
Segundo Félix (2012, p. 133), nos últimos anos, “a internet vem sendo utilizada como objeto, local e instrumento de pesquisas nas mais diversas áreas do conhecimento”. Nesse sentido, é importante salientar que o uso da internet na aplicação do questionário on-line possibilitou aos pesquisadores do CEPId a coleta de uma grande quantidade de respostas, em um curto espaço de tempo, gerando uma rica produção de dados para a pesquisa.
De acordo com a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), o estado de São Paulo conta com 645 Municípios, 15 Regiões Administrativas, 42 Regiões de Governo, 06 Regiões Metropolitanas e 02 Aglomerações Urbanas. Os municípios estão distribuídos nas Regiões Administrativas, pela Secretaria Estadual de Educação, em 91 Diretorias de Ensino (DEs).
Devido à extensão do estado e à quantidade de DEs, fez-se necessário que os pesquisadores do CEPId entrassem em contato com a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEE/SP), no âmbito de uma de suas Coordenadorias, para viabilizar a divulgação e a implementação do questionário aos profissionais da educação básica (Ensino Fundamental - Anos Finais e Ensino Médio) de sua rede, quais sejam: professores, professores coordenadores2, professores coordenadores do núcleo pedagógico (PCNPs)3, diretores, vice-diretores, supervisores e dirigentes de ensino. No total, participaram da pesquisa, respondendo ao questionário on-line, 5.005 educadores da rede pública estadual paulista.
A análise dos dados obtidos no questionário on-line foi realizada pelos grupos de trabalho, nos diferentes eixos da pesquisa. No eixo Condições de Trabalho Docente, a análise teve como objetivo geral identificar a percepção de educadores da rede pública estadual paulista acerca das condições de trabalho docente e de como tais condições interferem ou não na realização de seu trabalho. Nesse sentido, buscou-se oferecer subsídios para a melhoria das condições de trabalho docente, para que elas atendam aos desafios da escola contemporânea.
Os objetivos específicos desta análise foram:
Levantar as percepções dos educadores sobre suas reais condições de trabalho;
Identificar as condições necessárias para que o trabalho do professor ocorra de acordo com as demandas atuais da escola e da sociedade;
Compreender, por meio dos dados levantados, indicadores que possibilitem reflexões e avanços para uma boa qualidade da educação, o que inclui a construção e a efetivação de políticas públicas que visem à melhoria das condições de trabalho docente.
Dentre as perguntas que compuseram o questionário on-line, duas relacionavam-se diretamente com o eixo Condições de Trabalho Docente. São elas:
Questão 37: Assinale três condições necessárias para que o trabalho do professor ocorra de acordo com as demandas atuais: Clima escolar; Equipe de trabalho; Estrutura e recursos materiais oferecidos pela escola; Formação continuada em serviço; Progressão/plano de carreira; Reconhecimento profissional; Remuneração.
Questão 38: Agora enumere de 1 a 3, por ordem de importância (sendo 1 o mais importante).
Além dessas questões específicas, outras quatro, não específicas, mas ligadas indiretamente ao referido eixo, complementaram a análise de dados. São elas:
Questão 29: O principal desafio do professor no Brasil está relacionado a: Uso da tecnologia; Reconhecimento social; Condições de trabalho; Relação em sala de aula; Relações interpessoais para o exercício profissional; Formação continuada; Outros (campo adicional, com espaço para preenchimento).
Questão 30: O maior desafio que você enfrenta no exercício de sua função está relacionado a: Integração família e escola; Relações interpessoais; Trabalho coletivo; Formação de professores; Motivação dos alunos; Mobilização para o trabalho em equipe; Outros (campo adicional, com espaço para preenchimento).
Questão 31: Assinale os três temas que você considera essenciais na formação inicial do professor na atualidade: Condições de trabalho do professor (políticas, pedagógicas, estruturais e financeiras); Conteúdo específico da disciplina (conhecimentos e práticas); Desenvolvimento humano (físico, cognitivo, afetivo e social); Diversidade (diferenças socioculturais, gênero, relações étnico-raciais e outros); Educação inclusiva (concepções e práticas específicas de ensino); Fundamentos da educação (Psicologia da Educação, História da Educação, Filosofia da Educação, Sociologia da Educação); Metodologias de ensino (concepções e práticas); Profissão docente (desenvolvimento profissional do próprio professor); Realidade educacional e escolar (do município, do estado e do país).
Questão 32: Agora enumere de 1 a 3, por ordem de importância (sendo 1 o mais importante).
Os dados obtidos no questionário on-line (questões 29, 30, 31, 32, 37 e 38) foram analisados, discutidos e organizados em dois blocos, a saber: “Condições de trabalho e as demandas atuais da escola” e “Condições de trabalho e os desafios dos profissionais da educação”.
Vale explicitar que, nas questões 29 e 30, as respostas obtidas no campo aberto do item “Outros” foram analisadas segundo a frequência e a relevância para a temática. Essas respostas também foram agrupadas em diversos blocos que auxiliaram a análise dos dados.
Fundamentação teórica
Visto que as concepções de “trabalho docente” e de “condições de trabalho docente” possibilitam diferentes abordagens, neste estudo, foram adotados os conceitos propostos por Oliveira (2010) e por Oliveira e Assunção (2010), respectivamente.
Segundo Oliveira (2010), o trabalho docente abarca tanto os sujeitosque atuam no processo educativo quanto as atividades laborais realizadas nas instituições educativas, extrapolando a regência de classe. Para a autora, são considerados sujeitos docentes professores, educadores, monitores, estagiários, diretores, coordenadores, supervisores, orientadores, atendentes e auxiliares, dentre outros.
Com relação às “condições de trabalho docente”, Oliveira e Assunção (2010) entendem-nas como o conjunto de recursos que possibilitam a realização do trabalho, ou seja, instalações físicas, recursos materiais, insumos, equipamentos, meios e todo tipo de apoio disponível para desenvolver a atividade, além das relações concernentes tanto ao processo de trabalho como às condições de emprego, quais sejam, formas de contratação, remuneração, carreira e estabilidade.
Neste estudo, defende-se que as condições adequadas, no local de trabalho, são fundamentais para que o docente consiga ensinar e os alunos consigam aprender, de maneira que o processo de ensino-aprendizagem se efetive e a escola atinja sua finalidade. As condições de trabalho são, portanto, o suporte para que as atividades se desenvolvam, com a satisfatória mediação do conhecimento, e para que os professores permaneçam na profissão.
Cabe apontar, mesmo que brevemente, que, a partir das reformas institucionais consolidadas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) nº 9.394/1996 (BRASIL, 1996), o Ministério da Educação assumiu o papel de formulador e coordenador das políticas nacionais de educação, descentralizando as ações e passando a colaborar, de forma mais efetiva, com as secretarias estaduais e municipais, na promoção da educação básica (REIS, 2018).
Nesse sentido, a referida LDBEN, o Plano Nacional de Educação 2014-2024 (PNE) (BRASIL, 2014) e o Plano Estadual de Educação (PEE) (SÃO PAULO, 2016) apresentam dispositivos específicos que focalizam todos os aspectos supramencionados (sujeitos, recursos e condições de emprego, além de aspectos concernentes à valorização da carreira).
Considerando que políticas públicas podem ser entendidas como ações do Estado para garantir e fazer valer os direitos constitucionais de seus cidadãos, por meio de leis, decretos, portarias e programas (HÖFLING, 2001), longe de se apontar a ausência de políticas, torna-se necessário e urgente entender como, nos diferentes programas e projetos do governo estadual paulista, elas têm sido apropriadas e implementadas.
Resultados
Conforme explicitado, os dados obtidos no questionário on-line (questões 29, 30, 31, 32, 37 e 38) foram analisados, discutidos e organizados em dois blocos - “Condições de trabalho e as demandas atuais da escola” e “Condições de trabalho e os desafios dos profissionais da educação” -, os quais serão apresentados a seguir.
Condições de trabalho e as demandas atuais da escola
Ao serem convidados a assinalar, na questão 37, três condições necessárias para que o trabalho do professor ocorra de acordo com as demandas atuais, os resultados foram os seguintes: “estrutura e recursos materiais oferecidos pela escola” (55,5%), “remuneração” (54,1%), “progressão/plano de carreira” (49,6%), “reconhecimento profissional” (46,8%), “formação continuada em serviço” (35,6%), “equipe de trabalho” (35,3%) e “clima escolar” (20,4%)4.
Na questão 38, solicitou-se aos participantes que enumerassem as alternativas escolhidas na questão 37, de 1 a 3, segundo o grau de importância do item (sendo 1 o mais importante). Os resultados foram os seguintes: em primeiro lugar do valor “1”, está a “remuneração” como mais importante condição de trabalho (28%); em primeiro lugar do valor “2”, estão “a estrutura e os recursos materiais” oferecidos pela escola (22,8%) e em primeiro lugar do valor “3”, está o “reconhecimento profissional” (19,8%).
Esses dados vão ao encontro do que aponta Leithwood (2006 apudPEREIRA JÚNIOR, 2016, p. 19-20) quando o autor afirma que “os efeitos dos salários sobre a satisfação e a retenção dos professores não são independentes das condições de trabalho; salários elevados juntamente com más condições de trabalho podem fazer pouco para promover a retenção” do professor, em seu trabalho.
As alternativas que se referem a itens objetivos e concretos, como “estrutura material e recursos”, seguido por “remuneração” e “progressão na carreira”, aparecem com índices percentuais significativos nas respostas às duas questões, reforçando a afirmação de André (2015), que aponta as condições de trabalho, os salários e a falta de infraestrutura e de formação para enfrentar os desafios do ensino como fatores de insatisfação profissional.
O reconhecimento profissional dos docentes como sujeitos indispensáveis para uma formação crítica e cidadã das novas gerações, assim como para a formação das diferentes categorias profissionais (GATTI; BARRETO; ANDRÉ, 2011) que compõem a sociedade, continua, de acordo com as respostas dos participantes, longe de abarcar a complexidade e a relevância da profissão docente.
Conforme apontam Gatti, Barreto e André (2011, p. 139): “O reconhecimento dos docentes da educação básica como profissionais essenciais ao país passa pela oferta de carreira digna e remuneração condizente com a formação deles exigida e ao trabalho deles esperado”.
Ao se analisarem as respostas dos professores, constata-se que as dificuldades por eles apontadas para responderem, a contento, às várias e complexas demandas que a escola atual apresenta, podem potencializar a insatisfação e mesmo afetar seu engajamento e motivação profissional, como nos informa Esteve (1995), em seu estudo acerca da pressão da mudança social sobre a função docente. Segundo o autor, as condições ambientais e os fatores contextuais nos quais a docência está sendo exercida, mesmo que indiretamente, afetam a motivação e a implicação do professor. Essa situação amplia e/ou gera sentimento de impotência e desajuste, que respingam em sua autoimagem pessoal e profissional.
A falta de recursos generalizada, bem como a falta de melhoria efetiva de recursos materiais, são apontadas por Esteve (1995) como fatores que fomentam o mal-estar docente, podendo provocar, a médio prazo, uma atuação inibida e constrangida por parte do professor. Nessa perspectiva, o autor afirma que “o ensino de qualidade é mais fruto do voluntarismo dos professores do que consequência natural das condições de trabalho adequadas às dificuldades reais e às múltiplas tarefas educativas” (ESTEVE, 1995, p. 106).
De acordo com Tardif e Lessard (2014), as múltiplas tarefas docentes e as respectivas cargas horárias variam de acordo com os diferentes contextos sociais e políticos, no entanto, é possível analisá-las do ponto de vista das exigências reais do trabalho cotidiano do professor, o que possibilita caracterizar as dimensões quantitativas do ensino. Para os autores:
(...) o tempo de trabalho diário, semanal, anual, número de horas de presença obrigatória em classe, o número de alunos por classe, o salário dos professores, etc. Essas variáveis servem habitualmente para definir o quadro legal no qual o ensino é desenvolvido; elas são utilizadas pelos estados nacionais para contabilizar o trabalho docente, avaliá-lo e remunerá-lo. São estas mesmas variáveis que organismos como a OCDE ou UNESCO utilizam para fazer comparações entre os professores de diferentes países. Contudo, é importante deixar claro que essas condições não devem ser vistas unicamente como exigências que determinam unilateralmente atividade docente; elas são, do mesmo modo, recursos utilizados pelos atores para chegar a seus fins. Nesse sentido, a análise do trabalho docente não pode limitar-se a descrever condições oficiais, mas deve também empenhar-se em demonstrar como os professores lidam com elas, se as assumem e as transformam em recursos em função de suas necessidades profissionais e de seu contexto cotidiano de trabalho com seus alunos (TARDIF; LESSARD, 2014, p. 111-112).
Os autores acrescentam que, além dos fatores materiais, há também os fatores ambientais e sociais, que geram pesada carga de trabalho. Dentre eles, estão: a localização da escola; a situação socioeconômica dos alunos; a violência no entorno da escola; o vínculo empregatício dos professores e a diversidade de tarefas que vão além do ensino.
Nesse sentido, Tardif e Lessard (2014) ressaltam que o volume de demandas complexas gera nos professores carga de trabalho mental excessiva e esgotamento, por não conseguirem controlar seu ambiente de trabalho e por serem submetidos a situações que não estão sob seu controle.
Talvez, em função dessa complexa demanda que incide sobre o trabalho docente, o “reconhecimento profissional” (46,8% - 19,8%), a “remuneração” (54,1% - 22,8%) e “a estrutura e os recursos materiais oferecidos pela escola” (55,5% -22,8%) tenham tido relevância nas respostas dos professores às questões 37 e 38, respectivamente, como as condições necessárias e mais importantes para a execução de seu trabalho. Há, portanto, uma pista para iluminar as políticas públicas educacionais: é necessário o investimento nos programas de formação profissional docente, sem, no entanto, deixar de lado as condições de trabalho e de empregabilidade dos professores.
Gatti, Barreto e André (2011) apontam que é no cotidiano da escola, por meio de seus educadores, que se consolidam as demandas atuais da sociedade, a partir da criação e da distribuição de conhecimentos de boa qualidade e da promoção da equidade. Nesse sentido, o lugar que a docência ocupa deve ser condizente com a complexidade de sua responsabilidade na formação das novas gerações e no atendimento das demandas atuais da sociedade.
Condições de trabalho e os desafios dos profissionais da educação
As perguntas 29 e 30 intencionaram levantar os desafios enfrentados pelo professor e pelos demais profissionais que atuam na escola, respectivamente.
Dentre as alternativas de respostas apresentadas na questão 29, a alternativa “condições de trabalho” obteve o índice de resposta de 53,8%.
Considera-se importante dirigir um olhar para os registros feitos no campo aberto “Outros”, embora tenha ocorrido um percentual pequeno de respostas relacionadas à totalidade dos sujeitos (3,02%), as quais foram organizadas em categorias pós-definidas, considerando-se a semelhança/proximidade das falas, e agrupadas da seguinte maneira:
Alunos
Aspectos relacionais
Condições de trabalho
Ensino-aprendizagem
Estrutura física
Família
Formação
Remuneração
Tecnologia
Valorização e reconhecimento social da profissão
Violência
Feita uma breve análise, pode-se constatar a grande variedade de temáticas trazidas pelos participantes, muitas das quais constituem-se objeto de análise dos demais eixos da pesquisa e, por isso, estão direcionadas a eles. No entanto, é importante destacar algumas falas pertinentes ao eixo Condições de Trabalho Docente, para exemplificar o entendimento dos professores quanto a esse tema: mesmo tendo na questão a possibilidade de assinalar a alternativa “condições de trabalho”, esse item é reafirmado, com incidência significativa de respostas, na direção de clamarem por melhores condições de trabalho, o que certamente os tornaria “melhores professores”.
Com relação à “remuneração”, são comuns alegações à baixa, defasada e insatisfatória remuneração recebida pelos professores, tornando difícil seu sustento e obrigando-os a exercerem outro trabalho, em um período que, na opinião deles, precisaria ser dedicado aos estudos e ao aperfeiçoamento. A ausência de equiparação salarial com os demais profissionais com formação universitária também é apontada como fator que torna a profissão pouca atrativa e desvalorizada.
Foram também relevantes as falas que denotam a pouca valorização e o reconhecimento social da profissão, sendo que, nem sempre, isso se deve apenas à baixa remuneração, mas, sobretudo, à pouca valorização e ao descaso “tanto por parte da sociedade, como do poder público em relação aos professores”, como aponta um dos sujeitos.
São comuns os sentimentos de desrespeito que vivenciam, tanto em relação a eles, como à educação, explicitados na seguinte fala: “a maioria dos professores tem vergonha de dizer que são professores”.
Os aspectos estruturais foram mencionados, mas com pouca incidência, e entendidos como falta de material e/ou material de pouca qualidade, salas superlotadas, escolas “sujas e imundas”, dentre outros.
Na questão 30, não havia explicitamente o item “condições de trabalho”, mas alternativas que poderiam remeter a ele, tal como conceituado e entendido neste eixo, e que foram assinaladas pelos sujeitos. São elas: “relações interpessoais”, “trabalho coletivo” e “mobilização para o trabalho em equipe”, que julgamos importante destacar, por se configurarem como desafios percebidos pelos docentes para exercerem sua função.
No entanto, vale a observação de que, no campo adicional “Outros” dessa mesma questão, os sujeitos apontam aspectos que levam à sua inclusão como condições de trabalho, quais sejam: “falta de estrutura física e de pessoal”, “remuneração/salário/condição salarial/desvalorização profissional” e “sobrecarga/excesso de documentação/muitas aulas/falta de tempo/sala numerosas”. Tais respostas reforçam a indicação das condições de trabalho, em seu entendimento ampliado, como um desafio e um aspecto fundamental a ser priorizado nas políticas públicas educacionais.
Pereira Júnior (2016) aponta que estudos (BERRY; SMYLIE; FULLER, 2008; LEITHWOOD, 2006; LADD, 2011) evidenciam as condições de trabalho dos professores como um importante elemento para a melhoria da qualidade do ensino, conforme corroboram asrespostas obtidas nesta pesquisa, sobretudo nas questões 37 e 38, diretamente ligadas ao eixo da pesquisa, e nas questões 29 e 30, que indiretamente remetem às condições de trabalho docente.
Essa declaração dos sujeitos, atribuindo às condições de trabalho um papel fundamental para a melhoria do ensino, conforme revelam as respostas de parcela significativa de profissionais da rede estadual de São Paulo, está presente na legislação educacional. Para auxiliar nessa compreensão, recorre-se novamente a Pereira Júnior (2016), que realiza em seus estudos uma consistente análise dos principais instrumentos jurídicos que regem as políticas públicas em nosso país.
Ao analisar a Constituição Federal (CF) (BRASIL, 1988, art. 206), o autor aponta três princípios associados às condições de trabalho dos professores, dos oito relacionados no referido documento. São eles: forma de gestão democrática (item VI); garantia de realização de concursos públicos e planos de carreira (V) e piso salarial nacional para os profissionais da educação escolar pública (VIII). Trata-se, portanto, de princípios constitucionalmente definidos, visando à valorização docente e à consequente boa qualidade dessa educação.
Na análise da LDBEN nº 9.394/1996 (BRASIL, 1996), Pereira Júnior (2016) constata que, no artigo 67, o documento afirma promover a valorização dos profissionais da educação, por meio de estatutos, ingresso e progressão na carreira via concurso público e titulação, aperfeiçoamento profissional continuado e “condições adequadas de trabalho” (item VI).
Ao analisar o Plano Nacional de Educação (PNE) (BRASIL, 2014), em vigência para o período 2014-2023, o autor pontua, dentre outras diretrizes, duas diretamente ligadas aos docentes, coincidentes com os princípios da CF - a promoção do princípio de gestão democrática (VI) e a valorização dos profissionais da educação (IX) -, diretrizes e princípios ligados às condições de trabalho do professor.
Ainda ao analisar o PNE, Pereira Júnior (2016) aponta que, no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), há uma abordagem mais abrangente das condições de trabalho docente, que deve compreender, dentre seus indicadores de avaliação institucional: o perfil doalunado e dos profissionais; as relações entre o corpo docente, o corpo técnico e o corpo discente; a infraestrutura das escolas; os recursos pedagógicos disponíveis e os processos da gestão, entre outros indicadores relevantes (item II) (BRASIL, 2014, art. 11).
A meta 20.7 do PNE aborda o financiamento da educação, indicando critérios para o financiamento da educação básica, e destaca a implementação do Custo Aluno Qualidade (CAQi) como um dos parâmetros a serem considerados:
(...) o cálculo de gastos educacionais com investimentos em qualificação e remuneração do pessoal docente e dos demais profissionais da educação pública, em aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino e alimentação e transporte escolar (BRASIL, 2014, s/p).
Como se pode observar, as condições de trabalho docente estão apontadas em importantes documentos orientadores das políticas públicas em educação, tanto no que diz respeito aos recursos materiais, como às relações concernentes ao processo de trabalho - com ênfase na gestão democrática e nas condições do emprego -, aos planos de carreira e ao piso salarial, para o pleno exercício da profissão.
Considerando-se que tais documentos inspiram a implementação das políticas públicas estaduais e municipais, tem-se, em cada instância do sistema, os respectivos planos e projetos para valorização do professor, por meio de planos de carreira, projetos de formação continuada e implementação de ações compatíveis com a gestão democrática.No entanto, o que se constata é que as políticas avaliativas de educação em vigor no Brasil, em qualquer uma das esferas - federal, estadual ou municipal -, não consideram, com a devida importância, as condições de trabalho docente. Nessa direção, Pereira Júnior (2016, p. 44) aponta que:
(...) o sistema de avaliação previsto no PNE ainda não se encontra estabelecido. Tampouco as suas componentes (perfil do alunado e dos profissionais, infraestrutura, recursos pedagógicos, processos de gestão) possuem alguma meta associada. O mesmo ocorre com o CAQi, que foi tema exclusivo do Parecer CNE/CEB nº 8/2010, embora não tenha sido homologado pelo Ministério da Educação. O referido parecer trata dos padrões mínimos de qualidade do ensino para a educação básica pública, identificando os insumos essenciais ao desenvolvimento do ensino e aprendizagem.
Dessa forma, corre-se o risco de se responsabilizarempela baixa qualidade da educação no país, única e exclusivamente, as escolas e seus professores.
Bertagna e Mello (2016, p. 120), em estudo sobre avaliação institucional, realizado em uma escola pública da rede estadual de São Paulo, constatam o relevo que é dado aos resultados da avaliação externa, bem como às metas impostas à escola, “sem contextualizar cada unidade escolar quanto às condições em que se encontram e sem dar voz aos atores do processo”.
Ainda segundo as autoras, a “avaliação externa é necessária para a definição de políticas públicas em prol de avanços, mas não deve ser utilizada para inserir uma regulação verticalizada e incitar a competição entre as unidades como vem ocorrendo” (BERTAGNA; MELLO, 2016, p. 120).
As perguntas 31 e 32 intencionaram levantar temas considerados essenciais na formação inicial do professor na atualidade. Embora essas questões não estejam diretamente ligadas ao eixo Condições de Trabalho Docente, julga-se importante destacar que “condições de trabalho” foi o tema mais assinalado pelos participantes na questão 31 (64,1%). Na questão 32, ao serem solicitados que enumerassem as alternativas escolhidas na questão 31, de 1 a 3, segundo o grau de importância do item (sendo 1 o mais importante), os participantes apresentaram aproximadamente 800 menções às condições de trabalho.
Conforme apresentado e discutido, os participantes explicitaram que algumas condições de trabalho interferem diretamente em sua qualidade de vida e em sua prática docente, impossibilitando-os de se aperfeiçoarem constantemente, dada a falta de tempo ocasionada pelo excesso de atribuições. Dentre as condições de trabalho apontadas, estão: a indisponibilidade, muitas vezes, de material didático e pedagógico; as precárias condições físicas das escolas; as difíceis relações interpessoais entre os profissionais que atuam no contexto escolar e no sistema de educação; o sistema burocrático imposto aos professores e os controles externos sobre o trabalho docente, dentre outros. A falta de condições de trabalho condizentes com a importância da profissão docente vem sendo apontada, atualmente, como um dos fatores que mais tem causado doenças psicossomáticas nos educadores, como a Síndrome de Burnout5.
Todos esses dados evidenciam a relevância da temática e sua importância para os sujeitos da pesquisa, constituindo-se um indicativo significativo para que os pesquisadores e os planejadores dos currículos de formação inicial docente, os agentes envolvidos nos processos de formação continuada e os responsáveis pela elaboração e pela efetivação de políticas públicas incluam a discussão do tema “condições de trabalho” nos processos formativos dos profissionais da educação. Os dados analisados sinalizam que esse pode ser um caminho para se chegar a um ensino de boa qualidade.
Considerações finais
A temática “condições de trabalho docente” tem sido contemplada em vários estudos, sobretudo na área de formação de professores. Se, em um primeiro momento, as principais referências ao tema recaem, como se observou, sobre os aspectos físicos, materiais e de infraestrutura dos espaços escolares e sobre a remuneração dos educadores, sabe-se que não se esgotam aí.
Conforme afirmam Tardif e Lessard (2014, p. 31), “ensinar é trabalhar com seres humanos, sobre seres humanos, para seres humanos. Esta impregnação do trabalho pelo ‘objeto humano’ merece ser problematizada por estar no centro do trabalho docente”.
Ensinar é uma tarefa complexa que, em decorrência das novas condições impostas pela sociedade contemporânea, tem demandado um exercício ainda maior do professorado para as questões que vão além do ensino. A necessidade de se colocar a sociedade em patamares mais elevados em relação às demandas econômicas do País, questões já próprias da natureza da profissão, e a carência de condições de trabalho dignas e condizentes com a responsabilidade da função geram um impacto adicional de carga de trabalho para os docentes.
Nesse sentido, além de os sujeitos da pesquisa evidenciarem suas dificuldades para conseguirem realizar as demandas obrigatórias mínimas de sua função, com remuneração e valorização não condizentes com tais demandas, eles também revelam a pressão sentida por terem de “responder” pelo fracasso do ensino público e pelas necessidades dos jovens e das famílias, dentre outras demandas.
Ao se confrontarem os objetivos da análise no eixo Condições de Trabalho Docente com os dados fornecidos pelos 5.005 participantes, buscou-se compreender os reais desafios da escola, principalmente no que concerne às condições (materiais e imateriais) necessárias para o exercício do trabalho docente.
Entende-se que, no Brasil, esse tema não tem recebido atenção suficiente por parte dos governantes, sendo fundamental a construção e a efetivação de políticas públicas que visem à melhoria das condições do trabalho docente e, consequentemente, à aprendizagem dos alunos.