Introdução
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei n°9394/96, a educação pode acontecer nos mais variados ambientes formativos, entre esses: “na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais” (BRASIL, 1996, p. 01). No entanto, a escola é a instituição social, criada e sistematizada para promover educação escolar, também conhecida como educação formal, considerada por Gohn (2006) como aquela que ocorre dentro do ambiente escolar e possui “conteúdos previamente demarcados” (p. 28). Portanto, é a escola, instituição socializadora e formadora, que desempenha o papel construtor da cultura e dos saberes científicos.
Com o papel de construtora de conhecimentos e valores socioculturais, a escola torna-se, então, lugar privilegiado para o desenvolvimento pleno dos sujeitos, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, como prevê a LDB n°9394/96, em seu artigo 2°.
A Constituição Federal de 1988 infere que a educação escolar é dever da família e do Estado e direito de todos.
Artigo 205 - A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (Brasil, 1988).
No Brasil, a legislação educacional mencionada, nº9394/96, alterada pela Lei nº 12.796/13, prevê em seu artigo 4º que o dever do Estado com a educação escolar pública será efetivado mediante a garantia da Educação Básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, organizada da seguinte maneira: pré-escola, ensino fundamental e ensino médio.
Contudo, o direito à Educação e à escola para todas as pessoas ainda não é uma realidade. O censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstra que em 2018, a taxa de analfabetismo entre a população de 15 (quinze) anos ou mais de idade é de 6,8%. Esse percentual revela que as restrições quanto ao acesso e permanência na escola são reflexos das desigualdades sociais por ela reproduzidas, ratificando assim, a função que as instituições escolares também têm exercido na reprodução da sociedade de classes.
No que tange à escolarização de pescadores/as artesanais, os estudos apontam para um reduzido índice de pessoas que concluíram a escolarização básica, havendo uma alta taxa de analfabetismo por parte dos homens e mulheres inseridos na pesca artesanal em todo país, conforme assegura o estudo de Alencar e Maia (2011). Inúmeros são os fatores que contribuem para o cenário da baixa escolarização de pescadores/as, um deles consiste na necessidade temporária de trabalho para o auxílio no sustento da casa que, em alguns casos, resulta na evasão escolar devido à não conciliação do trabalho na pesca aos horários das aulas. Além dos impasses já citados, as mulheres, de maneira específica, precisam articular a rotina de estudos ao trabalho doméstico e de cuidados (que consome demasiadamente seu tempo) e ao trabalho da atividade pesqueira.
Dessa forma, destaca-se dentro das comunidades tradicionais de pesca a chamada educação informal, caracterizada como aquela transmitida de geração em geração que, no caso em tela, se constitui pelos saberes pesqueiros que mantêm vivas as comunidades de pesca artesanal e a cultura local. Nessa seara, “os agentes educadores são os pais, a família em geral, os amigos, os vizinhos, colegas de escola (...), etc.” (GOHN, 2006, p. 29).
Em seus estudos sobre a educação de pescadores numa comunidade de pesca artesanal, Lemos (2016) elucida a questão da não identificação do pescador com os conteúdos apresentados pela escola e ainda a dificuldade em permanecer nas salas de aula, pois a renda para o sustento da família é prioridade.
Portanto, o ambiente escolar inserido em uma comunidade tradicional pesqueira, deve buscar adaptação no âmbito cultural, agregando os valores culturais regionais que regem a comunidade. Sendo assim, a escola não estará alheia ao modo de vida e sustento dos indivíduos que nela estão inseridos, podendo assegurar maior identificação do aluno com o ambiente formal de ensino e garantir que esse aluno venha a concluir todas as etapas da escolarização básica.
A partir do exposto, realizou-se levantamento das referências acadêmicas acerca da escolarização de pescadores/as, com a finalidade de promover um mapeamento sistematizado da relevância das publicações sobre o tema, averiguando as principais discussões postas nos estudose as tendências constituídas na educação para a população pesqueira brasileira. Segundo Romanowski e Ens (2006), esses tipos de estudos:
(...) podem significar uma contribuição importante na constituição do campo teórico de uma área de conhecimento, pois procuram identificar os aportes significativos da construção da teoria e prática pedagógica, apontar as restrições sobre o campo em que se move a pesquisa, as suas lacunas de disseminação, identificar experiências inovadoras investigadas que apontem alternativas de solução para os problemas da prática e reconhecer as contribuições da pesquisa na constituição de propostas na área focalizada (ROMANOWSKI; ENS, 2006, p. 259).
Este é um trabalho de cunho qualitativo/quantitativo e que utilizou como fonte para busca das publicações o banco de dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e do Google Acadêmico num recorte temporal de 10 (dez) anos, de 2010 até 2019, o que permitiu perceber que a temática PESCA vem apresentando um crescente quantitativo de pesquisas acadêmicas. No entanto, a aproximação da temática PESCA com a temática EDUCAÇÃO ainda não permite observar um volume intenso de publicações, o que não significa que os trabalhos acadêmicos sejam sem relevância, ao contrário, as publicações sobre escolarização de pescadores/as revelam conteúdo qualitativamente significativo para esta área do conhecimento.
Primeiramente, o texto revela o quantitativo de trabalhos encontrados por ano de publicação dentro do tempo de busca proposto (2010-2019) e, em seguida, o quantitativo de trabalhos encontrados por natureza de publicação, a saber: livros; artigos; monografias, dissertações e teses. Sendo possível observar que existe uma correlação entre as publicações, havendo uma frequência de repetição de autores.
A principal motivação para a elaboração do presente levantamento se refere à inserção dos autores em duas pesquisas que abordam a pesca artesanal no Estado do Rio de Janeiro1, constituindo o recorte em estudo tema inédito na abordagem de ambas.
Escolarização de pescadores/as em questão
Dos estudos apreendidos nesta investigação, constata-se que a escolarização de pescadores/as está em processo de consolidação como importante campo de discussão de práticas e teorias dentro do âmbito do conhecimento científico. Dessa forma, esta é uma arena de pesquisa que está sendo fortalecida e que começa a apresentar significativas obras acadêmicas.
Os estudos dos últimos 10 (dez) anos a respeito da escolarização dos/as trabalhadores/as da pesca no Brasil vêm crescendo de maneira apreciativa, reafirmando a necessidade de reflexão sobre o tema. Assim, é possível encontrar publicações de artigos, livros e trabalhos de conclusão de curso, que estão sendo produzidos com o intuito de contribuir criticamente ao debate do tema.
Os dados apesentados revelam um total de 30 (trinta) trabalhos acadêmicos publicados e relacionados ao tema em questão, entre os anos de 2010-2019. A tabela 1 expõe a quantidade de trabalhos publicados dentro do período proposto de ano a ano:
Tabela 1: Número de trabalhos acadêmicos levantados entre 2010-2019
| 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | 2016 | 2017 | 2018 | 2019 |
|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
| 1 | 1 | 2 | 2 | 5 | 4 | 6 | 1 | 4 | 4 |
Fonte: elaboração dos autores
Diante do exposto, percebe-se um aumento no interesse pelo tema em questão a partir do ano de 2014, quando há um crescimento na quantidade de trabalhos publicados, reafirmando um possível processo de consolidação que se instituiu de maneira gradativa no decorrer dos últimos anos. Embora em 2017 apenas um trabalho tenha sido publicado.
De acordo com os dados levantados no banco de dados do Google Acadêmico e da CAPES, verificou-se o seguinte a respeito do total de publicações:
Tabela 2: Número de trabalhos acadêmicos levantados por natureza da publicação
| Livros | Artigos | Monografias | Dissertações | Teses |
|---|---|---|---|---|
| 2 | 10 | 2 | 11 | 5 |
Fonte: elaboração dos autores
A caráter de desvelo, buscou-se identificar o quantitativo de produções que discorrem a respeito da temática educacional tratando da questão feminina na cadeia produtiva da pesca artesanal. As mulheres estão presentes em todas as etapas dessa cadeia produtiva, desde os processos anteriores até os posteriores à captura do pescado, como exemplo, no conserto de redes; preparação de iscas; captura de peixes e mariscos; processamento e beneficiamento do pescado, assim como sua comercialização. Dessa forma, muitas são as funções desempenhadas por elas dentro do universo pesqueiro (MARTINEZ; HELLEBRANDT, 2019).
Contudo, é possível destacar que, das trinta (30) publicações encontradas, apenas quatro(4) abordam a questão das mulheres que atuam na atividade da pesca artesanal. Dessa forma, é notório que, ainda que exista um acréscimo de produções na temática “educação e pesca” na última década, verifica-se uma carência de produções no âmbito da educação de mulheres inseridas na atividade pesqueira.
É importante destacar que, dentre os quatro estudos citados, um deles consiste num livro, da Suely Lemos (2016) e, um outro estudo consiste na tese de doutorado da mesma autora, em que que faz um estudo sobre a comunidade de Atafona, em São João da Barra/RJ, realizando um recorte para falar da situação feminina dentro do contexto por ela trabalhado. A autora afirma que, apesar do baixo índice de escolarização na comunidade tradicional pesqueira como um todo, há um maior índice de escolaridade por parte das mulheres em relação aos homens, apesar de suas dificuldades de acesso. A autora também discorre sobre o “ciúme” por parte dos companheiros das mulheres que, em muitos casos as impede de retornar à escola e concluir seus estudos.
Desse modo, é pertinente destacar o papel fundamental da educação informal no aprendizado dos saberes pesqueiros pelos/as pescadores/as, adquiridos por meio de suas gerações passadas, não só para a manutenção da renda local, como também para a reprodução desses saberes como aspectos culturais de suas comunidades.
Os outros dois trabalhos que abordam a temática feminina na pesca artesanal, também abordam questões educacionais, a saber: um artigo científico (LOPES; AMARAL; HUGUENIN; BELO; SOUZA, 2019) e uma dissertação de mestrado (KAISER, 2014).
A partir de toda essa pesquisa, apresenta-se agora a análise do conjunto das publicações que surgiram do levantamento realizado:
Livros publicados
Quadro 1: Livros
| EDITORA | ANO | AUTOR | TÍTULO |
|---|---|---|---|
| UFC | 2014 | Galdino | Educação e Movimentos Sociais na Pesca Artesanal |
| Appris | 2016 | Lemos | Pescadônum quer ir a escola, não! Representações sociais dos pescadores de Atafona |
Fonte: elaboração dos autores a partir dos repositórios
Quanto à publicação de livros dedicados à discussão da temática da escolarização de pescadores, encontram-se as obras de Galdino (2014) e Lemos (2016).
No livro “Educação e Movimentos Sociais na Pesca Artesanal”, fruto de sua tese de doutorado, Galdino (2014) traz reflexões a respeito das vivências comunitárias - principalmente dos pescadores artesanais - que ocorrem na Prainha do Canto Verde (Beberibe-CE), notadamente aquelas inerentes ao processo de conquista/luta pela posse de suas terras. Para tanto, utilizou-se da pesquisa qualitativa, fundamentada em um estudo de caso descritivo, qualitativo-explicativo, com concepções etnográficas e da pesquisa-ação. Também se utilizou o enfoque fenomenológico bem como se recorreu à ajuda da observação participante e ao emprego de elementos da metodologia crítico-dialética, para ajudar no encontro das interconexões e contradições que formam o tecido social local e, da ferramenta “diário de campo”.
Galdino (2014) afirma existir um caráter educativo no movimento social da Prainha, com os pilares na mobilização e a organização comunitária, tendo como base a Pedagogia Libertadora Freireana. Esse processo é responsável pelo elevado grau de conscientização, formação política e cidadania a que chegaram os pescadores, o que passou a repercutir em todo o litoral cearense.
Lemos (2016) desenvolveu estudo com o objetivo de investigar as representações sociais que os trabalhadores da pesca artesanal de Atafona, distrito de São João da Barra/RJ, apresentam sobre a escola. No livro intitulado “Pescadônum quer ir pra escola, não! Representações sociais dos pescadores de Atafona”, também fruto de sua tese de doutorado, a autora defende a ideia de que a escola é um “não lugar” para os trabalhadores da pesca. Entre os pescadores homens, as representações sobre escolarização demonstram que “escola ameaça a pesca” e que, portanto, pescador que defende a pesca “não quer a escola”. Entre as mulheres pescadoras, um impedimento à escolarização formal identificado pela autora é o ciúme de seus maridos, assim, suas representações se manifestam nos termos: “mulher de pescador não pode ir à escola”.
Uma análise crítica permite entender que os autores evidenciam a relevância da escola enquanto instituição formativa responsável pela socialização do saber sistematizado, em atender as diversas prerrogativas advindas do contexto social, neste caso, especialmente em atender as demandas geradas pelo contexto da pesca. Assim, Galdino (2014) enfatiza a educação como ato político e valioso instrumento na transformação social quando contextualizada e portadora do protagonismo dos sujeitos nela envolvidos. Já Lemos (2016) atesta que a escola nem sempre cumpre o papel de atendimento às diferentes demandas e no caso específico da pesca, a escola acaba por não valorizar os saberes advindos desse contexto, o que gera evasão escolar.
Artigos científicos publicados
No âmbito das publicações de artigos científicos, identificaram-se os seguintes trabalhos:
Quadro 2: Artigos Científicos
| REVISTA/ ANAIS | ANO | AUTOR | TÍTULO |
|---|---|---|---|
| Revista Poiésis | 2013 | Claro e Pereira | Educação do campo na laguna: como pensar uma educação (popular) de pesca |
| Anais do VII Seminário Internacional Dinâmica Territorial e Desenvolvimento Socioambiental “Terra em transe” | 2015 | Paixão; Alencar; Conceição e Santos | Atividade pesqueira e educação no campo da costa oceânica do município de Cairu/BA diálogos entre educação e desenvolvimento |
| Revista Pesquisa e Debate em Educação | 2016 | Cordeiro e Cardoso | A pedagogia da alternância como metodologia educativa na educação de jovens e adultos pescadores |
| Revista Interagir: pensando a extensão | 2016 | Pereira; Claro e Pereira | Da Retomada à Escolarização ao Acesso e Permanência na Universidade: o PAIETS Como Possibilidade de Transformação Social |
| Revista Educação Matemática e Pesquisa | 2017 | Miranda; Pereira e Pereira | Importância da matemática: percepções sobre os saberes matemáticos dos pescadores artesanais |
| Revista INTER-AÇÃO | 2018 | Lima; Bertão; Leite e Freitas | Processo de formação educacional e seus reflexos na atividade pesqueira: a realidade dos pescadores artesanais do Vale Guaporé (RO) |
| Tangram: revista de Educação Matemática | 2018 | Miranda; Pereira e Pereira | Entrelaçamento entre teoria e prática da matemática no contexto dos pescadores artesanais de Rio Grande(RS) |
| Revista História, Ciências, Saúde | 2019 | Caminha | A Escola de Pesca do Abrigo Cristo Redentor do Rio de Janeiro e a formação profissional do pescador brasileiro no Estado Novo, 1937-1945 |
| Mares: revista de Geografia e Etnociências | 2019 | Lopes; Amaral; Huguenin; Belo e Souza | Descaminhos da escola: trajetória de vida das mulheres trabalhadoras da pesca e os desafios para inclusão escolar |
| Revista Brasileira de Educação do Campo | 2019 | Silva | Escolarização, profissionalização e desenvolvimento em escola do campo: o caso de egressos da CEPE na Ilha de Cotijuba, Belém, Pará |
Fonte: elaboração dos autores a partir dos repositórios
Claro e Pereira (2013) analisam a educação de pescadoresa partir dos processos e experiências do “Projeto Educação para Pescadores” do Rio Grande - RS, demonstrando a importância da educação do campo e sua relação nos processos educacionais dos pescadores, como aquela que abre possibilidades e espaços para as problematizações que possa haver nesse contexto. Segundo os autores, a educação de pescadores possui suas especificidades e necessita ser pensada e analisada para além das salas de aula. Diante disso, objetivam contribuir teoricamente com a temática, trazendo à tona novas possibilidades junto ao conceito de “Educação Popular de Pesca” uma vez que há ligação entre os conceitos de educação do campo e educação popular.
Dando continuidade à análise dos artigos científicos encontrados, Paixão, Alencar, Conceição e Santos (2015) discutem a atividade pesqueira e educação no campo no município de Cairu na Bahia. O artigo revela a dinâmica pesqueira das localidades de Moreré, São Sebastião, Gamboa e Garapuá, situados no Município de Cairu no litoral sul da Bahia, com ênfase no sistema educacional local. Identificam que o sistema educacional local ainda segue o molde da educação da zona urbana, não adequando sua estrutura curricular e tampouco seu ensino à prática da pesca, contribuindo para o enfraquecimento da prática da atividade pesqueira.
(...) as escolas locais que têm como função de formar pessoas, não promovem qualquer direcionamento para realidade vivida, que seja capaz de fomentar o desenvolvimento da atividade econômica responsável pela construção histórico social do espaço geográfico e tão pouco abordar a dinâmica de vida local. A escola, sendo parte da totalidade social, precisaria garantir a esses sujeitos o direito à formação multidimensional e contextualizada. Não poderia reproduzir-se separada da vida social e nem fragmentada em seu conteúdo, mas deveria estar calcada na concepção emancipadora de educação. Observou-se que a escola não atua como fator de construção das identidades social e cultural local, e sim, na construção de identidade homogeneizante, diretamente ligada aos padrões externos locais, que mesmo mantendo a atividade pesqueira, não seria de modo a encadear sua trajetória histórico-social, haja vista a pesca industrial, já constatada (PAIXÃO et al, 2015, p. 19).
Cordeiro e Cardoso (2016) trazem a perspectiva da pedagogia da alternância como metodologia para educação de jovens e adultos pescadores. O artigo apresenta o trabalho realizado no ano de 2014, na comunidade Caiçara, da Praia da Longa- Ilha Grande-Angra dos Reis/RJ, do qual suscitou a pedagogia da alternância como metodologia para o trabalho pedagógico na Educação de Jovens e Adultos Pescadores (EJA Pescadores). Assim, abordam que a pedagogia da alternância é um caminho metodológico de sucesso no que tange ao processo educacional de pescadores, pois destaca a concepção e organização temporal e espacial de forma a acompanhar a dinâmica do contexto.
De acordo com a pedagogia da alternância, os modelos com os quais se organizam as escolas não precisam ser do mesmo padrão. Essa metodologia exige reorganizar as práticas pedagógicas e a matriz curricular de acordo com o contexto dos educandos. Os sujeitos envolvidos são os agentes que movem o fazer pedagógico, que se dá por meio desse caráter de envolvimento dos sujeitos e pelo conhecimento teórico e prático socializado (CORDEIRO e CARDOSO, 2016).
Pereira, Claro e Pereira (2016) tratam a questão da retomada à escolarização, acesso e permanência de pescadores na universidade. Assim, apresentam pesquisa sobre o Programa de Auxílio ao Ingresso aos Ensinos Técnico e Superior (PAIETS) da Universidade Federal do Rio Grande - FURG na luta pela retomada da educação básica, acesso e permanência da camada popular no ensino público e de qualidade, além da busca pela educação permanente a partir de uma formação no horizonte da educação popular.
As ações do PAIETS se materializam nos cursos pré-universitários populares; no subprograma PAIETS Indígena e Quilombola; no Projeto Educação para Pescadores e no projeto de formação Permanente Olhares Sul-Rio-Grandense na formação de Jovens e Adultos. As práticas desenvolvidas nos contextos de atuação do PAIETS objetivam potencializar ações educativas que tenham em seu horizonte a Educação Popular como uma escolha política, uma vez que se entende que a prática educativa é uma das formas de se lutar a favor da emancipação humana (PEREIRA et al, 2016).
Já Miranda, Pereira e Pereira (2017) abordam as percepções com relação aos saberes matemáticos dos pescadores artesanais. Dessa forma, apresentam os resultados de pesquisa realizada com Pescadores Artesanais da Cidade de Rio Grande (RS), pertencentes a Comunidades Tradicionais de Pesca, na qual discutem como os pescadores percebem e relacionam os saberes matemáticos escolares alicerçados nas suas vivências, pautados na Teoria Etnomatemática. Concluem tratando da importância da relação entre o conhecimento científico e o contexto social dos indivíduos. Conforme o trecho:
A educação escolar não pode se deter, simplesmente, em transmitir teorias e conceitos para que os alunos memorizem e reproduzam quando solicitados. Deve proporcionar instrumentos que possibilitem aos estudantes interpretar situações que ocorrem em seu cotidiano, motivando assim sua aprendizagem. No entanto, esses instrumentos, de acordo com a Etnomatemática, só terão sentido se tiverem relação com a cultura do educando. Conforme essa tendência, devemos desenvolver atividades em sala de aula, através de contextualização e atividades vivenciais nas quais possibilite ao estudante visualizar na sua prática a aplicabilidade teórica dos conceitos (MIRANDA et al, 2017, p. 156).
Lima, Bertão, Leite e Freitas (2018) abordam em seu estudo aspectos educacionais relacionados aos pescadores artesanais associados às colônias Z-3 e Z-10, dos municípios de Pimenteiras d’Oeste e São Francisco do Guaporé (RO), Vale do Guaporé (RO). A pesquisa foi realizada por meio de oficinas participativas e entrevistas semiestruturadas com os pescadores. Alguns dos aspectos pesquisados foram o grau de instrução dos pescadores, assim como questões relacionadas ao acesso à educação e a cursos. Foi constatado um baixo índice de escolarização por parte dos pescadores da região e a influência desse fator na renda de suas respectivas famílias. Outro importante aspecto abordado pelos pesquisadores é o interesse dos entrevistados em dar continuidade a sua formação.
Miranda, Pereira e Pereira (2018) discutem neste artigose os pescadores da Ilha da Torotama, situada na Cidade de Rio Grande (RS), estabeleciam ou não relações entre a matemática do seu cotidiano da pesca artesanal e os novos conhecimentos adquiridos em sala de aula na modalidade do Ensino Educação para Jovens e Adultos (EJA). Para tanto, utilizam-se da metodologia da pesquisa qualitativa, utilizando “Rodas de Conversa” como método de coleta de dados e Análise Textual Discursiva (ATD) para análise. Em seu artigo reforçam a ideia de que contextualizar a matemática é fundamental para todos e que não existe uma receita pronta para ensiná-la, dessa forma, cabe ao professor conhecer a realidade dos alunos e ainda, entender de que forma esse aluno manifesta seu conhecimento matemático. Assim, inferem que trabalhar a Etnomatemática é respeitar o conhecimento que esse sujeito já possui, fazendo com que o mesmo visualize em seu redor, na sua comunidade, na sua rotina diária, que a matemática está presente. Os autores trazem a contribuição:
O importante desta ação foi destacado através da conscientização dos pescadores sobre a importância da valorização de seu trabalho quanto à produtividade mensal obtida através da pesca. Aplicabilidade de conceitos teóricos que facilitaram o entendimento quanto o valor monetário do produto extraído nesta ação, bem como o valor total no final do mês e no final do período dedicado exclusivamente a esta atividade. Essa metodologia propiciou aos alunos momentos de discussão e reflexão, possibilitando a todos a oportunidade de darem sua opinião frente à discussão proposta (MIRANDA, et al, 2018, p.73/4).
Caminha (2019) apresenta a Escola de Pesca Darcy Vargas, um dos departamentos da instituição filantrópica Abrigo do Cristo Redentor do Rio de Janeiro, e sua importância no contexto do Estado Novo. Situada na ilha da Marambaia, no início da década de 1940, a escola visava à formação técnica e profissional de pescadores locais e de várias regiões litorâneas do país, colaborando, dessa forma, para o surgimento de um “trabalhador/cidadão” preparado para contribuir com o desenvolvimento socioeconômico almejado pelo “Estado Nacional” dirigido por Vargas.
(...) a Escola de Pesca do ACR desde os primeiros anos, estava dedicada à transformação dos menores em trabalhadores, artífices da pesca, aptos a contribuir para o esforço coletivo em prol do desenvolvimento nacional. Como outras instituições voltadas para a assistência de menores na época, a EPDV recebeu grande incentivo por parte do governo varguista, que considerava a educação uma das principais estratégias para viabilizar a concretização do seu projeto nacionalizador (CAMINHA, 2019, p. 229).
Lopes, Amaral, Huguenin, Belo e Souza (2019), analisaram os relatos das mulheres presentes na cadeia produtiva da pesca artesanal nos municípios de Campos dos Goytacazes e São João da Barra, ambos situados no Estado do Rio de Janeiro, sobre as motivações que resultaram na evasão escolar e consequentemente na baixa escolaridade destas trabalhadoras e concluíram que a divisão sexual do trabalho, a ausência de políticas públicas e o desestímulo familiar e/ou pedagógico influenciam diretamente na evasão escolar das trabalhadoras da pesca, bem como incidem diretamente no seu retorno.
Silva (2019) realizou pesquisa qualitativa de campo, através de recolhimento de documentos e de entrevistas com objetivo de analisar o desenvolvimento socioeconômico e educacional de egressos escolarizados na Casa Escola da Pesca (CEPE), uma escola pública municipal do campo, em regime de tempo integral na modalidade EJA, com habilitação profissional técnica na área da pesca, correspondente aos níveis de ensino fundamental e médio. Tem como referência de análise a realidade vivida por ex-alunos moradores da ilha de Cotijuba em Belém no Pará, que concluíram a formação básica no ano de 2015. Percebeu-se que existe uma distância entre os objetivos de desenvolvimento local, proposto pelo Projeto Político Pedagógico da escola, e a realidade vivida por seus egressos, conforme atesta a conclusão do autor:
Na prática o que se viu foi a precarização do trabalho dos egressos, com insegurança jurídica em suas relações laborais, remuneração aviltante, direitos trabalhistas negados, nenhuma garantia de assistência previdenciária e distantes daquilo que estudaram durante anos como alunos da Casa Escola da Pesca. Precisamente, os ex-alunos da CEPE trabalham como condutores de charretes, de motocicletas e “motorretes”, na construção civil, limpeza de árias residenciais, vendedores ambulantes e até mesmo como garçons em barras e quiosques de bebidas e comidas nas áreas de praia. Os egressos não conseguem acessar o nível superior de ensino, nem tampouco conseguem as condições financeiras iniciais para empreender individual ou coletivamente negócios empresariais. Por isso têm na prestação informal de serviços a única possibilidade de garantir renda para seu sustento e de suas famílias. Como tudo isso eles apresentaram baixíssima capacidade organizativa e, por conseguinte, de formação de rede de confiança e solidariedade para além da realidade doméstica familiar (SILVA, 2019, p. 25).
Numa perspectiva crítica, os artigos citados evidenciam a escola como espaço institucionalizado para promover a educação formal, destacando a relevância de que todos os sujeitos tenham oportunidade de acesso e permanência nos processos de escolarização. No entanto, nem sempre as políticas educacionais priorizaram que de fato a escola chegasse a todos os lugares e nem sempre as instituições escolares estiveram disponíveis ao atendimento dos diversos grupos sociais, pois isso requer a aceitação das diferenças e o trabalho contextualizado.
Monografias, dissertações e teses publicadas
Com relação aos trabalhos de conclusão de curso apontam-se as seguintes publicações de monografias, dissertações e teses:
Quadro 3: Trabalhos de conclusão de curso levantados
| UNIVERSIDADE / CURSO | ANO | AUTOR | TÍTULO |
| Universidade Federal da Paraíba / Graduação em Pedagogia | 2018 | Araújo | A realidade educacional dos pescadores da praia ponta de matos em Cabedelo: navegando nas velas do analfabetismo |
| Universidade Federal do Rio Grande do Sul / Graduação em Educação do Campo | 2019 | Philippsen | Uma análise dos aspectos sociais e da escolaridade dos pescadores artesanais no município de Imbé, Sul do Brasil |
| Universidade Federal do Pará / Mestrado Acadêmico em Educação | 2011 | Martins | Trabalho, Educação e Movimentos Sociais: um estudo sobre o saber e a atuação política dos pescadores da Colônia Z-16, no Município de Cametá-PA |
| Universidade Federal do Ceará / Mestrado em Educação | 2012 | Caetano | Memória das águas: práticas educativas e culturais de pescadores artesanais nas ilhas de Abaetetuba-PA |
| Universidade do Estado da Bahia / Mestrado em Educação e Contemporaneidade | 2012 | Freire | Outra margem: a relação dos programas de alfabetização com o processo de letramento dos pescadores e pescadoras de Xique-Xique |
| Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro / Mestrado em Ciências | 2013 | Jesus | Pescadores em processo de alfabetização no PROEJA FIC: representações sociais das transformações na vida e no trabalho a partir do contato com a educação formal |
| Universidade Federal do Rio Grande / Mestrado em Educação | 2014 | Claro | Entre a pesca e a escola: a educação dos povos tradicionais a partir da comunidade pesqueira na Ilha da Torotama (Rio Grande/RS) |
| Universidade Federal do Rio Grande / Mestrado em Educação | 2014 | Kaiser | Entre o mar e a escola: os processos formadores que se entrelaçam nas histórias escolares das mulheres pescadoras artesanais da Ilha dos Marinheiros - RS |
| Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul / Mestrado em Educação nas Ciências | 2014 | Oliveira | Rede CERTIFIC e PROEJA FIC: a formação inicial e continuada de pescadores no município de São Borja -RS |
| Universidade Federal do Pampa / Mestrado Profissional em Educação | 2015 | Garcia | Evasão escolar no curso PROEJA/FIC pesca e aquicultura no município de Manoel Viana (RS) |
| Universidade Federal do Rio Grande / Mestrado em Educação em Ciências:Química da vida e saúde | 2015 | Miranda | Os Saberes Matemáticos no Cotidiano dos Pescadores Artesanais das Comunidades Tradicionais de Pesca da Cidade de Rio Grande (RS) |
| Universidade Federal de Pernambuco / Mestrado em Educação | 2016 | Barros Júnior | Memórias do mar: a educação informal na colônia de pescadores z-9 de São José da Coroa Grande - PE |
| Universidade de Taubaté / Mestrado em Educação e Desenvolvimento Humano | 2018 | Gama | Puxando redes do mar: as representações sociais dos docentes da escola da Vila de Pescadores de Picinguaba-Ubatuba. |
| Universidade Federal do Ceará / Doutorado em Educação Brasileira | 2010 | Galdino | Educação e movimentos sociais na pesca artesanal: o caso da Prainha do Canto Verde, no litoral cearense |
| Universidade Estácio de Sá / Doutorado em Educação | 2014 | Lemos | Pescador não quer essa escola: representações sociais em área de conflito de território |
| Universidade Federal do Pará / Doutorado em Educação | 2015 | Souza | Na Belém Ribeirinha, a juventude e o direito à escolarização com educação profissional: análise da experiência da casa Escola da Pesca |
| Universidade Federal do Pará / Doutorado em Educação em Ciências e Matemática | 2016 | Assunção | Práticas com Matemáticas na Educação do Campo: o caso da Redução à Unidade na Casa Escola da Pesca |
| Universidade Federal Tecnológica do Paraná / Doutorado em Tecnologia | 2016 | Oliveira | Pescadoras Tradicionais, Técnicas em Pesca, “entendem-se incluídas” pela política pública do PROEJA? |
Fonte: elaboração dos autores a partir dos repositórios
Araújo (2018) desenvolveu pesquisa de conclusão de curso de graduação em pedagogia, com os pescadores da Praia de Ponta de Matos em Cabeludo na Paraíba, com o objetivo de analisar a realidade educacional desses trabalhadores. Com suas reflexões detectou que:
(...) a ausência da escolarização, trouxe impactos na vida social e econômica dos pescadores e contribuiu de forma decisiva para que estes sujeitos, não tivessem acesso aos demais direitos. E, subjugados, como incapazes por pertencer as classes populares, sua educação foi ministrada na perspectiva ingênua que não permite aos seus sujeitos pensar, se formar ou refletir sobre sua condição de subcidadãos, mas apenas se sujeitar a um sistema dominante que inculca em seus sujeitos a “educação” que eles devem ter. Logo, o fato de ir para a escola, ser aprovado anualmente ou reprovados repetidas vezes, não lhes garantiram a aprendizagem, o pensar certo e nem a reflexão sobre as injustas condições a que foram submetidos e que hoje sofre as consequências, exercendo o trabalho precarizado de pescador, que os coloca em situações adversas, sem possibilitar-lhes um retorno financeiro, para que possam sustentar sua família com dignidade (ARAÚJO, 2018, p. 63).
Na análise realizada por Araújo (2018) é possível constatar que mais de cinquenta por cento dos pescadores entrevistados são analfabetos e que a ausência da escolarização contribuiu na opção ao trabalho precarizado que ocasiona restrições em suas vidas no âmbito social e econômico.
Philippsen (2019), em seu trabalho de conclusão de curso de graduação em Educação do Campo, faz análise dos aspectos sociais e da escolaridade dos pescadores artesanais no município de Imbé no Rio Grande do Sul. Atesta entre as principais questões que entre os trabalhadores da pesca existe um predomínio do gênero masculino, uma elevada média de idade, um baixo nível de escolaridade e uma história de vida ligada à pesca através dos laços familiares. A pesquisa infere que os pescadores encontram dificuldade para permanecer na escola por uma questão de adequação de horário, conforme apontou “(...) afirmaram não ser possível conciliar a profissão com os estudos, afirmando que a pesca não tem hora certa, mas que a escola sim, não conseguindo manter uma regularidade nas aulas” (PHILIPPSEN, 2019, p. 38).
A respeito das dissertações, Martins (2011) desenvolveu pesquisa para o mestrado em Educação, com o objetivo de analisar o saber produzido pelo trabalho dos pescadores e a participação política desses sujeitos no contexto social de seus movimentos. Estudo de abordagem qualitativa, na perspectiva do estudo de caso, tendo como referencial teórico o materialismo histórico. A análise dos resultados das entrevistas possibilitou chegar às seguintes conclusões: os pescadores desenvolvem seus saberes a partir do seu trabalho; os saberes dos trabalhadores entrevistados são desenvolvidos de modo contraditório, em meio às relações estabelecidas e, ao mesmo tempo, confirmam a identidade da classe trabalhadora, mas também revelam valores próprios do capital; os trabalhadores compreendem a escola como meio de ascensão social e não como possibilidade de valorização de seus próprios saberes; a atuação política dos pescadores contribui para desenvolver o saber no e para seus trabalhos.
Em seu estudo para o mestrado em Educação, Caetano (2012) teve por objetivo entender como se desenvolvem as práticas culturais e educativas de pescadores nas comunidades pesqueira das Ilhas de Abaetetuba/Pará. Para tanto, realizou inicialmente revisão bibliográfica e documental, com análises de textos escritos e fotografias em busca do conhecimento das atividades pesqueiras da região. Em um segundo momento,adotou como recurso metodológico a Pesquisa Participante, utilizando o método “história de vida”; para compreender a relação dos pescadores com o ambiente natural, seu modo de vida e suas práticas educacionais, tanto na educação formal, quanto informal, pertencentes ao cotidiano dos pescadores e pescadoras artesanais nas Ilhas: Maracapucu, Tabatinga, Tucumanduba e Sirituba, na região de Abaetetuba/Pará. A pesquisa realizada permitiu compreender que o processo educacional de pescadores, na maioria das vezes, não tem apoio pedagógico eficiente.
O trabalho de Freire (2012) para o mestrado em Educação e Contemporaneidade, apresentou o objetivo deinvestigar como os programas de alfabetização contribuíram para o processo de letramento dos pescadores e pescadoras de Xique-Xique. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, desenvolvida com aporte da História Oral de Vida, através das entrevistas narradas sobre as trajetórias de leitura de homens e mulheres ribeirinhos, oriundos da atividade pesqueira, participantes de programas de alfabetização. Percebeu-se a partir desse estudo que a escola ainda não dispõe dos mecanismos necessários da transformação de suas práticas tradicionais para práticas pedagógicas emancipadoras, conforme o trecho:
Diante das narrativas apresentadas, percebemos que a proposta desenvolvida nos programas de alfabetização não dá conta de promover a transformação efetiva dessa consciência ingênua à crítica; visto que, os sujeitos aprendizes, embora demonstrem uma ampliação no horizonte cultural, carecem de um acompanhamento mais profundo para que possam fazer uso das práticas sociais de leitura e escrita em situações diversas, sem que elas sejam vistas como atividades cansativas, mas prazerosas e corriqueiras em suas vidas (FREIRE, 2012, p. 168).
Jesus (2013), no trabalho: “Pescadores em Processo de Alfabetização no PROEJA FIC2Pesca: Representações Sociais das Transformações na Vida e no Trabalho a partir do contato com a Escola Formal”, para o mestrado em Ciências, objetivou identificar e analisar as representações sociais, a partir da referência de Moscovisci (1961), de dois momentos distintos da vida dos pescadores, utilizando duas questões instigadoras para essa verificação: Quais as dificuldades na vida e no trabalho antes do ingresso no PROEJA FIC Pesca? E quais as mudanças encontradas na vida e no trabalho após o ingresso no PROEJA FIC Pesca?
A partir das análises observou-se que as dificuldades apresentadas pelos pescadores obstaculizavam o processo de qualificação desses sujeitos, lhes impedindo o exercício prático de sua cidadania. Ou seja, a falta de escolaridade, direito negado, impedia a qualificação e esta é que possibilita o aperfeiçoamento do trabalho. Por outro lado, a implantação do PROEJA FIC remonta uma tentativa de reparação de uma dívida e modifica a vida desses sujeitos. No que tange às mudanças observadas, verificou-se que o PROEJA FIC contemplou as necessidades de qualificação e autonomia dos pescadores, o que ratifica a importância desse programa como instrumento de inclusão e atendimento das camadas vulneráveis e de comunidades tradicionais.
O trabalho de Claro (2014), para o programa de mestrado em Educação, discute a temática da educação escolar nas comunidades tradicionais a partir do estudo de caso da Ilha da Torotama, Rio Grande/RS e questiona os sentidos que a escolarização assume nesses espaços. A autora aponta a necessidade de pensar a escola nas comunidades tradicionais a partir da perspectiva da Educação do Campo, haja vista que o Estado não assume de forma efetiva a educação básica nesses contextos, tampouco aborda a possibilidade de retorno dos sujeitos que tiveram a escolarização negligenciada. Afirma ainda existir uma omissão do poder público frente às demandas da comunidade, pois embora o Estado tenha obrigação de resguardar tais povos, as demandas do mercado prevalecem na dinâmica evidenciada.
Ao reconhecer o espaço das comunidades tradicionais, as quais são constituídas, entre outros povos, por coletivos pesqueiros artesanais, e, ao compreender parte dos sentidos, possibilidades e contradições existentes no âmbito da escolarização nesses espaços, cabe buscar um horizonte que contribua ao processo educativo escolar nesse contexto. Logo, considera-se que pensar a escolarização das comunidades tradicionais a partir da Educação do Campo enquanto concepção de embasamento ao processo educativo torna-se apropriado − compreendendo as potencialidades que essa concepção apresenta e somando esforços para o enfrentamento dos desafios emergentes em sua elaboração (CLARO, 2014, p. 130).
O trecho reforça a ideia de que, ao assumir o horizonte da Educação do Campo, o trabalho desses sujeitos pertencentes às comunidades tradicionais deve ser problematizado, fomentando a construção crítica frente aos desafios impostos pela lógica opressora.
Kaiser (2014), também para o programa de mestrado em Educação, traz como problemática central compreender os processos formadores que entrelaçam as histórias escolares das mulheres pescadoras artesanais da Ilha dos Marinheiros, na Lagoa dos Patos no Rio Grande.
Neste estudo três categorias se tornaram emergentes: a escola do hoje e a escola do ontem - experiências escolares das mulheres pescadoras artesanais; a volta à escola para mulheres pescadoras artesanais: construção de sentimentos de emancipação; O que dizem as mulheres pescadoras artesanais sobre a profissão. Aborda a dimensão da escola como espaço de oportunidades para as mulheres pescadoras artesanais e enfatiza o princípio da Educação Humanizadora como basilar para o desenvolvimento educacional, principalmente na EJA, numa comunidade de pescadores.
Penso que a Educação de Jovens e Adultos deve se constituir com a comunidade a partir dos princípios da educação humanizadora, buscando espaços de discussão em que tenha abertura para a escuta de quem da EJA faz parte, para que compreendam que a responsabilidade pelo acesso a Educação é social, e que um primeiro passo seria a construção de políticas públicas de educação para esta modalidade de educação (KAISER, 2014, p. 160).
Compreende-se, assim, o esforço da autora em enfatizar que o modelo educacional proposto a este público específico, deve considerar o ambiente no qual está inserido, numa perspectiva emancipatória e crítica.
Em seu estudo de mestrado em Educação, Oliveira (2014) problematiza os Programas Educacionais: Rede de Certificação Profissional e Formação Inicial e Continuada (REDE CERTIFIC) e o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, na Formação Inicial e Continuada com Ensino Fundamental (PROEJA FIC); destinados à formação dos pescadores no município de São Borja no Rio Grande do Sul.
Considera que o Estado, visando redimir uma dívida social histórica para com os jovens e adultos excluídos da escola, cria o PROEJA FIC, associado à Rede CERTIFIC, para reconhecer competências profissionais de trabalhadores, jovens e adultos, adquiridas ao longo da vida em processos formais e não formais de ensino-aprendizagem.
A certificação de saberes permite que um profissional que domine determinado ofício, mas não tenha qualquer certificado que comprove a sua qualificação para o desempenho das funções a ele associadas, possa ter as suas habilidades formalmente reconhecidas e certificadas, além de poder receber formação complementar. O processo associa o trabalho à elevação da escolaridade, numa estratégia desenvolvida em parceria entre Ministério da Educação e o Ministério do Trabalho e Emprego (OLIVEIRA, 2014, p. 11).
Oliveira (2014) reafirma ainda a visão de que a escola, com ênfase no currículo escolar, deve preocupar-se de que a aprendizagem parta da realidade do aluno, priorizando um processo de conscientização que permita a transformação social.
Considerar, então, que o currículo é uma construção social, implica em analisar quais serão os conhecimentos considerados válidos, em um dado momento e lugar, que concorrerão para a construção de verdades situadas e temporais. Esse pressuposto possibilita que se articulem elementos para a escolarização dos pescadores, considerando as suas singularidades e as peculiaridades do ambiente social onde vivem. Desta forma, a constituição de um currículo escolar que tem como ponto de partida a realidade do educando, acaba sendo um elemento de transformação social contribuindo para uma sociedade melhor, possibilitando que o aluno forme conceitos diferentes daqueles aprendidos apenas na vida cotidiana (OLIVEIRA, 2014, p. 50).
Analisando o curso de PROEJA FIC pesca e agricultura no município de Manoel Viana no Rio Grande do Sul, Garcia (2015) conclui o mestrado em Educação. A pesquisa tinha como objetivo entender os motivos da evasão escolar e concluiu que entre os problemas causadores do alto índice de evasão estavam os processos de concepção e implantação do curso, a seleção dos alunos e as informações necessárias a todos os sujeitos envolvidos, desde os alunos, professores e equipe diretiva da escola. Além disso, a autora apresenta uma proposta de intervenção com vistas a contribuir qualitativamente para a permanência dos pescadores na escola, cujo objetivo era:
Promover formação junto à Secretaria Municipal de Educação, Escola Alberto Pasqualini e Associação de Pescadores para a reorganização do curso sob a perspectiva do sujeito trabalhador, de forma que novos cursos não venham a sofrer com a evasão escolar (GARCIA, 2015, p. 61).
Dessa forma, a partir dos resultados apontados pela pesquisa, que identificavam os motivos da evasão escolar, foi construído e aplicado um projeto de intervenção que buscou atuar diretamente nas áreas onde os problemas foram apontados, com o intuito de modificar de maneira positiva esses índices. Segundo a autora o projeto teve impacto positivo, pois deu à Secretaria de Educação a visão de que é preciso conhecer as bases legais que regem esses cursos e discuti-las com as equipes diretivas das escolas e seus respectivos professores.
Miranda (2015), para o mestrado em Educação em Ciências, fez a análise sobre: “Os Saberes Matemáticos no Cotidiano dos Pescadores Artesanais das Comunidades Tradicionais de Pesca da Cidade de Rio Grande (RS)”, defendendo a teoria da Etnomatemática, que se preocupa com os saberes contidos nas vivências dos sujeitos; no caso pesquisado, os saberes oriundos da pesca. Essa valorização da cultura e dos saberes favorece a discussão a respeito da matemática a partir da realidade em que vivem. Na mesma perspectiva, a Educação Popular tem entre suas concepções a valorização das diferentes culturas, da educação como um ato político e de transformação social. É uma pesquisa de cunho qualitativo tendo como principal objetivo compreender as relações existentes entre os saberes matemáticos vivenciados pelos pescadores em seu cotidiano com os saberes construídos em sala de aula. Como método de coleta de dados utilizou-se da construção de narrativas e rodas de conversas. Como método de análise dos dados, utilizou-se da Análise Textual Discursiva (ATD) proposta por Moraes e Galiazzi (2007), originando nesse processo as categorias emergentes: "A Matemática nos Espaços de Pesca" e "Influências no Processo de Construção de saberes". Como resultado da pesquisa apontam-se as principais reflexões:
O presente trabalho mostrou que o sistema educacional privilegia uma cultura matemática distante daquela praticada pelos sujeitos da pesquisa, mas que sofreu influências do processo de escolarização. Também que os pescadores, embora citando exemplos simples, percebem a presença da matemática no seu cotidiano. No que tange aos conceitos mais complexos da área da matemática, percebemos algumas dificuldades na relação desses com situações da vida cotidiana. Os sujeitos visualizam na matemática, a oportunidade de entender o mundo em seu redor, como sendo uma disciplina aplicada no seu contexto (MIRANDA, 2015, p. 11).
Barros Júnior (2016), na dissertação para o mestrado em Educação, investigou a relação entre a educação informal e a manutenção da pesca artesanal e do modo de vida dos pescadores na Colônia de pescadores Z-9 em São José da Coroa Grande, cidade do litoral sul pernambucano. Utiliza-se da metodologia da história oral, explorando categorias como trabalho artesanal, economia solidária, economia popular e educação informal. Os dados coletados foram transcritos e analisados, o que lhe permitiu concluir que a identidade dos pescadores é essencialmente discursiva, construindo ou perdendo potência política na medida de sua capacidade de não se deixar enredar pelas lógicas sociais dominantes, hegemonizadas pelos interesses do capital e, especificamente falando, da pesca industrial.
Em 2018, para obtenção do título de mestre em Educação e Desenvolvimento Humano, Gama desenvolveu pesquisa para identificar as representações sociais dos docentes sobre seus alunos caiçaras em uma Vila de Pescadores no município de Ubatuba, São Paulo. Afirma que é possível perceber que existe preocupação por parte da escola municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental I em articular os conhecimentos curriculares aos conhecimentos da comunidade tradicional. Gama percebeu ainda que as professoras convivem diariamente com as peculiaridades do caiçara, em sala de aula; assim, assuntos como a pesca, as marés, os barcos, as aventuras dos pais pescadores se misturam e, ao mesmo tempo, afrontam os conhecimentos pré-estabelecidos nos programas oficiais. Essa situação exige que as docentes adaptem ao contexto caiçara às suas práticas pedagógicas, tornando ensinável os objetos do conhecimento científico.
Identificamos que para as professoras, o aluno caiçara é um sujeito com atributos que o diferenciam de outros grupos sociais “de fora” da comunidade pesqueira. O mar, a pesca, o artesanato, a curiosidade, a linguagem além de serem marcas identitárias dos sujeitos caiçaras, também compõem o repertório de representações das professoras a respeito de seus alunos. Evidenciamos também que não é uma tarefa fácil desmoronar as fronteiras dos conhecimentos curriculares para também ceder lugar aos saberes do fazer docaiçara. As participantes da pesquisa demonstraram que há manifestações favoráveis para mesclar os saberes da escola e os saberes do cotidiano, no entanto ainda encontram dificuldades para que a cultura caiçara ocupe de forma efetiva as salas de aula, permitindo uma cultura escolar que considere os saberes não descritos no currículo oficial e, assim, destacando que a escola tem papel importante nesse movimento (GAMA, 2018, p. 113).
Dessa forma, Gama (2018) endossa a expectativa de que os saberes da profissão docente, embora subsidiados pelos conhecimentos teóricos aprendidos na universidade, não se resumem somente ao acúmulo das teorias. Para o exercício da docência, outros saberes são incorporados à prática, por vezes, baseados nas representações dos que convivem no espaço escolar.
Galdino (2010) realizou a pesquisa “Educação e movimentos sociais na pesca artesanal: o caso da Prainha do Canto Verde, no litoral cearense”, para obtenção do título de doutorado em Educação Brasileira. Preocupou-se em investigar o papel do movimento social da Prainha do Canto Verde no processo educativo das comunidades tradicionais de pescadores artesanais. Desenvolveu estudo de caráter qualitativo, fundamentado em um estudo de caso descritivo, qualitativo explicativo, com concepções etnográficas e da pesquisa ação. Através da pesquisa desenvolvida, o autor afirma que o caráter educativo existente no movimento social da Prainha possui como eixo central a mobilização e a organização comunitária, tendo como base a Pedagogia Libertadora de Paulo Freire, o que traz um caráter politizado à prática educativa. O resultado dessa ação é traduzido pelo elevado grau de conscientização, formação política e cidadã a que chegaram os pescadores.
Lemos (2014) em sua tese “Pescador não quer essa escola: representações sociais em área de conflito de território”, para o doutorado em Educação, publicada em parte em formato de livro, conforme explicitado anteriormente, teve por objetivo investigar as representações sociais que trabalhadores da pesca artesanal de Atafona, distrito do município de São João da Barra/RJ, constroem sobre a escola. A pesquisa foi realizada em área de conflito de território, devido à construção do porto do Açu, pela empresa LLX, no local onde se situa o maior pesqueiro da região.
A autora afirma que o empreendimento “expulsou” os pescadores de seu lugar de trabalho, de onde retiram sua sobrevivência, expropriando-os de sua vida, tecida na pesca, o que, segunda ela, ameaçou a pesca artesanal naquele local e lhes impôs a escola por meio de projeto de compensação ambiental.Pelo perfil de baixa escolaridade ou analfabetismo, os pescadores se inserem como sujeitos da Educação de Jovens e Adultos (EJA). A pesquisa utiliza o recurso teórico metodológico das Representações Sociais optando pela abordagem processual de Serge Moscovici e de Denise Jodelet e se configura como estudo do tipo etnográfico que utilizou vários instrumentos: observação participante, análise de documentos, questionário socioprofissional, entrevista semiestruturada e técnica do grupo focal, no intuito de melhor apreender as representações daqueles trabalhadores da pesca. O resultado da pesquisa trouxe a seguinte abordagem:
Entre os pescadores, as representações sociais se objetivam no pensamento que “escola ameaça a pesca, pescador que defende a pesca não quer a escola”. Entre as mulheres, que devido ao ciúme de seus maridos ficam impedidas de frequentar a escola, suas representações se objetivam nos seguintes termos: “mulher de pescador não pode ir à escola”. Ambos os grupos ancoram suas representações sociais de escola no termo: “não lugar”. Dentre as contribuições do estudo está a relevância da pesquisa em representações sociais quando da propositura de ações educativas a grupos da sociedade e a importância da “escuta” desses grupos na formulação de modelos e organizações de escola (LEMOS, 2014, p. 6).
Souza (2015)realizou pesquisa para o curso de doutorado em Educação, e interessou-se por investigar a realidade socioeducacional da juventude ribeirinha do município de Belém, com o objetivo de analisar a experiência da Casa Escola da Pesca, uma escola pública vinculada à Fundação Centro de Referência em Educação Ambiental Escola Bosque Professor Eidorfe Moreira, situada na Ilha de Caratateua, estado do Pará. Para tanto, utilizou-se dos recursos metodológicos de pesquisa de campo e documental.
Explica que os sujeitos que habitam essa parte do território amazônico pertencem a uma população tradicional da Amazônia Paraense, os ribeirinhos, que vivem da atividade produtiva da pesca e do extrativismo de outros recursos naturais. A autora afirma que esse grupo historicamente enfrenta dificuldades cotidianas relativas ao acesso e permanência nas escolas, entre as principais dificuldades, destaca: a falta de energia elétrica, de água encanada e saneamento, precariedade do transporte fluvial, sazonalidade das marés e o insuficiente número de estabelecimentos escolares com oferta para todos os níveis da educação básica (SOUZA, 2015).
Ao analisar a Casa Escola da Pesca no que tange à atuação na modalidade da Educação de Jovens e Adultos em Tempo Integral, a Educação Profissional em Pesca e Aquicultura, constata que a metodologia adotada pela escola segue a proposta da Pedagogia da Alternância, sendo esta escola pioneira na totalidade das escolas públicas de Belém a trabalhar com este referencial metodológico.
Enfatiza a relevância deste tipo de metodologia pedagógica para melhor contextualização do conhecimento. Conforme infere:
A Casa Escola da Pesca ao articular conhecimento sistematizado aos saberes e experiências tradicionais da pesca artesanal atua no sentido do alcance ao empoderamento econômico, político e sociocultural de seus atores sociais” (SOUZA, 2015, p. 10).
Concluiu que a multidimensionalidade do trabalho educacional na proposta da Pedagogia da Alternância contribui significativamente para assegurar o direito à escolarização básica com qualificação profissional, ao se inserir nas comunidades ribeirinhas onde residem os jovens e suas famílias.
Para obter o título de doutor em Educação em Ciências e Matemáticas, Assunção (2016) desenvolveu trabalho que também analisou a Casa Escola da Pesca. Por meio de aportes conceituais da Teoria Antropológica do Didático e da Etnomatemática, busca trazer para a área da Educação algumas percepções de correlações teórico-práticas entre a Educação Matemática e Educação do Campo.
O autor defende a visão de que, de maneira geral, as instituições de ensino imprimem nos sujeitos formas de pensar e agir fazendo com que determinadas práticas uma vez estruturadas, tornem-se interiorizadas, legitimadas, enraizadas, reproduzidas e perpetuadas. Pondera que a Casa Escola de Pesca, ao adotar os pressupostos indicados pela Educação do Campo, o faz apenas nas dimensões pedagógica e política e não didática. Conforme afirma:
A pedagogia ao participar das decisões nas escolhas dos conteúdos de ensino, condiciona a presença de objetos matemáticos no currículo escolar, a nosso ver, desnecessários nas práticas sociais dos sujeitos; e desconectados do uso cotidiano, inclusive na atividade de pesca exercida pelos alunos da escola. Isto é, a organização praxeológica do saber matemático fica, às vezes, em detrimento do saber escolar tradicional e engessada pelas indicações do professor de matemática ou das práticas pedagógicas curriculares a serem cumpridas (ASSUNÇÃO, 2016, p. 173).
Ao longo do estudo, Assunção (2016) tece compreensões de que as Práticas Sociais com Matemáticas podem se constituir em uma abordagem importante e necessária para compreender relações e influências de forças institucionais no funcionamento ou não de objetos de saberes matemáticos.
Oliveira (2016) desenvolveu trabalho para o programa de doutorado em Tecnologia. Estudou a Política Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, sob a perspectiva das alunas egressas em 2013 do Curso Técnico em Pesca PROEJA a Distância. Utiliza-se da perspectiva do materialismo histórico e usa como metodologia o paradigma interpretativo com o olhar na contradição.
A tese que defendo é de que o projeto de política do PROEJA, na opinião das pescadoras entrevistadas, inclui, mas essa inclusão não acontece na perspectiva de uma formação integrada humanizadora e libertadora, porque em uma sociedade capitalista que não valida a diferença só reconhece o seu igual padronizado e assim deve ser nesta lógica para que se perpetue sem conflitos insubordinado dos que se libertam da cultura hegemônica e questionam seu direito de si como classe, grupo, coletivo. Para que este projeto torne-se uma possibilidade real em tempo menos alargado de transformação social se efetive é necessário que se transforme em política de estado, que reconheça concretamente que a massa não é uniforme, que possui diferenças, que a ação não é compensatória é um direito, que a escola vá onde estejam os sujeitos que dela necessitem (OLIVEIRA, 2016, p. 182).
Assim, questiona o basilar da posposta política do PROEJA que é a inclusão, inferindo que uma política educacional nunca vai alcançar de fato seu objetivo de possibilitar a todos o acesso ao conhecimento, se esse basilar não fizer parte do projeto político de estado.
Em síntese, através das análises dos trabalhos de conclusão de curso em níveis de graduação, mestrado e doutorado é possível compreender a importância da ação educativa como instrumento de transformação social, abordando o caráter relevante que a educação apresenta independente de classe/grupo social, etnia, gênero, entre outros fatores. Além da garantia do acesso dos/as pescadores/as à escola também se faz necessário garantir-lhes a permanência, o que se traduz em práticas contextualizadas que levem em conta os saberes produzidos no dia a dia desses trabalhadores/as.
Análise crítica das publicações elencadas
Vale reafirmar que esse estudo configurou-se a partir da perspectiva metodológica de Romanowski e Ens (2006), portanto não se restringe apenas a identificar as publicações, mas analisá-las e categorizá-las com o objetivo de revelar os múltiplos enfoques. Para tanto, as publicações abordadas foram organizadas conforme a natureza de publicação, destacando-se: livros, artigos e trabalhos de conclusão de curso.
A partir dessa organização é possível verificar que o tema em pauta não é exclusivo dos programas em Educação, embora, estes sejam proeminentes, já que, por exemplo, dos 18 (dezoito) trabalhos de conclusão de curso, 13 (treze) são específicos da área de Educação, sendo os outros 5 (cinco) das áreas de Ciências e de Tecnologia.
É possível perceber ainda que existe uma correlação entre as publicações discutidas que pode ser constatada a partir das situações descritas abaixo:
Sobre os livros publicados, conforme indicam Galdino (2014) e Lemos (2016), estes são resultado dos estudos realizados para a tese de doutorado, em 2010 e 2014 respectivamente;
Galdino (2014) enfatiza o papel da educação como ato político e valioso instrumento na transformação social quando contextualizada e portadora do protagonismo dos sujeitos nela envolvidos. Já Lemos (2016), atesta que a escola nem sempre preocupa-se com o atendimento às diferentes demandas e no caso específico da pesca, a escola acaba por não valorizar os saberes advindos desse contexto, o que gera evasão escolar.
Uma análise crítica permite entender que os autores evidenciam a relevância da escola enquanto instituição formativa responsável pela socialização do saber sistematizado, no atendimento às diversas características do contexto social, neste caso, especialmente as demandas geradas pelo contexto da pesca. Atestando assim, o que prevê a legislação educacional, Lei nº9394/96, no que rege sobre o direito à educação escolar, reforçando o entendimento de que esta é de competência da escola, contudo as instituições escolares não podem estar alheias ao conhecimento do contexto social no qual estão inseridas.
A respeito, a legislação citada reconhece que a educação acontece nos mais variados ambientes, privilegiando, (BRASIL, 1996): a vida familiar, a convivência humana, o trabalho, as instituições de ensino e pesquisa, os movimentos sociais e organizações da sociedade civil e as manifestações culturais.
Os autores dos livros mencionados nesta seção reforçam ainda o entendimento de Gohn (2006), de que a educação formal acontece no ambiente escolar e possui currículo próprio com conteúdo previamente definido.
Sobre os artigos publicados foi observado que existe uma frequência entre os autores: Claro, Miranda e Pereira. Claro e Pereira escreveram juntos dois artigos nos anos de 2013 e 2016, assim como Miranda e Pereira também produziram juntos dois artigos nos anos de 2017 e 2018. Isso deve-se ao fato de que Pereira foi a orientadora do trabalho de mestrado de Claro e coorientadora do trabalho de mestrado de Miranda, o primeiro para o programa de pós-graduação em Educação e o segundo para o programa de pós-graduação em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde, ambos na Universidade Federal do Rio Grande.
As discussões abordadas nos artigos de Claro, Miranda e Pereira (2013 e 2016) atestam para a relevância de que a escolarização de pescadores deve ser pensada a partir das perspectivas da “Educação do Campo” e “Educação Popular”.
Partindo do entendimento de Pires (2012) a definição do campesinato abarca três elementos que estão estritamente relacionados: o acesso à terra para a produção; trabalho familiar; e constituição de unidade de consumo e produção. Nesse sentido, pensar uma educação junto a esses grupos exige compreender os processos particulares das populações do campo, a fim de que se possa reconhecer tais especificidades e fomentar a postura crítica nesses contextos.
Com respeito à Educação Popular, os autores baseiam-se em Brandão (2006) e Freire (2002). Consideram que tal educação é uma construção junto às camadas populares, a partir de seu contexto com o propósito de transformação política e social, tendo como foco a disputa pelo exercício à cidadania. Neste sentido, “A educação Popular, postula, então, o esforço de mobilizar e organizar as classes populares com o objetivo de conceber um poder popular” (FREIRE, 2002 p. 51). Com isso o empoderamento dos sujeitos proporciona mudanças significativas, dessa forma, a educação popular é necessariamente emancipatória.
Os artigos de Miranda e Pereira (2017 e 2018) tratam da educação matemática no contexto da pesca artesanal. Aos autores enfatizam a ideia de que os saberes matemáticos contidos nas vivências dos sujeitos não podem ser negados pela escola. Afirmam ainda que a valorização desses saberes favorece a discussão acerca da construção do conhecimento a partir da realidade em que vivem. A Educação Matemática é vislumbrada, assim como um conjunto de estratégias e ações, definidas e desenvolvidas por um coletivo a partir das experiências de cada sujeito e com auxílio do educador, contrapondo-se à esfera da produção científica de Matemática, como campo de uma postura técnica tendencialmente conservadora quanto ao ensino e à aprendizagem.
Nesse sentido, cada indivíduo, ao pensar em matemática, logo, remete-se a cálculos e a processos educativos formais. No entanto, os autores demonstram que as grandes criações na matemática foram motivadas pela necessidade de respostas a um determinado grupo, em um determinado período histórico. Assim, entender como a matemática se constitui, sem estar imerso no ambiente e/ou na problemática motivadora, poderá acarretar dificuldades no processo de compreensão.
Os trabalhos de conclusão de curso de: Araújo (2018), Freire (2012), Garcia (2015), Jesus (2013), Kaiser (2014), Lemos (2014), Oliveira (2014), Oliveira (2016) e Philippsen (2019); bem como o livro de Lemos (2016) e o artigo de Silva (2019) tratam a temática “Escolarização de Pescadores”, especificamente na perspectiva da “Educação de Jovens e Adultos” e “Educação Profissional”, assim abordam programas como: Rede CERTIFIC e PROEJA. Vale ressaltar que a EJA é ainda mencionada por outros autores que, no entanto, não a tratam como objeto principal de análise.
A partir desses trabalhos nota-se a relevância da modalidade educacional da Educação de Jovens e Adultos (EJA), estabelecida a partir da legislação nº9394/96. O artigo 37, da referida legislação, aponta que:
A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos nos ensinos fundamental e médio na idade própria e constituirá instrumento para a educação e a aprendizagem ao longo da vida” (BRASIL, 1996).
A EJA é, portanto, um caminho para retomada a escolarização por parte da população que não teve acesso à educação formal na idade apropriada.
Sobre os trabalhos que tratam a questão das mulheres na pesca artesanal, é importante destacar que todos tem mulheres como autoras ou principais autoras.
Foram encontrados: um livro, o qual, apesar de não ter o gênero como categoria central do estudo, possui um recorte sucinto para discorrer sobre a questão feminina, e uma tese para o Doutorado em Educação da mesma autora, Lemos (2016). Os outros dois trabalhos consistem em um artigo científico de: Lopes; Amaral; Huguenin; Belo e Souza (2019) e uma dissertação para o Mestrado em Educação de Kaiser (2016). Dessa forma, configura-se um total de quatro trabalhos que abordam de maneira significativa a temática dos aspectos educacionais e escolarização de mulheres na pesca artesanal.
É possível perceber, a partir da leitura e análise desses trabalhos, que há certa resistência ao modelo de escola existente, de tendência mais tradicional, por parte de homens e mulheres, o que configura, em muitas comunidades tradicionais pesqueiras, um baixo índice de escolarização. Contudo, dentre as dificuldades pertinentes à participação das mulheres na educação formal, encontram-se, por exemplo, as múltiplas tarefas por elas desempenhadas.
Existe uma frequência de regiões onde são realizados os dezoito trabalhos de conclusão de curso mencionados, a saber: Pará na região Norte com três trabalhos, totalizando 17%; Ceará na região Nordeste com dois trabalhos, totalizando 11%; Rio de Janeiro na região Sudeste, também com dois trabalhos, totalizando 11% e Rio Grande do Sul na região Sul, com a maior frequência, apresentando 6 trabalhos, totalizando 33%. Os demais 28% das publicações estão nos estados da Paraíba, Bahia, Pernambuco, São Paulo e Paraná, cada estado possui uma publicação, mostrando uma certa dispersão na temática.
Apenas um trabalho aborda as representações sociais dos docentes sobre seus alunos pertencentes a comunidades de pescadores (GAMA, 2018).
Esta informação se destaca dada a relevância do assunto para se entender como os professores percebem seus alunos e como estabelecem a relação para tornar possível o processo de aprendizagem, chamando a atenção para possíveis estudos futuros que venham abordar o tema. Gama (2018) reafirma a expectativa de que os saberes da profissão docente são subsidiados pelos conhecimentos teóricos aprendidos na universidade, mas para o exercício da docência, outros saberes são incorporados à prática, baseados no conhecimento dos que convivem no espaço escolar.
Dois trabalhos de conclusão de curso abordam especificamente uma área do conhecimento - a matemática, o trabalho de Miranda (2015) e Assunção (2016). Ambos tratam da relação da pesca com a matemática e apontam a importância de se relacionar o conteúdo previsto no currículo escolar ao contexto dos alunos.
Entre as metodologias adotadas nos estudos, apenas um trabalho tem abordagem historiográfica, o de Caminha (2019). No restante dos vinte e nove trabalhos há destaque para os estudos qualitativos, com entrevistas, pesquisa participante, história oral de vida, entre outros.
Este dado demonstra que os pesquisadores ainda preferem que a investigação parta do conhecimento do ambiente a ser pesquisado, ou seja, preferem conhecer de perto as comunidades e os povos aos quais dedicam seus estudos.
Conclusão
Este trabalho, realizado com o intuito de mapear as obras bibliográficas acerca do tema “escolarização de pescadores/as” nos últimos 10 anos, explicita as lacunas existentes para esta área do conhecimento que se faz relevante, visto a vasta quantidade de territórios pesqueiros existentes no Brasil e sua significativa taxa de analfabetismo. Reafirmando os dados de Alencar e Maia (2011), o Brasil possui 56.218 pescadores analfabetos, constituindo este o dado mais atualizado ao qual esta pesquisa teve acesso, devido à escassez de trabalhos que analisam dados sócio econômicos e educacionais dos/as trabalhadores/as vinculados à pesca artesanal desde uma perspectiva que abranja todo o território nacional. Ainda segundo estes autores, essa baixa escolaridade pode ser responsável pela ineficácia na aplicação das políticas públicas pesqueiras.
Sob a ótica freiriana, cabe destacar que o caminho para a escolarização de pescadores/as requer a contextualização dos saberes tradicionais de acordo com cada cultura e região. Dessa forma, a escola precisa identificar as necessidades das comunidades nas quais se insere, para suscitar maior interesse e provocar a permanência dos sujeitos.
A instituição escolar deve se atentar, por exemplo, para a construção de um currículo que respeite e trabalhe os diversos aspectos existentes dentro das diversidades socioculturais e ambientais locais. Conforme prevê ainda a perspectiva teórica da “Educação do Campo” é necessário disponibilizar diversos meios pedagógicos que respeitem e valorizem as principais características das comunidades tradicionais, de maneira a priorizar um ensino que vise o desenvolvimento da consciência crítica que leva à emancipação do sujeito.
É possível perceber também dentro dos limites do trabalho, que o campo de estudo que aborda a “escolarização de pescadores/as" está em crescimento.No entanto, ainda não demonstra grande volume de publicações, em especial, publicações que abordem a questão educacional de mulheres inseridas na atividade pesqueira, visto o reduzido número de publicações, apenas três envolvendo este cenário dentre as publicações levantadas nesta pesquisa.
Ao observar o ano de publicação dos trabalhos encontrados no decorrer da pesquisa, é possível perceber que a partir do ano de 2014 há um acréscimo no número de bibliografias publicadas, o que demostra um possível aumento no interesse pelo tema em questão. Este fator revela que, nos últimos 6 anos, o cenário de escassez mencionado vem sendo modificado de maneira positiva, embora ainda haja muito o que avançar para cada vez mais desvendar este campo que se constitui demasiadamente importante nos meios social e acadêmico.
Outro dado relevante examinado a partir das análises dos trabalhos aqui expostos é que dentre as abordagens teórico/metodológicas adotadas duas tiveram especial destaque: História Oral e Representações Sociais. Isso permite constatar que essas perspectivas são um caminho eficaz para o trabalho que busca captar a maneira como os sujeitos de um determinado grupo social pensam e agem cotidianamente segundo as representações que criam sobre os objetos da vida social. Dessa forma, a partir dessas abordagens teórico/metodológicas, entende-se ser possível acessar os conteúdos cognitivos dos sujeitos pesquisados e, consequentemente, desvendar suas percepções.














