Introdução
Apesar de não ser pretensão do presente estudo aprofundar-se nas teorias de currículo, as quais, por sinal, apresentam questões bastante complexas (YOUNG, 2014), cumpre reconhecer alinhamento com a perspectiva crítica de currículo (SACRISTÁN, 2000; LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2012; YOUNG, 2013; YOUNG, 2014), em detrimento de ideias mais tradicionais, de cunho tecnicista.
Nesse sentido, acredita-se que o currículo escolar vivenciado nas instituições escolares não representa o restrito cumprimento das prescrições governamentais na medida em que, mesmo sendo influenciado pelas políticas curriculares globais e locais, também sofre interferência do contexto sócio-histórico-cultural em que se insere e passa pela interpretação dada pelos sujeitos que o experienciam (SACRISTÁN, 2000; LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2012; MELO; ALMEIDA; LEITE, 2018).
Trata-se, segundo Young (2013), de compreender o currículo como o conjunto de conhecimentos especializados a que os estudantes têm direito, referente ao "conhecimento poderoso", enquanto conhecimento escolar que se diferencia do conhecimento cotidiano, relativo ao melhor conhecimento disponível em cada campo do conhecimento, sem deixar de reconhecer a característica falível e não estática da produção do conhecimento e da ciência. Desse modo, o currículo deve ser considerado como
um objeto de prática e reflexão que opera dentro de dois tipos de restrições: de um lado, as do poder e da política; e, de outro, as restrições epistemológicas, segundo as quais, independentemente da distribuição do poder, a maneira pela qual o conhecimento é “selecionado, organizado e sequenciado” (para usar a conhecida frase de Bernstein) tem consequências para quem aprende e para o que se aprende na escola (YOUNG, 2013, p. 234).
Assim, as práticas curriculares, foco do presente estudo, constituem a materialização do currículo escolar, correspondendo ao currículo vivido/praticado nos contextos escolares, influenciadas tanto pelo currículo prescrito oficialmente, pelas políticas curriculares, como pelas escolhas do professor e pelas demais práticas escolares (MELO; ALMEIDA; LEITE, 2018), uma vez que o currículo se constitui pela interseção de diversas práticas (SACRISTÁN, 2000).
Portanto, as práticas curriculares e pedagógicas se dão "em torno do currículo" (SACRISTÁN, 2000, p. 26), sendo "entendidas como as ações envolvidas na elaboração e implementação de currículo" (LUNARDI, 2018, p. 4).
Assim, no Brasil, são prescritas algumas políticas curriculares para o contexto de Educação Inclusiva (EI) (BRASIL, 1996; 1998; 2001; 2008; 2009; 2015), as quais são decorrentes de acordos mundiais (UNESCO, 1990; 1994; BRASIL, 2009) e se manifestam em diversificadas práticas curriculares inclusivas. Segundo Sacristán (2000), as políticas curriculares representam
Um aspecto específico da política educativa, que estabelece a forma de selecionar, ordenar e mudar o currículo dentro do sistema educativo, tornando claro o poder e a autonomia que diferentes agentes têm sobre ele, intervindo dessa forma, na distribuição do conhecimento dentro do sistema escolar e incidindo na prática educativa, enquanto apresenta o currículo a seus consumidores, ordena seus conteúdos e códigos de diferentes tipos. (SACRISTÁN, 2000, p. 109).
Nesse sentido, diversos termos e conceitos têm sido comumente empregados em estudos brasileiros sobre práticas curriculares direcionadas a estudantes público da Educação Especial (EE) sem, contudo, representarem algum consenso em torno do tema (ARAÚJO, 2019; PIRES; MENDES, 2019; OLIVEIRA et al., 2022).
Sobre esse aspecto, o estudo de Araújo (2019, p. 28) registra que, "ao buscar na literatura específica pesquisas sobre as mudanças que se fazem necessárias no currículo escolar para que a instituição se torne mais inclusiva", encontra-se a utilização de diferentes termos pelos autores, como: adaptação/adequação/flexibilização curricular, adaptação razoável, diferenciação curricular, acessibilidade curricular, entre outros.
O uso de nomenclaturas diferenciadas tem representado algumas interpretações teóricas diversificadas no campo da EI, o que tem sido reforçado pelas políticas curriculares voltadas para o público da EE que também têm empregado termos diversos, com textos pouco objetivos e esclarecedores (PIRES; MENDES, 2019; ARAÚJO, 2019).
De acordo com Xavier (2018, p. 50), essa falta de padronização de "conceitos referentes ao currículo, para os alunos público-alvo da Educação Especial, não contribui em nada para a compreensão da proposta educacional inclusiva".
Numa análise da trajetória das nomenclaturas utilizadas nas normativas relativas às políticas de EE, realizada por Araújo (2019, p. 40), foram identificados quatro momentos que se sucederam na construção e conceituação dos termos: "(1) introdução de adaptações curriculares, (2) substituição por adequações, (3) complementação com flexibilizações e (4) deslocamento com os termos acessibilidade curricular e adequações razoáveis".
Segundo Garcia e Michels (2018, p. 54-55), é possível observar, tanto nas políticas de EE como na produção acadêmica da área, um deslocamento do "currículo individualizado", enquanto aquele proposto na perspectiva da segregação/integração (anos 1970 e 1980), para a "individualização do currículo", já numa perspectiva de inclusão (anos 1990 aos dias atuais).
As autoras constatam que, na perspectiva atual de individualização do currículo, diferentes conceitos são apresentados nas discussões curriculares, mas tanto as políticas como as produções acadêmicas consultadas defendem "um currículo comum que deve ser acessado individualmente" e a "natureza não substitutiva da educação especial, uma perspectiva inclusiva e um enfoque educacional e escolar" (GARCIA; MICHELS, 2018, p. 63).
Apesar das constantes alterações de termos relativos ao currículo escolar na EI, tais ações não têm sido acompanhadas de avanços nas práticas pedagógicas (XAVIER, 2018).
Contudo, independentemente da nomenclatura, ações e ajustes que incidam no currículo regular e nas práticas curriculares para possibilitar aprendizagens por parte de estudantes público da EE constituem seu direito. E, apesar de, contraditoriamente, não estarem previstas no documento mais recente e de referência para práticas curriculares de âmbito nacional, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2018), a qual não apresenta subsídios que ampare a EE (SANTOS; OBANDO; CAVALCANTI, 2021), possuem sustentação em diversos outros dispositivos legais.
Tais ações/ajustes curriculares são amparados na Constituição Federal (BRASIL, 1988) que, no seu artigo 208, garante o atendimento educacional especializado às pessoas com deficiência, e na Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), da qual o Brasil é signatário, que orienta que os sistemas de ensino inclusivos devem responder às necessidades dos estudantes com deficiência, considerando as diferentes formas e ritmos de aprendizagem e garantindo, entre outras condições, estratégias e currículo apropriado.
Respaldam-se, ainda, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), que, no artigo 59, prevê que os sistemas de ensino deverão assegurar aos estudantes público da EE "currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades" (BRASIL, 1996); além dos artigos 24 da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (BRASIL, 2009) e 28 da Lei Brasileira de Inclusão (LBI) (BRASIL, 2015), os quais preveem o atendimento especializado, com medidas de apoio e adaptações razoáveis, de acordo com as necessidades individuais e características dos estudantes com deficiência, de modo a garantir o seu acesso ao currículo.
Nesse sentido, o presente estudo se propõe a examinar alguns dos diversos termos/conceitos, relacionados às práticas curriculares, que têm sido adotados no âmbito da EI, e suas repercussões para os processos de ensino e de aprendizagem de estudantes público da EE.
Para tanto, ampara-se numa abordagem qualitativa (MINAYO, 2015), pela via do estudo bibliográfico não sistemático, enquanto revisão narrativa de literatura que se desenvolveu, basicamente, pela análise de artigos científicos mais atuais, que versam sobre a temática (disponíveis na base de dados do Google Acadêmico), de legislação e atos normativos que instituem e/ou regulamentam as estratégias curriculares foco do estudo, por meio de um processo de interpretação e reflexão crítica (ROTHER, 2007).
Desse modo, buscou-se estabelecer relações entre as prescrições iniciais das políticas curriculares inclusivas brasileiras e as discussões acadêmicas mais atuais.
Adaptações curriculares
A adoção do termo adaptação curricular, no contexto da EE no Brasil, não configura novidade, e, conforme observam Pires e Mendes (2019, p. 395), "grande parte das políticas construídas para esse fim, entre os anos 1990 até os dias atuais, são decorrentes de acordos mundiais", como a Declaração de Salamanca (UNESCO,1994).
Trata-se, segundo Araújo (2019), de um termo ainda em construção e apreensão, pois vem passando ao longo do tempo por alterações que incidem na sua nomenclatura e compreensão.
A operacionalização da EE e Inclusiva pelos sistemas de ensino, prescrita nas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001), prevê, entre outras coisas, a realização de
flexibilizações e adaptações curriculares, que considerem o significado prático e instrumental dos conteúdos básicos, metodologias de ensino e recursos didáticos diferenciados e processos de avaliação adequados ao desenvolvimento dos alunos que apresentam necessidades educacionais especiais (BRASIL, 2001, p. 22).
O conceito de adaptações curriculares, enquanto orientação inicial de política/prática curricular inclusiva brasileira, ganhou destaque no país, especialmente, a partir da publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs): adaptações curriculares (BRASIL, 1998), constituindo-se estratégias educacionais necessárias perante as dificuldades apresentadas pelos estudantes público da EE. Pressupõe-se que, quando necessário, seriam realizadas adaptações do currículo regular, de modo a "torná-lo apropriado às peculiaridades dos alunos com necessidades especiais. Não um novo currículo, mas um currículo dinâmico, alterável, passível de ampliação, para que atenda realmente a todos os educandos" (BRASIL, 1998, p. 33).
Nesse sentido, as adaptações curriculares são justificadas pelo entendimento de que
cada aluno tem peculiaridades específicas e especiais, e que para atendê-las temos, às vezes, que fazer ajustes e adaptações no currículo regularmente proposto para os diferentes níveis da escolaridade, de forma a garantir as condições (respostas educacionais) que lhes são necessárias para acessar o conhecimento disponível como qualquer um de seus demais colegas (ARANHA, 2000, p. 7).
Logo, as adaptações curriculares se apresentam como uma prática curricular alinhada à perspectiva inclusiva, como forma de efetivação da inclusão escolar (HEREDERO, 2010), em superação às perspectivas anteriores de segregação e integração, na medida em que "focalizam as capacidades, o potencial, a zona de desenvolvimento proximal1 (nos termos de Vygotsky) e não se centralizam nas deficiências e limitações do aluno, como tradicionalmente ocorria" (BRASIL, 1998, p. 38).
Segundo Oliveira et al. (2022, p. 209), o fato de que os estudantes, em geral, não aprendem da mesma forma demarca, principalmente no contexto de EI, a necessidade "de que os componentes curriculares sofram adequações para que todos possam desses se apropriar". Assim, as adaptações curriculares contribuem "na democratização (execução) dos conteúdos curriculares aprendidos por alunos com ou sem deficiência" (OLIVEIRA et al., 2022, p. 209).
Referem-se, então, a medidas pedagógicas que podem ocorrer em diversos âmbitos: no projeto pedagógico da escola (currículo escolar), na sala de aula e nas atividades (no currículo desenvolvido ou no plano de ensino) e, "somente quando absolutamente necessário, aplicam-se ao aluno individualmente" (BRASIL, 1998, p. 59). Por isso, "não devem ser entendidas como um processo exclusivamente individual ou uma decisão que envolve apenas o professor e o aluno" (BRASIL, 1998, p. 40).
Observa-se, ainda, que, em sua proposição inaugural, as adaptações curriculares foram planejadas para duas possibilidades de implementação, uma mais ampla, sem intervenção direta no currículo regular: as adaptações de pequeno porte ou não significativas; e outra mais restrita, que intervém diretamente no currículo regular: as adaptações de grande porte ou adaptações significativas (BRASIL, 1998).
As adaptações de pequeno porte/não significativas são desenvolvidas no âmbito da atuação do professor e constituem formas de possibilitar o acesso ao currículo, por parte de estudantes público da EE, sem que sejam feitas alterações em seus componentes básicos (ARANHA, 2000; HEREDERO, 2010).
As adaptações de grande porte/significativas, por sua vez, constituem-se ajustes de maior incidência sobre o currículo regular, necessários para atender a peculiaridades dos estudantes, público da EE, com alteração de componentes básicos, por eliminação ou introdução de outros complementares/alternativos, as quais dependem de decisões/ações que extrapolam a autonomia do professor (ARANHA, 2000a; HEREDERO, 2010).
Todavia, há que se destacar que as adaptações de grande porte são previstas para os casos em que houver discrepância entre as necessidades do estudante e as exigências do currículo regular, e somente deverão ser realizadas após amplo estudo de caso por equipe multiprofissional e família dos alunos, e após implementadas outras possibilidades de adaptações com vista ao acesso ao currículo regular. Além disso, de antemão, toda adaptação deve ser planejada de modo a favorecer "a aprendizagem de todos os alunos; os objetivos são acrescentados, eliminados ou adaptados de modo que atenda às peculiaridades individuais e grupais na sala de aula" (BRASIL, 1998, p. 42). Isso acontece porque
Não se trata aqui de “abrir mão” da qualidade do ensino, ou de empobrecer as expectativas educacionais para os alunos, mas de permitir a alunos com deficiência que apresentam necessidades educacionais especiais o alcance de objetivos educacionais que lhe sejam viáveis e significativos, em ambiente inclusivo, na convivência com seus pares (ARANHA, 2000a, p. 12).
Assim, pode-se inferir que as adaptações curriculares de grande porte/significativas devem/deveriam, sempre que possível, serem planejadas e desenvolvidas para toda a turma de alunos, ou na impossibilidade disso, devem/deveriam restringir-se para atender uma menor parcela de estudantes que apresentem comprometimentos mais severos e características particulares, que não se beneficiem, exclusivamente, de adaptações de pequeno porte para acesso ao currículo regular e exijam diferentes práticas para que haja desenvolvimento e aprendizagem.
A acessibilidade curricular: uma mudança de perspectiva?
A proposta de acessibilidade curricular tem se apresentado como uma perspectiva de política e práticas curriculares, em atendimento a estudantes público da EE, que busca superar práticas anteriormente concebidas no contexto da política de EI brasileira, como as adaptações curriculares, as quais passam a ser entendidas como práticas excludentes de estudantes por motivo de deficiência, justificadas pelos diversos usos dados nos contextos de ensino regular.
Sobre esse aspecto, o estudo de Xavier (2018) registra que as adaptações/ adequações/ flexibilizações curriculares têm se constituído como formas de diferenciação curricular, que favorecem a construção de currículos paralelos e, por isso, constituem discriminação pela deficiência.
Segundo a autora, na proposta de diferenciação curricular implementada nas escolas, "o currículo não é questionado, nem varia em função dos sujeitos aos quais se direciona. Ou seja, é uma medida que responsabiliza os sujeitos e não problematiza as reais questões que envolvem o fazer pedagógico" (XAVIER, 2018, p. 72).
Para Haas (2016, p. 103), as práticas escolares de adaptação curricular têm sido reducionistas, pois têm se relacionado, restritamente, à "redução de conteúdo ou alargamento do tempo dedicado à tarefa", promovendo compreensões simplistas do currículo. Nesse contexto, o currículo é entendido como "listagem de conteúdos e que trata a deficiência como uma barreira preponderantemente orgânica, intrínseca ao sujeito, descaracterizando a influência do contexto social" (HAAS, 2016, p. 103).
Segundo a autora, na comparação com imagens evocadas do cotidiano escolar, é possível compreender os efeitos de tais práticas reducionistas, registrando que
Ao considerarmos as “adaptações, adequações ou flexibilizações curriculares”, torna-se possível associar as práticas restritivas ao acesso ao conhecimento, por meio da limitação ou simplificação dos conteúdos a serem abordados. Podemos ainda evocar as práticas não-diretivas nas quais não há um olhar rigoroso em relação ao tempo escolar, configurando o ato de alargamento ou de restrição do tempo de dedicação a uma atividade, sem uma intencionalidade coerente entre a tarefa e o objetivo a ser atingido (HAAS, 2016, p.98).
Assim, Correia (2016) aponta que é preciso superar a proposta de adaptação curricular na medida em que nela
a participação do sujeito com deficiência é limitada, de modo que seu processo de escolarização corre em paralelo, sem que haja trocas significativas com o todo, com o ambiente, com seus pares e que, sobretudo, nenhuma mudança precise ser feita no currículo comum (CORREIRA, 2016, p. 146).
A acessibilidade curricular, em oposição à adaptação curricular, dispensa as estratégias de mudança de objetivos ou de critérios de avaliação. Propõe o questionamento do caráter rígido do currículo regular e advoga o uso de procedimentos comuns a todos os alunos, que contemplem, em sua concepção, a utilização de recursos acessíveis. Assim, "se afasta da ideia de simplificação, de redução, e se aproxima da ideia de 'apoio', de tornar possível a efetiva participação no processo coletivo de vivência do currículo" (CORREIA, 2016, p. 155).
Segundo Haas e Baptista (2015, p. 1), o conceito de acessibilidade curricular tem representado a "forma de nomeação mais recente nos documentos oficiais da política brasileira, tratando o direito de acesso ao conhecimento pelos sujeitos da educação especial como premissa fundamental do trabalho pedagógico".
Nesse sentido, Xavier (2018) compreende os conceitos de acessibilidade curricular e de adaptações razoáveis (prevista na LBI) como propostas compatíveis com a perspectiva da EI, tendo em vista que se amparam na "ideia de manutenção de um currículo comum para todos, podendo se tornar acessível por meio da diversidade de práticas pedagógicas" (XAVIER, 2018, p. 67).
Assim, "a forma de conceber, planejar e praticar o currículo na escola" precisaria contemplar e "assumir a diferença como constituição da ontogenia humana" (HAAS; BAPTISTA, 2015, p. 4).
Contudo, observa-se que não se trata de uma perspectiva de todo nova e nem de todo harmoniosa, na medida em que, sobre a chancela da acessibilidade curricular, que se apresenta como orientação para as práticas de ensino inclusivo, outros pontos de vista têm se apresentado, inclusive buscando referências nas primeiras propostas de práticas curriculares direcionadas a estudantes público da EE no Brasil, e ainda vigentes na legislação (BRASIL, 1996; 2001) e presentes nas produções acadêmicas2.
Nesse sentido, estudos como de Araujo (2019) e Lima (2020) identificam as adaptações/adequações curriculares como práticas necessárias para o alcance da acessibilidade curricular. Compreendem que a realização de adequações/adaptações curriculares, inclusive individualizadas, é crucial para se ter aproveitamento curricular, para acesso ao currículo.
Ainda na defesa da acessibilidade curricular, estudos recentes como de Lima e Cabral (2020) e de Cabral (2021) demarcam a necessidade de estabelecimento de práticas de diferenciação curricular para garantia de acessibilidade curricular, como forma de legitimar os direitos dos estudantes com deficiências. Assim, contemplam a realização de adequações curriculares e pedagógicas para atendimento às necessidades desses estudantes, registrando "serem legais quaisquer propostas que tenham a finalidade de adequar o currículo de discentes com deficiências na Educação Superior" (LIMA; CABRAL, 2020, p. 1113).
O ensino diferenciado/diferenciação curricular
Atualmente, buscando maior alinhamento com a perspectiva da acessibilidade curricular, diversas nomenclaturas têm sido adotadas em substituição às adaptações, adequações ou flexibilizações curriculares. Esse movimento ocorre, principalmente, em razão da interpretação e utilização incoerente que foi dada aos referidos termos/conceitos em alguns contextos, indo em direção diversa à perspectiva da EI, conforme observam Marin e Braun (2020, p. 18) sobre as adaptações curriculares:
vimos, no decorrer dos anos, esse conceito ser aplicado de modo prático como uma minimização do currículo, principalmente para estudantes com deficiência intelectual, ou seja, adaptações como 'cortes' nos conteúdos e até nos objetivos, levando quase à elaboração de um currículo paralelo, o que não era a proposição.
Nesse cenário, termos como diferenciação curricular ou pedagógica, ensino diferenciado e diferenciação do ensino têm sido empregados para tratar das práticas curriculares relativas ao atendimento aos estudantes público da EE e à diversidade dos estudantes em geral, no sentido de dar outro encaminhamento para as ações necessárias no âmbito do ensino regular inclusivo. Afirma-se que as "práticas pedagógicas dos professores precisam responder às necessidades diversificadas dos alunos" (SANTOS; MENDES, 2021, p. 41) com vistas a proporcionar acesso ao currículo regular.
Todavia, Santos e Mendes (2021, p. 41) nos alertam que esses termos, "apesar de partilharem a mesma ideia, partem de abordagens teóricas/filosóficas e propostas de transposição para a prática que nem sempre convergem entre si".
Sobre esse aspecto, cumpre sublinhar que a BNCC (BRASIL, 2018, p. 16), apesar de constituir o documento mais recente de referência nacional para a construção e prática dos currículos da educação básica, ao fazer referência à diversidade dos estudantes e daqueles com deficiência, somente reconhece "a necessidade de práticas pedagógicas inclusivas e de diferenciação curricular" sem explicitar a abordagem teórica pretendida, apenas referenciando a LBI, a qual não faz qualquer menção ao termo "diferenciação curricular".
Segundo Tomlinson (2008, p.10) o ensino diferenciado parte de uma perspectiva que reconhece a heterogeneidade dos estudantes em geral, e não somente dos que apresentam dificuldade de aprendizagem, compreendendo que possuem ritmos de aprendizagem, capacidade de raciocínio e compreensão de ideias diferentes, e busca ofertar um ambiente onde sejam permitidos "ritmos de ensino flexíveis, abordagens e meios de expressão de aprendizagem que correspondam às diferentes necessidades dos alunos", sem perder de vista o currículo regular.
Assim, o ensino diferenciado justifica-se, na medida em que "um tipo de ensino 'pronto a vestir - tamanho único' não irá servir - exatamente como acontece com roupas de tamanho único - a alunos com diferentes necessidades, mesmo que estes tenham a mesma idade cronológica" (TOMLINSON, 2008, p. 9).
Nesta proposta, é primordial conhecer os alunos com base no processo avaliativo que, necessariamente, contempla "três fatores que orientam a diferenciação do ensino: nível de preparação, interesses e perfil de aprendizagem" (SANTOS; MENDES, 2021, p. 42).
Glat e Estef (2021, p. 163) comungam com essa ideia da avaliação no processo formativo compreendendo-a como uma forma de obter "estratégias de intervenção pedagógica que flexibilizem o ensino, considerando as adaptações necessárias para contemplar a singularidade de cada sujeito, sem deixar de atender ao processo de escolarização".
De acordo com Maia e Freire (2020, p. 23), planejar um ensino diferenciado é como construir diferentes roteiros para os mesmos objetivos de aprendizagem, "ou como ser o gestor de um restaurante (o professor) e ter à disposição de todos os clientes (alunos) um menu variado (conteúdo, processo e produto diferenciados), que satisfaça os diferentes gostos (perfil de aprendizagem)". Porém, nessa proposta, não cabem ações de diferenciação individuais para alunos com deficiência.
Na mesma linha do ensino diferenciado, a proposta de diferenciação pedagógica busca favorecer o acesso de cada estudante ao currículo escolar, por meio do planejamento e oferta de ações pedagógicas que considerem a condição de cada estudante (MARIN; BRAUN, 2020). Desse modo, possibilita a diferenciação de "percursos de aprendizagem sem inibir os processos coletivos e sem bloquear o acesso aos objetivos comuns" (SILVA; LEITE, 2015, p. 49).
Segundo Pacheco (2008, p. 182), o conceito de diferenciação curricular "representa, essencialmente, mudanças na metodologia e na avaliação, pressupondo que os alunos têm um mesmo percurso nas suas opções, mas que uns precisam de seguir caminhos diferentes para que todos possam atingir o sucesso educativo".
Para Roldão e Almeida (2018, p. 40), "diferenciar significa definir percursos e opções curriculares diferentes para situações diversas", de modo a potencializar aprendizagens para todos. Nesse sentido, diferenciar consiste em "estabelecer diferentes vias tendo em conta os pontos de partida", sem, contudo, pré-estabelecer diferentes níveis de chegada.
Assim, na gestão do currículo, ele pode ser diferenciado em vários níveis: ao nível do projeto escolar, ao nível dos projetos curriculares das turmas ou grupos de alunos e ao nível dos modos de ensinar e organizar o trabalho dos alunos (ROLDÃO; ALMEIDA, 2018).
Também chamadas de diversificações curriculares, as diferenciações constituem formas importantes de possibilitar a participação de estudantes com deficiência intelectual (DI) nas ações de ensino, conforme observaram Pletsch, Souza e Orleans (2017, p. 270): "A diversificação curricular nos parece um aspecto central para efetivar a inclusão e a escolarização de pessoas com deficiência intelectual".
Coadunando com tal afirmação, o estudo de Glat e Estef (2021, p. 163) revela que grande parte desses estudantes com DI demandará diferenciação ou flexibilização do ensino e "algum nível de adaptação dos métodos e dos procedimentos avaliativos, seja de conteúdo, de forma, de tempo e/ou de espaço de realização das provas e testes".
Adaptação curricular e diferenciação curricular: possíveis aproximações
Observa-se que a defesa mais radical da acessibilidade curricular como superação da proposta de adaptação curricular tem se justificado muito mais pelas equivocadas formas de interpretação e implementação da adaptação curricular do que pelas divergências conceituais (CORREIA, 2016; HAAS, 2016; XAVIER, 2018).
Nesse contexto, a diferenciação curricular ou o ensino diferenciado têm sido concebidos como propostas alinhadas, de certa maneira, à perspectiva da acessibilidade curricular, levando em consideração as diferenças dos estudantes e suas realidades no ato de planejar o currículo regular. Já a adaptação curricular tem sido interpretada a partir da avaliação de práticas errôneas, como um remendo, mal planejado, ao currículo regular, em detrimento do resgate de suas proposições teóricas originárias (BRASIL, 1998).
Todavia, faz-se necessário considerar que tanto as adaptações curriculares como as diferenciações curriculares/ensino diferenciado atuam direta ou indiretamente sobre o currículo, muitas vezes tido como algo padronizado/estabelecido e de pouca maleabilidade.
Sob esse aspecto, Silva e Leite (2015) destacam a necessidade de professores e escolas atuarem como efetivos gestores curriculares, exercendo seu poder deliberativo no sentido de adaptarem as propostas curriculares nacionais às realidades locais e dos estudantes que atendem, ao invés de interpretarem o currículo nacional como um programa, um manual a ser simplesmente seguido. Assim, as autoras afirmam que:
diferenciação curricular passa, pois, pela capacidade de os agentes educativos e as próprias organizações escolares assumirem a responsabilidade da adequação e gestão do currículo localmente, isto é, diferenciando percursos curriculares de acordo com o ponto de partida da população que servem, mas visando um ponto de chegada tanto quanto possível igual para todos - garantindo, assim, a equidade no ensino (SILVA; LEITE, 2015, p. 49).
De igual modo, também se propõem as adaptações curriculares, na medida em que:
Pressupõem que se realize a adaptação do currículo regular, quando necessário, para torná-lo apropriado às peculiaridades dos alunos com necessidades especiais. Não um novo currículo, mas um currículo dinâmico, alterável, passível de ampliação, para que atenda realmente a todos os educandos (BRASIL, 1998, p. 33).
Assim, observa-se que ambos os termos, adaptações e diferenciações curriculares, têm sustentado a necessidade de que todo e qualquer estudante tenha acesso ao currículo regular, concebendo o currículo como algo vivo, flexível e em constante mudança, podendo diferenciar-se quanto ao nível de intervenção/alteração que admitem no currículo regular para atendimento à necessidade dos estudantes público da EE.
A diferenciação curricular/ensino diferenciado é proposto como uma possibilidade de realização de percursos diferenciados, com oferta de apoios e atividades diversificadas, de modo que atendam, com equidade, às diferentes necessidades dos alunos, e que, assim, todos tenham oportunidade de ascender ao currículo regular (ROLDÃO; ALMEIDA, 2018; PACHECO, 2008; TOMLINSON, 2008). Tal aspecto nos remete a uma reafirmação, sob novos termos, das adaptações curriculares de pequeno porte ou não significativas.
Nesse sentido, a proposta de adaptação curricular também visa à acessibilidade curricular, visto que as respostas às necessidades dos estudantes público da EE devem incidir na adaptação progressiva do currículo regular, e não por meio de um currículo novo, buscando favorecer a aprendizagem de todos os estudantes. Assim, "os objetivos são acrescentados, eliminados ou adaptados de modo que atendam às peculiaridades individuais e grupais na sala de aula" (BRASIL, 1998, p. 42).
É incontestável, no contexto do ensino inclusivo, a defesa e a busca por proporcionar acesso ao currículo regular, para todos os alunos, já que a inclusão não se efetiva somente pela matrícula escolar.
Contudo, ao voltar o olhar para a proposta de diferenciação curricular/ensino diferenciado que, diferente da adaptação curricular, aparenta não admitir nenhuma mudança significativa no currículo regular para atendimento ao estudante público da EE, algumas questões se apresentam:
Partindo do pressuposto de que todas as pessoas, independentemente de condição, têm possibilidade de aprender e se desenvolver em algo, será que podemos afirmar que todos os estudantes público da EE terão condições de ascender aos currículos regulares, mesmo que seja o currículo básico/essencial (relativo aos conhecimentos estabelecidos socialmente como necessários para o desenvolvimento dos sujeitos), utilizando-se somente de estratégias de diferenciação curricular ou de adaptações curriculares não significativas?
E será que todas as pessoas, inclusive as que constituem o público da EE, precisam, necessariamente, acessar e ascender nos currículos regulares? Ou podem existir outros conhecimentos que têm igual ou maior importância?
Nesse sentido, as adaptações curriculares significativas/de grande porte talvez tenham sido pensadas no sentido de atender uma pequena parcela dos estudantes, público da EE, que não conseguem, mesmo com a diversificação de recursos, apoios e estratégias para a facilitação da aprendizagem, apropriar-se dos conhecimentos socialmente estabelecidos como essenciais, ou seja, desenvolver as competências mínimas previstas no currículo regular. Considera-se que muitas vezes esses estudantes carecem de ter acesso a conhecimentos menos complexos, de desenvolver compreensões mais simples, porém mais úteis para seus cotidianos.
Nesse aspecto, a proposta de diferenciação curricular/pedagógica defendida por Marin e Braun (2020), amparada numa proposta de acessibilidade curricular, demonstra estabelecer similaridade com as adaptações curriculares significativas/de grande porte. As autoras elencam, como exemplo de uma das ações de diferenciação possíveis, a:
Elaboração de objetivos diferenciados em relação ao tempo escolar, ou seja, alguns estudantes têm seus objetivos adequados às suas aprendizagens em andamento, independente do ano escolar que frequentam, pois há componentes curriculares e conceitos que levam mais tempo a serem construídos, e não será a retenção ou reprovação que garantirá a aprendizagem (MARIN; BRAUN, 2020, p. 18-19).
É fato que se deve considerar a necessidade de mais tempo para a construção de determinados conhecimentos por parte de estudantes público da EE. No entanto, propor a adequação dos objetivos às aprendizagens em andamento do estudante, sem considerar o ano escolar que frequenta, resulta numa adaptação curricular significativa.
Na medida em que se compreende que o estudante poderá dar continuidade aos componentes curriculares de anos anteriores no contexto dos anos subsequentes, propõe-se uma alteração significativa no currículo regular, com inserção de objetivos e conteúdos anteriormente não desenvolvidos pelo estudante, e não previstos em etapas subsequentes. Tais inserções tenderão a ocupar o tempo de desenvolvimento que seria requerido para outros componentes curriculares previstos para o ano escolar em curso, os quais precisão ser remanejados para o próximo ano escolar, estabelecendo uma continuidade nas adaptações curriculares significativas ou de grande porte.
Corroboram essa interpretação os achados do estudo de Pires (2018), o qual depreende, a partir da análise de dissertações e teses disponíveis em banco da Capes, que
as discussões referentes à diferenciação curricular, à adaptação curricular de grande porte e à flexibilização curricular se aproximam no sentido de buscar entender a necessidade de reflexão e mudanças curriculares em nível mais geral, que ultrapasse as disciplinas específicas da sala de aula regular e reorganize o currículo escolar e as práticas curriculares. (PIRES, 2018, p. 77).
Nesse sentido, Glat e Estef (2021) registram que, em alguns casos, há necessidade de realização de diferenciações curriculares mais significativas, de modo similar ao previsto nas adaptações curriculares de grande porte/significativas, entendendo que
sem uma diferenciação ou flexibilização de objetivos e métodos pedagógicos, a maioria dos estudantes com deficiências, sobretudo aqueles que apresentam dificuldades intrínsecas de aprendizagem, dificilmente alcançarão um patamar mínimo de êxito acadêmico (GLAT; ESTEF, 2021, p. 162).
Em vista disso, e considerando as concepções de adaptação curricular demarcadas nas políticas curriculares (BRASIL, 1998; 2001; ARANHA, 2001, 2001a) descritas anteriormente, parece que pouca novidade se apresenta na proposta de diferenciação curricular ou de ensino diferenciado na perspectiva da acessibilidade curricular, podendo constituir-se uma (re)afirmação das adaptações curriculares em novos termos.
Adaptações curriculares e terminalidade específica
Não é possível desconsiderar a necessidade, e também o direito, dos estudantes público da EE de terem acesso e desenvolverem-se nos conhecimentos mínimos/básicos (relativos ao máximo de aprendizagens comuns, e não ao empobrecimento do currículo) estabelecidos socialmente como importantes em cada etapa escolar.
Contudo, como pontuam Glat e Estef (2021, p. 162), é "inquestionável que alunos com deficiência intelectual dificilmente terão condições de acompanhar a dinâmica do ensino comum sem flexibilizações pedagógicas que atendam diretamente às suas necessidades educacionais especiais".
Assim, não se pode perder de vista o fato de que, apesar de em menor número, alguns estudantes, público da EE, mesmo tendo garantida uma diversidade de condições para acesso ao currículo, não conseguem progredir nele, o que somente pode ser verificado em processos contínuos de avaliação formativa, com registro dos esforços pedagógicos empreendidos, dos diversos recursos e estratégias empregados para proporcionar acessibilidade ao currículo, de modo a não se constituir um enfoque capacitista3.
Nesse processo, sempre há algum progresso, que não deve deixar de ser reconhecido, porém, se não representa o alcance dos conhecimentos básicos/essenciais previstos para a conclusão de uma determinada etapa de escolaridade, não deveria ser reconhecido como tal, pois isso pode recair em uma armadilha encoberta de prática educacional inclusiva: a não reprovação ou aprovação/promoção automática.
Por outro lado, tendo em conta a perspectiva da acessibilidade curricular que desconsidera a possibilidade de realização de adaptações curriculares significativas, quando os estudantes público da EE não conseguirem progredir nos itens mais básicos, indispensáveis de um currículo regular, após implementadas diversas estratégias e recursos para proporcionar acesso ao currículo, e não obtiverem aprovação automática, vão ser reprovados continuamente, gerando retenção desmedida e defasagem idade- série.
Nesse caso, pode-se acreditar, conforme já demarcado nos Pareceres Técnicos nº 14 e 31 de 2009, emitidos pela Secretaria de Educação Especial vinculada ao Ministério da Educação(BRASIL, 2015a), que o estudante participará do fluxo "natural/comum" do processo de escolarização, como, por exemplo: podendo ser encaminhado para a Educação de Jovens e Adultos (EJA) quando da defasagem idade-série, garantindo ao estudante público da EE o seu eterno lugar na escolarização.
Todavia, também há a possibilidade de certificação por terminalidade específica (TE), conforme prevê a LDBEN (BRASIL, 1996), como possibilidade de registro de todo progresso verificado pelo estudante, inclusive aquelas aprendizagens não previstas no currículo regular, mas trabalhadas como forma de adaptação curricular, levando em consideração os conhecimentos mais essenciais ao estudante e possíveis de serem estimulados a partir do seu ponto de partida (conhecimentos prévios), e que, mesmo não constituindo os conhecimentos básicos estabelecidos para determinada etapa de escolaridade, devem representar novos pontos de partidas para novas experiências educacionais.
A TE constitui uma certificação diferenciada de escolaridade, amparada em avaliação pedagógica, inicialmente direcionada a estudantes com grave DI ou deficiência múltipla (DM) e para o contexto do ensino fundamental(BRASIL, 1996; 2001), mas que na atualidade tem sido admitida para os estudantes público da EE em geral e considerada no contexto da Educação Profissional e Tecnológica (EPT), em todos os níveis e modalidades de ensino (BRASIL, 2019; PERTILE; MORI, 2018; SANTOS, 2019;OLIVEIRA; DELOU, 2020; 2022), e também no ensino superior (SILVA e PAVÃO, 2019; MIRANDA, RIBEIRO, RAUSCH, 2022).
Trata-se de uma estratégia que é direcionada para casos de estudantes público da EE que requeiram apoios intensos e adaptações curriculares significativas, e mesmo assim não consigam desenvolver-se nos conhecimentos básicos previstos para conclusão de etapa de escolaridade, como por exemplo o domínio da leitura, da escrita e do cálculo no ensino fundamental(BRASIL, 1996; 2001).
Nesse sentido, propõe-se que as escolas devam proceder a "avaliação pedagógica, certificação e encaminhamento para alternativas educacionais que concorram para ampliar as possibilidades de inclusão social e produtiva dessa pessoa" (BRASIL, 2001, p. 28). Estabelecendo que a TE não encerra a trajetória de escolarização do estudante, diferentemente do que registra Haas (2016),mas propõe o seu encaminhamento para propostas educacionais mais condizentes com seu repertório de conhecimento e habilidades já desenvolvidas.
Assim, se por um ângulo a TE pode ser entendida como forma de garantir "ao aluno a inclusão nos cursos e a conclusão dos mesmos, considerando suas capacidades intelectuais e aptidões físicas” (MIRANDA; RIBEIRO; RAUSCH, 2022, p. 14), por outro observa-se que a TE assim como as adaptações curriculares, enquanto estratégias previstas na política de EI brasileira, têm sido constantemente questionadas e interpretadas como recursos que reforçam estigmas e exclusão por motivo de deficiência (LIMA, 2009; HAAS, 2016; IACONO, 2021).
Nessa perspectiva, o próprio Parecer nº. 5 de 2019 do Conselho Nacional de Educação (CNE) (BRASIL, 2019), o qual estende a aplicação da TE ao contexto de todos níveis e modalidades de ensino da EPT, tem sugerido a adoção do termo "certificação diferenciada” (CD) como alternativo à TE, mesmo que em essência configure proposta muita similar e com fundamento legal na própria prescrição da TE na LDBEN (OLIVEIRA; DELOU, 2022).
Assim, registram-se pontos de vista que partem de uma possível interpretação/utilização prática de um termo/conceito, sem problematizar sua proposição inicial no âmbito da política de EI (LIMA, 2009; HAAS, 2016; IACONO, 2021), de modo similar às adaptações curriculares, conforme já demonstrado.
As adaptações curriculares e a TE estabelecem estreita relação, na medida em que essa última somente se processa após a realização da primeira. Nesse sentido, quando se propõe superar a proposta de adaptação curricular, já era de se esperar que o mesmo ocorresse com a TE, conforme concebe Haas (2016):
o olhar de comiseração docente transforma a adaptação curricular em facilitação e promoção automática do estudante, o que tende a se configurar como apoio sem critério ao dispositivo da terminalidade específica, previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394\96, artigo 59 (BRASIL, 1996) e que “apressa” a desistência docente no investimento na trajetória do estudante com deficiência (HAAS, 2016, p. 98).
É verdade que a TE constitui um tema controverso, com regulamentação pouco objetiva e que possibilita interpretações dúbias (PERTILE; MORI, 2018; SANTOS; BAZILATTO; MILANEZI, 2020; OLIVEIRA; DELOU, 2020; 2022). Contudo, chama a atenção, assim como no caso das adaptações curriculares, a necessidade de se atentar à análise de até que ponto a TE constitui, em sua gênese, um dispositivo de exclusão ou trata-se de um dispositivo que tem sido usado, equivocadamente, a favor de práticas excludentes.
Considerações finais
O presente estudo demonstrou que as adaptações curriculares, conforme originalmente propostas no Brasil (BRASIL, 1998), e a TE (BRASIL, 1996), abrigam importantes estratégias para o favorecimento de aprendizagens por parte de estudantes público da EE, especialmente nos casos mais complexos de DI ou DM, inseridos em processos regulares de escolarização. No entanto, frente à ausência de normativas mais objetivas sobre as práticas curriculares, principalmente em contexto de inclusão, tais recursos têm sido continuamente (re)significados no âmbito de práticas escolares diversas.
Conforme demarca o estudo de Pereira, Pacheco e Mendes (2017, p. 11), "as prescrições normativas no âmbito brasileiro não detalham com clareza as ações curriculares, menos ainda na possibilidade de transformação curricular ou na diferenciação curricular em sala de aula" para atendimento a estudantes com DI.
Tais situações se confirmam na própria BNCC (BRASIL, 2018), que não trata do suporte da EE para a EI e muito menos das práticas curriculares para o atendimento aos estudantes público da EE que são (re)produzidas no âmbito das discussões acadêmicas/científicas, na medida em que têm buscado, constantemente, a superação de práticas curriculares excludentes. Nesse movimento, observa-se o surgimento de uma multiplicidade de novos termos/conceitos objetivando a superação de práticas curriculares equivocadas no contexto do ensino inclusivo.
Contudo, ao navegar por esse oceano de novos termos/conceitos, é possível observar similaridades com a formulação das adaptações curriculares (BRASIL, 1998), com destaque para o objetivo primeiro de possibilitar a todos os estudantes, inclusive aqueles que são público da EE, acesso ao currículo regularmente instituído. Na mesma linha, a CD constitui uma reafirmação da própria TE prevista na LDBEN (BRASIL, 1996, 2001).
Nesse contexto, mudam-se os termos mais nem sempre se mudam as práticas. Nessa variedade de termos/conceitos, menos objetivas são as propostas de ações curriculares alinhadas à perspectiva da EI, e mais perdidos ficam os professores/educadores que precisam fazer uma opção: ou cada um pega sua onda e segue acreditando que é a melhor alternativa, ou pode se afogar em meio a tamanha imensidão.
Assim, acredita-se que resultaria em maior impacto sobre as práticas curriculares que se pretendem inclusivas se os esforços, inclusive acadêmicos/científicos, fossem empreendidos no sentido de elucidar, ilustrar e complementar as orientações/normativas existentes, em vez de propor superá-las em razão da interpretação/utilização equivocada.
Desse modo, espera-se que as políticas curriculares voltadas para o atendimento dos estudantes público da EE e que impactam as práticas de ensino inclusivas, como as adaptações curriculares e a TE, sejam (re)discutidas e normatizadas de forma mais ampla e objetiva, evitando interpretações imprecisas e aplicações desacertadas.
Assim, cumpre-nos, enquanto professores/educadores e/ou cidadãos comprometidos com a inclusão escolar, reivindicar maior participação nas discussões sobre os rumos da educação brasileira, de modo a impedir que as diferentes necessidades dos estudantes sejam desconsideradas na formulação e implementação de propostas educacionais e curriculares, conforme ocorreu na BNCC.