Introdução
A investigação na Educação envolve participantes de diferentes contextos sociais e culturais e grupos de diferentes faixas etárias, além de ter uma estreita relação com políticas e práticas sociais (CRUZ, 2019). Nesse sentido, considera-se que as crianças com deficiência representam um público com particularidades e diferenças cujos aspectos éticos precisam ser observados durante todo o processo de pesquisa.
A história registra que a participação das crianças em pesquisa foi marcada por um olhar adultocêntrico; ou seja, pelo uso do poder e da autoridade dos adultos, desconsiderando a competência da criança em decidir sobre a sua participação na pesquisa (FERNANDES, 2016). A visibilidade da criança como protagonista social nas investigações científicas é fruto das mudanças do conceito de criança e infância a partir dos estudos da Sociologia da Infância. De acordo com Fernandes (2016), a criação de um espaço para infância no discurso sociológico possibilitou o estudo desse público como fenômeno social. Nesse contexto, o envolvimento da criança em pesquisas tem sido alvo de reflexões, especialmente quanto ao protagonismo das crianças, a escuta de suas vozes e as preocupações éticas relativas à tal escuta. Ao passarem a serem sujeitos de direito, tornam-se visíveis como atores sociais capazes de produzir discursos relevantes acerca dos assuntos que lhes dizem respeito (FERNANDES, 2016).
A pesquisa que serviu de base para este artigo surge a partir da experiência profissional da mestranda na secretaria do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) de uma universidade federal, onde acompanha os questionamentos e dilemas dos pesquisadores das Ciências Sociais e Humanas (CHS) quanto a submissão dos projetos de pesquisa no Sistema pelos Comitês de Ética em Pesquisa e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa em Seres Humanos (CEP/CONEP) -sistema formado por CEPs credenciados pelo Conselho Nacional de Ética em Pesquisa, coordenado pelo Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde para revisão dos aspectos éticos, conforme o previsto nas regulamentações. O enfoque nos estudos envolvendo crianças com deficiência decorre da importância da produção de reflexões sobre o tema, pois verificou-se um número reduzido de estudos e artigos sobre ética na pesquisa que envolve crianças com deficiência no Brasil a partir de levantamento no banco de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Assim, a relevância deste estudo fundamenta-se pela própria necessidade de aprofundamento acadêmico e científico sobre esse tema.
O uso da terminologia “crianças com deficiência” no trabalho é justificado pelo fato de esse termo ter sido escolhido pelos movimentos de pessoas com deficiência no mundo. Eles escolheram serem chamados de “pessoas com deficiência” em todos os idiomas (SASSAKI, 2005).
O propósito central da pesquisa consistiu em apreender como foram conduzidas as questões éticas em pesquisas de mestrado e doutorado da Educação que envolviam crianças com deficiência, a partir da análise de dissertações e teses de programas de pós-graduação (PPGs) em Educação de universidades do Rio Grande do Sul (RS), no período de 2016 a 2021.A escolha desse período está relacionada à publicação da Resolução n. 510 (BRASIL, 2016), pois esta contribuiu para a ampliação das discussões sobre ética em pesquisa na Educação por associações de pesquisadores, PPGs de Educação e eventos sobre o tema. A análise dos trabalhos possibilitou conhecer as movimentações dos pesquisadores na produção de uma concepção de ética na pesquisa que não se restrinja às normativas regulatórias.
Crianças com deficiência na pesquisa e implicações éticas
A ética na pesquisa em Educação está relacionada a várias situações ao longo de toda a investigação, implicando decisões que considerem os direitos, o bem-estar e a dignidade dos sujeitos participantes da pesquisa. De acordo com Hermann (2019), esse processo está ancorado em fundamentos éticos da dignidade humana, da liberdade e da diversidade e nos princípios da integridade, da transparência e da responsabilidade na produção dos dados e na publicação dos resultados, que estão sujeitos a novas interpretações em função de críticas e do seu uso. Nesse sentido, as pesquisas envolvendo crianças com/sem deficiência na área da Educação precisam ser submetidas ao Sistema CEP/CONEP, conforme a Resolução n. 466 (BRASIL, 2012), que oficializou o Sistema CEP/CONEP e criou o sistema on-line Plataforma Brasil, e a Resolução n. 510 (BRASIL, 2016), que atende às especificidades das CHS sobre ética em pesquisa.
Para discussão do tema proposto,foram utilizados referenciais teóricos sobre ética na pesquisa com crianças com/sem deficiência e que abordam o modelo social de deficiência, pois foi encontrada reduzida publicação sobre ética na pesquisa envolvendo crianças com deficiência.
A concepção da infância como construção social proposto pelos estudos sociais da infância contribuíram para os debates sobre a posição das crianças na pesquisa, no sentido da “[...] superação da ideia de criança-objeto para a proposição da criança-ator” (COUTINHO, 2016, p. 764). O reconhecimento da criança como ator social nas relações de pesquisa, conforme Coutinho (2016, p. 765), constitui um processo marcado por paradoxos de ordem conceitual, teórica e metodológica. O protagonismo infantil anunciado na fundamentação teórica, em muitos estudos, não se observa na metodologia e/ou análise dos dados. Outra questão se refere à produção das informações sobre crianças com deficiências que não utilizam a fala como meio de comunicação, em que estas são produzidas essencialmente a partir da escuta dos pais ou mesmo de interesses do pesquisador. A autora defende a contribuição da reflexão sobre a relação adulto-criança no processo de pesquisa para assegurar o protagonismo da criança enquanto participante da pesquisa (COUTINHO, 2016).
O modelo social surgiu questionando a concepção de deficiência como limitação fisiológica e anatômica, concebendo-a a partir “[...] de uma relação de dependência entre o corpo com os impedimentos e grau de acessibilidade de uma sociedade” (DINIZ; WEDERSON; SANTOS, 2009, p.67). Segundo Skliar (1999), a desconstrução do conceito de normalidade exige o questionamento das concepções de normalidade/anormalidade e de racionalidade/irracionalidade que marcam o discurso sobre as deficiências e que, a partir de uma cientificidade, mascara a questão política da diferença.
Nessa perspectiva, a criança é vista como um sujeito de direitos na pesquisa científica, e o pesquisador têm maior preocupação em registrar e discutir as expressões infantis e o entendimento da criança (SARMENTO, 2016). Dessa maneira, é preciso não somente falar sobre as crianças, mas também falar com elas, pois por muitos anos elas foram estudadas somente a partir do olhar dos adultos ou das instituições (CRUZ, 2010). Para Pereira (2015), o pesquisador precisa refletir sobre qual concepção da infância é veiculada no seu trabalho, pois o direito das crianças de autoria dos discursos produzidos sobre si ainda é relegado diante do discurso hegemônico da proteção.
As crianças com deficiência apresentam diferenças sociais, econômicas, psicológicas e familiares e necessidades, desejos e interesses particulares que demandam, conforme Cruz (2019), responsabilidade ética na produção dos dados e na exposição das imagens dos sujeitos, de forma a não contribuir para afirmação de estereótipos. Segundo Oliveira (2021, p. 16), as crianças com deficiência precisam ser compreendidas como outro com saberes e experiências de vida, e por isso “[...] o pesquisador [deve ter] a capacidade de escutar e dialogar com o outro, bem como responsabilizar-se eticamente pelo outro. E ter responsabilidade é assumir a presença do outro”.
Percurso metodológico
A pesquisa que serviu de base para este artigo caracterizou-se como um estudo documental e analítico. A materialidade dessa discussão está ancorada no que revelam os trabalhos de dissertação e tese de PPGs em Educação de universidades (públicas e privadas) do RS, no período de 2016 a 2021. Para o estudo, foram selecionadas 5 instituições de nível superior (públicas e privadas): a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), a Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e a Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ). A escolha por essas instituições deu-se por elas apresentarem pesquisa e produção científica na área da Educação, com as temáticas: educação especial, deficiência, infância e inclusão, e a participação de crianças com deficiência nesses trabalhos. O recorte temporal estipulado, 2016 a 2021, compreende o período pós-publicação da Resolução n.510 (BRASIL, 2016) pelo Conselho Nacional de Saúde.
Inicialmente foi realizada uma consulta ao site da CAPES, no período de 1987 a 2021, na qual consta uma extensa produção com esse tema. Porém,foram encontradas poucas publicações da área educacional que abordassemos aspectos éticos em pesquisas educacionais envolvendo crianças com deficiência. Depois disso, foram realizadas uma consulta e uma seleção nas plataformas digitais das instituições, de ensino superior, públicas e privadas. A leitura do resumo, da introdução e da metodologia dos trabalhos possibilitou selecionar aqueles em que as crianças com deficiência eram protagonistas.
O procedimento metodológico empregado para responder à problemática desta pesquisa compreende as seguintes fases:
Escolha das instituições para o estudo: Para seleção dos trabalhos, foram utilizados filtros e palavras-chave. As palavras-chave utilizadas para nortear as buscas foram: “deficiência”, “criança com deficiência”, “inclusão”, “atendimento educacional especializado”, “transtorno do espectro autista” e “síndrome de Down”.
Seleção dos trabalhos: Foi feita a leitura do resumo, da introdução e da metodologia considerando os critérios para definição da amostra. Após essa etapa de mapeamento, que possibilitou a seleção das dissertações e teses, buscou-se delimitar os trabalhos que seriam objetos de análise.
Instituição | Plataforma digital | Dissertações | Teses | Total de trabalhos |
---|---|---|---|---|
UFRGS | Lume - Repositório Digital da UFRGS | 3 | 3 | 3 |
PUCRS | Repositório Institucional da PUCRS | 3 | 1 | 4 |
UFSM | Manancial - Repositório Digital da UFSM | 2 | 3 | 5 |
UFPel | Guaiaca - Repositório Institucional da UFPel | 3 | 0 | 3 |
UNIJUÍ | Repositório Institucional da UNIJUÍ | 2 | 1 | 3 |
Total de Produções | 13 | 9 | 22 |
Fonte: Elaborada pela autora (2022) a partir de pesquisa nas plataformas digitais das instituições onde estão armazenadas as teses e dissertações.
De acordo com Quadro 1, no qual são apresentadas as instituições selecionadas e o número de dissertações e teses analisados, foram escolhidas 22 produções, contemplando dissertações e teses.Foi considerado que esse volume de trabalhos possibilitaria perceber como os aspectos éticos eram observados nos estudos e quais discursos sobre ética em pesquisa envolvendo as crianças com deficiência tais produções revelavam, resultando em uma discussão significativa sobre o tema.
Configuração de unidades analíticas: Delimitado o número de dissertações e teses, foi realizada uma análise detalhada dos trabalhos, considerando o problema que motivou a pesquisa, com base nas unidades analíticas a seguir: protagonismo da criança com deficiência;relações na pesquisa; visibilidade da criança; autonomia; metodologia; seleção dos participantes; consentimento; assentimento; riscos e benefícios; anonimato; confidencialidade; autorização; uso de informações e imagens; ressarcimento e indenização; devolução dos resultados; publicação da pesquisa; e arquivamento dos dados.
Organização de quadros apresentando os dados das pesquisas e uma pré-análise dos trabalhos:Os dados foram registrados e codificados em tabelas, identificando-se título, programa/instituição, ano, autor, orientador, objetivo, participantes, metodologia, local da pesquisa, contato com participantes/coleta de dados e aspectos éticos.
Análise dos trabalhos: Nessa etapa, foram apresentadas as percepções da análise e as discussões propostas a partir do objetivo, da problemática do estudo e dos referenciais teóricos pertinentes.
Considerações finais.
O que revelam as dissertações investigadas?
Os dados que serviram de base para as discussões deste trabalho foram produzidos a partir das narrativas dos pesquisadores conhecidas pela mestranda por meio da leitura e da análise das teses e dissertações.
Os pesquisadores relatavam como conduziram os aspectos éticos durante a produção dos dados e a divulgação dos resultados de forma a assegurar o bem-estar das crianças e a preservação da privacidade e da confidencialidade. A questão da responsabilidade ética com os participantes foi descrita em 20 trabalhos, revelando a preocupação dos pesquisadores em reconhecer a criança com deficiência como protagonista social e sujeito de direitos, embora persistam inadequações quanto a alguns aspectos éticos e documentações previstas pelas regulamentações brasileiras sobre ética em pesquisa, especialmente em relação à Resolução n.510 (BRASIL, 2016).
Os relatos revelam o entendimento da importância de considerar a fala, as opiniões, os comportamentos e as ações das crianças com deficiência na produção dos dados e na publicação dos resultados. As opiniões e concepções dos adultos (professores, pais ou responsáveis, especialistas) também foram incluídas, particularmente em estudos que abordavam questões relacionadas a inclusão escolar, interação social e convivência familiar. A leitura dos trabalhos possibilitou a compreensão do quanto a pesquisa envolvendo crianças com deficiência implica sensibilidade e alteridade por parte dos pesquisadores na relação com os participantes.
Quanto à revisão ética dos projetos de pesquisa pelo CEP, a aprovação foi relatada em 18 estudos, comunicando que a pesquisa com os participantes ocorreu após a aprovação na Plataforma Brasil. Os procedimentos éticos observados durante a pesquisa foram descritos em 12 trabalhos. A Resolução n.510 (BRASIL, 2016) foi mencionada em três trabalhos, e um citou a Resolução n.466 (BRASIL, 2012). A pesquisadora de um estudo relatou que não submeteu o projeto ao Sistema CEP/CONEP a partir do seu entendimento de uma questão presente na Resolução n.510 (BRASIL,2016) - a de que os riscos aos participantes eram mínimos, visto que as crianças seriam observadas em seu contexto escolar. Ela considerou adequado incluir no trabalho trecho com considerações sobre a importância da ética nas pesquisas com crianças, ressaltando questões como integridade, respeito à privacidade e autonomia na decisão de participar da pesquisa. Nos últimos anos, a ampliação da submissão para revisão dos aspectos éticos a um CEP decorre das exigências das agências de fomento e das revistas científicas para publicação.
A seguir, apresentam-se as discussões sobre os aspectos éticos nos estudos envolvendo as crianças com deficiência a partir da análise dos trabalhos.
Produção de dados
A ética na produção dos dados envolve diversos momentos da pesquisa, como definição dos objetivos e da metodologia, obtenção da anuência, consentimento e assentimento, registro das informações, utilização de imagens e sons, produção das discussões e do resultado final do estudo.
A definição dos objetivos implica uma questão ética na medida em que ocorre a exposição e a participação das crianças em diversas situações (FERNANDES, 2016). Os objetivos estavam relacionados ao contexto escolar de inclusão e à contribuição para o desenvolvimento da comunicação, da linguagem, da interação e da aprendizagem das crianças com deficiência.
A seleção das crianças com deficiência e demais participantes ocorreu de acordo com a temática e o objetivo do estudo e o acesso aos locais e participantes. Os estudos envolveram crianças com diferentes tipos de deficiência, como deficiência visual e auditiva (5), Transtorno do Espectro Autista (TEA) (13), deficiência intelectual (3) e deficiência motora (2).
Para adentrar os espaços onde aconteceram as investigações, os pesquisadores inicialmente providenciaram a autorização dos gestores, professores e profissionais das instituições. Em três trabalhos, os pesquisadores disseram ter vinculação com a instituição e com as crianças com deficiência. Os pesquisadores relataram que a anuência para pesquisa ocorreu por meio de conversas com as mantenedoras (secretarias e coordenadorias estaduais e municipais), a direção das escolas e os responsáveis pelo Atendimento Educacional Especializado (AEE), que foram contatados anteriormente por telefone ou e-mail.
Os pesquisadores escolheram diferentes contextos e ambientes para realização da pesquisa - escolas, instituições de atendimento especializado, residência dos pesquisadores ou da família da criança com deficiência, laboratório do PPG e espaço ao ar livre -, buscando desenvolver as investigações em locais que oferecessem conforto aos participantes, facilidade no deslocamento, menores custos financeiros, maiores oportunidades de interação social e melhores condições de acesso para realização da pesquisa.Uma questão apontada nos trabalhos foi a importância de oferecer um ambiente que seja propício para a construção de vínculos e que favoreça a interação com as crianças.
Nos estudos em que os participantes eram crianças com TEA, os pesquisadores realizaram ações para propiciar ambientes mais confortáveis, dando especial atenção ao som e ao envolvimento das crianças. Freitas (2016) relata em seu trabalho que as observações foram feitas por um período longo em diversos espaços e situações para conhecer com maior profundidade as situações vivenciadas pelas crianças no espaço familiar e escolar.
Foram feitas observações e entrevistas com as crianças e os responsáveis nas residências, com o deslocamento dos pesquisadores aos locais da pesquisa, a fim de conhecer particularidades da rotina e da convivência das crianças com os familiares. O deslocamento dos participantes e responsáveis para residência da pesquisadora foi mencionado em um estudo devido ao uso de aparelhos eletrônicos e internet. Bonotto (2016) relatou que uma etapa da pesquisa aconteceu em sua residência, onde eram disponibilizados os equipamentos necessários às atividades de intervenção. Nesse trabalho, a questão ética referente aos custos com os equipamentos e materiais usados pelos participantes na pesquisa foi descrita.
O deslocamento das crianças para uma sala da instituição de ensino exclusivamente para fins da pesquisa foi relatado em dois trabalhos, porém não houve indicação de como ocorreu o custeio dos deslocamentos até o local. Cabe ao pesquisador identificar com antecedência possíveis dificuldades de locomoção dos participantes aos locais estabelecidos para realização das atividades. Os custos da pesquisa são de responsabilidade do pesquisador, conforme previsto pela Resolução n.510 (BRASIL, 2016) e, como afirmam Francischini e Fernandes (2016), a participação do sujeito não deve prejudicar asoutras atividades exercidas por ele no ambiente familiar, escolar ou profissional.
Em dois estudos, foi relatada a alteração na escolha do local de pesquisa devido ao não aceite da instituição. Em um deles, a pesquisadora decidiu incluir uma escola fora do Brasil quando não teve autorização de uma escola brasileira para realizar a pesquisa. No outro estudo, a pesquisadora encontrou dificuldades para achar escolas com o público-alvo do seu estudo - crianças com deficiência auditiva - e buscou os dados de crianças em acompanhamento no Ambulatório de Habilitação e Reabilitação da Audição do Serviço de Atendimento Fonoaudiólogo (SAF/UFSM).
Uma questão ética relacionada às metodologias e destacada nas regulamentações refere-se aos riscos e alternativas para preveni-los. Foram analisados trabalhos com diferentes abordagens metodológicas e/ou técnicas de pesquisa, tais como observação participante, estudo de caso, estudos experimentais, intervenção, relatos de experiência, entrevistas semi estruturadas e instrumentos escritos e/ou eletrônicos para avaliações. Os pesquisadores citaram como potenciais riscos aos participantes: desconfortos emocionais, físicos e cognitivos, riscos decorrentes do manuseio de instrumentos eletrônicos, desconforto nas entrevistas e desconfortos decorrentes do tempo de duração da aplicação dos instrumentos e testes. A maioria dos trabalhos evidenciou que a pesquisa apresentava riscos mínimos e informaram,no termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) e no termo de anuência livre e esclarecida (TALE), que, se os participantes sentissem desconforto durante a pesquisa, poderiam desistir da participação sem insistências por parte dos investigadores.
A questão ética referente aos riscos é motivo de controvérsias para os pesquisadores da Educação, pois, conforme aponta Sarti (2015), como em qualquer área do conhecimento, há riscos, mas os tipos de riscos variam conforme as situações de pesquisa. Gatti (2019) afirma que os riscos em pesquisas da Educação são os gerados nas relações entre pesquisadores e participantes ou em situações nos espaços escolares e os riscos relacionados à divulgação dos resultados da análise, os quais devem ser previstos pelos pesquisadores.
A questão ética envolvendo os diferentes papéis exercidos, simultaneamente, pelo pesquisador podem introduzir tensões em relação à preservação do sigilo das informações e à idoneidade das informações (GATTI, 2019). Em dois estudos, os pesquisadores/professores relataram a sua experiência com uma criança com deficiência que acompanharam em uma sala de AEE, mas não apontaram tensões relacionadas a essa questão.
Os investigadores, por maior que seja seu envolvimento com as crianças, assumem uma posição diferenciada, na medida em que sua figura se sobressai como o sujeito com autoridade, conhecimento, recursos financeiros, experiências e outros. Nos trabalhos analisados, observou-se o cuidado em incluir as percepções e opiniões das crianças, mesmo em estudos em que boa parte da produção dos dados decorreu das observações participantes. Sobre essa questão, Gatti (2019) afirma que a neutralidade total de pesquisadores não é possível em pesquisas, especialmente na área da Educação, mas suas concepções não podem sobrepor a fala dos participantes. Fernandes (2016) aponta como alternativa a construção de processos dialógicos durante o processo da pesquisa.
Consentimento e assentimento das crianças com deficiência para participação em pesquisas
A participação das crianças em pesquisas deve ser autorizada pelos pais ou responsáveis.O processo de consentimento é exigido pelas Resoluções n.466 (BRASIL, 2012) e n.510 (BRASIL, 2016). Mesmo com autorização dos pais ou responsáveis, a criança tem o direito de assentir sobre a sua participação.
Quanto ao assentimento a criança tem o direito de manifestar sua aceitação ou sua recusa em participar de um estudo. O assentimento, na Resolução n. 510 (BRASIL, 2016, p. 44), é definido como:
[...] anuência do participante da pesquisa - criança, adolescente ou indivíduos impedidos de forma temporária ou não de consentir, na medida de sua compreensão e respeitadas suas singularidades [...].
No entanto, a obtenção do assentimento não elimina a necessidade do consentimento do responsável.
O processo de assentimento foi relatado em 10 dos 22 trabalhos. Observa-se que os pesquisadores ainda atribuem maior importância ao consentimento dos responsáveis do que o assentimento das crianças, mesmo que durante a pesquisa as crianças com deficiência sejam protagonistas. Essa contradição pode ser atribuída ao desconhecimento das questões relacionadas ao assentimento previstas nas regulamentações sobre ética em pesquisa. Além disso, também se nota como os discursos que tomam a criança com deficiência como vulnerável e incapaz ainda prevalecem nos espaços acadêmicos e de pesquisa.
O discurso que concebe a criança com deficiência como incapaz de compreender ou de manifestar seus desejos ou interesses é marcante para os pesquisadores, pois eles ainda têm dúvidas da capacidade cognitiva das crianças com deficiência ou menores para entender os objetivos e procedimentos da pesquisa. Na tese de Lima (2018), essa dificuldade é relatada quando a pesquisadora justifica que pediu somente o consentimento dos pais porque os participantes eram crianças autistas e poderiam não ter capacidade para registrar o assentimento. Nesse caso, pode ter havido desconhecimento de que o registro do assentimento pode ser em linguagem diferente da escrita, prática reconhecida pela CONEP, previsto na Resolução n. 510, cap. III, seção II, art. 15 (BRASIL, 2016).
Barbosa (2014) afirma que as crianças com deficiência, conforme o tipo e o grau ou a severidade da deficiência, pode não realizar, sozinha, determinadas atividades, dependendo de mediadores, mas cabe aos pesquisadores buscar uma linguagem (gestos, desenhos, artefatos lúdicos etc.) acessível para obter o aceite. Conforme Fernandes (2016), os conceitos de dependência, imaturidade e incompletude (adultos/crianças) envolvem questionamentos e desafios nas pesquisas com crianças e implicam em respeito às diferenças no processo de pesquisa. No relato dos pesquisadores, percebe-se a preocupação de promover as conversas informais e a interação com as crianças, buscando-se construir vínculos que favoreçam o aceite da criança em participar ativamente das atividades da pesquisa.
Em relação ao consentimento e ao assentimento dos participantes, é fundamental considerar aspectos como a disponibilização de informações relevantes em linguagem acessível para a compreensão do processo de pesquisa, bem como o registro do consentimento e do assentimento por ato escrito ou verbal de forma voluntária, informando que o aceite pode ser renegociado e renovado, possibilitando a desistência da criança em qualquer momento do processo (FERNANDES, 2016).
Nos trabalhos analisados, o processo de consentimento foi descrito em 20 estudos, embora, em alguns trabalhos, não tenha sido possível analisar os termos usados, porque os documentos não foram anexados aos trabalhos. Os pesquisadores relataram que o consentimento informado com os pais e/ou responsáveis e professores deu-se por meio de conversas individuais ou reuniões nas instituições escolares.
Também em dois estudos o assentimento informado foi realizado em uma roda de conversa. Ainda, duas pesquisadoras solicitaram às professoras das crianças a leitura do TALE e a apresentação de esclarecimentos sobre a pesquisa. Não houve trabalhos com relatos do uso de assentimento por meio de filmagens ou gravação de áudio.
Perez (2020, p.78) explica, em sua dissertação, que a adesão à pesquisa foi entendida “[...] a partir da aproximação delas com a pesquisadora, da recepção calorosa que foi dada, dos pedidos para brincar junto que foram oferecidos, dos pedidos de colo e auxílios em atividades cotidianas [...]”.
Uma questão ética que deve ser respeitada pelos pesquisadores é o quanto a autonomia das crianças com deficiência para expressar sua vontade (ou recusa) de participar das pesquisas deve ser respeitada, independentemente do consentimento dos responsáveis. Nos trabalhos que mencionam o processo de assentimento, não há menção sobre essa questão. Também não foram relatados casos de recusa de participação por crianças ou não consentimento dos responsáveis. Nesse sentido, Coutinho (2019) alerta que o pesquisador precisa estar atento e verificar se o participante se sente constrangido ou declina da participação nas atividades da pesquisa, ainda que não solicite a saída de forma clara.
Conforme as crianças são vistas como sujeitos com saber a ser reconhecido, orienta-se outro tipo de relação, mudando-se do pesquisar “a criança” para pesquisar “com a criança”, aceitando-a como parceira, na busca de uma compreensão mais ampla de suas experiências. Segundo Ferreira (2010, p. 17), o assentimento ocorre ao longo do processo de pesquisa, pois a aceitação da presença do pesquisador deve ser “[...] permanentemente ativada e renegociada ao longo da pesquisa”.
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE)
Os modelos de TCLE e TALE apresentados nos trabalhos foram analisados mais detalhadamente devido à importância desses documentos para a realização da pesquisa, uma vez que assegura o aceite informado dos participantes. Os modelos de TCLE foram apresentados em 17 trabalhos, e os modelos de TALE, em 7 trabalhos.
O Quadro 2 apresenta uma análise dos modelos de TCLE e TALE presentes nos trabalhos em estudo.
Aspectos éticos | Modelos TCLE(pais, responsáveis, professores e outros) | Modelos TALE |
---|---|---|
Formato de convite | 17 trabalhos | 7 trabalhos |
Linguagem acessível | 17 trabalhos | 4 modelos apresentavam linguagem não adequada para crianças menores e não alfabetizadas. 3 modelos apresentavam linguagem acessível ao nível de escolaridade das crianças. Por exemplo: Carvalho Júnior (2021) apresentou o modelo do TALE no formato de um pequeno livrinho. |
Objetivos | 17 trabalhos | 7 trabalhos |
Justificativa | 11 trabalhos | 5 trabalhos |
Procedimentos da pesquisa | 17 trabalhos | 7 trabalhos |
Tempo das atividades | 16 trabalhos | 6 trabalhos |
Riscos e benefícios | 17 trabalhos | 7 trabalhos |
Assistência | Não consta | Não consta |
Ressarcimento | Não consta | Não consta |
Indenização | Não consta | Não consta |
Recusa na participação | 13 trabalhos | 7 trabalhos |
Retirada do consentimento | 13 trabalhos | 7 trabalhos |
Confidencialidade | 15 trabalhos | 7 trabalhos |
Anonimato | 11 trabalhos | 7 trabalhos |
Definição e atribuições do CEP | 7 trabalhos | 3 trabalhos |
Horários de atendimento do CEP | Não consta | Não consta |
Contato do CEP | 7 trabalhos | 3 trabalhos |
Armazenamento | 5 trabalhos | 4 trabalhos |
Fechamento | 7 trabalhos | 2 trabalhos |
Devolutiva | 7 trabalhos | 4 trabalhos |
Fornecimento de uma via original do documento | 10 trabalhos | 5 trabalhos |
Assinaturas dos pesquisadores | 10 trabalhos | 3 trabalhos |
Rubrica | Não consta | Não consta |
Fonte: Elaborada a partir de Resoluções n. 466 e n. 510 (BRASIL, 2012, 2016).
De acordo com esse quadro, as principais inadequações nos termos de consentimento e assentimento anexados são a omissão de informações nos modelos de TCLE e TALE sobre aspectos éticos previstos nas Resoluções n.466 (BRASIL, 2012) e n.510 (BRASIL, 2016),as inadequações na redação dos termos e a linguagem, nos modelos de TALE, não adequada para a idade e a compreensão cognitiva da criança.
Publicação dos resultados da pesquisa
A apresentação dos resultados da pesquisa é um espaço para reflexões, questionamentos e discussões, visando explicitar adequadamente os achados, do qual participam todos os sujeitos e instituições envolvidos no estudo. Os participantes têm o direito de acessar os resultados da investigação antes mesmo de estes se tornarem públicos. Nesse sentido,o pesquisador pode negociar com a criança durante o período da investigação sobre a relevância daquilo que será publicado, assim como sobre o conteúdo das informações.
Nos estudos analisados, foram identificados cuidados na referência às características e aos comportamentos das crianças com deficiência, especialmente quanto ao uso de designações e classificações. A identificação das crianças com deficiência ocorreu em anonimato por meio de diferentes formas, tais como nomes fictícios sugeridos pelas próprias crianças ou pelos investigadores, nomes de personagens retirados de livros da literatura infantil ou revistas infantis e nomes de pessoas públicas conhecidas, como artistas e jogadores de futebol. Não foram relatados casos de participantes que autorizaram sua identificação nos trabalhos publicados.
Conforme Fernandes (2016), a forma como se relata a pesquisa sem ter os cuidados com o anonimato ou a forma de identificação dos participantes podem gerar prejuízos e efeitos indesejáveis tanto para pesquisadores como para as crianças. Para Kramer (2002), o uso de nomes fictícios é uma alternativa para não revelar a identidade das crianças, particularmente quando a pesquisa tem potencial para denunciar problemas ou abusos envolvendo as próprias crianças, suas famílias ou suas instituições escolares. Mas, a pesquisadora não concorda com o uso de números ou letras para identificar as crianças, porque isso nega a sua condição de sujeitos.
No trabalho de Santos (2019), as crianças participantes foram identificadas por personagens da literatura infantil ou de desenhos animados. Santos (2019, p.51-52) explica que a “[...] escolha do nome ‘Gato de Botas’ se deve ao fato de que esse menino, inúmeras vezes, ter fingido ser um gato durante as observações, inclusive deixando de falar para miar”.
O uso de informações provenientes de documentos como diários, registros escolares e/ou médicos, pareceres, protocolos, questionários, instrumentos de avaliação e transcrições de falas foi relatado em 13 trabalhos. Identificou-se o uso de áudio em 12 trabalhos, o de vídeos em 10 e o de fotografias em 4. As informações relacionadas à privacidade e à idoneidade no tratamento dos dados foram incluídas nos modelos do TCLE e do TALE da maioria dos trabalhos. O Termo de Compromisso de Utilização de Dados (TCUD) foi apresentado em cinco trabalhos, e o Termo de Autorização de Uso de Imagem e Som (TCUIV), em apenas um trabalho. O recurso de colocação de tarjas para ocultar a face foi empregado em quatro trabalhos. O uso da figura de um “círculo” foi usado para cobrir a imagem do rosto das crianças em um trabalho.
Na dissertação de Carvalho Júnior (2021), não foram observados os cuidados éticos quanto ao anonimato na publicação do texto final da dissertação. Foram incluídas fotografias dos participantes de pesquisa, sem nenhuma preocupação em evitar sua identificação, mostrando seus rostos sem alusão a autorização para a publicação das imagens. O pesquisador somente relatou o cuidado em preservar a identidade dos sujeitos, atribuindo nome fictício aos participantes da pesquisa.
Os pesquisadores relataram a seleção das imagens dos vídeos, dos desenhos, das fotografias e das gravações de áudio que apresentavam mais situações comunicativas, posturas, gestos, movimentos corporais dos participantes com melhor qualidade de imagem e que não demandavam adequações técnicas de conversão, compactação e transferência para viabilizar a análise. A recusa do participante em permitir a divulgação das imagens foi relatada por Bosse (2019), que não utilizou parte do material produzido na tese publicada.
A revelação de práticas institucionais abusivas ou de profissionais que desrespeitam a dignidade e o bem-estar das crianças com deficiência na publicação dos resultados pode resultar em tensão com hierarquias estabelecidas e estruturas dominantes (VIANNA; STETSENKO, 2021). Em dois estudos, os pesquisadores Santos (2019) e Sternberg (2017) teceram comentários sobre problemáticas na prática pedagógica quanto à omissão dos profissionais e da instituição diante de situações vivenciadas por crianças com deficiência. Os pesquisadores apontaram como causa os déficits na formação de professores e a falta de compromisso político da mantenedora.
Quanto aos documentos utilizados e/ou produzidos nos trabalhos, em todos foram informada a autoria e/ou fonte das informações, falas e imagens. O uso de dados de outro estudo já publicado foi relatado por Camatti (2017). A pesquisadora recorreu à entrevista com a mãe de um menino realizada em outra investigação para buscar as informações acerca da criança, pois não conseguiu contato com a mãe. Nesse caso, não é necessária a solicitação do consentimento e/ou do assentimento dos participantes e responsáveis para a utilização desses dados em nova investigação, pois o conteúdo daquela entrevista passou a ser de domínio público quando o trabalho foi publicado.
Quanto à questão da devolutiva, Pletsche Souza (2021) defendem ser uma parte constitutiva da ética e da transparência com os participantes em pesquisas na área das Ciências da Educação, podendo ser realizada de formas distintas. A devolução do material produzido antes da divulgação não foi relatada em nenhum dos trabalhos nem nos termos de consentimento/assentimento. No trabalho com surdos da doutoranda Bosse (2019), esta relatou a publicação da tese em versão bilíngue para facilitar o acesso ao trabalho pela comunidade surda em geral e por escolas de surdos.
Em duas dissertações cuja metodologia foi o relato de experiência das pesquisadoras a partir da observação da participação de crianças com deficiência nas atividades escolares e na sala de atendimento especializado, não foi mencionado como as pesquisadoras procederam com as questões éticas na publicação das informações. Considerando que dados pessoais e informações do cotidiano dessas crianças foram divulgados nos trabalhos, seria imprescindível apresentar os registros da anuência, o aceite para participação e a autorização da publicação dos dados dos participantes.
A responsabilidade ética na publicação dos dados implica a acuidade das informações publicadas e a relevância para a comunidade científica e a sociedade.
Da ética como regulação à ética como prática reflexiva
A área da Educação tem resistências na submissão dos projetos de pesquisa ao Sistema CEP/CONEP por haver discordância quanto a dispositivos regulatórios comuns para todas as áreas de conhecimento, sem reconhecer as especificidades epistemológicas e metodológicas de cada área.Ainda apontam que a CEP/CONEP reduz a ética a questões burocráticas (preenchimento de formulários e apresentação de documentos), não potencializando a reflexão e a discussão sobre os dilemas e decisões éticas. Os pesquisadores da educação reconhecem a importância da ética na pesquisa, mas divergem da CONEP ao priorizarem a concepção da ética como uma prática reflexiva (CAMPOS, 2020; CARVALHO, 2021; FARE; SAVI NETO, 2019; MAINARDES, 2017; MAINARDES; CURY, 2019; SIQUELLI, 2019).
Nessa direção, Campos (2020) afirma que o aprimoramento do Sistema CEP/CONEP passa por um diálogo entre os atores envolvidos e por mais pesquisas de acompanhamento das formas de funcionamento dos diversos comitês. A autora também aponta que o aprimoramento dos CEPs envolve uma preocupação com a dimensão pedagógica e a divulgação de sua prática.
Mainardes (2017), Amorim et al. (2019), Fare e Savi Neto (2021) e Carvalho (2018) destacam a importância de fomentar a reflexão sobre a ética na pesquisa discutindo aspectos tais como ampliação das publicações e dos estudos sobre esse tema e elaboração de um código de ética ou de um documento orientador pelas próprias associações científicas. No Brasil, a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED) é o principal espaço de debate sobre ética em pesquisa na educação, promovendo reuniões e seminários para discussões. Também investiram na publicação de documentos sobre a ética na pesquisa educacional. A ANPED publicou dois volumes do e-book “Ética e pesquisa em Educação: subsídios”, organizados em forma de verbetes e assinados por reconhecidos pesquisadores da área. O volume I foi publicado em 2019, e o volume II, em 2021. A ANPED também investiu na tradução em língua portuguesa do documento Diretrizes Éticas para Pesquisa da Associação Britânica de Pesquisa em Educação (BERA). Este documento pretende ampliar os subsídios para os pesquisadores da área de Educação, os Programas de Pós-Graduação em Educação (PPGEs), a Comissão de Ética em Pesquisa e pesquisadores em geral (BERA, 2022).
No Brasil, os PPGs têm autonomia para definirem seus currículos (disciplinas convencionais ou seminários; atividades obrigatórias e/ou optativas). Os PPGs são organizados em áreas de concentração e linhas de pesquisa, com grupos de pesquisa. Nesse contexto, os grupos de pesquisa são importantes no processo de formação de pesquisadores e na orientação de pesquisas de discentes e docentes (MAINARDES; STREMEL, 2019).
Considerações finais
A análise dos trabalhos revelou os movimentos dos pesquisadores para assegurar os direitos e o bem-estar dos participantes e apresentar a criança com deficiência como protagonista social na pesquisa. Quanto à questão da visibilidade da criança na pesquisa, ainda se observa uma preponderância do consentimento sobre o assentimento informado, revelando a dificuldade dos pesquisadores em romper com o olhar prévio que têm sobre as crianças e considerá-las competentes para compreender as situações e expressar seus interesses. A criança deve ser ouvida, mas essa voz precisa ser autorizada por um adulto.
A narrativa dos pesquisadores indicou a presença de uma responsabilidade ética,embora se constatem nos trabalhos faltas ou inadequações nas documentações previstas pelas regulamentações sobre ética na pesquisa e o não encaminhamento dos projetos ao CEP por alguns pesquisadores. Nesse sentido, a revisão das questões éticas por um CEP contribuiria para observar aspectos éticos envolvidos na produção dos dados e na divulgação dos resultados, destacando-se o consentimento e o assentimento,a privacidade, o armazenamento, a devolução dos resultados e a documentação prevista nas regulamentações.
Considerando a discussão das questões éticas envolvidas nos estudos analisados, tende-se a concordar com Fare (2019) na indicação da necessidade de reflexões e discussões sobre problematizações teóricas, epistemológicas, metodológicas e políticas que envolvam a ética nos espaços de pesquisas. Também é apoiada a ideia de Fare e SaviNeto (2021, p. 92) de que recuperar a “indissociabilidade entre formação e ética” pode ser uma “[...] forma de frear a invasão normativa ao campo de pesquisa das CHS e de aprofundar o caminho da reflexividade inerente ao ofício de pesquisar”.
Ao finalizar este texto, destaca-se que compreender a ética como questão de reconhecimento das crianças com deficiência como sujeitos de direitos e protagonistas sociais implica o compromisso ético e político do(a) pesquisador(a). Nessa perspectiva, os estudos da Sociologia da Infância e sobre deficiência podem contribuir com os debates sobre a ética em pesquisas da Educação. Considerando que ainda existe uma carência de estudos e textos sobre ética na pesquisa envolvendo crianças com deficiência, fomentar as discussões sobre os novos estudos sociais da infância aliados à reflexão sobre a ética na pesquisa será significativo para articular as questões éticas referentes à autonomia, à autoria e ao protagonismo nas pesquisas envolvendo crianças com deficiência na Educação.