O ensino de Educação Física escolar para crianças pequenas tem buscado superar a prática pedagógica cristalizada ao longo do tempo e com isso torna-se necessário procurar meios eficientes e estratégias dinâmicas e maleáveis que possam direcionar um novo fazer pedagógico para o componente curricular.
Ensinar conteúdos relacionados à cultura do movimento humano1 de maneira fragmentada e aleatória torna difícil o aprofundamento nesses conteúdos, relegando a disciplina à margem do currículo escolar e da educação formal básica.
Neste texto, nos propomos a relacionar possibilidades práticas para o ensino da Educação Física segundo a lógica da Teoria da Assimilação das Ações Mentais por Etapas com o intuito de fundamentar uma nova possibilidade metodológica, considerando otimizar a relação entre o conteúdo, o tempo e a aprendizagem.
Fundamentamos nossa análise da Teoria da Assimilação das Ações Mentais por Etapas apoiadas na psicologia russa da qual Vigotski foi precursor. Buscamos construir, por meio dessa análise, possibilidades de desenvolvimento da atividade de ensino, considerando os níveis de generalização, consciência e independência na realização das atividades em aulas.
Além de contribuir para o bom desenvolvimento das aulas de Educação Física e a apropriação do conhecimento científico pelos alunos, acreditamos que fundamentar um novo fazer pedagógico para a disciplina possa ressignificar a visão social que se tem dela no contexto escolar.
Nos referimos ao senso comum que percebe a Educação Física como disciplinadora do corpo, responsável pelo desenvolvimento puro e simples de habilidades motoras, o rendimento esportivo e o despertar da consciência higiênica e de saúde. Essa concepção contribui para a construção de comportamentos fossilizados e acríticos dos professores, pois não encontram uma grande diversidade de estudos que tragam uma reflexão crítica à área em associação com possibilidades metodológicas práticas.
Nesse sentido, compreendemos o professor como o indivíduo responsável pela apropriação do conhecimento pelo aluno e, portanto, precisa fazer de sua prática docente uma continuação do contexto social do aluno, da escola e dele mesmo. Tornando a prática docente parte da realidade concreta do ambiente em que se desenvolve.
Vigotski (1926/2003) afirma que, no processo de ensino e aprendizagem, o professor é o sujeito da ação. É dele e de sua prática que depende o sucesso na aquisição do conhecimento que ocorre a partir da interação do sujeito com o meio.
Nesta interação ocorre a troca de conhecimento e apropriação cultural, processo chamado de mediação pelo autor, em que o professor, considerando o espaço escolar, atua como facilitador e organizador desse processo, auxiliando seu desenvolvimento.
Ao professor de Educação Física, que procura estabelecer as diretrizes de sua prática docente numa visão crítica, pautada em conceitos históricos e sociais é preciso orientar sua reconstrução com vistas à valorização do processo de ensino e aprendizagem em sua totalidade
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Realizamos um estudo teórico em que o elemento empírico encontra-se em textos de autores específicos, tais como, Vygotsky (2005); (2003); Talizina (1988) e Galperin (1986), realizando uma leitura sistematizada nestes textos com o olhar voltado ao nosso objeto de estudo.
Os textos analisados foram produzidos por autores proeminentes da Psicologia Histórico-cultural e o fizemos em constate dialogo com produções científicas da área da Educação Física Escolar. Considerando-se uma condição dialética na construção do conhecimento.
O foco principal de nossa análise foi a Teoria da Assimilação das Ações Mentais por Etapas em interlocução com a psicologia russa, para a orientação metodológica do ensino de Educação Física.
Em nossas leituras buscamos elementos que possam possibilitar, ao professor, o estabelecimento de relações cognoscitivas entre alunos e objetos de ensino. No caso da Educação Física os elementos constituintes da cultura do movimento necessários à aquisição da consciência conceitual e resolução de problemas postos.
PERSPECTIVAS PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR NO CONTEXTO DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL
A Educação Física brasileira, dentro ou fora da escola, esteve intimamente relacionada às ciências da saúde, sob paradigmas mecanicistas e militaristas e, ainda, sob a égide do higienismo, do aperfeiçoamento motor e, mais tarde, do rendimento esportivo.
Após a crise pedagógica, sofrida durante a década de 1980, caracterizada por Moreira (1999) como um movimento reflexivo e intelectual, a área busca romper com esses paradigmas que a reduzem a uma ciência superficial da motricidade humana.
Contudo, ainda nos dias atuais, revela traços dessa vertente mecanicista e a reproduz no comportamento pedagógico estereotipado do professor de Educação Física, sobretudo no contexto educacional, expressando, dessa forma, certa dificuldade para a superação ideológica.
Deste modo, é importante para nós, professores de Educação Física, encontrarmos alternativas e propostas para o ensino que se fundamentem em bases teóricas que contribuam para a educação, em geral, e venham a ressignificar a pedagogia da Educação Física.
Soares, Taffarel e Escobar (1999) esclarecem que no contexto escolar, a Educação Física não difere das demais disciplinas quanto à sua função, não podendo eximir-se da tarefa de ensinar e ensinar bem. É preciso analisar o conhecimento que a disciplina deve possibilitar ao aluno, considerando que "[...] o conhecimento é um dos modos de apropriação do mundo pelo homem, apropriando esta que somente se torna possível mediante a atividade humana. " (p. 212).
Tais considerações nos fazem refletir e considerar as implicações dos conceitos da teoria histórico-cultural no trabalho do professor de Educação Física Escolar, considerando-a um caminho para a construção de uma metodologia crítica e transformadora na área.
A Psicologia Histórico-Cultural buscou superar a visão dicotômica do sujeito, possibilitando compreendê-lo como totalidade. Neste ponto, a educação, sendo um processo dinâmico, favorece a constituição de um sujeito integral, não fragmentado. O aluno constitui-se a partir da apropriação cultural, em que os espaços, elementos e condições concretas de educação se complementam.
O processo educativo não deve ser concebido como algo unilateralmente ativo, nem devemos atribuir tudo à atividade do ambiente, anulando a do próprio aluno, a do professor e tudo que entra em contato com a educação. Pelo contrário, na educação não há nada passivo ou inativo. Até as coisas inanimadas, quando incorporadas ao âmbito da educação, quando adquirem um papel educativo, se tornam dinâmicas e se transformam em participantes eficazes desse processo. (Vigotski, 2003, p. 78)
Deste modo, se aceitamos que o indivíduo se constitui mediante suas relações com o outro e com o contexto social, entendemos que é necessário possibilitar interações sociais nas aulas de Educação Física que favoreçam essa mediação. Essas interações também ocorrem nas aulas das demais disciplinas, entretanto é fundamental considerar a flexibilidade e fluidez dos contatos sociais propiciados pelo contexto do desenvolvimento dos elementos da cultura do movimento humano.
Deste modo, no contexto da interação social, chegamos ao conceito da mediação para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores e apropriação do conhecimento.
Rego (1995) e Vioto Filho (2009) afirmam que a mediação está presente em toda interação humana e é realizada pelos objetos culturais, instrumentos concretos e simbólicos ou signos historicamente construídos. Dentre estes signos, a fala (ou linguagem como trazem algumas traduções) é o mais proeminente e que diferencia, por excelência, os humanos dos demais seres vivos.
Antes de controlar o próprio comportamento, a criança começa a controlar o ambiente com a ajuda da fala. Isso produz novas relações com o ambiente, além de uma nova organização do próprio comportamento. A criança, com essas formas caracteristicamente humanas de comportamento, produz, mais tarde, o intelecto e constitui a base do trabalho produtivo: a forma especificamente humana do uso dos instrumentos" (Vigotsky, 1984/2007, p.12).
Portanto, é por meio dessas interações mediatizadas que, nas aulas de Educação Física, pode-se construir condições para a transformação do conhecimento do senso comum ou do conceito espontâneo pelo aluno, em conhecimento científico ou conceito científico. Nestas relações, acreditamos que pode ocorrer a aprendizagem.
Diante disso, é fundamental entender o professor como um sujeito ativo nesse processo de ensino e aprendizagem constituído por relações dialéticas e interações mediadas: "[...] o professor tem um novo e importante papel, Ele tem de se transformar em organizador do ambiente social, que é o único fator educativo" (Vigotski, 1926/2003, p. 293).
O professor é o ator do processo e detentor do conhecimento necessário acerca do tema proposto em aula e a ele cabe organizar o espaço educacional de modo que se realize a aquisição dos conceitos científicos pelos alunos.
Para estabelecer limites e traçar estratégias para otimização do seu tempo e do tempo do aluno, o professor deve considerar a zona de desenvolvimento iminente ou proximal do aluno, conceito da teoria vigotskiana que compreende o que a criança é capaz de fazer, porém com o auxílio de outra pessoa.
O que uma criança é capaz de fazer com o auxílio dos adultos chama-se zona do seu desenvolvimento potencial. Isto significa que com o auxílio deste método podemos medir não só o processo de desenvolvimento até o momento presente e os processos de maturação que já se produziram, mas também os processos que estão ocorrendo ainda, que só agora estão amadurecendo e desenvolvendo-se (Vigotski, 2005, pp. 36-37).
Enquanto a zona ou nível de desenvolvimento real se refere àquilo que a criança já faz sem auxílio, funções que já estão consolidadas nela, à zona de desenvolvimento iminente pertencem as ações para as quais precisa de ajuda ou estímulo, seja o diálogo ou uma experiência por exemplo, Rego (1995).
[...] a zona de desenvolvimento potencial, que reforça a importância do trabalho educativo e deve ser compreendida como a possibilidade do sujeito se desenvolver a partir das relações sociais, sobretudo aquelas construídas na escola, sendo que, tais relações, se significativas, podem possibilitar aos indivíduos a apropriação dos elementos da cultura humana - material, corporal e simbólica - e nesse sentido, garantir a efetivação de um processo educativo humanizador e que garanta condições concretas/sociais para que os indivíduos avancem na construção da maneirar de ser, pensar, sentir e agir cada vez mais humanas, porque são construídas na relação com o outro (Vioto Filho, 2009, p. 692).
Essas considerações são importantes, pois mostram que o conhecimento compartilhado pela Educação Física, assim como o de outros componentes curriculares, tem a finalidade de formar o ser humano em sua totalidade, favorecendo sua emancipação. A questão, então, é como compartilhar esses conhecimentos e como conduzi-los no ambiente escolar.
A Educação Física, no rol das disciplinas escolares, justifica-se na medida em que possibilita, aos alunos, a aproximação de certa rede de conhecimento facilitando-lhes uma leitura crítica do mundo. Por isso, Soares et al. (1999) defende a importância de identificar quais serão os conteúdos trabalhados na escola, esclarecer por que são fundamentais para a reflexão social do aluno e explicitar de que maneira a própria Educação Física deve ser tida como elemento de impulsão cultural/social.
Deste modo, entendemos que para a Educação Física Escolar, numa perspectiva histórico-cultural, é esperado que os alunos apreendam as possibilidades da expressão corporal como linguagem, instrumento histórico de comunicação e elemento básico da organização interna dos indivíduos, como afirma Vigotski (2003).
O desenvolvimento das habilidades motoras em si deve estar relacionado às demais atividades humanas e tal concepção deve permear a prática pedagógica da Educação Física, constituindo-se na apreensão crítica da expressão corporal.
[...] esta apreensão somente será crítica se possibilitar a compreensão da construção histórica da expressão corporal enquanto linguagem, dos seus nexos lógicos internos com a realidade social, do reflexo disso na consciência expressão da realidade concreta e da realidade. (Soares et al., 1999, p.219).
Vioto Filho (2009) considera que uma apropriação significativa da teoria histórico-cultural possibilitaria aos professores de Educação Física uma visão ampla de seu papel como sujeito responsável pelo processo de desenvolvimento e humanização dos estudantes.
Entendemos que as práticas dos elementos inerentes à Educação Física devam ser contextualizadas histórica e culturalmente, em concordância com suas construções sociais. Esses elementos, de acordo com Soares et al. (1999), precisam envolver, no processo de ensino e aprendizagem, suas dimensões sociais, práticas institucionalizadas, religiosas e lúdicas, seus códigos, sentidos e símbolos transformando a Educação Física e sua função social. A proposta é superar a ideia de uma Educação Física vazia de conteúdos, mecânica e doutrinadora.
Em decorrência das especificidades da Educação Física, de acordo com Vioto Filho (2009), a cultura corporal como linguagem, e concretizada pelos processos da motricidade humana, torna-se um instrumento fundamental a ser apropriado pelos estudantes por meio da experiência prática. Assim promove o desenvolvimento multilateral das capacidades do sujeito, ampliando as condições humanizadoras.
A TEORIA DA ASSIMILAÇÃO DAS AÇÕES MENTAIS POR ETAPAS.
A teoria da assimilação das ações mentais foi desenvolvida por Galperín, com o objetivo de explicar o processo de internalização de atividades externas desenvolvidas pelos sujeitos no contexto educacional. Nesta teoria, Galperín (1986) considera a composição de uma base orientadora da ação caracterizada pela necessidade/objetivo, definição e essência desta ação, com o objetivo da representação externa e, por fim, a internalização da mesma.
De acordo com Talizina (2009a), a transformação da representação externa em internalização da ação ocorre em cinco etapas de assimilação: a motivacional, o estabelecimento da base orientadora da ação (BOA), a formação da ação no plano material, a formação da ação no plano da linguagem e a formação da ação no plano mental.
Talizina (1988a) afirma que esta teoria considera o estudo um sistema em que determinados tipos de atividade conduzem os alunos a novos conhecimentos. Destacamos que a autora esclarece que Galperín chama de estudo qualquer atividade que como resultado de seu processo formam novos conhecimentos e habilidades.
A teoria da Assimilação das Ações Mentais por Etapas não se desenvolveu como uma teoria de ensino. Em princípio, é a teoria da assimilação ontogenética da atividade psíquica. Mas, como a ontogenia do homem é, principalmente, o processo de assimilação da experiência acumulada pela humanidade, que é sempre realizada com a ajuda, em uma ou outra medida, de outras pessoas - isto é, como ensino, educação - a teoria é, ao mesmo tempo, a teoria da assimilação, a teoria do ensino.2 (p.137)
Ou seja, a teoria em questão se refere à internalização que o sujeito faz dos objetos e símbolos cotidianos e o percurso realizado para atingi-la, tornando-lhes esses símbolos singulares, destacando os aspectos envolvidos no desenvolvimento individual do sujeito, por meio da aproximação da cultura.
Deste modo, compreendemos que nem tudo que se aprende na escola possibilita o desenvolvimento e a assimilação de ações mentais pelos indivíduos, de acordo com Bogoyavlensky e Menchinskaya (2005).
A aquisição de noções não significa sempre um progresso no desenvolvimento psíquico da criança. Para descobrir o que no desenvolvimento do conhecimento beneficia o desenvolvimento psíquico, é necessário conhecer como é assimilado o material escolar, ou seja, que operações de pensamento se usam (p.75).
Posto isso, entendemos que a sistematização do ensino, em qualquer área ou fase do processo de escolarização, deve pautar-se sobre uma teoria com amplo embasamento teórico e que, sobretudo, indique caminhos para o efetivo desenvolvimento integral do aluno. E é em concordância com esse desenvolvimento que nos sentimos instigados a verificar as possíveis relações entre a pedagogia da Educação Física Escolar e a Teoria da Assimilação das Ações Mentais por Etapas.
Talizina (1988a e 1988b) compreende que para que o sujeito se aproprie de objetos socialmente construídos, é necessário concretizar o ensino com atividades relacionadas a este, visto que quando definimos que a criança assimila determinados conhecimentos significa que ela pode usá-los adequadamente e que faz, por si só, correspondentes ações e operações tanto motoras quanto mentais.
AS ETAPAS PARA A ASSIMILAÇÃO
Talizina (2009a) define a primeira etapa, motivacional, como a fase em que ocorre a preparação do aluno para a aquisição de novos conhecimentos. Como o próprio nome diz, é o momento em que o professor age para motivar o aluno, oferecendo a ele bases a respeito do conhecimento que será apresentado.
O fundamento da teoria de Galperín é a interação entre sujeito e objeto mediada pelo meio. Deste modo, o sujeito se relaciona com o objeto do conhecimento a partir da atividade proposta pelo professor e, em nosso entendimento, essa interação principia no instante em que se lhe apresenta.
De acordo com Talizina (1988a), a ação desenvolvida relaciona-se ao objeto de estudo, no caso da escola os conteúdos, e deste modo prognostica a representação desta ação e das condições em que se realiza.
É importante lembrar que a motivação dos alunos pode ter origem externa ou interna e que deve ser construída a partir de interesses relacionados ao ambiente social e prático deles.
A segunda etapa constitui o modelo da atividade ou tarefa a ser realizada. O objeto e o sujeito são situados quanto ao desenvolvimento, estabelecendo o objetivo e a finalidade de realização da tarefa e denomina-se base orientadora da ação (BOA).
Talizina (1988a) e Galperín (1986) afirmam que a BOA é fundamental ao desenvolvimento da teoria da atividade no contexto educacional escolar. A autora também pontua que não há outro conceito na teoria psicológica que comprove os efeitos da BOA senão a atividade.
É por meio da BOA que o aluno, com o auxílio do professor, estabelece os caminhos necessários para a realização da tarefa proposta. Nesta etapa, o aluno toma posse de todo o contexto da atividade envolvida e define as ações fundamentais para a realização.
Galperín (1986) demonstra a essencialidade de uma base que oriente a ação e argumenta que a psicologia educacional deve estudar os meios pelos quais essa orientação impacta a compreensão e organização da atividade na escolarização.
A BOA constitui o planejamento para a ação, composto por objetivo e construção para sua execução correta e otimização do tempo empreendido. Partindo da análise de uma situação real, o aluno orienta sua ação para solucionar o problema; para Talizina et al. (2010)
[...] a razão para a ação sempre se refere à esfera motivacional do sujeito e sua vontade. Os motivos só podem ser considerados como um componente estrutural da atividade [...] a orientação (base orientadora da ação) sempre inclui a percepção de várias modalidades sensoriais, de acordo com o conteúdo da ação ou da memória (também em diferentes modalidades) da informação necessária para a execução do problema.3
Na terceira etapa, formação da ação no plano material, ocorre a materialização da ação, ou seja, é quando o aluno realiza a tarefa ou atividade proposta utilizando a BOA estabelecida na etapa anterior. Os objetivos são orientados para a execução no plano externo transformando a proposta do professor em realidade.
Galperín (1986) afirma que a etapa da materialização é necessária, pois a atividade é a fonte da apropriação do conhecimento humano. Não é suficiente ver ou ouvir sobre determinado assunto, é importante vivenciá-lo na prática. Se a ação oriunda de determinado objeto de assimilação não é evidente, é preciso torná-la assim por meio da materialização, de acordo com o autor.
No desenvolvimento dessa etapa, a fala começa a fazer parte do processo de assimilação servindo de preparação para a etapa seguinte.
Nesta etapa deve ocorrer a preparação da transferência da ação para a etapa seguinte, que difere daquela dada, principalmente, pela forma da ação. Para ele4, a forma material (ou materializada) da ação é combinada, desde o início, com o verbal: os alunos formulam na fala tudo o que fazem na prática, materialmente.5 (Talizina, 1988a, p.111).
A quarta etapa, formação da ação no plano da linguagem, ocorre a externalização da ação. O aluno alcança a fase em que exterioriza o conhecimento adquirido por meio da linguagem. Quando alcança essa etapa o aluno já é capaz de organizar por si mesmo as conexões entre uma e outra ação e para qual fim elas se desenvolvem.
A linguagem é, segundo Vigotski (2005), o principal signo da mediação entre o sujeito e o meio. Mediando a interação entre sujeito, objeto, ação e atividade, a linguagem possibilita o processo de formação da abstração e generalização dos conceitos, o que ocasiona a passagem à próxima etapa.
Talizina (1988a) esclarece que se antes a fala servia de sistema indicador nas etapas anteriores, sem consistir em parte da tarefa, nesta se converte em signo independente do processo, tanto da tarefa como da ação:
a ação verbal deve ser obrigatoriamente assimilada em forma desdobrada: todas as operações que a integram não somente devem adquirir a forma verbal, como também devem ser assimiladas por ela6 (p.111).
Na etapa seguinte, formação da ação no plano mental, acontece a internalização da atividade por meio dos símbolos, quando o sujeito passa a classificar as ações e atividades de acordo com o mundo dos significados. É nesta etapa que, conforme Talizina (2009a), o indivíduo compreende o objetivo concreto e a finalidade da ação proposta.
A autora assevera que, nesse momento, o aluno, sem a necessidade da fala, caracteriza a ação para si de acordo com o desdobramento de consciência e generalização alcançados nas etapas anteriores.
Nesta etapa a ação adquire muito rapidamente um desenvolvimento automático, torna-se inacessível a auto-observação. Agora é o ato de pensar, em que o processo está oculto e se abre à consciência apenas o produto deste processo [...]7 (Talizina, 1988a, p.112).
Galperín (1986) esclarece que a diferenciação da ação externa da interna (mental) reside no fato desta ser última ser produto da transformação por etapas, relacionando atividade psíquica com o objeto material. A partir de então o indivíduo domina o conceito por completo.
O ensino, seguindo esses pressupostos, assume em primeiro lugar a forma de ações externas, transformando-se, em seguida, em internas, quando o conhecimento é internalizado pelo aluno, pois está diretamente relacionado à sua atividade prática e deste modo não será esquecido, visto que é relacionado à sua realidade objetiva, Galperín (1986).
Galperín (1986) afirma que a passagem por estas etapas é importante para a assimilação dos conceitos das atividades pelos alunos e, por meio delas, o sujeito alcança o nível de formular pensamentos por generalização e abstração.
Além disso, fica evidente que a ação orientada a um objeto concreto é a fonte da apropriação dos conhecimentos pelo indivíduo. O autor compreende que a atividade humana não pode ser compreendida como uma reação natural aos movimentos históricos e sim um sistema estruturado e composto de transições e transformação interna. Portanto, é definida pela orientação e não pode ser realizada ao acaso ou sem objetivo específico.
De acordo com Talizina (2009b), para os processos educativos, o estudo da ação, como uma estrutura invariante composta por objetivo, objeto, base orientadora e finalidade concreta é imprescindível. Para a autora, sem essas considerações perde-se o sentido da Psicologia Educacional.
Portanto, acreditamos que o ensino da Educação Física e seus elementos da cultura do movimento humano pode ser pautado na teoria de assimilação das ações mentais por etapas, pois como afirma Galperín (1986), as etapas vão sendo construídas dentro da própria atividade refletindo suas partes estruturais e funcionais, ou seja, a orientação, execução e domínio.
O aluno terá, nesse contexto, condições necessárias para realizar as tarefas propostas, além de conhecer os seus limites. Deste modo, entre proposição, ampliações e execução, durante o desenvolvimento da ação será empreendido menos esforço e maior possibilidade de aprendizagem.
Pacheco Neto (2016) afirma que pensar as possibilidades para fortalecer a Educação Física na escola concorre para pensar o aluno em todas as suas dimensões, livrando-o do ranço competitivo e técnico da disciplina. Segundo o autor, é importante perceber o aluno em suas relações sociais e de que maneira essas relações influenciam o processo pedagógico.
Deste modo, os conteúdos escolares devem ser transmitidos, de acordo com Lavoura (2016), a partir da reprodução das determinações dos objetos de ensino dos componentes curriculares para que possibilitem aos alunos "reproduzir em pensamentos os traços constitutivos dos objetos e conceitos de ensino" (pp. 8-9).
Para o autor, reconhecer que a Pedagogia e a Psicologia Educacional, num contexto histórico e dialético, devem se fundamentar na necessidade de humanização do indivíduo pelo desenvolvimento das funções psicológicas, possibilita aos alunos a apropriação dos conhecimentos e conceitos científicos superando o senso comum.
Galperín (1986) e Talizina (1988b) afirmam que a estruturação da aula caracterizada pelos conceitos envolvidos na ação compreende aspectos condicionais que fornecem uma visão total e possibilita a formulação das estratégias. Assim, o aluno tem consciência da ação e é capaz de traçar, ele mesmo, um caminho mais ágil para a realização sem perder de vista o resultado pretendido.
O reconhecimento dessas premissas, como expõe Lavoura (2016), conduz à necessidade de aprofundamento teórico acerca dos objetivos que orientam o trabalho educativo em Educação Física.
[...] a tarefa essencialmente educativa da Educação Física na escola reside na transmissão de conceitos teóricos, não cotidianos e superadores da mera execução prática de movimentos corporais, conceitos estes os quais se identificam com o pensamento teórico formado por meio do ensino dos conteúdos mais desenvolvidos acerca do acervo dos conhecimentos historicamente acumulados no âmbito das atividades da cultura corporal [...] (Lavoura, 2016, p. 11).
Com o conhecimento da totalidade do fenômeno, o aluno desenvolve ações mais eficazes do que quando o conhecimento é fragmentado, pois estabelece as conexões entre a proposta, a tarefa e a finalidade. Essa é a essência da assimilação dos conceitos, instrumento para a construção de argumentos fundamentais para a realização e internalização da mesma Talizina (2009b).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As ações, do mesmo modo que as atividades a que se dirigem, constituem um sistema determinado nas relações sociais, sendo que a atividade psicológica do sujeito tem origem em atividades externas.
Posto isso, entendemos que, para realizar uma tarefa proposta, o indivíduo estabelece a representação da ação incluindo todas as condições possíveis para suas realizações. Primeiro, o aluno se apropria de tudo que envolve a ação e, em seguida, estrutura a realização.
Por isso, o ensino deve ser entendido no contexto histórico e social do aluno, possibilitando a aquisição dos conhecimentos e conceitos de modo a atingir a assimilação mental (internalização) deste.
Para a Educação Física Escolar, disciplina que está em constante luta por seu espaço na formação humana, é necessário ampliar os horizontes e fundamentar sua prática pedagógica em bases humanizadora, histórica e cultural, superando a prática superficial e o fazer por fazer dos conteúdos.
Aqui defendemos a prática pedagógica com base na teoria de Galperín pois, para a Psicologia Histórico-Cultural, epistemologia que dirige nossos estudos e determina nossa visão de homem/individuo, é a que nos parece atender o ensino dos elementos da cultura do movimento humano, ainda que as experiências que conheçamos estejam relacionadas ao ensino das ciências exatas.
Planejar o ensino segundo as etapas da teoria proposta pode otimizar o ensino dos conteúdos da Educação Física dada a possibilidade de revelar o nível de conhecimento e habilidade dos alunos diante de uma situação problema nova. Acreditamos que pode proporcionar ao professor elementos úteis à sua intervenção pedagógica, situando as zonas de desenvolvimento real e iminente do aluno com relação ao objeto de assimilação.
Nesse contexto, entendemos que pode ser ampliada a eficácia da atividade pedagógica na aprendizagem e internalização das habilidades desenvolvidas; estruturando os conteúdos ensinados vinculados a objetivos reais, situados no cotidiano do aluno com o intuito de superar essa realidade conformada.
As fases para assimilação constituem um modelo de atividade que reflete as partes estruturais e funcionais da tarefa. É uma orientação de ensino em que a essência está inserida na tarefa, possibilitando sua aplicação em qualquer situação prática contida no mesmo domínio de generalização, Talizina (1988b).
A abordagem metodológica elaborada nessa proposta pode permitir a organização do conhecimento sobre núcleos invariantes e não em bases particulares que limitariam a generalização, consciência e solidez dos saberes apropriados.
Acreditamos na viabilidade deste processo para o ensino da Educação Física e sua aplicabilidade para envolver o ensino em toda sua extensão, levando o aluno a desenvolver a necessidade de conhecimento por aproximação com os elementos que contém.
Assim, enquanto proporciona o desenvolvimento de habilidades motoras, a Educação Física oferece a possibilidade da contextualização das ações desenvolvidas para este fim, de modo que o aluno se aproprie de todo o conhecimento envolvido em determinado fato.
Quando o aluno toma consciência que a evolução da humanidade levou o homem a andar, correr, saltar e movimentar-se de maneiras e com fins variados, ele compreende sua própria constituição e se torna apto a superar as condições de vida que lhe estão postas.
Sobremaneira, entendemos que esta reflexão teórica, após identificar essas possibilidades para a prática docente da Educação Física, precisa dar mais um passo adiante oferecendo meios para o planejamento de ações efetivas para utilização dos professores nas salas de aula.