Introdução
A escola proporciona aos alunos múltiplas experiências relacionais que podem contribuir para a promoção de valores de convivência e de competências socioemocionais importantes para o desfecho positivo do percurso acadêmico. Dentre os diversos segmentos a serem focalizados na Educação Básica, os anos finais do Ensino Fundamental (EF), que compreendem os anos do 6º ao 9º ano, apresentam algumas problemáticas que serão descritas a seguir.
As reprovações, que são uma das formas como o fracasso escolar se manifesta na realidade educacional brasileira, vêm acompanhadas pelo baixo desempenho em notas, problemas de aprendizagem e de comportamentos que dificultam a continuidade dos estudos pelos alunos (Marturano & Elias, 2016; Nunes, Pontes, Silva, & Dell’Aglio, 2014). Desse modo, é importante investigar algumas variáveis que podem funcionar como recursos pessoais e contextuais no enfrentamento dos desafios institucionais que se apresentam aos estudantes nos anos finais do EF. Assim, o presente estudo focou a autoeficácia acadêmica, as habilidades sociais e o clima escolar, considerando as diferenças entre meninos e meninas e as influências do histórico de reprovação escolar.
A autoeficácia acadêmica é definida como a crença de um aluno de que ele é capaz de concluir com êxito uma tarefa acadêmica, alcançar objetivos e atingir os resultados esperados no contexto da realização escolar (Bandura, 1997). As crenças de autoeficácia são capazes de influenciar a escolha de estratégias de aprendizagem, o padrão de motivação (extrínseco e intrínseco), a autorregulação para aprendizagem e a quantidade de esforço despendido para realização de tarefas, sendo, portanto, preditoras do bom desempenho escolar (Hoigaard, Kovac, Øverby, & Haugen, 2015; Silva, Beltrame, Viana, Capistrano, & Oliveira, 2014).
No que se refere à diferença por sexo em relação à autoeficácia acadêmica, alguns resultados indicam que as mulheres se percebem com maior capacidade de realização no contexto escolar (Guerreiro-Casanova, Dantas, & Azzi, 2015), enquanto outros resultados direcionam para sentido contrário (Hong & Lin, 2013). Hong e Lin (2013) identificou que os meninos eram estimulados tanto pela família como pela escola a se engajarem em áreas acadêmicas relacionadas à ciência e disciplinas exatas. Por sua vez, as meninas receberam maior incentivo a se envolverem com atividades relacionadas à literatura, artes e educação. O estudo também demonstrou que os rapazes apresentaram mais autoeficácia acadêmica em ciências do que as meninas. Tais achados demonstram que os papéis de gênero estabelecidos em diversas culturas exercem influência sobre a construção das crenças de autoeficácia em jovens estudantes. Contudo, dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea, 2011), indicaram que existe uma disparidade de sexo no que diz respeito ao tempo de escolarização, sendo que as mulheres superam os homens nesse quesito. Outro dado relevante é que o número de mulheres consideradas "chefes de família" aumentou, bem como a maior participação no mercado de trabalho, em que pese a maior representação delas em funções menos remuneradas. Diante disso, apesar das desigualdades ainda proeminentes no âmbito profissional, vide as diferenças salariais e de ocupação, as mulheres estão obtendo índices cada vez mais elevados no que diz respeito aos resultados acadêmicos (Ipea, 2011).
Em relação às influências do histórico de reprovação nas crenças de autoeficácia acadêmica, Silva, Beltrame, Viana, Capistrano e Oliveira (2014) encontraram que alunos com baixo desempenho escolar e com dificuldades de aprendizagem apresentaram menores níveis de autoeficácia acadêmica quando comparados a alunos com alto desempenho e sem dificuldade escolar. Achkar et al. (2017) verificou que alunos com baixo desempenho escolar tinham menores níveis de autoeficácia geral do que os estudantes com melhores níveis de desempenho. A autoeficácia acadêmica pode se configurar como proteção para a reprovação, pois alunos com elevado senso de eficácia tendem a enfrentar tarefas difíceis, percebendo-as como desafio e não ameaça pessoal (Guerreiro-Casanova et al., 2015). Dessa forma, envolvem-se mais com as tarefas escolares e, como consequência, acompanham o andamento da turma.
Outro recurso importante que contribui para o processo ensino-aprendizagem são as habilidades sociais, que podem ser compreendidas como um conjunto de comportamentos do repertório de um indivíduo requeridos nas tarefas de interação social e que possuem alta probabilidade de fornecer consequências positivas para o indivíduo, seu grupo e comunidade, sendo valorizadas em determinada cultura e tempo histórico (Z. Del Prette & Del Prette, 2017). Há evidências na literatura de que a aquisição e o desenvolvimento das habilidades sociais são associados a características pessoais como sexo, idade e nível socioeconômico. Estudos que realizaram análise comparativa por sexo encontram que as mulheres apresentaram maiores níveis de habilidades sociais de uma maneira geral, destacando-se as habilidades sociais empáticas (Z. Del Prette, Teodoro, & Del Prette 2014; Van Grol & Andretta, 2016), assertividade (Bartholomeu, 2016; Z. Del Prette et al., 2014) e a desenvoltura social (Z. Del Prette et al., 2014). Somado a isso, pesquisas indicam que as habilidades sociais podem impactar positivamente no desempenho acadêmico e nas relações interpessoais no contexto escolar (Achkar et al., 2017; Bartholomeu, Montiel, Neia, & Silva, 2016; Fernandes, Leme, Soares, & Elias, 2018). Achkar et al. (2017) encontraram que estudantes dos anos finais do EF, com baixo desempenho escolar apresentaram mais reprovação e menos habilidades sociais de empatia, civilidade e autocontrole quando comparados aos estudantes com melhor desempenho escolar.
Além da presença das crenças de autoeficácia acadêmica e das habilidades sociais serem consideradas como fatores que afetam o processo ensino-aprendizagem, o clima escolar também tem sido investigado no contexto nacional e internacional (Fan, Williams, & Corkin, 2011; Hoigaard et al., 2015; Moro, Morais, Vinha, & Tognetta, 2018; Petrucci, Borsa, Damásio, & Koller, 2016; Thapa, Cohen, Guffey, & Higgins-D’Alessandro, 2013). O clima escolar é considerado uma compilação de múltiplas dimensões, tais como as normas, os valores, as relações humanas e as estruturas física e pedagógica, percebidas pelos diversos indivíduos e grupos que transitam no contexto escolar (Fan et al., 2011; Hoigaard et al., 2015; Thapa et al., 2013). A percepção do clima escolar é compartilhada pelos diferentes atores da vida escolar, como funcionários, professores, gestores e estudantes (Moro et al., 2018). Contudo, o presente estudo focalizou a percepção pessoal dos alunos a respeito do ambiente social da escola.
No que diz respeito ao clima escolar e diferenças por sexo, Fan et al. (2011) e Petrucci et al. (2016) encontraram que os meninos percebiam o clima escolar de forma menos positiva do que as meninas. Pesquisas indicam que meninos apresentaram mais comportamentos agressivos e de incivilidade na escola quando comparados às meninas (Bandeira & Hutz, 2012; Hopson & Lee, 2011), em decorrência da sociabilização por papéis por gênero que incentiva atitudes hostis nos mesmos (Biroli & Miguel, 2015; Costa, Silveira, & Madeira, 2012).
A percepção favorável do local de ensino pode proteger os estudantes de situações de risco no percurso acadêmico como a reprovação e a evasão. Nesse sentido, Cheema e Kitsantas (2013) encontraram que quanto mais clara for a percepção dos alunos sobre as normas de convivência estabelecidas pelo professor, melhor será o rendimento em matemática dos mesmos. Estudo realizado por Haughes & Chen (2011) indicou que as percepções favoráveis dos alunos sobre a escola e as relações estabelecidas entre pares e professores impacta positivamente a autoeficácia acadêmica ao longo da educação básica.
A revisão de literatura evidenciou que a autoeficácia acadêmica, as habilidades sociais e o clima escolar podem contribuir para soluções de alguns problemas no âmbito educacional, tais como evasão, reprovação e baixo desempenho, especialmente ao findar do EF (Achkar et al., 2017; Cheema & Kitsantas, 2013; Fernandes et al., 2018; Nunes et al., 2014), favorecendo recursos socioemociais dos alunos (Damásio & Semente Educação, 2017). Os dados do Censo Escolar, obtido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP, 2018), mostraram que existe uma elevada distorção idade-série nos anos finais do EF, devido as altas taxas de reprovação e que atinge principalmente os meninos. Somado a isso, ainda são escassos os estudos que contemplem os anos finais do EF, especialmente os que focam aspectos pessoais, relacionais e contextuais dos estudantes. Portanto, o estudo teve por objetivo comparar a autoeficácia acadêmica, as habilidades sociais e o clima escolar de estudantes do final do EF, considerando diferenças por sexo e a influência do histórico de reprovação escolar.
Método
Participantes
O estudo caracteriza-se como uma pesquisa correlacional com uma amostra selecionada por conveniência. Participaram 491 estudantes, com idades entre 11 a 16 anos (M=13,31 anos, DP=1,17), sendo 251 (51,1%) meninos e 240 (48,9%) meninas que frequentavam o 7º ano (n=146; 29,7%), 8º ano (n=182; 37,1%) e 9º ano (n=163; 33,2%) do Ensino Fundamental, provenientes de cinco escolas particulares e três públicas, situadas em uma cidade de médio porte do Estado de Minas Gerais.
Instrumentos
Children's Self-Efficacy Scale (CSES-Br - Versão beta)
Originalmente a CSES foi elaborada por Bandura (2006) para avaliar crenças de autoeficácia no contexto escolar dos estudantes. Freitas (2011) submeteu a escala a um processo de adaptação transcultural para o contexto brasileiro, com alunos do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental. O instrumento contém 54 itens que contemplam nove subescalas que obtiveram cargas fatoriais satisfatórias, com alfa de Cronbach entre 0,67 e 0,84. As respostas estão dispostas numa escala que varia de 0 (“não posso fazer completamente”) a 100 (“com certeza posso fazer”), em que os alunos são solicitados avaliar o quanto se sentem confiantes em poder fazer cada uma das atividades descritas. As subescalas, com os seguintes índices de consistência interna para a presente amostra, são: (1) autoeficácia para conseguir suporte social (α=0,67,); (2) autoeficácia para desempenho acadêmico (α=0,77); (3) autoeficácia para aprendizagem autorregulada (α=0,87 ); (4) autoeficácia para atividades extracurriculares e de lazer (α=0,76,); (5) eficácia autorregulatória (α=0,75); (6) autoeficácia para atender às expectativas dos outros (α=0,70); (7) autoeficácia social (α=0,67); (8) eficácia autoassertiva (α=0,60); (9) para conseguir suporte parental e comunitário (α=0,70).
Inventário de Habilidades Sociais para Adolescentes (IHSA-Del-Prette)
É um instrumento desenvolvido por Z. Del Prette e Del Prette (2009), que avalia as habilidades sociais de adolescentes a partir dos seus autorrelatos sobre situações cotidianas. No estudo de reavaliação do instrumento realizado por Leme, Campos, Coimbra, A. Del Prette e Del Prette (2016), a versão ficou composta com 36 itens com respostas que estão dispostas numa escala tipo Likert, que varia de 0-2 vezes (0) a 9- 10 vezes (4), em que o adolescente é solicitado a avaliar a frequência com que apresenta aquela reação, com alfa de Cronbach que varia de 0,61 a 0,80. O IHSA contempla seis fatores, com os seguintes índices de consistência interna para a presente amostra: (1) empatia (α=0,74); (2) autocontrole (α=0,73); (3) civilidade (α=0,48); (4) assertividade (α=0,72); (5) abordagem social/sexual (α=0,74); (6) desenvoltura social (α=0,70).
Questionário de Clima Escolar (revisado) - Versão para Ensino Fundamental (QCE-EF)
O questionário foi desenvolvido por Emmons, Haynes e Comer (2002), nos Estados Unidos e adaptado para a população brasileira por Petrucci et al., (2016). O instrumento investiga a percepção dos estudantes do Ensino Fundamental acerca de diferentes dimensões do clima da sua escola. A versão brasileira é constituída por 29 itens que são respondidos por meio de uma escala tipo Likert de três pontos, que varia de concordo (3) a discordo (1), com alfa de Cronbach entre 0,61 e 0,81. O clima escolar é avaliado por meio de seis dimensões, com os seguintes índices de consistência interna para a presente amostra: (1) justiça/equidade (α=0,70); (2) ordem e disciplina (α=0,60,); (3) envolvimento dos pais (α=0,64); (4) troca de recursos (α=0,57); (5) relações entre estudantes (α=0,74); e (6) relação professor-aluno (α=0,77). O instrumento prevê uma medida global do clima escolar que é obtida por meio da soma dos resultados de todas as dimensões, sendo que resultados mais altos indicam a percepção mais positiva do clima escolar.
Procedimentos
O projeto, condizente com Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade onde se realizou o estudo (CAAE: 48486215.8.0000.5289). Após a entrega do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e do Termo de Assentimento (TA), assinados pelos responsáveis legais dos alunos e pelos próprios estudantes, respectivamente, a coleta de dados (duração média 50 minutos) foi realizada de forma coletiva nas salas de aula dos alunos, no horário que foi combinado previamente com os professores.
Análise de dados
A análise de dados foi executada com o software Statistical Package for the Social Sciences for Windows (SPSS, versão 22.0). Primeiramente foram testados e confirmados os pressupostos de normalidade. Na sequência, usou-se o teste t-Student para comparar os fatores das variáveis habilidades sociais, clima escolar e autoeficácia acadêmica dos alunos do sexo feminino e masculino. As respostas do CSES-Br foram codificadas de 0 a 10, conforme Bandura (2006). Para medir o tamanho do efeito foi utilizado o Cohen’s d, sendo adotados os seguintes valores: <0,20 insignificante; 0,20 a 0,49 = pequeno; 0,50 a 79 = moderado; > 0,80 = grande (Dancey & Reidy, 2013). Posteriormente, para realizar a análise das correlações entre as variáveis e o histórico de reprovação escolar (já reprovou alguma vez = 1; nunca = 0) foi utilizado o teste de correlação r de Pearson. Utilizou-se nível de significativa de p < 0,05.
Resultados
A Tabela 1 apresenta os resultados entre meninos e meninas em relação às crenças de autoeficácia acadêmica, habilidades sociais e clima escolar. Os dados indicam que houve diferença estatística significativa entre meninas e meninos na autoeficácia para atividades extracurriculares e de lazer e autoeficácia social (baixa magnitude), sendo que as meninas apresentam maiores níveis de autoeficácia nesses fatores em relação aos meninos. Na análise comparativa entre meninos e meninas para as habilidades sociais, nota-se diferenças estatísticas significativas nos fatores empatia, assertividade e abordagem social/sexual, sendo que as meninas apresentam maiores médias em empatia e assertividade, enquanto os meninos apresentam maior média em abordagem social/sexual (magnitude baixa). No que se refere ao clima escolar, os dados indicam que os meninos percebem mais o relacionamento entre estudantes (baixa magnitude) do que as meninas.
Variáveis | Alunos | t | Cohen’s d | |
---|---|---|---|---|
Feminino (n=240) | Masculino (n=253) | |||
M(DP) | M(DP) | |||
Autoeficácia | ||||
Suporte social | 23,38 (9,04) | 22,09 (9,27) | -1,56 | 0,14 |
Desempenho acadêmico | 54,71 (13,64) | 54, 95 (14,36) | 0,19 | 0,02 |
Aprendizagem autorregulada | 60,15 (22,05) | 58,04 (20,72) | -1,09 | 0,10 |
Atividades extracurriculares e lazer | 50,43 (17,15) | 46,27 (16,09) | -2,77* | 0,25 |
Autorregulatória | 63,40 (13,86) | 61,44 (15,73) | -1,456 | 0,13 |
Expectativas dos outros | 27,48 (8,28) | 28,20 (7,76) | 0,98 | 0,09 |
Social | 35,10 (5,45) | 33,87 (6,57) | -2,26* | 0,20 |
Assertiva | 30,33 (8,47) | 30,88 (7,33) | 0,78 | 0,07 |
Suporte parental e comunitário | 19,44 (10,85) | 20,02 (10,70) | 0,54 | 0,05 |
Habilidades Sociais | ||||
Empatia | 28,60 (6,64) | 25,82 (7,16) | -4,46* | 0,40 |
Civilidade | 15,15 (4,38) | 14,53 (4,83) | 0,15 | 0,13 |
Autocontrole | 15,79 (6,78) | 15,88 (6,75) | -1,47 | 0,01 |
Assertividade | 19,42 (5,62) | 17,55 (6,24) | -3,49* | 0,32 |
Abordagem social/sexual | 9,01 (4,34) | 10,05 (4,52) | 2,59* | 0,23 |
Desenvoltura Social | 10,89 (4,41) | 10,36 (4,71) | -1,28 | 0,12 |
Clima Escolar | ||||
Justiça | 9,68 (2,07) | 9,67 (2,02) | 0,32 | 0,01 |
Ordem e disciplina | 7,45 (1,69) | 7,53 (1,84) | 0,54 | 0,04 |
Envolvimento dos pais | 7,17 (2,12) | 7,45 (2,10) | 1,50 | 0,13 |
Troca de recursos | 8,16 (2,05) | 8,08(2,02) | -0,42 | 0,02 |
Relacionamento entre estudantes | 9,79 (2,35) | 10,68 (2,38) | 4,16* | 0,37 |
Relacionamento professor-estudantes | 21,28 (3,51) | 21,63 (3,71) | 1,08 | 0,10 |
Fonte: Elaborado pelos autores.
Nota. N=491.
* p < 0,05
Cerca de ¼ dos participantes informou ter repetido de ano pelo menos uma vez (n=119; 24,2%), sendo a maior parte meninos (n=75; 63%). Os resultados indicam associações negativas entre o histórico de reprovação e a autoeficácia para desempenho acadêmico (r= -0,20, p=0,01), atividades extracurriculares e lazer (r= -0,09, p=0,04), autorregulatória (r= -0,20, p=0,01), atender as expectativas dos outros (r= -0,17, p=0,01), social (r= -0,10, p=0,02) e clima escolar ordem e disciplina (r= -0,13, p=0,03) e relacionamento professor-estudantes (r= -0,15, p=0,01). Não há associações entre o histórico de reprovação e as habilidades sociais.
Discussão
Os resultados das análises comparativas indicaram que as meninas se perceberam mais autoeficazes para realizar atividades extracurriculares e de lazer do que os meninos. Tais resultados são corroborados pelo estudo de Kokkinos e Kipritsi (2012). Os autores encontraram que, no contexto escolar, as meninas acreditavam-se mais capazes de estabelecer relações interpessoais equilibradas e saudáveis do que os meninos. O mesmo estudo sinalizou que os meninos se envolviam mais em situação de vitimização escolar, tal como bullying, manifestavam comportamentos externalizantes como a agressão física, xingamentos e apresentavam dificuldade em expressar seus sentimentos e emoções. Desse modo, pode-se sugerir que essas vivências contribuem para o enfraquecimento das crenças de autoeficácia para relações sociais na escola. Conforme Bandura (2004), as experiências anteriores de domínio é a principal fonte para a construção das crenças de autoeficácia. Nesse sentido, repetidas vivências de frustação podem enfraquecer as crenças dos alunos na sua capacidade de estabelecer e manter amizades, levando à falta de apoio social e comprometimento do vínculo aluno-instituição (Haughes & Chen, 2011).
Não foram encontradas diferenças entre meninas e meninos em relação à autoeficácia associada ao desempenho acadêmico e à aprendizagem autorregulada, divergindo de estudos prévios (Guerreiro-Casanova et al., 2015; Huang, 2013; Hong & Lin, 2013). A ausência de diferenças para as dimensões entre os estudantes do sexo feminino e masculino em alguns domínios de autoeficácia é considerada positiva, pois intervenções podem se orientar com o objetivo de fortalecer e promover esses aspectos de modo a contemplar todos os estudantes. O resultado encontrado por Huang (2013), a partir de uma meta-análise, indicou que as diferenças por sexo nas crenças de autoeficácia começam a se tornar mais evidentes a partir do Ensino Médio. Por isso, favorecer o desenvolvimento dessas crenças nos estudantes de ambos os sexos ainda do EF é importante para que futuramente essas diferenças nas crenças de autoeficácia não interfiram negativamente no desfecho escolar e na escolha profissional de meninos e meninas.
Os achados do presente estudo mostraram que as meninas possuíam mais empatia do que os meninos. Esse resultado vai ao encontro da literatura (Z. Del Prette et al., 2014; Van Grol & Andretta, 2016). Costa et al. (2012) afirmam que as práticas socializadoras empregadas pela família e pela escola são geralmente estimadas pelos valores culturais recorrentes. Dessa forma, meninos e meninas demonstram comportamentos distintos conforme o padrão de apoio social que recebem (Biroli & Miguel, 2015). Das meninas são esperados comportamentos sensíveis e emocionais, tais como cortesia e empatia. O que se espera do sexo masculino é a demonstração de comportamentos afirmativos, como agressividade e liderança e inibição de emoções como medo e vergonha (Biroli & Miguel, 2015; Costa et al., 2012). Isso se confirma também nos resultados de pesquisas realizadas no contexto escolar; os dados indicam que os meninos manifestam mais comportamentos disfuncionais do que as meninas, elegendo condutas externalizantes, como intimidações e reações impulsivas em interações sociais (Hopson & Lee, 2011). A cultura machista contribui para a limitação das diversas possibilidades de expressão das emoções para ambos os sexos. Quando as diferenças se generalizam, dificultam-se outras possibilidades de meninos e meninas se distanciarem dos modelos fixos e estereotipados impostos (Almeida et al., 2013).
Os resultados também indicaram que as meninas apresentaram mais assertividade. Esse dado está em consonância com alguns estudos anteriores (Z. Del Prette & Del Prette, 2009; Z. Del Prette et al., 2014), mas divergem de resultados encontrados por Bartholmeu et al. (2015). Um fator que pode ter contribuído para que as meninas fossem mais assertivas é a ascensão de campanhas a favor do empoderamento feminino, via mídia, redes sociais e outros meios de comunicação. Essas campanhas têm o objetivo promover a equidade de gênero em todas as atividades sociais e econômicas. De acordo com Costa et al. (2012), as relações de gênero não são normas fixas e imutáveis e sim passíveis de modificações e transições ao longo do tempo. A partir do questionamento sobre as representações sociais naturalizadas em nossa sociedade, é possível realizar uma desconstrução dos papéis de gênero e viabilizar maneiras diversas de expressar a subjetividade humana sem se restringir às prescrições impostas pela cultura. Nesse ínterim, alunas com habilidades sociais assertivas podem desenvolver uma ampliada consciência sobre direitos e deveres próprios e dos outros, o que favorece a tomada de posicionamento adequado em situações que possam ser abusivas ou desagradáveis, levando à competência social.
Os meninos apresentaram mais habilidades de abordagem social/sexual do que as meninas. A abordagem social/sexual, segundo Z. Del Prette e Del Prette (2009), contemplam comportamentos como estabelecer contato e conversão para relações de amizade e entrar em grupos da escola e do trabalho. Envolve também, segundo os autores, formar relações de intimidade sexual e expressão de satisfação ou insatisfação a diferentes formas de carinho, tais como recusar encontros afetivos ou expressar desagrado em relação a tipos de carinho recebidos. Algumas condutas historicamente reconhecidas como próprias de serem emitidas por determinado sexo são enraizadas em alguns papéis sociais atribuídos aos meninos (Costa et al., 2012). Por exemplo, no contexto de relacionamento afetivo e sexual, é esperada uma atitude inicial de aproximação por parte dos garotos, cabendo às meninas o papel de subordinação e passividade. Isso demonstra a assimetria que se estabelece na construção do feminino e do masculino, que intercedem na forma como as pessoas se comportam socialmente (Almeida et al., 2013; Biroli et al., 2015). O estabelecimento e o gerenciamento desses padrões são geralmente controlados por diferentes agências sociais, formais e informais, como escola, família e religião, por meio de práticas culturais reforçadas por grupos sociais específicos (Costa et al., 2012). Apesar das influências dos estereótipos de gênero nas habilidades sociais, os resultados indicaram que tantos os meninos quanto as meninas apresentaram níveis semelhantes de civilidade, autocontrole e desenvoltura social. Compreende-se esse resultado como fator de proteção aos alunos nos anos finais do EF, uma vez que as habilidades sociais podem ampliar as suas redes de apoio, o que se configura como aspecto essencial ao percurso escolar.
No que se refere ao clima escolar, verificou-se que o fator relacionamento entre estudantes foi o único que apresentou diferença significativa entre os grupos, sendo que os meninos perceberam melhor as relações entre pares do que as meninas. Esse resultado não é corroborado pela literatura (Fan et al., 2011, Petrucci et al., 2016), que sinaliza que os meninos têm pior percepção do clima escolar do que as meninas. Contudo, algumas inferências podem ser formuladas para a compreensão do resultado exposto. De acordo com Bandeira e Hutz (2012), meninos se envolvem com maior frequência em práticas de bullying do que as meninas, mas estas percebem mais os efeitos negativos das agressões. Os meninos estão mais inclinados a classificar situações como deboches e xingamentos como brincadeiras, enquanto as meninas percebem negativamente essa situação (Bandeira & Hutz, 2012).
Deve-se considerar que a dinâmica social estabelecida na escola influencia a forma de interpretação sobre situações de conflitos vivenciados por ambos os sexos. Somado a isso, a construção social de papéis de gênero estigmatiza a expressão emocional advinda dos meninos (Almeida et al., 2013). Em nossa cultura é comum a replicação de práticas socializadoras de cunho sexista nas escolas, que suscitam comportamentos diferentes, dependendo do sexo ao qual pertençam (Maia, Navarro, & Maia, 2011). Dessa forma, os meninos são mais cobrados por apresentar condutas racionais e firmes que se distanciem ao máximo de atitudes emocionais, mesmo em situação de vitimização, a fim de obter maior aceitação social (Almeida et al., 2013; Maia et al., 2011). Contudo, há de se pensar que, futuramente, poderão advir desdobramentos negativos à saúde mental, por exemplo, ansiedade, depressão, isolamento social e comportamentos interpessoais rígidos (Maia et al., 2011).
Os resultados indicaram que 24,2% dos estudantes, em sua maioria os meninos, já tinham reprovado pelo menos uma vez. De fato, a literatura converge para a confirmação desse dado (Fernandes et al., 2018; Nunes et al., 2014), pois embora não haja consenso, estudos indicam que os meninos apresentam mais problemas de aprendizagem e maior risco de repetência e evasão escolar, especialmente no período de transição acadêmica (INEP, 2018; Osti & Martinelli, 2013).
Um dos elementos que compõem nossos sistemas de crenças e expectativas é o sexo (Biroli & Miguel, 2015). Nesse sentido, a própria formação identitária do que é ser menino pode contribuir para essa problemática, tendo em vista que os professores consideram de maneira naturalizada que os meninos são mais indisciplinados, relaxados, inquietos e briguentos do que as alunas (Maia et al., 2011; Osti & Martinelli, 2013). Assim, investimento na formação continuada dos profissionais de educação aparece como uma possibilidade para promover o pensamento crítico a respeito da cultura sexista baseada no estereótipo de gênero, que acaba se inserindo nas práticas educativas dos professores e demais atores da vida escolar (Maia et al., 2011).
A experiência com a reprovação teve impacto negativo tanto na autoeficácia quanto no clima escolar, indo ao encontro de outros estudos (Achkar et al., 2017; Silva et al., 2014). As experiências de sucesso e fracasso impactam significativamente nas percepções sobre crenças de autoeficácia (Bandura, 2004). Nesse sentido, estudantes com histórico de reprovação podem ter suas autopercepções alteradas e acreditarem-se menos capazes de realizar com sucesso as demandas escolares (Osti & Martinelli, 2013). Por um lado, sabe-se que a autoeficácia é um dos mecanismos que compõem a motivação humana (Hoigaard et al., 2015). Por outro, experiências desmotivadoras como a reprovação podem acabar distanciando os alunos da escola. Dessa forma, os gestores pedagógicos devem ter um olhar cuidadoso sobre as potencialidades e as fragilidades dos estudantes, a fim de planejarem intervenções que cumpram o objetivo de prevenir o insucesso acadêmico, além de promover a qualidade de vida dos educandos.
Considerações finais
O presente estudo contribuiu para a compreensão das diferenças por sexo e as influências do histórico de reprovação sobre a autoeficácia acadêmica, as habilidades sociais e o clima escolar de estudantes nos anos finais do EF. Esses achados poderão subsidiar a elaboração de intervenções em contexto escolar que enfoquem as defasagens específicas para meninos ou meninas. É importante ressaltar que a capacitação dos gestores e educadores sobre as temáticas de gênero e de sexualidade dos alunos é necessária, para que seja possível a adoção de um posicionamento que se afaste da omissão e reprodução de valores de cunho moral e sexista e se aproxime do respeito e da promoção dos direitos humanos, alinhados com a proposta de igualdade de tratamento e oportunidade para ambos os gêneros.
Alguns limites do presente estudo devem ser sinalizados, a saber: (a) os dados foram coletados a partir das percepções dos alunos e, desse modo, seria interessante que futuros estudos incluíssem informações coletadas de múltiplos informantes, como professores, pares e cuidadores; (b) os dados desse estudo não poderem ser generalizados, pois a amostra foi constituída em sua maioria por estudantes de uma única região. Consideradas as limitações do presente estudo, sugere-se que trabalhos posteriores poderiam: (a) coletar dados com estudantes de colégios de aplicação e escolas públicas situadas em periferia de outras regiões; (b) investigar outras variáveis tanto do contexto familiar quanto do escolar que podem se relacionar à reprovação escolar, tais como políticas públicas em todas as esferas, práticas institucionais como a presença/qualidade da comunicação escola-família e presença de bullying nas escolas, dentre outras; (c) propor e avaliar programas de intervenção com os estudantes em período de transição escolar com foco no desenvolvimento de autoeficácia, habilidades sociais e clima escolar: (d) propor e avaliar programas de intervenção com o objetivo de trabalhar questões de gênero e sexualidade.