Introdução
No cotidiano escolar ocorrem mediações entre alunos e seus professores, colegas de trabalho e pais. As vivências dessas interações podem desencadear situações de conflito nas quais a violência pode vir a ser configurada em singularidades escolares. Sendo a violência que está presente na escola pouco conhecida e enfrentada, torna-se desencadeante de problemas relacionais e perturbadora do desenvolvimento da aprendizagem.
Quando se tem a pretensão de investigar o enfrentamento da violência dentro do campo educacional, é preciso conhecer a produção do conhecimento, pois se trata de uma temática ampla, pouco estudada, dependendo da abordagem teórica, que apresenta complexidades e diversos posicionamentos a respeito da origem da violência e de como a escola se posiciona.
O enfrentamento pode ser entendido como um processo dinâmico, dialético, e implica a tentativa de buscar alterar as condições externas e/ou transformar o seu saber e a sua conduta em relação a essas condições, “O homem, por sua vez, age sobre a natureza e cria, através das mudanças provocadas por ele na natureza, novas condições naturais para sua existência” (Vigotsky, 1991, p. 70).
Este artigo aborda as diversas formas de enfrentamento da violência na escola encontrados na comunidade científica. O levantamento das produções científicas é de relevância para que se possa conhecer como determinado fenômeno se manifesta e é analisado por diferentes olhares. Também possibilita conhecer os avanços alcançados no processo de produção do conhecimento.
Percebe-se cada vez mais a necessidade de compreender a sua origem, as formas como ocorre e o que vem sendo feito diante dessa dificuldade; sendo assim, buscou-se indicar referenciais para melhor compreender esse fenômeno social e educacional.
Método
Busca-se aqui apresentar o resultado de um mapeamento dos trabalhos relacionados à violência na escola e seus enfrentamentos, encontrados na plataforma da Scientific Electronic Library Online (SCIELO) e no banco de teses e dissertações da Universidade de São Paulo -USP, entre os anos de 2003 e 2016.
A Scientific Electronic Library Online - SCIELO é um banco que reúne diversos dados bibliográficos, uma biblioteca digital e um modelo cooperativo de publicação digital de periódicos científicos brasileiros de acesso aberto. A plataforma começou a funcionar a partir de 2002, com o apoio do CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Esta foi elegível para o presente levantamento, pois busca a preparação, o armazenamento, a disseminação e avaliação da produção científica em formato eletrônico de vários países da América, África do Sul, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Espanha, México, Peru, Portugal, Uruguai e Venezuela.
A Universidade de São Paulo (USP) implantou em junho de 2001 a sua Biblioteca Digital, com o objetivo de facilitar o acesso remoto a essa parte de sua produção intelectual, sendo a primeira a ter este tipo de iniciativa.
A Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP reúne o maior acervo por instituição no Brasil e integra o Catálogo Mundial, que reúne mais de 3 milhões de títulos. Visto que a USP possui o maior funcionamento de pós-graduações do país e produz anualmente um grande número de teses e dissertações em diferentes áreas, tornou-se, então, escolhida para fazer parte deste levantamento.
Segundo Vosgerau e Romanowski (2014), diante da procura em banco de dados e a separação de artigos de uma determinada área, o estado do conhecimento busca discutir as informações encontradas, observar os principais resultados da investigação, identificar temáticas e abordagens presentes nos estudos e espaços inexplorados que serão apontados para as novas pesquisas sobre a temática.
Os resultados apresentados neste levantamento do conhecimento são oriundos de uma compilação das informações desenvolvidas em duas etapas: o mapeamento de artigos científicos publicados na SCIELO e no banco de teses e dissertações da USP e a análise dos estudos de pesquisadores publicados nos bancos de dados em que foram feitos os levantamentos.
A busca nas fontes supracitadas foi realizada, primeiramente, tendo como termos indexadores “Violência” e “Escola”, que geraram muitos dados. As publicações foram pré-selecionadas pelos títulos, os quais deveriam conter como primeiro critério o termo completo e/ou referências aos atores escolares e problemas de indisciplina e conflitos, acompanhada da leitura dos resumos disponíveis.
Os artigos foram arquivados separadamente, de acordo com o banco de dados, SCIELO ou banco de teses e dissertações da USP. Posteriormente, foi feita a primeira análise identificando título, autores, instituição e/ou região, objetivo, métodos, instrumentos e sujeito(s) da pesquisa.
Durante o levantamento bibliográfico realizado na base de dados da SCIELO, com os descritores “Violência” e “Escola” foram encontrados 621 artigos, dentre eles 38 foram escolhidos para que fossem feitas as categorizações.
Na base de dados do banco de teses e dissertações da USP, foram utilizados primeiramente os descritores “Violência” e “Escola”, porém, por motivos indetectáveis, não apareceu nenhum trabalho científico. Após duas tentativas na plataforma, foi decidido utilizar somente o descritor “Violência” para orientar o levantamento das produções. Ainda nesta base de dados foram encontrados 597 trabalhos, destes 20 foram selecionados para análise.
Após a seleção sistemática dos trabalhos, estabeleceram-se os filtros de acordo com o objeto da pesquisa; são eles: (1) trabalhos que problematizassem a violência ocorrida na escola; (2) estudos que se propunham a apresentar experiências de violência dentro do âmbito escolar; (3) pesquisas que abordassem a forma como a violência era enfrentada em escolas de macrorregiões e/ou locais. Neste trabalho, iremos focalizar os trabalhos que abordam os enfrentamentos da violência na escola.
Dessa forma, estudaram-se os resumos publicados pelos autores das produções científicas; pode-se notar alguns traços norteadores comuns, como, por exemplo, as preocupações em investigar as diferentes concepções de violência em variados públicos e os trabalhos que se propunham a analisar os enfrentamentos realizados na escola por meio de projetos. Foram destacados alguns excertos dos resumos para demonstrar os resultados, dividindo-os em quatro macrocategorias estabelecidas pela frequência dos temas nas pesquisas e pelo objetivo de pesquisa de cada trabalho.
Resultados e discussões
Para compreender o objeto em foco neste artigo, realizou-se uma análise mais sistematizada dos trabalhos que apontavam como assunto central as formas de enfrentamento no âmbito educativo.
A seguir, a explicação da categoria, a apresentação de seus autores, especificação da produção (se tese ou dissertação) e título. Essas informações aparecerão antes de cada trecho escolhido. O ano de defesa ou publicação aparecerá junto com o sobrenome, na identificação da citação. Esta categoria foi estabelecida a partir dos estudos dos trabalhos que, para além de problematizarem as relações escolares que envolviam a violência, abordavam as formas e estratégias de enfrentamento da escola e dos diversos atores que a compõem. Neste momento, por ser o foco principal deste trabalho, será realizada a discussão e a análise dos trabalhos levantados na categoria intitulada “Medidas de Enfrentamento à Violência”.
No levantamento identificou-se que vários autores se dedicaram a estudar o enfrentamento da violência em escolas em forma de artigos científicos. Foram eles: Vagostello (2003); Liberal (2005); Francischini; Souza Neto (2007); Santos (2011); Freire; Aires (2012); Fonseca; Silva; Salles (2014); Kappel (2014); Brandao Neto (2015); Tavares; Pietrobom (2016); Gomes; Martins (2016). Nas dissertações: Yoshinaga (2007); Silva Neto (2011); Esteves (2012); e nas teses Lico (2009); Oliveira (2009); Sampaio (2015).
Pesquisa-se no estudo apontado por Vagostello (2003) um Programa de Intervenção e Educação em Saúde Antibullying - PIESA . Este trabalho conta com a participação dos alunos, da família, da comunidade escolar e do enfermeiro mediando práticas assertivas entre agressores, vítimas e espectadores, e valoriza a inserção e as práticas interventivas do enfermeiro na saúde escolar.
Liberal (2005) dedica-se a fazer uma revisão das estratégias para tornar o ambiente escolar seguro, realizando uma revisão bibliográfica em 2005 na base de dados MEDLINE (Sistema Online de Busca e Análise de Literatura Médica). Verificou por meio dos trabalhos que as escolas estão assumindo um envolvimento crescente na promoção da saúde, na prevenção de doenças e prevenção de trauma, investindo em estratégias que antecipem a instalação dos problemas escolares.
A investigação feita por Francischini e Souza Neto (2007) discute o Projeto ‘Escola que Protege’, que tem como objetivo a formação de profissionais educadores para atuarem na defesa dos direitos de crianças e adolescentes. Percebeu-se durante a leitura desse resumo que os procedimentos metodológicos do trabalho e as considerações que sintetizam a proposta que o trabalho explorou não foram apresentados.
Santos (2011) dedicou-se à discussão de estratégias fundamentadoras da educação em saúde, sobre aspectos do ponto de vista bioético no domínio da violência escolar. Para tal fim, realizou o levantamento bibliográfico no banco de dados da Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) e discutiu obras de Paulo Freire e Pedro Demo, que foram classificados como teóricos da Educação Libertadora.
Freire e Aires (2012) objetivaram a averiguação dos valores da Psicologia Escolar para intervir no enfrentamento e na prevenção do fenômeno bullying. A metodologia de verificação do objetivo de pesquisa não foi esclarecida no resumo, porém aponta como fechamento a necessidade de o psicólogo que atua na escola adotar medidas específicas em cada realidade em que acontece e tomar o fenômeno como algo que engloba os aspectos sociais, familiares, escolares e individuais. Verifica-se que esse teórico se aproxima da totalidade de atores pertencentes ao espaço escolar.
Em conformidade com o posto acima, confia-se que é necessária uma multilateralidade no abarcamento das situações de violência e o objeto deve ser entendido em uma relação global dos fenômenos humanos. Lenin (1870-1924) explicou que “para conhecer o objeto há que abarcar e estudar todos os aspectos, todos seus vínculos e mediações. Jamais conseguiremos por completo, mas a exigência da multilateralidade nos prevenirá contra os erros e o estancamento” (apud Zankov, 1984, p. 20).
Fonseca, Silva e Salles (2014) compreendem como os livros de ocorrência têm sido utilizados nas escolas como forma de enfrentamento. Os recursos metodológicos utilizados foram a análise dos livros de ocorrência e um grupo focal com os professores para compreender os significados desta prática. Os pesquisadores apontam que os registros têm pouca efetividade em termos de favorecimento à aprendizagem do aluno, mas que exercem uma função de disciplinamento e normalização. Ainda colocam que o registro tem efeito mais simbólico de imposição e medo que de efetividade na solução do problema.
O estudo de Kappel (2014) se baseou no processo de enfrentamento da violência escolar na perspectiva dos diferentes atores de uma escola e teve 27 participantes, entre eles gestores, professores, alunos, auxiliares de serviços gerais e pais de alunos de uma escola pública. Os dados foram coletados com a aplicação de entrevistas semiestruturadas e analisados por intermédio da análise de conteúdo. Como constatação, o autor mostra que existem desafios, experiências e estratégias utilizadas pelos diferentes escolares em seus variados papéis. Por fim, indica como necessidade o incentivo à construção e ao fortalecimento do diálogo entre os diferentes atores da comunidade escolar e à criação de uma rede intersetorial de enfrentamento à violência.
Brandão Neto (2014) focaliza seu artigo na aplicação e na análise dos Círculos de Cultura como estratégia de educação em saúde de uma enfermeira junto a adolescentes que se encontram em processo de escolarização. Os dados foram coletados por meio de observação participante com diário de campo, registro fotográfico e filmagem, além da técnica photovoice. Verificou-se que esta ação, segundo o autor, possibilitou criar situações nas quais os adolescentes sentiam-se convidados a refletir criticamente sobre o fenômeno da violência em sua complexidade.
Assim como Fonseca, Silva e Salles (2014), os investigadores Tavares e Pietrobom (2016) se debruçam sobre os livros de registro de ocorrências, porém especificamente para os fatores associados à violência que acontece na escola. Seus estudos indicaram que os crimes cometidos por agentes externos à escola (furtos e roubos) são explicados pelas condições socioeconômicas do entorno e pela riqueza pessoal e material disponível nas escolas, enquanto os atos violentos cometidos por alunos (depredação, vandalismo, ameaças e agressões) estão associados à composição demográfica do corpo discente e pelas circunstâncias familiares. Como possíveis enfrentamentos aos casos de violência, indica a melhora da relação entre aluno e professor e a participação da família na escola, para que possam, juntas, fazer modificações na realidade comportamental do aluno.
O artigo ‘Conflitos e indisciplina no contexto escolar: a Normatização do Sistema de Proteção Escolar em São Paulo’, escrito por Gomes e Martins (2016), buscou analisar o programa Sistema de Proteção Escolar - SPE, implementado pela Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEESP) desde 2011. Nesse projeto foram identificadas ações que incentivavam a participação da comunidade na escola e propunham atividades de prevenção a possíveis situações de conflitos. Foram examinadas, por meio do conjunto normativo que regulamenta o SPE, as atribuições do Professor Mediador Comunitário - PMC, profissional responsável pela mediação de violência e indisciplina nas unidades da rede estadual de ensino. O trabalho não apresenta claramente em seu resumo quais os instrumentos utilizados para a coleta de dados.
No que tange aos estudos encontrados em formato de dissertações, Yoshinaga (2007) objetivou apresentar e analisar a proposta de um programa denominado Intervenção e Educação em Saúde Antibullying - PIESA. Utilizou-se neste trabalho o método Delphi.
O método é indicado quando há necessidade de abordagem multidisciplinar ou quando há falta de consenso em determinado assunto, sendo considerado um dos melhores instrumentos de previsão avaliativa, pois auxilia na busca do consenso em uma determinada área ou assunto, impedindo a presença de incertezas entre os componentes. (Yoshinaga et al. 2007 apud Yoshinaga, 2007, p. 67)
O trabalho buscou alcançar a compreensão dos seguintes domínios atribuídos a partir do método: envolvimento dos gestores da escola em incluir a temática bullying no Plano de Gestão Escolar; capacitação da direção, coordenadores, professores e outros funcionários da escola, a exemplo dos agentes de organização escolar (inspetores de aluno), com relação à temática bullying; envolvimento das famílias (pais ou responsáveis); intervenção nas turmas; intervenção no ambiente e atuação com os estudantes agressores e/ou vítimas recorrentes. Centrado na atuação profissional do enfermeiro, concluiu que a atuação deste profissional na escola e a promoção da educação dialógica e reflexiva fundamentada particularmente em metodologias ativas “poderão possibilitar uma postura proativa, crítica e emancipatória dos alunos para o enfrentamento das situações do bullying entre pares na escola” (Yoshinaga, 2007, p. 8).
Silva Neto (2011) dedicou-se à averiguação das formas como uma escola da rede pública do município de São Paulo lida com os casos de indisciplina e a violência na escola. Buscou-se, por meio de relatos de diversos participantes da vida escolar, verificar em que medida a forma de organização e as práticas da instituição interferem na aprendizagem dos alunos, geram, intensificam ou amenizam os casos de violência e indisciplina na escola. Foram feitas observações sistemáticas, entrevistas e análise documental durante um período de 17 meses. O investigador concluiu que a escola, como um todo participativo, defendendo a atuação democrática dos diferentes segmentos sociais envolvidos nas relações escolares, conseguiu reverter uma situação complexa de indisciplina e violência sem utilizar maneiras disciplinadoras de enfrentamento.
Esteves (2012), em seu trabalho de mestrado, apresentou uma pesquisa descritiva, exploratória, de abordagem qualitativa. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com nove supervisores pedagógicos de seis escolas urbanas públicas de ensino médio do município de Alfenas-MG. O estudo realizado identificou que as escolas estudadas aplicam advertência verbal e/ou escrita, comunicam pais ou responsáveis e entram em contato com o Conselho Tutelar, a Guarda Municipal e a Promotoria Pública, dependendo da complexidade do caso. No que se refere à atuação em rede, surgiram como apoio para o enfrentamento da violência escolar, o Conselho Tutelar, a Promotoria Pública, a Guarda Municipal, a Prefeitura Municipal e as universidades.
No que diz respeito às teses selecionadas, Lico (2009) nomeia seu trabalho como “Juventude, violência e ação coletiva”. Este estudo objetivou analisar as ações coletivas para enfrentamento da violência e as construções sociais dos jovens, pais, lideranças e profissionais de saúde, educadores e gestores sobre o que é ser jovem e violência nos distritos administrativos do Jardim Ângela e do Grajaú, no município de São Paulo. Na análise da rede de proteção aos jovens, constatou-se que as intervenções estão voltadas principalmente para a redução do risco de violência, com foco na educação, na cultura e no desenvolvimento socioeducativo, que muitas vezes incluem programas educacionais e culturais, prática de esportes e lazer, principalmente. Além disso, mostrou-se que os jovens não atuam como protagonistas nas políticas públicas e nas ações coletivas nos distritos e, ainda, que aqueles que não frequentam mais a escola, estão excluídos das políticas públicas e dos projetos das entidades. O trabalho não apontou as concepções teóricas e os instrumentos para a coleta de dados.
A tese de Oliveira (2009) examinou como a escola, por meio de seus gestores (diretores e coordenadores), reconhece e estabelece ações de enfrentamento da violência que a acomete. Percebeu-se que o objeto de trabalho desta pesquisa se aproxima com mais afinco da investigação proposta e executada neste trabalho, por investigar os coordenadores. O autor aponta que o trabalho é orientado pela abordagem qualitativa de Minayo, Deslandes & Gomes (2007). No exercício empírico foram utilizadas a pesquisa bibliográfica e a entrevista formal, que foram realizadas com 9 gestores, que atuam em 9 unidades de ensino da rede pública e municipal da região norte do município de Ribeirão Preto, no Estado de São Paulo. Além disso, conta com a observação como procedimento.
Sampaio (2015), em sua tese, investigou o Programa de Intervenção Educação em Saúde Antibullying (PIESA), executado por uma enfermeira em uma escola estadual do interior paulista com o objetivo de avaliar os efeitos de sua implementação. A metodologia orientou-se a partir de um estudo “quase-experimento” (antes e depois), segundo o autor, investigando 260 estudantes na faixa etária dos 10 aos 17 anos de idade, do 6º ao 9º ano do ensino fundamental de uma escola pública do interior de São Paulo, embora não tenha ficado claro qual/quais instrumento/instrumentos foi/foram utilizado/utilizados nesta metodologia. Os resultados dessa investigação caminharam na constatação de que o programa de intervenção pode ser implementado por um enfermeiro. Para isto, deve-se reavaliá-lo eventualmente para que, caso surjam novas possibilidades de conflitos e até mesmo novas formas de manifestação, a comunidade escolar seja capaz de detectar, prevenir e intervir com rapidez e mais precisão, evitando que um novo ciclo de violência se inicie.
No exercício analítico dos resumos selecionados a partir do levantamento das bibliografias, percebeu-se que a maioria dos estudos se dedica a constatar razões particularizadas para atribuir uma culpa à violência que acomete as escolas, sem refletir sobre as suas razões históricas e sociais. A respeito disso, Marx (1988) argumenta que:
[...] a diferença entre o indivíduo particular e o indivíduo classe, a natureza acidental das condições de vida do indivíduo, aparece apenas com o surgimento da classe, que é em si um produto da burguesia. Este caráter acidental, como tal, só é gerado e desenvolvido pela competição e a luta dos indivíduos entre si. (Marx, 1998, p. 87)
Autores como Vagostello (2003), Santos (2011), Brandão Neto (2014), Yoshinaga (2007) e Sampaio (2015) dedicaram-se a estudar a violência e seu enfrentamento relacionado aos conhecimentos biomédicos e à atuação profissional do enfermeiro, favorecendo uma leitura médica sobre os casos de violência ocorridos na escola.
Yoshinaga (2007) buscou apresentar e analisar o Programa de Intervenção e Educação em Saúde Antibullying - PIESA como uma proposta de enfrentamento; Sampaio (2015) acompanhou a implementação deste mesmo Programa. Ambos concluem que o enfermeiro é capaz de administrar e atuar nesta medida de enfrentamento.
Cabe ainda destacar que os estudos apresentados nesta categoria não apontam a Psicologia Histórico-Cultural como teoria norteadora da pesquisa e os que expressam os autores utilizados apontam Paulo Freire e Pedro Demo.
Foi constatado que somente o estudo de Freire & Aires (2012) aponta a presença do psicólogo nas práticas de enfrentamento da violência. Percebeu-se também a dificuldade que todos os trabalhos encontrados tiveram de conceituar o que seria enfrentamento da violência pela escola, visto que muitos se preocupam somente em conceituar a violência e acabam carecendo de conceituações que definam o que é enfrentamento no que diz respeito à violência e às possíveis maneiras de se manifestar na escola.
Evidenciou-se que poucos estudos, entre os selecionados, dedicavam-se a investigar o enfrentamento da violência somente com os relatos apresentados pelos coordenadores. A maioria realizou pesquisas com todos os participantes da escola (gestores, professores, alunos e pais) ou diretores e coordenadores, somente com professores ou somente com alunos.
Estavam presentes nos estudos enfrentamentos relacionados à advertência verbal e/ou escrita, livros de ocorrência, comunicação com pais ou responsáveis, aplicação e análise de círculos de cultura, mediação das situações de conflito por um professor mediador, programas de intervenção e educação em saúde, atuação democrática dos escolares, contato com Conselho Tutelar, Guarda Municipal e Promotoria Pública, dependendo da complexidade do caso, formação de profissionais educadores, estratégias de promoção de saúde, desenvolvimento socioeducativo, práticas de esporte e lazer, prevenção de doenças e prevenção de traumas.
Considerações finais
No âmbito da formação acadêmica, a ausência de referências e estratégias teórico- metodológicas que subsidiem as práticas diante das violências ocorridas no interior da escola prevalece, principalmente relacionada aos conhecimentos psicológicos. O marco referencial indica que ainda é necessário ampliar a discussão sobre seus enfrentamentos, modos de realizá-los e aplicá-los aos processos pedagógicos, estruturais e relacionais das escolas.
O profissional que atua na interface com a Educação e se depara com a violência, mais do que identificar as características individuais dos atores escolares que contribuem para os problemas que acontecem na escola, deve criar espaços e se apropriar de referenciais para compreender os contextos, os determinantes sociais que colaboram para o seu aparecimento e criar medidas de enfrentamento coletivas que garantem o desenvolvimento humano dos escolares.