INTRODUÇÃO
As políticas públicas possuem uma relação direta com a res publica, ou seja, com o que é de interesse de todos e configuram-se como um conjunto de ações que busca solucionar determinados problemas públicos (PEREIRA, 2009).
Para efetivação das políticas públicas (dentre elas a política esportiva) o fundo público é fundamental. As múltiplas funções do Estado são concretizadas a partir do fundo público que é formado pela punção compulsória realizada pelo mesmo Estado por meio de impostos, contribuições e taxas (BEHRING, 2010). Portanto, a presença de recursos públicos é necessária para que as políticas esportivas sejam materializadas.
O financiamento público do esporte foi reconhecido em lei - pela primeira vez - no Decreto-Lei nº. 3.199/19411. Contudo, a maior parte da legislação esportiva sobre financiamento vigente no país foi produzida a partir de 1988 com a promulgação da Constituição Federal e a publicação da Lei nº. 9.615/1998 (Lei Pelé)2 (CARNEIRO, 2018).
Segundo Athayde (2015), o esporte nunca ocupou, no histórico da agenda governamental, um lugar de destaque ou de prioridade das ações públicas. Um importante marco para a mudança desse cenário foi o seu reconhecimento como direito na Constituição Federal de 1988 que, ao elevar o esporte à condição de direito e reponsabilidade do Estado, criou a obrigatoriedade para que esse direito fosse alvo de políticas públicas.
Partimos da compreensão de que analisar o financiamento da política esportiva é uma chave interpretativa importante para entender seus caminhos e prioridades, haja vista ser ele que possibilita sua materialidade (CARNEIRO; MASCARENHAS, 2018). As decisões tomadas em relação aos objetivos governamentais, as prioridades dos gastos estatais e a definição das fontes de recursos públicos representam não apenas elementos econômicos, quantitativos e técnicos, mas refletem principalmente correlações de força existentes de cunho político-social (SALVADOR, 2012).
Amaral, Ribeiro e Silva (2014) verificaram um crescimento da produção científico-acadêmica em políticas de esporte e lazer e, ao identificar lacunas ou incipiências, traçaram uma agenda de pesquisa sendo uma delas o financiamento do esporte (AMARAL; RIBEIRO; SILVA, 2014; ALMEIDA; MARCHI JÚNIOR, 2011; CARNEIRO; MASCARENHAS, 2018). Neste sentido, encontramos a proposta metodológica3 para análise do financiamento do esporte no Brasil de Carneiro e Mascarenhas (2018), que apresentaram a fonte, o direcionamento e a magnitude do gasto como indicadores importantes para se compreender a totalidade do financiamento da política esportiva.
A partir dos elementos supracitados surgiram questionamentos sobre a produção acadêmico-científica na temática do financiamento do esporte: há incipiência de publicações? Quais são os temas privilegiados? O que expressam as publicações? Tendo por base estas questões, temos como objetivo analisar a produção acadêmico-científica sobre o financiamento do esporte no Brasil.
DELINEAMENTO METODOLÓGICO
Este estudo se caracteriza como uma revisão sistemática, ou seja, uma pesquisa que se utiliza de fonte de dados da literatura sobre determinado tema, buscando selecionar, organizar e analisar estudos, possibilitando compreender conceitos e comparar criticamente as análises (SAMPAIO; MANCINI, 2007).
Buscamos conhecer melhor o que vem sendo produzido e divulgado nos periódicos brasileiros vinculados à Educação Física/Ciência do Esporte no que tange ao financiamento do esporte. Definimos a opção por periódicos visto que são representativos da produção mais geral, pois a veiculação antecede ou sucede produções como livros, teses, dissertações e anais de eventos (BRACHT et al., 2011).
A partir da Plataforma Sucupira buscamos os periódicos vinculados a área de avaliação da Educação Física. Os critérios de seleção dos periódicos evolveram os seguintes aspectos: periódico cujo foco fosse a área de Educação Física/Ciência do Esporte e/ou Lazer; publicação brasileira e em português; na área de avaliação “Educação Física” ter Qualis-CAPES A2, B1 ou B2; e ter os artigos disponibilizados online entre 1998 e 2018. Esse período de análise se justifica por ser 1998 o ano da promulgação da Lei Pelé que estrutura o financiamento esportivo brasileiro e 2018 por ser o último ano completo para análise.
Assim, foram selecionados oito (08) periódicos, conforme quadro a seguir:
Revista de Educação Física da UFRGS (Movimento) |
Revista do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer (Licere) |
Revista Brasileira de Ciências do Esporte (RBCE) |
Revista Brasileira de Educação Física e Esporte (RBEFE) |
Revista da Educação Física (REFUEM) |
Revista de Educação Física, Esporte e Lazer (Motrivivência) |
Revista Pensar a Prática (Pensar a Prática) |
Revista Brasileira de Ciência e Movimento (RBC&M) |
Fonte: Elaboração própria.
Em cada revista buscamos produção científica sobre o tema em análise a partir dos descritores “fundo público”, “financiamento”, “orçamento” e “gasto esportivo”. A inclusão dos artigos supunha trato, ao longo do texto, da discussão sobre financiamento e questões correlatas, ser artigo original e obedecer ao recorte temporal da análise.
A primeira etapa das buscas, desenvolvidas no portal de cada revista, envolveu análise a partir dos títulos, resumo e palavras-chave, resultando em cinquenta (50) artigos. Após leitura integral dos textos (segunda fase) foram selecionados quarenta e três (43) artigos. Os sete (07) textos excluídos não atendiam integralmente os critérios de inclusão supracitados.
Os trabalhos foram avaliados conforme as proposições de revisão sistemática de Sampaio e Mancine (2007), assim analisamos as temáticas abordadas pelos estudos compreendendo aquilo que foi privilegiado. Dessa forma, os artigos selecionados foram analisados a partir da análise de conteúdo que, segundo Bardin (2011), reúne procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens voltados à compreensão crítica do sentido das comunicações, seu conteúdo manifesto ou latente, as significações explícitas ou ocultas.
APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS
Nessa direção, identificamos quatro (04) categorias, são elas: i) ‘Gasto com a política esportiva ou o orçamento esportivo’; ii) ‘Políticas ou programas esportivos específicos’; iii) ‘Megaeventos esportivos’; e, iv) ‘Entidades de administração do esporte e de prática esportiva’.
No gráfico 01 apresentamos a distribuição de artigos por categoria, onde percebemos uma concentração na categoria ‘Políticas ou programas esportivos específicos’, reunindo 49% das publicações. Em seguida, analisaremos as categorias destacadas.
Políticas ou programas esportivos específicos
Nesta categoria foram identificados vinte e um (21) artigos que pesquisaram programas, projetos e ações desenvolvidas pelos governos federal, estaduais e/ou municipais. Desses, dezessete (17) pesquisaram o âmbito federal, dois (02) o estadual, um (01) o municipal e um (01) o Distrito Federal. Assim, verificamos uma predominância de pesquisas que investigam a esfera federal.
Periódico | Ano | Artigo | Autores |
RBCE | 2010 | Esporte universitário brasileiro: uma leitura a partir e suas relações com o Estado | STAREPRAVO, F. et al. |
Licere | 2013 | A política esportiva do governo Lula: o programa Segundo Tempo | MATIAS, W. |
Licere | 2013 | Do direito ao lazer: o princípio acesso no Programa Esporte na Comunidade (Fortaleza-CE) | OLIVEIRA, A.; SUASSUNA, D.; TROMPIERI FILHO, N. |
Pensar a Prática | 2014 | Financiamento do esporte olímpico de verão brasileiro: mapeamento inicial do programa “bolsa-atleta” | CORRÊA, A,; et al. |
Movimento | 2015 | A Lei de Incentivo Fiscal e o (não) direito ao esporte | MATIAS, W. et al. |
Motrivivência | 2016 | Possíveis relações entre investimentos públicos e obtenção de resultados: o caso da natação brasileira | ORDONHES, M.; LUZ, W.; CAVICHIOLLI, F. |
Motrivivência | 2016 | O panorama do judô no programa ‘bolsa-atleta”: uma análise entre os anos 2011 a 2013 | DIAS, Y.; et al. |
Motrivivência | 2016 | O financiamento do esporte em Santa Catarina: o caso do Fundesporte nos anos de 2011 e 2012 | FURTADO, S. et al. |
Pensar a Prática | 2016 | O judô no programa governamental bolsa-atleta: a distribuição espacial dos bolsistas (2011-2013) | DIAS, Y.; et al. |
RBC&M | 2016 | O financiamento do esporte de alto rendimento no Brasil: uma análise do programa “Brasil no Esporte de Alto Rendimento” (2004-2011) | CASTRO, S.; POFFO, B.; SOUZA, D. |
RBCE | 2017 | O esporte olímpico no Brasil: recursos financeiros disponibilizados para Olimpíadas de Londres 2012 | TEIXEIRA, M.; MATIAS, W.; MASCARENHAS, F. |
Licere | 2017 | O Programa Esporte e Lazer da Cidade nos planos plurianuais do governo federal: o “estresse esportivo” do PELC | SOARES, J. |
Licere | 2017 | Municiplização do esporte e do lazer | PINTOS, A.; ATHAYDE, P.; GODOFLITE, M. |
Motrivivência | 2017 | A agenda do futebol no governo Lula: ações rumo à Copa do Mundo FIFA 2014 | RIBEIRO, M.; et al. |
Motrivivência | 2017 | Financiamento público e esporte educacional: uma análise do processo orçamentário do programa “Segundo Tempo” (2004-2011) | CASTRO, S.; SCARPIN, J.; SOUZA, D. |
Motrivivência | 2017 | O programa bolsa atleta no contexto esportivo nacional | TEIXEIRA, M.; et al. |
Licere | 2018 | Os centros olímpicos do Distrito Federal: um caso de desresponsabilização do Estado e descentralização das políticas de esporte e lazer em direção ao “terceiro setor” | CARNEIRO, F. et al. |
Movimento | 2018 | Análise da capacidade fiscal per capita na descentralização do programa Segundo Tempo/ME junto aos municípios | SANTOS, E.; STAREPRAVO, F. |
Motrivivência | 2018 | A organização e configuração do esporte universitário no Brasil (1940-1980) | CARMARGO, P.; MEZZADRI, F. |
Pensar a Prática | 2018 | Financiamento público no esporte: os repasses do estado de Santa Catarina para projetos da mesorregião grande Florianópolis (2007-2014) | QUINAUD, R.; ALMEIDA, B. |
Fonte: Periódicos analisados. (Elaboração própria)
Pela especificidade de tais pesquisas, que analisaram políticas ou programas específicos, a fonte de dados e os documentos utilizados foram diversos. O Portal da Transparência do Governo Federal4 foi a fonte de dados mais utilizada, sendo o SIGA Brasil5 utilizado em apenas três (03) pesquisas. Surge nesta categoria a análise de Planos Plurianuais (PPAs) e das Leis de Diretrizes Orçamentárias (LOAs).
O programa mais pesquisado na esfera federal foi o Bolsa Atleta6, analisado em quatro (04) artigos. Encontramos conclusões similares nos estudos de Teixeira et al (2017), Dias et al (2016a) e Corrêa et al (2014), quais sejam: concentração de recursos destinados às bolsas de nível intermediário na pirâmide esportiva (bolsas nacionais e internacionais), voltadas a atletas prontos, fomentando uma pirâmide esportiva com a base e o topo enfraquecidos.
Teixeira et al (2016) verificou que 50% dos atletas classificados para os jogos olímpicos de Pequim (2008), Londres (2012) e Rio (2016) eram bolsistas e, desses, apenas 0,11% foram medalhistas, muito embora, nos jogos do Rio (2016), todos os atletas medalhistas eram bolsistas. Dias et al (2016b) verificaram, a partir do estudo sobre o judô, que a região sudeste concentrou 51,46% das bolsas, dado similar ao que Corrêa et al (2014) verificaram em sua pesquisa em âmbito federal.
Condizente com a análise sobre a baixa efetividade do Bolsa Atleta, Teixeira, Matias e Mascarenhas (2017) pesquisaram o esporte olímpico brasileiro de 2009 a 2012 e verificaram que o montante de R$ 1,4 bilhão7 destinado ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e às confederações de esportes olímpicos não gerou resultados expressivos no quadro de medalhas.
Ordonhes, Luz e Cavichiolli (2016) cruzaram os dados do Programa Bolsa Atleta e da Lei de Incentivo ao Esporte (LIE) referentes à natação (alto rendimento) e concluíram que podem existir relações entre atletas contemplados no Programa Bolsa Atleta e os resultados obtidos, porém tal possiblidade não foi vislumbrada a partir da LIE. Novamente surgem elementos que mostram a concentração de recursos, assim como analisado no esporte olímpico: as instituições esportivas com maior número de atletas de destaque foram as que tiveram maior número de bolsas concedidas e as três instituições esportivas8 com maior número de ocorrência no ranking nacional foram as que receberam maior número de bolsas.
Castro, Poffo e Souza (2016) analisaram as dotações orçamentárias do programa “Brasil no Esporte de Alto Rendimento”9 de 2004 a 2011 e verificaram um crescimento no volume de recursos liquidados para o esporte de alto rendimento, porém 48,4% das dotações autorizadas não foram executadas, o que revela descontinuidades e baixos investimentos no programa.
O Programa Esporte e Lazer da Cidade (PELC)10 foi analisado em três (03) artigos. Castro, Starepravo e Souza (2018) investigaram a composição orçamentária do PELC de 2004 a 2011 e que 96,3% dos valores sancionados para o programa na LOA foram a partir de acréscimos propostos por emendas parlamentares. Tais autores, assim como Soares (2017), verificaram uma baixa execução orçamentária e a prioridade do gasto com infraestrutura esportiva, o que desconsidera as diretrizes e princípios do programa. Pintos, Athayde e Godoflite (2017) pesquisaram a municipalização do PELC e sinalizaram a importância do financiamento para sua efetivação.
Analisando o Programa Segundo Tempo (PST)11, Santos e Starepravo (2018a) verificaram um baixo número de convênios das prefeituras com o Ministério do Esporte (ME) para execução do programa. Matias (2013) e Castro, Scarpin e Souza (2017) afirmaram que o PST não foi prioridade de gasto do ME, sendo afetado diretamente pela mudança de rumo das políticas de esporte com a chegada dos Jogos Panamericano Rio 2007.
A análise do financiamento do esporte via LIE foi realizado por Matias et al (2015) que constataram uma hegemonia do esporte de alto rendimento nas propostas contempladas entre 2007 e 2013 e uma rasa contribuição para a democratização do acesso ao esporte. E, de modo complementar, Ribeiro et al (2017) analisaram a agenda governamental voltada ao futebol durante o governo Lula e constataram que foi a modalidade mais beneficiada pela LIE.
Starepravo et al (2010) e Camargo e Mezzadri (2018) pesquisaram o esporte universitário e apresentaram uma relação de interdependência, principalmente no âmbito econômico, entre Estado e o esporte universitário por meio do financiamento público.
No âmbito estadual, encontramos duas pesquisas sobre o Fundo Estadual de Incentivo ao Esporte de Santa Catarina (FUNDESPORTE). Furtado et al (2016) mapearam a alocação de recursos do FUNDESPORTE (2011 e 2012) e Quinaud e Almeida (2018) analisaram as propostas contempladas na mesorregião de Grande Florianópolis (2007 e 2014). Com conclusões complementares, os autores verificaram que a maioria dos recursos foi destinada a proponentes de ordem jurídica e com prioridade de gasto para infraestrutura esportiva, eventos e atletas e equipes de alto rendimento.
Na esfera distrital, Carneiro et al (2018) pesquisaram o programa Centros Olímpicos do Distrito Federal (Cos)12 buscando compreender, dentre outros aspectos, a configuração e abrangência do gasto entre 2008 e 2015. Os autores verificaram que o programa foi a prioridade da política esportiva do Distrito Federal, porém apresentou uma baixa execução orçamentária onde apenas metade dos recursos previstos foram liquidados.
No âmbito municipal, Oliveira, Suassuna e Trompieri Filho (2013) analisaram o Programa Esporte na Comunidade (PEC)13 no município de Fortaleza/CE e verificaram uma escassez de recursos orçamentários, o que impactou diretamente a qualidade dos serviços prestados à comunidade e a materialização do lazer como direito social.
Nesta categoria, verificamos que a prioridade recaiu sobre o período dos governos Lula e Dilma, com concentração entre os anos 2007 e 2012, e sobre a esfera federal. É importante destacar que tal cenário responde à intensificação da produção, implementação das políticas de esporte e lazer a partir da criação do ME e realização dos megaeventos esportivos. Apesar de maior diversidade de objetos de pesquisa, enxergamos considerações convergentes: recursos escassos, baixa execução orçamentária, má distribuição de recursos, baixa efetividade dos investimentos e prioridade do gasto com infraestrutura.
Gasto com a política esportiva ou orçamento esportivo
Esta categoria reúne os artigos que analisaram os gastos orçamentários ou os gastos com as políticas em âmbito federal, estadual e municipal. Dos dez (10) artigos pertencentes a essa categoria, cinco (05) deles pesquisaram o âmbito federal, dois (02) pesquisaram o Distrito Federal e três (03) o âmbito municipal.
Periódico | Ano | Artigo | Autores |
Movimento | 2010 | O financiamento dos programas federais de esporte e lazer no Brasil (2004 a 2008) | ALMEIDA, B.; MARCHI JÚNIOR, V. |
Licere | 2014 | O direito ao esporte: análise do planejamento e execução de políticas públicas no Distrito Federal no período de 2008-2011 | CARNEIRO, F.; MASCARENHAS, F. |
RBEFE | 2015 | Gestão das políticas públicas do Ministério do Esporte do Brasil | SILVA, D.; BORGES, C.; AMARAL, S. |
RBCE | 2015 | Primeiras aproximações de uma análise do financiamento da política de esporte e lazer no Governo Lula | ATHAYDE, P.; MASCARENHAS, F.; SALVADOR, E. |
RBEFE | 2016 | O orçamento do esporte: aspectos da atuação estatal de FHC a Dilma | MASCARENHAS, F. |
RBC&M | 2017 | Financiamento e políticas públicas de esporte e lazer: uma análise da gestão no município de Santarém/PA (2005-2012) | GRASSO, R.; ISAYAMA, H. |
RBC&M | 2018 | Políticas de esporte do Distrito Federal: uma análise sobre a legislação, gestão e o financiamento entre os anos de 2008 a 2014 | ATHAYDE, P.; DALMAS, L. |
Movimento | 2018 | Esporte, fundo público e pequena política: os reveses de um orçamento (r)emendado | TEIXEIRA, M. et al |
Licere | 2018 | Estrutura político-administrativa dos governos municipais do Piauí e investimento no esporte e no lazer | SANTOS, E.; STAREPRAVO, F. |
Motrivivência | 2018 | Evolução das despesas da função desporto e lazer (FDL) dos municípios do estado do Piauí de 2003 a 2011 | SANTOS, E.; STAREPRAVO, F.; CANAN, F. |
Fonte: Periódicos analisados. (Elaboração própria).
De forma predominante, o portal SIGA Brasil foi adotado em cinco (05) das pesquisas da esfera federal, sendo o principal meio utilizado para acesso aos dados.
Os estudos realizaram análises quantitativas e qualitativas do financiamento esportivo, apesar de apenas seis dos artigos sinalizarem tal opção de análise. Destacamos tais escolhas metodológicas pois o orçamento não é uma peça meramente econômica, mas eminentemente política. Salvador (2012) afirma que o orçamento é a expressão mais visível do fundo público e, por consequência, demonstra as prioridades das políticas públicas definidas pelos governos. E, não menos importante, expressa as correlações de força existentes entre o Estado, a sociedade civil e as frações de classe (componentes do bloco no poder). Assim, uma análise meramente técnica ou quantitativa dos dados impossibilitaria perceber reais interesses e relações que giram em torno das políticas de esporte.
Identificamos quatro pesquisas com objetivos próximos e que tematizaram o gasto federal de forma mais ampla. Mascarenhas (2016) e Almeida e Marchi Júnior (2010) orientaram suas pesquisas para os gastos federais de 2001 a 2012 e de 2004 a 2008, respectivamente. Já Silva, Borges e Amaral (2015) e Athayde, Mascarenhas e Salvador (2015) investigam as ações do ME de 2002 a 2012 e de 2003 a 2010, respectivamente.
Tais estudos verificaram oscilações de prioridade dos gastos, sendo as práticas esportivas foco do governo do Fernando Henrique Cardoso (FHC) e dos governos Lula e Dilma a infraestrutura esportiva e os megaeventos, onde em anos específicos foi priorizado o atendimento da área social (esporte nas dimensões educacional e de participação).
Teixeira et al (2018) analisaram o gasto orçamentário a partir das emendas parlamentares e verificaram uma representatividade média de 72% na execução orçamentária do ME, com direcionamento prioritário para infraestrutura no período de 2008 a 2011, e para ações de esporte, lazer e inclusão social no período de 2012 a 2015. Esta alta representatividade na execução orçamentária demonstra, segundo os autores, as problemáticas práticas clientelistas no setor esportivo pertinente ao governo federal.
Já no Distrito Federal, Carneiro e Mascarenhas (2014) e Athayde e Dalmas (2018) pesquisaram, respectivamente, a política de esporte do Governo do Distrito Federal (GDF) de 2008 a 2011 e o orçamento da Secretaria de Estado de Esporte, Turismo e Lazer do Distrito Federal (SETL-DF) de 2008 a 2014. Os autores sinalizaram limites da previsão de gastos na lei e nos valores efetivamente gastos (liquidados), prioridade do gasto para as atividades de gestão e atividades meio da secretaria, e descontinuidades principalmente na quebra dos investimentos nas ações de prática e vivência esportiva.
No âmbito municipal, Santos, Starepravo e Canan (2018) e Santos e Starepravo (2018b) analisaram os investimentos em esporte e lazer nos municípios do estado do Piauí, verificando um crescimento exponencial dos investimentos dos municípios em políticas públicas de esporte e lazer, contrapondo os argumentos de que os municípios não contribuem para o desenvolvimento do esporte e do lazer no país.
O município de Santarém/PA foi pesquisado por Grasso e Isayama (2017) que reconheceram que o financiamento das políticas de esporte e lazer do município foi expressivo e que, apesar das oscilações, houve uma ampliação desse financiamento, com priorização do esporte comunitário e educacional.
Nesta categoria, a prioridade foi para pesquisas na esfera federal e no período dos governos Lula e Dilma. Apesar dos diferentes objetos analisados, despontaram conclusões que verificaram baixas execuções e descontinuidades no gasto orçamentário.
Megaeventos Esportivos
Esta categoria reúne artigos que pesquisaram os megaeventos esportivos realizados no Brasil: Jogos Pan-Americanos Rio 2007, Jogos Mundiais Militares 2011, Copa do Mundo FIFA 2014 e Jogos Olímpicos Rio 2016. Foram oito (08) artigos que tematizaram o financiamento de tais eventos, publicados de 2009 em diante. A princípio, é um número baixo de publicações considerando a expressão e quantidade de eventos realizados de 2007 a 2016.
Periódico | Ano | Artigo | Autores |
Motrivivência | 2009 | Observações sobre os impactos esperados dos Jogos Olímpicos de 2016 | PRONI, M. |
Motrivivência | 2013 | A cidadania ferida no país da copa: as obras públicas para os megaeventos sob o sorriso do lagarto | SOARES, M.; BEHMOIRAS, D.; SAMPAIO, J. |
Motrivivência | 2013 | Rio 2016: possibilidades e desafios para o esporte brasileiro | FIGUERÔA, K.; MEZZADRI, F.; SILVA, M.; SILVA, M. |
Motrivivência | 2014 | Planejamento, ações e financiamento para o esporte em tempos de megaeventos | FIGUERÔA, K. et al. |
Licere | 2014 | Rio 2016 e os legados do esporte de lazer | FIGUERÔA, K.; MEZZADRI, F.; SILVA, M. |
RBEFE | 2015 | Os jogos olímpicos e paraolímpicos Rio 2016: propostas para o esporte educacional, de participação e de rendimento | CASTRO, S.; SOUZA, D. |
RBEFE | 2015 | Legados de megaeventos esportivos: considerações a partir de uma perspectiva crítica | COAKLEY, J.; SOUZA, D. |
Pensar a prática | 2017 | As influências dos megaeventos esportivos na agenda e políticas esportivas: planejamento institucional, ordenamento jurídico e financeiro | MATIAS, W.; MASCARENHAS, F. |
Fonte: Periódicos analisados. (Elaboração própria)
Cinco (05) artigos14 pesquisaram os Jogos Olímpicos Rio 2016: Figuerôa, Mezzadri e Silva (2014), Figuerôa, Mezzadri e Silva (2013), Figuerôa et al (2014), Castro e Souza (2015) e Proni (2009). Destes, quatro (04) se aproximaram por utilizarem dois documentos centrais na análise dos dados: o Dossiê de Candidatura e os Cadernos de Legados dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016.
Castro e Souza (2015) utilizaram apenas os dois documentos supracitados. Figuerôa, Mezzadri e Silva (2013) utilizaram, além dos dois documentos citados, o Plano Decenal de Esporte e Lazer (PDEL). Figuerôa et al (2014) e Figuerôa, Mezzadri e Silva (2014) utilizaram, além dos três documentos anteriores, os sites oficiais do governo para acesso a documentos oficiais de prestação de contas do Governo Federal, os PPAs, e realizaram entrevistas com agentes da Autoridade Pública Olímpica (APO) e do ME.
Figuerôa et al (2014) e Figuerôa, Mezzadri e Silva (2014) apresentaram as previsões de investimento presentes nos documentos analisados e verificaram uma grande queda nos valores liquidados para o desporto comunitário e concomitante aumento do gasto com esporte de alto rendimento e infraestrutura esportiva.
Castro e Souza (2015), noutra direção, argumentaram que os documentos não satisfazem os preceitos da Constituição Federal em relação ao esporte e nem da Política Nacional de Esporte. Há uma concentração de ações na cidade do Rio de Janeiro, falta de incentivo ao esporte educacional via educação física escolar, bem como lacunas sobre planejamento orçamentário. Os autores verificaram, assim como Figuerôa, Mezzadri e Silva (2013), que há uma falta de consistência e detalhamento das propostas, e que, conquanto sinalizem legados para os Jogos Olímpicos Rio 2016, não há ações planejadas nem caminhos apresentados para execução.
Proni (2009) apresentou os valores previstos para os Jogos Olímpicos Rio 2016 e destacou a existência de possíveis impactos positivos com a realização dos jogos. Contudo, sinalizou que tais legados poderiam não ser alcançados assim como em Atenas (2004).
Com um olhar mais amplo, Matias e Mascarenhas (2017) e Coackley e Souza (2015) analisaram os megaeventos esportivos a partir dos determinantes econômicos e políticos. Os últimos utilizaram os jogos Pan Rio 2007 como exemplo de um evento com o custo muito elevado, acima dos valores previstos em planejamento, e que no período pós-evento o acesso aos equipamentos construídos se demonstrou insuficiente e ineficaz para a democratização da prática esportiva como direito. Partindo do pressuposto de que megaeventos esportivos promovem desenvolvimento econômico, social e político, os autores afirmaram que apenas setores específicos seriam beneficiados e que a população, de forma geral, não seria diretamente favorecida.
E, por último, Soares, Behmoiras e Sampaio (2013), sendo os únicos que discutiram a Copa do Mundo FIFA 2014. Os autores apresentaram diversos argumentos de que a Copa e os demais megaeventos esportivos foram “a concretização dos caprichos das elites” brasileiras, estando longe de alcançar a legitimamente do esporte mais praticado no Brasil.
Percebemos que a produção de artigos sobre os megaeventos esportivos se concentra na apreciação dos Jogos Olímpicos Rio 2016 e na análise dos documentos de candidatura e de propostas de legados. Verificamos uma lacuna na produção de estudos que pesquisem a materialidade dos legados.
Entidades de Administração do Esporte e de Prática Esportiva
Nesta categoria reunimos os quatro (04) artigos que tinham como objeto de pesquisa examinar o financiamento das entidades de administração do esporte e de prática esportiva15. Esta categoria é a que possui menor número de artigos.
Periódico | Ano | Artigo | Autores |
Pensar a Prática | 2012 | A relação Governo Federal e Comitê Olímpico Brasileiro com base na análise da lei 10.264/2001 (Agnelo-Piva) no período de 2005 a 2008 | ALMEIDA, B.; MARCHI JÚNIOR, V. |
REFUEM | 2015 | O financiamento público do rugby brasileiro: a relação Governo Federal e Confederação Brasileira de Rugby (CBRu) | SILVA, M. et al |
RBCE | 2011 | Comitê Olímpico Brasileiro e o financiamento das confederações brasileiras | ALMEIDA, B; MARCHI JÚNIOR, W. |
RBEFE | 2010 | Gestão do voleibol no Brasil: o caso das equipes participantes da Superliga 2007-2008 | MARONI, F.; MENDES, D.; BASTOS, F. |
Fonte: Periódicos analisados. (Elaboração própria)
Almeida e Marchi Júnior (2011), ao se propor identificar o relacionamento estabelecido entre as confederações de esportes olímpicos e o COB, verificaram uma centralização das decisões na entidade que, por sua vez, reflete na distribuição de verbas entre as confederações. Os repasses financeiros feitos às confederações via COB são questionáveis, principalmente pelo favorecimento de modalidades com resultados em competições internacionais, que possuem outros patrocinadores e estrutura administrativa adequada16.
Ao analisar as ações provenientes da verba de repasse da Lei Agnelo/Piva no período entre 2005 e 2008, os autores verificaram que além de fortalecer o quadro de confederações dominantes e dominadas, a lei também fortalece a dependência financeira das confederações com relação ao COB (ALMEIDA; MARCHI JÚNIOR, 2012).
Silva et al (2015) optaram por analisar as formas de financiamento federal destinadas à Confederação Brasileira de Rugby (CBRu). Observou-se um crescimento nos recursos da CBRu de 201117 em diante, sendo a LIE a principal fonte de financiamento.
E, por último, como único artigo que investigou as entidades de prática esportiva, Maroni, Mendes e Bastos (2010) analisaram a gestão e organização das equipes de voleibol que disputaram a Superliga 2007/2008. Os autores concluíram que a iniciativa privada desempenhou importante papel no desenvolvimento da modalidade no Brasil, sendo crescente a participação de entidades de prática esportiva criadas pelas empresas patrocinadoras.
Apesar de poucos estudos pertencentes a essa categoria, vislumbramos algumas características: o favorecimento de modalidades que possuem expressivos resultados esportivos e patrocinadores privados, a centralidade do COB no apoio financeiro às confederações e o fortalecimento do cenário de confederações dominantes e dominadas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conseguimos compreender neste estudo as problemáticas sobre as quais a comunidade científica tem se dedicado a investigar. Nos chama a atenção o fato da primeira publicação sobre financiamento do esporte, a despeito do referido recorte temporal (1998-2018), ter sido divulgada apenas em 2009. A despeito disso, desde então, as publicações sobre a temática vêm crescendo. Este dado articulado ao quantitativo de 43 artigos publicados nos faz refutar o argumento de que há uma incipiência na produção sobre financiamento do esporte no país, embora tenhamos identificado determinadas lacunas presentes neste balanço.
Houve, no conjunto analisado, a priorização das análises da esfera federal: foram trinta e três (33) artigos, sendo quatro (04) sobre a esfera municipal, três (03) sobre o Distrito Federal, dois (02) sobre a esfera estadual e um (01) sobre o âmbito privado. Assim, verificamos uma incipiência de publicações em relação às esferas subnacionais e privadas.
Tendo por base as diferentes fontes de financiamento público do esporte foi possível identificar que a maioria dos artigos analisou a fonte orçamentária. No que se refere às fontes extraorçamentárias, não encontramos estudos sobre o patrocínio esportivo das empresas estatais ou as contribuições sobre salários e transferências de atletas profissionais. Em relação à fonte gastos tributários, encontramos apenas um estudo sobre a LIE.
A categoria que apresentou maior número de artigos publicados foi ‘Políticas e programas esportivos específicos’, e a predominância foi para a esfera federal. A concentração de recursos18 e a baixa execução orçamentária surgiram em diferentes políticas e programas esportivos analisados.
A categoria ‘Gasto com a política esportiva ou o orçamento esportivo’ foi a segunda mais pesquisada, com uma concentração de artigos investigando a esfera federal e no período dos governos Lula e primeiro mandato de Dilma. Mesmo com os diferentes objetos analisados, verificamos características padrões do financiamento do esporte nesta categoria: ampliação e descontinuidade dos gastos, baixa execução orçamentária, modificação na priorização do gasto com esporte e priorização dos gastos com infraestrutura e megaeventos esportivos.
A terceira categoria, ‘Megaeventos esportivos’, concentrou as atenções para pesquisas sobre os Jogos Olímpicos Rio 2016. Verificamos uma necessidade de se averiguar o financiamento dos megaeventos esportivos no Brasil, principalmente com objetivos em investigar os legados esportivos. Compreendemos a dificuldade de acesso a determinadas informações e dados, bem como a limitação da mensuração dos legados dos megaeventos (PRONI, 2009), o que vem a justificar a baixa produtividade sobre a temática.
A última categoria pesquisada, ‘Entidades de administração esportiva’, com apenas quatro (04) artigos, apontou carências de produção nesta categoria. De forma similar, algumas pesquisas da categoria verificaram concentrações de recursos e favorecimento de determinadas modalidades/confederações. Considerando o número de confederações de esportes, o cenário incipiente de produção acadêmico-científica é um limite importante para a compreensão dessa dimensão do financiamento.
Percebemos que, de forma geral, os estudos sobre financiamento esportivo no Brasil vêm crescendo nos últimos anos. Porém, se olharmos as especificidades de cada categoria, enxergamos lacunas importantes, como no caso das pesquisas em âmbito estaduais e municipais, assim como dos megaeventos esportivos e das entidades de administração esportiva. Possivelmente, a preferência pelas pesquisas na esfera federal diz respeito a alguns fatores, como a transparência dos dados, a centralidade da fonte orçamentária e a continuidade das políticas públicas realizadas pelo ME.
Também verificamos uma concentração de pesquisas no período dos governos petistas, o que sinaliza uma resposta à ampliação de políticas e programas a partir de 2003 com a criação do ME e a partir de 2007 com a execução do primeiro megaevento. Assim, foi possível identificar que o foco de gasto da política esportiva em âmbito federal foi se remodelando ao longo do tempo.
Ademais, destacamos a importância do desenvolvimento de pesquisas quantitativo-qualitativas que extrapolem análises meramente quantitativas e que consigam revelar o que tem sido priorizado nas políticas esportivas, apontando suas contradições, limites e possibilidades. Aspectos que abrem perspectivas para uma nova agenda de pesquisas sobre financiamento do esporte no país, incorporando, por isso, estudos com vistas à compreensão dos recursos de origem privada, dos reais gastos e dos legados dos megaeventos. Da mesma forma, esferas subnacionais também devem entrar na agenda de produções acadêmico-científicas.