INTRODUÇÃO
O futebol é um dos maiores fenômenos socioculturais do Brasil, representa uma identidade nacional e possui uma importância na vida das pessoas difícil de se igualar (GUTERMAN, 2009). Enquanto indústria do entretenimento, segundo Rocha e Fleury (2017) o futebol tem um grande potencial para se tornar um produto muito lucrativo no Brasil. Realmente, o impacto econômico da modalidade atingiu patamares significativos para a economia nacional, principalmente a partir do início do século XXI (GASPARETTO, 2013). Em um estudo desenvolvido pela consultora BDO Brazil (2018), a Confederação Brasileira de Futebol - CBF apresentou lucro líquido acumulado de mais de R$550 milhões nos últimos 9 anos, já a soma das receitas dos 25 principais clubes do país atingiram impressionantes R$ 5,2 bilhões no ano de 2017.
Neste sentido, é importante destacar que no futebol o público possui uma forte ligação afetiva com o seu clube (MULLIN et al., 1993; SMITH; STEWART, 2010; BISCAIA et al., 2014), o que torna esse ambiente mais complexo e desafiador. Além disso, a competição esportiva revela a maneira como o torcedor reage às situações de um jogo, devido sua imprevisibilidade. Para Mullin et al. (1993), a incerteza sobre como as coisas acabarão combinadas com uma forte preferência por um resultado em detrimento de outro, gera elevados níveis de ansiedade e suspense. São essas características que estão associadas aos sentimentos entrelaçados de esperança e medo sobre a possibilidade de resultados alternativos que constituem a proposição de valor derivada da experiência do torcedor/consumidor (MADRIGAL; DALAKAS, 2008).
Nesta perspectiva, cabe ao departamento de marketing do clube atender às necessidades do consumidor de maneira lucrativa (KOTLER; KELLER, 2012). No contexto do esporte, o marketing é definido como processo de elaborar e implementar atividades de produção, formação de preço, promoção e distribuição de um produto esportivo para satisfazer as necessidades ou desejos de consumidores e alcançar os objetivos da empresa (PITTS; STOTLAR, 2002). Como uma das estratégias de marketing, as organizações esportivas devem reunir informações sobre os dados demográficos, as preferências e o consumo dos clientes. O comportamento de consumo está associado à lealdade comportamental, que é baseada nas ações de compra do passado e do presente. No futebol, podem ser mensuradas a partir da frequência de jogos assistidos no estádio e na compra de produtos do clube (BAUER et al., 2005; THEODORAKIS et al., 2012).
Para Gonçalves et al. (2012) e Correia et al. (2014) o consumo reflete as caracteristicas individuais do consumidor, e acrescentam que o comportamento do consumidor é definido por variáveis externas e internas ao indivíduo, sendo a primeira determinada por fatores culturais, tradições locais, situação econômica, classe social, pessoas próximas como família, amigos e pares, entre outros, e a segunda determinada por fatores como idade, sexo, etnia, personalidade, imagem de si próprio e estilos de vida. Em síntese, o comportamento do consumidor esportivo é o resultado da interação entre o indivíduo e o seu envolvimento com o ambiente. É necessário que as organizações estejam atentas às diferentes demandas e necessidades dos variados grupos da sociedade para que, assim, possam atender de maneira efetiva o seu público-alvo.
Ainda nesta perspectiva, para Greenwell et al. (2002) há dois principais fatores de segmentação que determinam os comportamentos dos consumidores, são segmentações demográficas e psicográficas. É possível verificar que inicialmente a ampla maioria dos estudos aplicados aos consumidores do esporte utilizaram a segmentação demográfica. Isto quer dizer que, investigaram a significância do sexo, idade, renda e geografia no processo de decisão de consumo (HEERE; JAMES, 2007; ROSAS; ORAZEM, 2014; WESTERBEEK, 2000). Por exemplo, no estudo de Dietz-Uhler et al. (2000) os homens se identificaram mais como fãs do esporte em relação as mulheres, já a participação feminina em eventos esportivos foi maior. Já segundo Correia et al. (2014), a idade influencia as preferências de prática e assistência do esporte.
Logo, conhecer os fatores que influenciam as pessoas a assistir aos jogos e a comprar novos produtos é crucial para as organizações do esporte, pois vai permitir atrair mais espectadores e aumentar a notoriedade e a receita dos clubes (BISCAIA et al., 2010). Para isso, é importante examinar o papel dos fatores sociodemográficos no comportamento de consumo de seu espectador, entendendo que tais fatores podem influenciar de maneira expressiva a decisão de compra do cliente. Portanto, o objetivo do estudo foi analisar a influência das variáveis sociodemograficas no comportamento de consumo dos espectadores do futebol pernambucano.
MÉTODOS
Caracterizações do Estudo
O estudo é caracterizado como de abordagem quantitativa, uma vez que, faz perguntas específicas e restritas, coleta dados quantificáveis dos participantes, analisa os dados usando estatísticas e conduz a investigação de maneira objetiva (ANDREW et al., 2011; SKINNER et al., 2014). Um delineamento transversal foi adotado já que envolve a coleta de dados de uma dada amostra da população somente uma vez (MALHOTRA, 2019), do tipo correlacional preditivo, designada segundo Zhang (2017) quando uma variável independente pretende predizer uma variável consequência
Amostra e procedimentos de coleta de dados
A amostra foi composta por 967 espectadores do Campeonato Pernambucano de Futebol nos anos de 2017 a 2019. Para definição da dimensão da amostra foi utilizado o pressuposto mínimo de 50 observações para cada variável independente (MARÔCO, 2014). As características sociodemográficas apresentaram em sua maioria participantes do sexo masculino (81,8%), com idade média de 32,3 anos. Quanto à escolaridade, a maioria possui o ensino superior completo (49,1%), com o rendimento familiar superior a R$5.000,00.
A técnica de recolha amostral foi não aleatória por conveniência (SKINNER et al., 2014). O procedimento de coleta adotado foi o E-survey, proposto por Veal e Darcy (2014), onde os espectadores foram convidados através das redes sociais a responder o questionário online, disponível como um formulário, na plataforma Google Drive. A coleta ocorreu sempre entre os meses de fevereiro e maio de cada ano sob investigação. Como critério de inclusão foi estabelecido que fariam parte do estudo torcedores dos clubes do futebol de Pernambuco. Foram excluídos questionários incompletos e de torcedores menores de 18 anos de idade.
Todos os participantes foram elucidados quanto aos objetivos do estudo, aqueles que desejaram participar de forma livre e esclarecida preencheram o questionário em conformidade com as normas estabelecidas e aprovadas pelo Comitê de Ética e Pesquisa de uma Universidade brasileira.
Instrumento
O instrumento utilizado trata-se de um questionário adaptado de Carvalho et al. (2013) e Biscaia et al. (2013) com ênfase nas variáveis sociodemográficas: (I) sexo, (II) idade, (III) escolaridade e (IV) renda familiar, e nas variáveis do comportamento de consumo: (I) compra de produtos do clube e (II) compra de ingressos. Tal questionário foi anteriormente utilizado no estudo de Rodrigues Silva et al. (2018). As variáveis do estudo estão apresentadas na Tabela 1.
Variáveis Sociodemográficas | Descrição | Escala |
---|---|---|
Sexo | 0 = feminino; 1 = masculino | Binária |
Idade | Idade (em anos) | Métrica |
Escolaridade | 1 = Ensino Fundamental, 2 = Ensino Médio, 3 = Ensino Superior, 4 = Pós-Graduação. | Ordinal |
Rendimento familiar | 1 = até 1000; 2 = De 1001 a 2000; 3 = De 2001 a 3000; 4 = De 3001 a 4000; 5 = De 4001 a 5000; 6 = Mais de 5000 | Ordinal |
Comportamento de consumo | ||
Compra de produtos do Clube | 0 = Não; 1 = Sim | Binária |
Compra de ingressos | 0 = Não; 1 = Sim | Binária |
Fonte: Os autores
Análise Estatística
Os dados foram analisados no software IBM SPSS Statistics 24.0, onde foram realizadas análises descritivas para caracterizar a amostra do estudo e uma análise de regressão logística binária para avaliar a influência dos dados sociodemográficos dos espectadores no consumo de produtos e jogos do clube. O nível de significância estabelecido foi de p < 0,05.
RESULTADOS
Os resultados da análise de regressão logística evidenciaram que o modelo com as variáveis sociodemográficas como preditoras da compra de produtos foi significativo (X² (10) =123,719; p < 0,01). A idade influenciou de forma significativa a compra de produtos (OR=1,047; p < 0,05; IC 95%=1,023-1,072), assim como a escolaridade (OR=0,173; p < 0,05; IC 95%=0,041-0,738) e a renda familiar (OR=12,189; p < 0,05; IC 95%=3,063-48,511) (Tabela 2). Em relação à compra de ingressos, as variáveis sociodemográficas não obtiveram valores preditivos significativos.
Modelo | β | SE | Wald | p | OR |
Idade | 0,046 | 0,012 | 15,450 | 0,000* | 1,047 |
Sexo | 0,108 | 0,254 | 0,181 | 0,670 | 1,114 |
Rendimento familiar | |||||
1001,00 até 2000,00 | 0,879 | ,388 | 5,130 | ,024* | 2,409 |
2001,00 até 3000,00 | -,313 | ,377 | ,687 | ,407 | ,731 |
3001,00 até 4000,00 | -,290 | ,384 | ,572 | ,450 | ,748 |
4001,00 até 5000,00 | 2,501 | ,705 | 12,590 | ,000* | 12,189 |
Mais de 5000,00 | 1,847 | ,427 | 18,705 | ,000* | 6,342 |
Escolaridade | |||||
Ensino Médio | -,096 | ,685 | ,020 | ,889 | ,909 |
Ensino Superior | ,585 | ,695 | ,709 | ,400 | 1,796 |
Pós-graduação | -1,752 | ,739 | 5,618 | ,018* | ,173 |
Constante | -,169 | ,783 | ,046 | ,830 | ,845 |
Nota: *p < 0,05
Fonte: os autores
DISCUSSÃO
A proposta central deste estudo foi analisar a influência das variáveis sociodemográficas no comportamento de consumo dos espectadores do futebol pernambucano. Uma das razões pela qual as variáveis demográficas possuem bastante relevância entre os profissionais de marketing é que elas costumam estar associadas às necessidades e aos desejos dos consumidores (KOTLER; KELLER, 2012). Considera-se de extrema importância que as organizações esportivas estejam atentas a esses fatores para compreensão de como essas variáveis influenciam o torcedor de futebol.
Ao avaliar os resultados das características sociodemográficas dos participantes do presente estudo, pode-se compreender que, diante da literatura, o futebol ainda é um esporte majoritariamente consumido pelo público masculino de classe média e escolaridade altas (CORREIA; ESTEVES, 2007; QUINTAL et al., 2016; RODRIGUES SILVA et al., 2018). No tocante ao estudo de Santos (2011), ao analisar a caracterização sociodemográfica de espectadores de futebol em Portugal, foi constatado que o público mais frequente foi composto por homens jovens até 39 anos com ensino médio completo e classe média. Um trabalho desenvolvido durante a Copa do Mundo de Futebol da FIFA 2014, sediada no Brasil, também constatou em cinco cidades-sede, que o perfil sociodemográfico dos torcedores era composto, na sua maioria, pelo sexo masculino com idade média de 32,8 anos e ensino superior completo (SANTOS et al., 2016).
No que diz respeito às variáveis do comportamento de consumo, o sexo não exerceu uma influência significativa tanto na compra de produtos como de ingressos. Contudo, estudos anteriores indicaram que existem diferenças relevantes no processo de decisão de consumo entre consumidores do sexo masculino e feminino (ROBINSON; TRAIL, 2005; HALL; O'MAHONY, 2006; CLARK et al., 2009). Em um estudo que comparou os motivos que levam os torcedores a frequentarem jogos de basquetebol, os autores identificaram que as mulheres deram preferências aos aspectos de socialização relativamente aos homens (RIDINGER; FUNK, 2006). Já os resultados encontrados por Kim et al. (2013) sugerem que a qualidade do jogo foi o fator mais importante na previsão da presença de mulheres em eventos futuros. A inconsistência dos resultados desse estudo com a literatura pode estar relacionada à técnica de coleta da amostra por conveniência, uma vez que, mais de 80% da amostra foi composta pelo sexo masculino.
Em relação às demais variáveis sociodemográficas (i.e. idade, rendimento familiar e escolaridade), todas foram preditoras significativas da compra de produtos do clube. Este resultado nos parece estar baseado na lógica de quanto mais velho, melhor for a formação e possuir uma maior renda, maiores são as chances de compra. Tais implicações estão em conformidade com o estudo de Kwon e Armstrong (2006), que apresetaram a disponibilidade de recursos financeiros como um antecedente da compra de produtos. Ainda nessa perspectiva, para o clube, conhecer a capacidade de pagamento do torcedor por determinado produto e os seus custos para ir a um jogo são fatores importantes para estabelecer estratégias e metas de vendas de produtos (O'REILLY et al., 2015).
Quanto à compra de ingressos, em nosso estudo, as variáveis sociodemográficas não foram preditoras significativas. Em contraste, algumas investigações evidenciaram o importante papel dessas variáveis na decisão de ir aos jogos (ZHANG et al., 2003; LERA-LÓPEZ et al., 2012). Especificamente, o estudo de Lera-López et al. (2012) apresentou que: (1) a probabilidade de nunca participar de um jogo de futebol diminui 15,1% se o individuo for homem; (2) pessoas com uma baixa formação frequentam menos eventos esportivos; (3) existe uma relação positiva da renda pessoal e o comparecimento de eventos de futebol. Da mesma forma, no estudo de Zhang et al. (2003), a idade e a renda familiar estiveram positivamente relacionadas ao consumo de jogos.
Ao analisar estudos sobre a aquisição de ingressos e a frequência em jogos esportivos, apesar de fatores sociodemográficos corroborarem, pode-se atestar que outros fatores como: Preço dos ingressos e vontade de pagar (KAISER et al., 2018), desempenho do time, dia do jogo, experiencia prévia (BURAIMO et al., 2018), motivação e lealdade (NEALE; FUNK, 2006; CORREIA; ESTEVES, 2007), participação prévia como atleta da modalidade (CASPER; MENEFEE, 2010), qualidade do evento e satisfação (FOROUGHI et al., 2014), além das barreiras e identificação com o time (ROCHA; FLEURY, 2017), foram mais explorados pela literatura e evidenciaram um maior poder preditivo da participação dos consumidores em eventos esportivos (HALL et al., 2010; KIM et al., 2019).
De acordo com o estudo de Fagundes (2013), alguns dos principais fatores para os torcedores brasileiros irem ao estádio estão relacionados às pessoas que os acompanham, como amigos e familiares e a importância da partida para seu time, relacionar-se com outros torcedores do time, a atmosfera pré-jogo e confraternizações pós-jogos também são alguns dos vários fatores que levam os torcedores a adquirirem ingressos para jogos. Flecha e Pontello (2015) também evidenciaram que a socialização dos torcedores, atividades desenvolvidas no estádio, comodidade e policiamento dentro e fora do estádio foram considerados essenciais no comparecimento aos jogos, apesar de a distância do local da residência para o estádio ter impacto negativo.
Esse estudo aprofunda a literatura da temática do futebol como indústria e negócio, uma vez que: (1) foi desenvolvido num contexto pouco explorado do ponto de vista teórico, dado que não foram encontradas investigações acerca dessa temática anteriormente realizadas no Estado de Pernambuco; (2) os dados sociodemográficos contribuem com uma segmentação mais precisa dos torcedores do Estado; e (3) analisou de forma simultânea o consumo de produtos e ingressos. Do ponto de vista prático, oferece a gestores e diretores de marketing dos clubes de futebol uma série de informações importantes: (1) divisão do mercado em segmentos, o que pode auxiliar na identificação e descrição de grupos distintos que preferem ou exigem tipos diferentes do produto esportivo; e (2) auxiliam na definição de estratégias de comunicação do seu posicionamento com seu mercado alvo.
Algumas limitações desse estudo fornecem novas ideias e direções para investigações futuras. Uma limitação foi a técnica de coleta por conveniência, o que dificulta a generalização dos resultados para outros contextos, logo, devem ser interpretados com cautela. Não foram observadas a tipologia e o custo da aquisição dos produtos, isso representa informações valiosas para os gestores. Apesar das variáveis sociodemográficas representarem uma segmentação clássica do mercado, não são mais suficientes. É necessário aprofundar a abordagem e incluir variáveis comportamentais e/ou psicológicas para fornecer de forma mais precisa a natureza das motivações das pessoas para o consumo de produtos e ingressos. Finalmente, uma outra perspectiva, trata-se da investigação de quais são as variáveis que influenciam a escolha dos canais de compra (i.e., online e/ou offline).
CONCLUSÕES
Em suma, conclui-se que este estudo oferece aos gestores dos clubes de futebol de Pernambuco conhecimentos detalhados sobre o comportamento de consumo do seu torcedor, evidencia que as variáveis sociodemográficas (i.e. idade, rendimentos e escolaridade) influenciaram de forma positiva a compra de produtos do clube, entretanto não foram significativas na compra de ingressos.
Assim, os departamentos de marketing dos clubes possuem informações relevantes para a realização e ajustes de campanhas de marketing com vistas a venda de produtos, considerando a influência das variáveis sociodemográficas. Para a compra de ingressos, outras variáveis devem ser avaliadas para conhecer os determinantes que influenciam a presença de torcedores aos jogos do clube, como as citadas na discussão desse artigo, ou também outras variáveis psicológicas (i.e. valor da marca) e relacionais (i.e. ser sócio do clube, tempo de relacionamento com o clube).
Finalmente, buscou-se apresentar com maior profundidade o segmento de mercado e o perfil dos espectadores do futebol pernambucano. É importante referir que tal perfil é similar ao identificado em outros contextos nacionais e internacionais, isto é, predominância do sexo masculino, com um bom nível educacional e financeiro.