CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A problemática inerente à organização curricular e ao desenvolvimento dos processos de ensinar e aprender, se faz presente em discussões contemporâneas em tempos de “reformas” no âmbito da educação básica e, de maneira especial, para o ensino médio. A elaboração de uma Base Nacional Comum Curricular1 (BRASIL, 2018), e a Lei nº 13.415 que institui a implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral (BRASIL, 2017), apresentam para os professores de diferentes componentes curriculares o desafio de (re)organização dos conhecimentos curriculares que são desenvolvidos no cotidiano escolar.
Nesse contexto, encontram-se os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, autarquias vinculadas ao Ministério da Educação, que têm por característica fundamental proporcionar a formação profissional e tecnológica em diferentes níveis de ensino. Entre os cursos ofertados, situa-se o itinerário formativo denominado de Ensino Médio Integrado o qual, teoricamente deve proporcionar a formação básica de nível médio de forma articulada com a formação vinculada a atuação em uma área profissional. Para as Diretrizes Curriculares Gerais da Educação Básica, o Ensino Médio Integrado deve superar “[...] o dualismo entre propedêutico e profissional. Importa que se configure um modelo que ganhe uma identidade unitária para esta etapa e que assuma formas diversas e contextualizadas da realidade brasileira” (BRASIL, 2013, p. 214).
Dessa forma, o ensino de caráter propedêutico deve ser desenvolvido de forma articulada com a formação profissional, numa perspectiva de integração entre os conhecimentos relacionados ao trabalho, à ciência, à tecnologia e à cultura. A organização e o planejamento dos componentes curriculares devem estar em consonância com as especificidades e as finalidades das diferentes modalidades de ensino. Apresenta-se, então, para os docentes de diferentes áreas dessas instituições de ensino, o desafio em articular ou integrar os conhecimentos específicos de cada componente curricular, as competências necessárias a atuação profissional e ao exercício da cidadania.
No âmbito específico da Educação Física (EF), por historicamente encontrar dificuldades em desenvolver um “programa mínimo” (KUNZ, 1994), esse contexto demonstra um desafio iminente, no que tange a identificar e sistematizar quais são os conceitos, as temáticas e os conteúdos de ensino da EF que podem ser oportunizados aos estudantes do Ensino Médio Integrado. Esses aspectos curriculares se fazem presentes em questionamentos e discussões educacionais contemporâneas tais como: o que é indispensável que os estudantes aprendam em uma determinada modalidade, ciclo ou nível de ensino? De maneira mais específica para esse estudo, pode-se questionar ainda: qual é a finalidade educacional da EF no Ensino Médio Integrado à educação profissional e tecnológica? Essas questões certamente geram distintos posicionamentos, uma vez que, historicamente, o campo epistemológico da EF vem sendo construído por diferentes concepções e abordagens curriculares. Contudo, é necessário discorrer sobre os elementos que podem justificar a pertinência de enfrentar a problemática presente nesse estudo.
O desenvolvimento acadêmico e científico do campo da EF, como o denominado “Movimento Renovador” (SOARES et al., 2012), González e Fraga (2012), e o em seu § 3º da própria LDB 9394/96 (BRASIL, 1996), vêm demonstrar que na contemporaneidade a EF escolar adquire uma responsabilidade que supera a atribuição de uma atividade escolar restrita a um fazer de exercícios corporais. Nesse caso, a EF adquire o caráter de um componente do currículo escolar e, nesse caso, é responsável por um conjunto de conhecimentos que são oriundos do universo da “cultura” corporal. O fato de tratar-se de uma dimensão da cultura significa, para Fensterseifer e González (2013), que a EF tem uma responsabilidade com o conhecimento dessa dimensão, portanto, algo que vai muito além do mero exercitar-se e, nesse sentido, há o desafio de construir um saber “com” esse fazer.
No entanto, ao verificar estudos realizados em Institutos Federais, identificou-se que a EF nessas instituições, assume características semelhantes à atuação em escolas de caráter propedêutico2. O estudo de Resende (2009), demonstra que a tendência esportivista, com destaque em aspectos técnico-táticos e anatômico-fisiológicos do treinamento esportivo, é fortemente predominante nas práticas da EF de um instituto federal do estado do Espírito Santo. Além disso, as pesquisas de Sampaio (2010) e de Silva (2014) demonstram a predominância de conteúdos de ensino relacionados à promoção de saúde, com uma ênfase em aspectos teóricos (conceituais).
Diante desse cenário, importa para este estudo identificar de forma mais específica, quais são as possíveis aproximações que a EF apresenta para a formação no âmbito do Ensino Médio Integrado. A partir de sua especificidade de conhecimentos curriculares, qual seria a sua finalidade no Ensino Médio Integrado, bem como, quais seriam intrínsecos aos elementos da cultura corporal que podem contribuir com essa modalidade de ensino? A partir da compreensão desses dois elementos centrais postos neste estudo, pôde-se contribuir com a organização de uma Proposta Curricular3 da EF de acordo com as especificidades pedagógicas nessa modalidade de ensino.
Coube então, dar a oportunidade em ouvir os próprios professores que atuam cotidianamente com essa especificidade de ensino o quais, têm a legitimidade e a competência para auxiliar na compreensão dessa problemática. Ademais, é fundamental verificar as suas posições sobre a atuação pedagógica, caso contrário, corre-se o risco de outras instâncias dizerem o que a EF deve fazer no contexto dos Institutos Federais.
Nesse contexto, objetivou-se pesquisar como a EF se configura no âmbito do Ensino Médio Integrado, quanto a sua finalidade pedagógica e os conhecimentos curriculares que são desenvolvidos nas práticas de ensino. Considerando-se as características dos Institutos Federais, a intenção desse estudo, é verificar qual é o papel da EF no âmbito do Ensino Médio Integrado e quais são os conhecimentos curriculares desse componente que se articulam com a formação necessária a atuação profissional.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Este estudo tratou da problemática correspondente aos aspectos curriculares de práticas pedagógicas da EF no Ensino Médio Integrado. Para tanto, trata-se metodologicamente de uma pesquisa de cunho qualitativo, a qual, Minayo (2004) aponta como aquelas entendidas capazes de incorporar a questão do significado, da intencionalidade dos atos, das relações e estruturas sociais como construções humanas significativas.
Desenvolveu-se esta pesquisa com as características das abordagens colaborativa e/ou participante4, ao investigar junto a professores de EF, os principais elementos pedagógicos que podem atender à especificidade da formação profissional integrada ao ensino médio. Desgagné (2007) considera que:
A pesquisa colaborativa é mais do que um modo de conduzir pesquisa ou de requisitar a participação dos docentes; ela supõe o engajamento dos docentes com o pesquisador, a fim de explorar e compreender, em contexto real, um aspecto ou fenômeno da sua prática, a ser tratado como o próprio objeto da pesquisa (DESGAGNÉ, 2007, p. 23).
A amostra do estudo constituiu-se de professores seis professores de EF que residem e atuam em Institutos Federais distantes geograficamente uns dos outros no estado de Santa Catarina. Dessa forma, a coleta de dados tornou-se possível com a utilização de ambientes interativos virtuais conectados à web, em especial o Skype.
Para manter a conduta ética e evitar possíveis constrangimentos aos colaboradores da pesquisa, denominou-se os professores a partir da ordem na realização das entrevistas, com a seguinte nomenclatura: “Professor IF1”, “Professor IF2”, “Professor IF3”, “Professor IF4”, “Professor IF5” e “Professor IF6”. O quadro 2 descreve de forma detalhada a caracterização da amostra do estudo.
FORMAÇÃO5 | TEMPO DE FORMAÇÃO INICIAL | TEMPO DE ATUAÇÃO NO IFSC |
---|---|---|
Mestre em EF na área de teoria e prática pedagógica pela UFSC. | 31 anos | 24 anos |
Mestre em EF na área de atividade física e saúde pela UFSC. | 9 anos | 6 anos |
Doutor em EF na área psicologia do exercício pela UDESC. | 11 anos | 3 anos |
Mestre em educação pela UNESC. | 12 anos | 1 ano |
Especialista em metodologia do magistério superior pela UNOCHAPECÒ. | 10 anos | 6 anos |
IF Mestre em Ciências da Saúde pela UEM6. | 15 anos | 1 ano |
Fonte: elaborado pelos autores (2020).
É notório na descrição do quadro 1, a condição diferenciada que a política pública educacional dos Institutos Federais fornece aos seus docentes. Apesar da estagnação nos investimentos públicos nos últimos anos, cabe fazer um destaque quanto as condições objetivas de trabalho que os docentes dessas instituições possuem: há o incentivo à qualificação em nível de pós-graduação, com a contratação de professor substituto no tempo em que o docente estiver estudando; a renumeração financeira presente em uma tabela que permite a progressão; a possibilidade de dedicar-se exclusivamente a uma escola e, com isso, a quantidade de horas/aula que facilita o planejamento e a implementação das aulas com maior qualidade de ensino. Esses são exemplos da política pública de estado que permitem desenvolver o processo de ensino da EF com qualidade e excelência.
A coleta de dados foi realizada com a realização de entrevistas semiestruturadas, por meio do Skype. As entrevistas podem ser consideradas como um instrumento de coleta de dados que possibilitam a interação e o diálogo entre pesquisador e os participantes do estudo, no sentido de esclarecer elementos inerentes às finalidades a que se pretende atingir no trabalho científico. Para Trivinõs (2010), os resultados de pesquisas de cunho qualitativo são expressados: [...] em narrativas, ilustradas com declarações das pessoas para dar fundamento concreto necessário, com fotografias, etc., acompanhadas de documentos pessoais, fragmentos de entrevistas etc.” (TRIVINÕS, 2010, p. 128).
Utilizou-se a análise de conteúdo como técnica para analisar os dados. Triviños (2010), menciona que a análise de conteúdo permite a compreensão da construção de significado que os atores sociais exteriorizam em seus discursos, devendo o pesquisador em suas análises desvendar o conteúdo latente, revelando ideologias e tendências das características dos fenômenos sociais que estão sendo analisados.
Para esse artigo, os dados produzidos foram sintetizados e agrupados em dois tópicos que estão apresentados na sequência o quais, foram fundamentais para o prosseguimento de outra etapa da pesquisa. Além dos dados que são apresentados nesse periódico, é importante salientar que o estudo também produziu de forma colaborativa uma Proposta Curricular para EF nesse Instituto Federal.
Cabe destacar ainda que o estudo seguiu todas as normas para pesquisas envolvendo a participação de seres humanos e foi aprovado pelo Comitê de Ética, com parecer consubstanciado de número 1.622.920.
A finalidade da Educação Física no ensino médio integrado
Existem aspectos éticos, morais e demais saberes desenvolvidos pelas ciências, pela filosofia, pelas artes e demais áreas do conhecimento, que são universalmente considerados de fundamental importância para a boa convivência em sociedade, os quais devem ser desenvolvidos pelos diferentes estabelecimentos de ensino, por meio dos seus componentes curriculares. É responsabilidade da educação formal conduzir os sujeitos/estudantes à compreensão dos conhecimentos produzidos culturalmente e universalmente necessários para a construção de uma sociedade mais justa e humana. Esse pressuposto confirma a “noção universal de cultura humana”, vindo da ideia de que, [...] o essencial daquilo que a educação transmite (ou deveria transmitir) sempre, e por toda a parte, transcende necessariamente as fronteiras entre os grupos humanos e os particularismos mentais e advém de uma memória comum a toda a humanidade” (FORQUIN, 1993, p. 12).
Diante desse pressuposto, verificou-se quais são os elementos essenciais que se referem ao papel da EF na formação dos estudantes do Ensino Médio Integrado. Dito de outra forma, identificou-se como os professores entendem ser a finalidade da EF para a formação dos estudantes que tem acesso ao Ensino Médio Integrado a EPT.
No entendimento dos professores IF1 e IF3, a EF no Ensino Médio Integrado tem uma relação muito próxima aos “conhecimentos sobre o corpo”. Nesse sentido, esses conhecimentos devem possibilitar aos estudantes a compreensão de múltiplas dimensões, que se relacionam a aspectos intrínsecos ao organismo, mas, também, podem possibilitar o entendimento de relações sociais vinculadas ao mercado de trabalho. Seguem-se as expressões dos participantes do estudo:
Professor IF1: A EF tem que discutir a concepção de corpo, a relação com o fazer, com o ser pois, no mercado de trabalho temos uma relação de produção. O que esse corpo produz, como produz, para quem produz. Você vai jogar vôlei, por exemplo, você tem que render o máximo, a empresa vai também, te cobrar o máximo [...] A formação crítica da produção, elementos de reflexão, aspectos conceituais e críticos para desenvolver aspectos atitudinais.
Professor IF3: De um modo geral, quando trabalho EF, viso que o aluno consiga viver melhor com o seu próprio corpo, da parte psicológica, social ou física. Que pessoa esteja bem consigo mesmo, é estar bem com o corpo, saber o modo apropriado de utilizar. A relação com a saúde, a imagem corporal, saber suas limitações e potenciais.
Para os professores IF1 e IF3 uma das finalidades pedagógicas da EF é possibilitar aos estudantes o conhecimento sobre aspectos inerentes à constituição corporal e às relações entre corpo e mercado de trabalho. O professor IF3 dá ênfase ao conhecimento sobre aspectos “intrínsecos ao organismo biológico, enquanto que o professor IF1 aponta para as relações sociais e mercadológicas que se estabelecem nos modos de produção no âmbito do emprego.
Percebe-se então, a possibilidade de articular os conhecimentos sobre o corpo com as especificidades da formação profissional. Nesses termos, Ramos (2011) destaca que em uma perspectiva curricular para o Ensino Médio Integrado, os conhecimentos são pensados na relação entre partes e totalidade. Nesse caso, os conhecimentos sobre o corpo, podem possibilitar a compreensão de múltiplas relações que acontecem no âmbito do emprego. Para Ramos (2011, p. 775), o currículo na EPT é organizado de maneira que “[...] o conhecimento desenvolve o processo de ensino-aprendizagem de forma que os conceitos sejam apreendidos como sistema de relações históricas e dialéticas que constituem uma totalidade concreta”.
Para os demais professores (IF2, IF4, IF5 e IF6) a EF no Ensino Médio Integrado não deve estar atrelada ao caráter instrumental, relacionado ao desenvolvimento de habilidades e técnicas necessárias ao desenvolvimento das profissões. Principalmente, a EF pode contribuir com a formação necessária para a vida, ao exercício da cidadania e à compreensão do contexto cultural em que os sujeitos fazem parte. Nessa conjuntura, a atuação profissional é uma dimensão que se faz presente. Seguem-se as expressões dos professores:
Como função ela ajuda o aluno a se entender como ser humano, como um processo dos alunos se entender consigo mesmo e com os outros (PROFESSOR IF2) (grifo nosso);
[...] a EF no integrado tem de dar conta do acervo cultural historicamente produzido, dando conta de opressão, discriminação e exclusão que o sujeito encontra na sociedade, fazendo uma ponte com o trabalho da formação profissional [...] (PROFESSOR IF4) (grifo nosso);
A EF não precisa ser tão utilitária, não precisar ser tão destinada ao exercício da profissão, mas sim útil para a vida. Colocar o cidadão no mundo com a cultura corporal, questões de saúde, conhecimentos sobre o corpo, porque a parte profissional é uma parte da nossa vida, o trabalho é uma das questões da vida. Nesse contexto a pessoa refletir sobre seu eu na profissão, temos que ser para além da inteligência lógica matemática (PROFESSOR IF5) (grifo nosso);
[...] auxiliar na formação técnica e como um todo do sujeito, do sujeito critico-reflexivo que vai atuar na sociedade, eu não “formo” sujeito que vai só apertar parafuso, mas um sujeito com um todo. A importância da EF na formação de opinião e na mudança de hábitos, hábitos saudáveis em relação a opiniões diversas, em relação ao campo da EF de ordem técnica e geral. Proporcionamos uma gama de elementos para que eles possam escolher o que futuramente irão fazer, para que tenham consciência daquilo que a sociedade faz, mas também, eles tomam consciência daquilo que eles vão fazer, para o trabalho, na vida pessoal eu penso nela de uma maneira ampla. Eu busco relacionar o conteúdo para a sua vida, sempre que os alunos compreendem o sentido do conteúdo que os conhecimentos se comuniquem com a vida (PROFESSOR IF6) (grifo nosso).
Os professores têm a compreensão de que a EF, fazendo parte do currículo escolar, possui as mesmas finalidades de um componente curricular da educação básica. De acordo com o Art. 2 da LDB (BRASIL, 1996), a educação formal tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. As práticas de EF no Ensino Médio Integrado devem possibilitar aos estudantes a leitura crítica e a capacidade de discernir o contexto sociocultural do qual fazem parte. Isso significa a possibilidade da formação para o exercício das profissões, a compreensão das relações sociais no âmbito do emprego, o desenvolvimento das tecnologias necessárias ao bem social, as necessidades relacionadas à prestação de serviços e, neste contexto, o exercício da cidadania em uma sociedade democrática. Para Frigotto (2012), o Ensino Médio Integrado requer um tipo de formação que
[...] se constitua numa mediação fecunda para a construção de um projeto de desenvolvimento com justiça social e efetiva igualdade, e consequentemente uma democracia e cidadania substantivas, de forma que, aos mesmo tempo, responda aos imperativos de novas bases técnicas da produção, preparando para o trabalho complexo (FRIGOTTO, 2012, p. 73).
Para tanto, é necessário que a EF, a partir de sua especificidade de estudo, constitua um conjunto de saberes curriculares que possibilitem aos estudantes o acesso às características dessa formação. Nesse sentido, buscou-se compreender o que é de fundamental importância à aprendizagem dos estudantes.
Os conhecimentos curriculares da Educação Física e a educação profissional e tecnológica
A cerca desse tópico de análise, buscou-se compreender quais são os conhecimentos curriculares em comum aos professores, que podem fornecer as bases para a elaboração de uma Proposta Curricular para a EF no Ensino Médio Integrado. Entende-se que a sistematização de um currículo da EF com base em conhecimentos que constituem um núcleo comum, não exclui as diferenças presentes nas diferentes escolas, nos respectivos cursos em que atuam esses professores. Da mesma forma que os aspectos particulares e específicos de cada modalidade de ensino ou dos próprios cursos profissionalizantes, não estão desconectados do universo cultural ou de relações sociais que acontecem em diferentes contextos. Os saberes universais ou comuns, necessariamente, dialogam ou estão relacionados com contextos culturais, especificidades e pluralidades regionais. Forquin (2000, p. 49), entende que o “[...] universalismo e do relativismo não são dois princípios de interpretação ou dois conceitos de educação e de cultura antagônicos, mas sim dois pilares complementares, duas pedras fundamentais do edifício curricular”. Nesses termos, buscou-se compreender como os colaboradores do estudo relacionam os saberes curriculares específicos da EF com os conhecimentos necessários à formação na EPT.
Os participantes consideram que a EF pode contribuir para a formação profissional, a partir dos conhecimentos sobre o corpo. Com base nessa especificidade de conhecimentos, os docentes destacam dois aspectos específicos: a análise crítica sobre o modo de produção no âmbito do emprego e os aspectos relacionados à saúde do trabalhador. Com respeito a isto, os professores IF1, IF4 e IF6 citam algumas possibilidades pedagógicas:
Professor IF1: Os conhecimentos sobre o corpo, com conhecimentos críticos. Para pensar sobre modo de produção e a reflexão crítica sobre as relações sociais no trabalho. Ter o trabalho como princípio educativo;
Professor IF4: Tratar das relações de corpo e trabalho, a temática lazer e as relações de trabalho, a questão da saúde no trabalho;
Professor IF6: A inserção do trabalho e lazer e a necessidade que o homem tem do tempo de repouso. Por exemplo, como me portar mediante o meu entrevistador em um seminário ou em uma entrevista de emprego.
Os elementos que cercam as relações entre “corpo” e “trabalho” são indispensáveis à formação dos estudantes da EPT. Por meio do trabalho corporal, os recursos naturais são transformados em geração de tecnologias, são produzidos bens e materiais de consumo e acontece a prestação de serviços em diferentes setores. Diante disso, é de fundamental importância problematizar em práticas de ensino da EF, os aspectos inerentes a instrumentalização corporal no ambiente de emprego e nas situações de rendimento que envolvem a cultura corporal.
Para Boscatto (2008), a racionalização técnica é uma forma de potencializar o corpo e as manifestações da cultura de movimento. O autor enfatiza que “[...] nessa lógica, há uma inversão do potencial humano em força de trabalho, ou seja, o corpo instrumentalizado tecnicamente serve como vida transformada em mercadoria (ibid., p.19). Isso significa para a EF possibilitar a reflexão crítica sobre o corpo no contexto da cultura corporal, das relações produtivas e sociais no âmbito do emprego, no tempo de lazer e as razões que levam ao cuidado com a saúde do trabalhador. Esses elementos pedagógicos poderão contribuir com formação do cidadão que atuará no âmbito do emprego e que, sobretudo, compreenderá as relações entre produção, consumo e o trabalho corporal. Silva; Silva e Molina (2016), entendem que é papel dos institutos federais possibilitar aos estudantes assumirem a
[...] categoria cidadão (categoria política) que não pode ser substituída pela categoria consumidor (categoria econômica); a que compreende, pela mesma perspectiva, que precisamos lutar por direitos de cidadão e não por direitos de consumidor; a que compreende que a escola também é um lugar em que se ensina a lutar pela conquista e sustentação de direitos humanos e sociais (SILVA; SILVA e MOLINA (2016, p. 333).
Além desses elementos que se referem à análise crítica sobre o modo de produção corporal no âmbito do emprego, os professores IF2, IF3, IF5 e IF6, destacam a importância de tratar pedagogicamente de questões inerentes à saúde no ambiente laboral. Segue as falas dos entrevistados:
Professor IF2: Ergonomia, alongamentos, conhecimentos sobre o corpo. Como ele suporta uma carga x [...] exemplo uma costureira fica sentada 8h por dia, pode ter uma atrofia, mas porque tem uma atrofia, como evitar. Junto com os conceitos de ergonomia, a ginastica laboral, LER. Para que no ambiente de trabalho a pessoa realize atividades que superem as doenças ocupacionais;
Professor IF3: Trabalho relacionado a ginastica laboral. A gente faz um estudo das funções que eles podem desempenhar dentro da profissão que eles estão se formando. A partir de aí analisar movimentos, posturas as estruturas mais utilizadas e trabalhar uma ginástica preventiva, curativa em função do tipo de trabalho;
Professor IF5: Conhecimentos do corpo, anatomia, fisiologia, saber o funcionamento, alongamentos, posturas, estresse. O estrese é resultado de determinado de tipo de postura, ocasionado pelo trabalho e isso pode ocasionar outros tipos de doenças;
Professor IF6: Questões de ergonomia, como se portar em diversos ambientes, vestimenta em EF é diferente de ir para o laboratório de química.
Historicamente, a EF tem uma relação muito próxima com as abordagens relacionadas às ciências da saúde e, no caso da atuação no Ensino Médio Integrado, essa relação torna-se ainda mais nítida, como apresentada anteriormente em estudos de Sampaio (2010), Silva (2014) e Boscatto e Darido (2017). As temáticas apresentadas pelos professores vinculadas à ginástica laboral, à ergonomia e à educação postural, dão a impressão de que EF têm um viés higienista e utilitarista que se relaciona com a prevenção de doenças posturais ocasionadas pelo ambiente laboral.
Essa dimensão de conhecimentos vinculados às ciências naturais e que se relacionam com a saúde corporal merecem atenção especial nas práticas educativas do Ensino Médio Integrado. Tal pertinência pode ser justificada devido à necessidade de os estudantes compreenderem que o corpo é formado a partir de elementos físicos/biológicos que se relacionam e interagem com aspectos culturais. Nesses termos, o emprego (aspecto cultural) ocupa grande parte do tempo diário da vida dos sujeitos, carecendo de uma análise das relações ergonômicas7 que acontecem no ambiente laboral.
Ademais, os conhecimentos de caráter científico, mencionados pelos professores, podem possibilitar aos estudantes o reconhecimento dos limites e possibilidades corporais (aspectos anatômicos-fisiológicos), bem como das demais relações sociais e produtivas desenvolvidas no âmbito do emprego. Nessa relação, o trabalho aparece como princípio educativo para o Ensino Médio Integrado na medida em que [...] proporciona a compreensão do processo histórico de produção científica e tecnológica, como conhecimentos desenvolvidos e apropriados socialmente para a transformação das condições naturais da vida e a ampliação das capacidades, das potencialidades e dos sentidos humanos (BRASIL, 2013, p. 39). Nesse contexto, entende-se que existem conhecimentos produzidos pelo campo acadêmico-científico da EF que podem se articular com as especificidades curriculares do Ensino Médio Integrado.
Outro fator a ser destacado durante a análise dos resultados se refere a relação entre a formação dos professores e as respostas obtidas nas entrevistas. Os docentes que cursaram pós-graduação (mestrado e o doutorado) em linhas de pesquisa relacionadas com a área da saúde, mencionam nas entrevistas elementos relacionados a esse viés de pesquisa, enquanto que os professores que desenvolveram estudos na área sociocultural apresentam temáticas próxima a essa perspectiva. Embora exista essa diversidade no âmbito da formação profissional dos professores, todos os dados coletados contribuíram para a compreensão de quais aspectos curriculares puderam compor a sistematização de um programa curricular para a EF no Ensino Médio Integrado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo desenvolveu-se com as características de uma pesquisa de cunho colaborativo, em que se priorizou verificar o que os professores tinham a dizer sobre a própria organização dos conhecimentos desenvolvidos em práticas da EF e finalidade pedagógica desse componente curricular em um Instituto Federal. Os elementos curriculares relacionados às questões “o que” e o “para quê” ensinar em práticas da EF só podem ser respondidos por aqueles que realizam o trabalho pedagógico diário.
Os resultados da pesquisa indicam que a EF no Ensino Médio Integrado tem uma íntima relação com os conhecimentos sobre o corpo. Esses conhecimentos podem fornecer aos estudantes a análise crítica sobre o modo de produção no âmbito do emprego e os aspectos relacionados à saúde do trabalhador. É importante que os estudantes compreendam os aspectos inerentes à instrumentalização corporal, às relações produtivas, econômicas e sociais no âmbito do emprego e os condicionantes biológicos e socioculturais que interferem na saúde dos sujeitos. Nessa relação, os conhecimentos sobre o corpo podem possibilitar aos estudantes a compreensão de múltiplas dimensões que se relacionam a aspectos intrínsecos ao organismo biológico humano, mas, também, possibilitam o entendimento de relações sociais e produtivas vinculadas ao mundo do trabalho.
Ademais, para os professores participantes do estudo, a especificidade de conhecimentos curriculares da EF no Ensino Médio Integrado não está atrelada ao caráter funcional, relacionado ao saber-fazer de práticas corporais, à aquisição de habilidades necessárias ao desenvolvimento das profissões ou mesmo, restrita à prevenção de patologias causadas no ambiente laboral. Cabe a EF cumprir sua função de componente curricular dessa modalidade de ensino, a qual, pode contribuir com a formação “necessária para a vida”, ao exercício da cidadania e à compreensão do contexto cultural em que os sujeitos fazem parte. Nesse contexto, a formação para a atuação no mundo do emprego é uma das dimensões que se fazem presentes.
O estudo permitiu compreender que os docentes citam elementos curriculares que superam a dimensão vinculada ao ensino de esportes e à promoção de saúde. Ou seja, compete a EF nesses Institutos Federais, cumprir sua função de componente curricular dessa modalidade de ensino, a qual, pode contribuir com a formação necessária para a vida, ao exercício da cidadania e à compreensão do contexto cultural em que os sujeitos fazem parte. Nesse contexto, a formação para a atuação no mundo do emprego é uma das dimensões que se fazem presentes.
Os resultados produzidos por este estudo forneceram uma de base para a sistematização curricular da EF em um Instituto Federal. A intenção apresentada neste espaço, foi analisar as particularidades quanto ao “o que” e o “para quê” ensinar, expressadas por cada um dos participantes e, com isso, compilar aspectos curriculares comum a todos, que pudessem contribuir com a construção coletiva da Proposta Curricular. De forma sintética, a Proposta Curricular apresentou uma sistematização de práticas corporais (esportes, lutas, danças, ginásticas e práticas corporais de aventura), com as dimensões dos conteúdos conceitual, experimental e atitudinal e seus respectivos objetivos de aprendizagem. As práticas corporais, se articulam com temáticas contemporâneas socialmente relevantes, que foram denominados de “Temas Articuladores do Conhecimento”, quais sejam: saúde, corpo e trabalho, violência, preconceitos e discriminação social, nutrição e tecnologias e informação e a cultura digital.
A produção dessa Proposta Curricular tem uma relação inerente aos resultados apresentados neste espaço. Apesar da diversidade de opiniões e das diferentes áreas de formação em nível de pós-graduação dos participantes, o caráter colaborativo do estudo possibilitou a construção de um documento que apresenta possibilidades de diálogo com as diferentes características locais e que contém uma estrutura coerente com o que se pode implementar nas diferentes escolas em que os professores que fizeram parte da produção atuam. Esse documento contribuiu com a ampliação das possibilidades pedagógicas dos docentes.