INTRODUÇÃO
O conhecimento tático se apresenta como importante requisito para um bom desempenho em modalidades esportivas, sendo um preditor de sucesso em esportes de invasão (KANNEKENS; ELFERINK-GEMSER; VISSCHER, 2011). Nas Ciências do Esporte, a avaliação da capacidade de jogo dos atletas é multifatorial, e um dos construtos comumente utilizados para a avaliação do conhecimento tático de atletas é o conhecimento tático declarativo (CTD) (WILLIAMS; DAVIDS, 1995).
Entende-se o CTD no esporte como o nível de compreensão tática do jogo verbalmente declarado pelo jogador, a capacidade do atleta de manifestar qual seria a decisão mais acertada frente a uma determinada situação do jogo (CHI; GLASER, 1980; MITCHELL; OSLIN; GRIFFIN, 2006). A reflexão por meio do CTD contribui para que os jogadores se tornem perceptivelmente apurados em relação às fontes de informação relevantes do contexto onde atuam, ou seja, sensibilizados a detectar fontes de informação que permitam decisões perceptivas mais eficazes (ARAÚJO; PASSOS; ESTEVES, 2011).
O CTD é uma das variáveis que influenciam na tomada de decisão de atletas de futsal, modalidade na qual os jogadores necessitam se adaptar às constantes mudanças que ocorrem no decorrer da partida, de forma a desempenhar a ação certa no momento adequado, requerendo uma prática sistemática do esporte (ELFERINK-GEMSER et al., 2004). Estudos prévios apontam diferenças no CTD de atletas em amadores e profissionais de diferentes categorias e níveis de experiência (ANDERSON, 1982; CHI; GLASER, 1980; KANNEKENS; ELFERINK-GEMSER; VISSCHER, 2011; PADILHA; MORAES; TEOLDO, 2013), sendo o tempo de prática um fator fundamental para o aprimoramento do CTD entre os praticantes de modalidades como o futsal (GIACOMINI et al., 2011; GIACOMINI; SILVA; GRECO, 2011; SILVA; GRECO, 2009; TAVARES; GRECO; GARGANTA, 2006; WILLIAMS; DAVIDS, 1995). Desta forma, atletas com maior capacidade de compreensão tática do jogo, apresentam maior entendimento e utilização das informações, do reconhecimento das estruturas de oposição, melhor interpretação das ações situacionais, maior velocidade de tomada de decisão para a resolução dos problemas encontrados no jogo e maior controle emocional diante de situações que podem desencadear a ansiedade e, consequentemente, interferir no desempenho tático (ERICSSON, 2003; MANGAS, 1999; MANN et al., 2007).
A ansiedade, por sua vez, é definida como “como um estado emocional negativo em que sentimentos de nervosismo, preocupação e apreensão são associados à ativação ou excitação do corpo” (WEINBERG; GOULD, 2017, p.72). Pode ser classificada em ansiedade-traço e ansiedade-estado, sendo que a primeira forma se refere as diferenças próprias da personalidade do sujeito e que são relativamente estáveis, enquanto a segunda representa um aumento do nível de ativação e que varia de acordo com a situação (SPIELBERGER, 1972; WEINBERG; GOULD, 2017). Por esses aspectos, a ansiedade está relacionada ao desempenho de indivíduos em atividades cognitivas, como no estudo de Howlett e Paulus (2020), por exemplo, em que os autores associaram um maior nível de ansiedade com um declínio no processamento perceptivo. Jiang et al. (2018), por sua vez, concluíram que a ansiedade-traço pode afetar negativamente o processo de aprendizagem de uma tarefa.
Neste sentido, estudos sobre ansiedade na área esportiva são de extrema relevância, já que ela pode afetar o desempenho de uma atleta, aumentando os níveis de excitação, restringindo o campo de atenção, diminuindo a capacidade cognitiva, de concentração e prejudicando a tomada de decisão do jogador, alterando o desempenho esportivo durante o jogo (FRISCHNECHT; 1990; GUZMÁN; ASMAR; FERRERAS, 1995; HARRIS; HARRIS, 1987; MORAN, 2012). Por outro lado, assim como o CTD, a ansiedade também está associada com a idade e experiência dos atletas, pois atletas mais velhos e com mais tempo de vivência na modalidade apresentam níveis menores de ansiedade (SANTOS et al., 2019).
No que diz respeito ao sexo, resultados divergentes têm sido apontados na literatura. Há evidências para afirmar que as mulheres tendem a apresentar maiores escores de ansiedade quando comparadas aos homens (CORREIA; ROSADO; 2019; ROCHA; OSÓRIO, 2018). Porém, alguns estudos não verificaram essa diferença entre os sexos (SALLES et al., 2015; VIEIRA et al., 2011), ou até mesmo indicam que as mulheres podem ser menos ansiosas que seus companheiros de modalidade do sexo masculino (HAGAN; POLLMANN; SCHACK, 2017).
Embora as duas variáveis possam fornecer subsídios para a compreensão da relação entre os aspectos psicológicos e cognitivos, assim como sua influência sobre o desempenho dos atletas, evidencia-se uma lacuna na literatura a respeito da investigação da relação entre o CTD e a ansiedade em jovens jogadores de futsal, o que limita a compreensão do desenvolvimento das estruturas de conhecimento tático e suas implicações para o processo de treinamento desses atletas. Diante disso, este estudo objetiva verificar a associação do conhecimento tático declarativo e o nível de ansiedade de jovens praticantes de futsal de acordo com o sexo.
MATERIAIS E MÉTODOS
Caracterização do estudo
O estudo se caracteriza como uma pesquisa descritiva do tipo correlacional, tendo como característica principal a exploração das relações existentes entre as variáveis investigadas, porém sem determinar uma relação de causa e efeito entre elas (THOMAS; NELSON; SILVERMAN, 2012). O presente estudo faz parte de uma pesquisa maior intitulada Perfil Bio-Psicossocial de atletas brasileiros, aprovada pelo Comitê de Ética em pesquisas da Universidade do Estado de Santa Catarina, sob o número de protocolo 3.922.683.
Amostra
Participaram do estudo 36 praticantes de futsal de nível escolar, estudantes de escolas particulares do Distrito Federal (Brasil), de ambos os sexos, sendo 25 (69,4%) do sexo masculino e 11 (30,6%) do feminino, selecionados por conveniência. As características da amostra estão apresentadas na tabela 1.
Foram utilizados como critérios de inclusão no estudo: (1) prática da modalidade há, no mínimo, 1 ano; (2) não apresentar nenhuma limitação física e/ou cognitiva que comprometa a realização da pesquisa; (3) apresentar a autorização dos pais ou responsáveis para a participação no estudo; e (4) participar de todas as coletas. Todos os participantes que não cumpriram um ou mais critérios, foram automaticamente excluídos da amostra do presente estudo.
Total (n = 36) | Masculino (n = 25) | Feminino (n = 11) | ||
---|---|---|---|---|
Idade (anos) | 16,0 ± 0,8 | 16,0 ± 0,8 | 16,0 ± 0,9 | |
Posição | Goleiro | 7 (19,4) | 6 (24,0) | 1 (9,1) |
Ala | 9 (25,0) | 7 (28,0) | 2 (18,2) | |
Fixo | 16 (44,4) | 10 (40,0) | 6 (54,5) | |
Pivô | 4 (11,1) | 2 (8,0) | 2 (18,2) | |
Experiência com Futsal (anos) | < 1 ano | 2 (5,6) | 0 (0) | 2 (18,2) |
< 2 anos | 5 (13,9) | 4 (16,0) | 1 (9,1) | |
> 2 anos | 29 (80,6) | 21 (84,0) | 8 (72,7) | |
Federado | Não | 12 (33,3) | 8 (32,0) | 4 (36,4) |
Sim | 24 (66,7) | 17 (68,0) | 7 (63,6) | |
Quantidade de Treinos por Semana | 1 | 1 (2,8) | 0 (0) | 1 (9,1) |
2 | 7 (19,4) | 3 (12,0) | 4 (36,4) | |
3 | 15 (41,7) | 11 (44,0) | 4 (36,4) | |
4 | 7 (19,4) | 6 (24,0) | 1 (9,1) | |
5 | 5 (13,9) | 4 (16,0) | 1 (9,1) | |
6 | 1 (2,8) | 1 (4,0) | 0 (0) | |
Tempo Sessão de Treino | 30 min | 1 (2,8) | 0 (0) | 1 (9,1) |
45 min | 1 (2,8) | 0 (0) | 1 (9,1) | |
60 min | 6 (16,7) | 3 (12,0) | 3 (27,3) | |
75 min | 7 (19,4) | 4 (16,0) | 3 (27,3) | |
90 min | 9 (25,0) | 8 (32,0) | 1 (9,1) | |
120 min | 12 (33,3) | 10 (40,0) | 2 (18,2) | |
Participa de Competições | Não | 3 (8,3) | 1 (4,0) | 2 (18,2) |
Sim | 33 (91,7) | 24 (96,0) | 9 (81,8) | |
Nível de Composição | Nenhum | 3 (8,3) | 1 (4,0) | 2 (18,2) |
Regional | 11 (30,6) | 6 (24,0) | 5 (45,5) | |
Estadual | 12 (33,3) | 10 (40,0) | 2 (18,2) | |
Nacional | 7 (19,4) | 5 (20,0) | 2 (18,2) | |
Internacional | 3 (8,3) | 3 (12,0) | 0 (0) |
Notas: Os dados da idade estão expressos em médio e desvio padrão, enquanto os demais estão expressos em frequência absoluta e frequência relativa.
Instrumentos
Teste de Conhecimento Tático Declarativo para o Futsal (TCTD-FS)
Para avaliação do conhecimento tático declarativo (CTD) foi utilizado o Teste de Conhecimento Tático Declarativo para o Futsal (TCTD-FS), validado por Cabral et al. (2021). O TCTD-FS é composto por 20 cenas ofensivas do jogo de futsal com duração entre seis e 10 segundos cada. No momento anterior a decisão final de cada um dos participantes do estudo, a cena congela por quatro segundos. Após este tempo, há a oclusão da imagem e a tela fica na cor preta, por um período de 1 minuto e 10 segundos a 1 minuto e 45 segundos. Nesse momento de interrupção da cena, o participante fala (verbaliza) qual seria a melhor opção de jogada para que resulte em gol. Em seguida, justifica a sua resposta e verbaliza outras possibilidades de jogadas que também poderiam ser utilizadas naquele momento para resultar em gol. O pesquisador responsável anota todas as respostas do voluntário em uma ficha de respostas específica do teste (CABRAL et al., 2021).
A pontuação do teste é atribuída ao acerto/erro em cada situação, variando de 3 em 3 pontos para as opções de jogada e de 5 em 5 pontos para as justificativas das respostas, de acordo com o gabarito proposto pelo instrumento. O escore final do teste foi subdivido em: escore da melhor decisão (somatório da pontuação obtida na resposta da melhor decisão e a pontuação obtida na justificativa) e escore de todas as opções (somatório dos pontos obtidos pelo número de opções corretas e a pontuação obtida pela sequência dessas opções) (CABRAL et al., 2021).
Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE)
Para análise da ansiedade, foi utilizado o Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE), desenvolvido por Spielberger, Gorsuch e Lushene (1970) e traduzido e adaptado para o Brasil por Biaggio, Natalício e Spielberger (1977). O inventário é composto por duas escalas que avaliam a ansiedade enquanto traço (IDATE-T) ou estado (IDATE-E). A IDATE-T consiste em 20 afirmações em que os participantes descrevem como se sentem geralmente, enquanto na IDATE-E, que também é formada por 20 asserções, é necessário que os indivíduos indiquem como se sentem em um determinado momento (BIAGGIO; NATALÍCIO; SPIELBERGER, 1977).
Para cada afirmação, o sujeito assinala uma das quatro alternativas de resposta, indicando como se sente. Na IDATE-T, as opções de resposta são: (1) quase nunca; (2) às vezes; (3) frequentemente; (4) quase sempre. Na IDATE-E, as opções de respostas são: (1) absolutamente não; (2) um pouco; (3) bastante; (4) muitíssimo. O escore total para cada escala varia de 20 a 80 pontos, sendo que, quanto maior o valor, maior é o nível de ansiedade. A partir desses escores, os atletas foram classificados quanto ao nível de ansiedade em: “baixo” (20 a 30 pontos); “médio” (31 a 49 pontos) e “alto” (acima ou igual a 50 pontos) (BIAGGIO; NATALÍCIO; SPIELBERGER, 1977).
Procedimentos
O presente estudo encontra-se em concordância com as normas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Saúde (Res. CNS 196/96) e com os padrões éticos da Declaração de Helsinque (2017) para estudos com seres humanos, e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Católica de Brasília (protocolo número: 3.244.056).
Inicialmente os treinadores foram contatados, convidados para participação na pesquisa e agendada uma reunião com os atletas e responsáveis. Nesta, foram apresentadas todas as informações referentes ao estudo. Após a assinatura dos termos para concordância para a participação voluntária, iniciou-se os procedimentos de coleta. Todas as coletas foram realizadas nas próprias dependências das instituições nas quais aconteciam os treinamentos das equipes.
Na primeira parte das coletas, os voluntários foram conduzidos para uma sala com carteiras, e constituiu da explicação e do preenchimento do questionário de dados demográficos e do Inventário de Ansiedade Traço-Estado - IDATE (BIAGGIO; NATALÍCIO; SPIELBERGER, 1977). Finalizada a primeira parte, os voluntários foram conduzidos, de forma individual e aleatória, para outra sala com uma cadeira e um projetor. Nesse momento, estavam presentes na sala o participante e um dos pesquisadores responsáveis. Após a explicação do teste, o mesmo era projetado e o voluntário realizava o TCTD-FS (CABRAL et al., 2021). Os participantes não tinham contato uns com os outros durante e após a realização do TCTD-FS.
Análise estatística
Todas as análises foram realizadas usando o Statistical Package for the Social Sciences (IBM SPSS, IBM Corporation, Armonk, NY, EUA, 25.0). O teste de Shapiro-Wilk foi usado para verificar a distribuição dos dados. A análise descritiva foi utilizada para apresentar os dados em “média ± desvio padrão” (variáveis paramétricas), ou “porcentagem” (variáveis categóricas). As comparações entre os dois grupos por sexo (Masculino X Feminino) foram feitas com o teste t de Student. O coeficiente de correlação de Spearman foi usado para testar a associação dos componentes do CTD com ansiedade-traço e ansiedade-estado. O nível de significância adotado foi de 5% (p < 0,05).
RESULTADOS
Ao comparar os sexos, o sexo masculino apresentou maior pontuação para melhor decisão e escore total no CTD em relação ao sexo feminino (p = 0,03). Para ansiedade, não foram observadas diferenças significativas para os escores obtidos em ansiedade-estado e ansiedade-traço (p > 0,05), como demonstrado na tabela 2.
Total (n = 36) | Masculino (n = 25) | Feminino (n = 11) | p-valor | |
---|---|---|---|---|
CTD | ||||
Melhor Decisão | 186,3 ± 37,9 | 195,3 ± 31,7 | 165,8 ± 44,2 | 0,03* |
Escore total | 323,7 ± 60,2 | 337,9 ± 55,9 | 291,4 ± 59,6 | 0,03* |
Ansiedade | ||||
Estado Escore | 46,8 ± 5,0 | 47,7 ± 4,6 | 44,7 ± 5,4 | 0,10 |
Traço Escore | 45,1 ± 5,8 | 45,5 ± 5,7 | 44,2 ± 6,3 | 0,53 |
Notas: Os valores são expressos como média e desvio padrão.
Abreviações: CTD = conhecimento tático declarativo.
Não foram observadas correlações significativas entre ansiedade-traço e ansiedade-estado com os escores obtidos no CTD (p > 0,05), como demonstrado na tabela 3.
Ansiedade Estado | Ansiedade Traço | |||
---|---|---|---|---|
r | p-valor | r | p-valor | |
Geral | ||||
Melhor Decisão (CTD) | 0,08 | 0,66 | 0,07 | 0,67 |
Escore Total (CTD) | 0,11 | 0,51 | -0,06 | 0,73 |
Masculino | ||||
Melhor Decisão (CTD) | 0,03 | 0,90 | -0,16 | 0,44 |
Escore Total (CTD) | 0,18 | 0,39 | -0,27 | 0,19 |
Feminino | ||||
Melhor Decisão (CTD) | -0,11 | 0,76 | 0,35 | 0,30 |
Escore Total (CTD) | -0,30 | 0,37 | 0,24 | 0,48 |
Notas: r = coeficiente de correlação de Spearman.
DISCUSSÃO
O presente estudo objetivou associar o conhecimento tático declarativo (CTD) e o nível de ansiedade de jovens praticantes de futsal de acordo com o sexo. De forma geral, os resultados indicam que, para o CTD, observou-se diferenças estatisticamente significativas para a variável melhor decisão no TCTD-FS, em que os meninos apresentaram valores de escores superior ao das meninas. Para os níveis de ansiedade-traço e ansiedade-estado e na correlação do CTD (escore da melhor decisão e escore total) com a ansiedade (traço e estado), não foram encontradas diferenças significativas.
No presente estudo, os valores médios gerais de CTD foram maiores para o grupo masculino tanto no escore de melhor decisão (195.3) quanto para o escore total (337,9) em comparação com o grupo feminino (165,8 e 291,4, respectivamente). Rodrigues et al. (2017), ao avaliarem atletas de futsal através do protocolo de Balzano e Oliveira (2013), utilizaram um critério de avaliação proposto por Greco e Benda (1998) a partir das categorias ótimo (escores entre 340 e 395), bom (280,5 e 335,8), regular (197,5 e 276,5) e fraco (< 197,49). Da mesma forma, Alves (2017) utilizou quartis para classificar os resultados encontrados em relação ao CTD, que considerou também a soma da pontuação de melhor decisão mais a sua justificativa, sendo o 1º quartil (0 - 198,31 pontos) classificado como ruim, 2º quartil (198,32 - 213,25) classificado como regular, 3º quartil (213,26 - 226,69) classificado como bom e o 4º quartil (> 226,69) classificado como ótimo. Observando-se os resultados encontrados por Rodrigues et al. (2017) e Alves (2017), verifica-se que no presente estudo os participantes dos dois grupos apresentaram uma classificação quanto ao CTD de ruim ou fraca no que se refere ao escore da melhor tomada de decisão e do escore total. Desta forma, se faz importante explicitar que a decisão de cada lance foi correta, porém as quantidades de sinais relevantes identificados foram poucos, de acordo com a tabela de correção proposta pelo teste, somando poucos pontos, por isso, a classificação ruim ou fraca mesmo com uma decisão correta. Esse fato já foi observado no estudo de Matias, Giacomini e Greco (2004). Assim, esse resultado pode estar relacionado à proceduralização, onde os conhecimentos representados na forma declarativa vão sendo compilados em regras ou procedimentos, havendo alteração de um uso explícito de conhecimento declarativo para um processual (ANDERSON, 1982). Ainda, de acordo com os resultados do presente estudo, apesar da classificação ruim no CTD para os dois grupos estudados, observou-se valores de escores significativamente maiores na melhor tomada de decisão dos meninos em relação às meninas.
No que diz respeito ao sexo, García-Ceberino et al. (2020) compararam os níveis de conhecimento tático declarativo e processual no futebol de 41 escolares espanhóis com idades entre 10 e 11 anos de acordo com o sexo, a experiência e a metodologia de ensino utilizada, sendo uma delas baseada na técnica, e outra baseado na tática. Os resultados encontrados pelos autores demonstraram que ambos os programas de intervenção induziram níveis mais elevados de conhecimento tático declarativo e processual, e que não houve diferenças significativas em relação às metodologias adotadas. Porém, os autores encontraram diferenças entre os sexos no que diz respeito à experiência e ao conhecimento tático dos participantes, com maiores valores apresentados pelos meninos paras as duas variáveis, resultados esses que corroboram com os encontrados no presente estudo. Os achados mostram que a diferença pode ser explicada por fatores contextuais, já que o futsal, assim como o futebol, é um esporte no qual as mulheres ainda encontram barreiras para a prática (SILVA; NAZÁRIO, 2018), o que dificulta o desenvolvimento de meninas no esporte, evidenciada nas análises do conhecimento tático declarativo.
Além disso, conhecimento tático declarativo relaciona-se com a aprendizagem (GIACOMINI et al., 2011), e por isso é importante considerar as diferenças relacionadas às metodologias de ensino. Gamero et al. (2021) realizaram um estudo com 55 estudantes espanhóis entre 11 e 12 anos, buscando comparar a aquisição de conhecimentos declarativos e processuais após a implementação de vários programas de intervenção no basquete escolar, de acordo com a metodologia e a experiência prévia dos alunos. Os resultados indicaram que há diferenças entre os tipos de metodologias utilizadas sobre a aquisição de conhecimentos declarativos. Segundo os autores, o Tactical Games Approach (TGA) é considerado um método pelo qual os alunos (em especial os sem experiência) aprendem melhor e mais rapidamente, pois são capazes de compreender o esporte por meio de um método que se baseia na compreensão do jogo. Vale esclarecer que o TGA é o método em que o professor ou treinador elabora problemas táticos diferentes, relacionados com a natureza do jogo, e o objetivo é fazer com que os alunos criem estratégias para resolvê-los (MITCHELL; OSLIN; GRIFFIN, 2006).
Por sua vez, González-Espinosa et al. (2019) conduziram um estudo cujo objetivo foi analisar as diferenças no aprendizado do basquetebol de acordo com a metodologia de ensino/aprendizagem adotada e o sexo de 85 escolares entre 11 e 12 anos, e também verificaram uma superioridade da metodologia de ensino-aprendizagem TGA no que diz respeito ao desempenho de jogo, tanto para os meninos como para as meninas. Porém, em relação às diferenças entre os sexos, os resultados permitiram aos autores inferir que o uso de metodologias centradas no aluno é ainda mais benéfico para as meninas do que para os meninos, considerando indicadores como tomada de decisão, eficácia e execução técnica e indicador de desempenho total. Embora não tenha sido objetivo do presente estudo analisar diferentes metodologias de ensino/aprendizagem do futsal, as pesquisas apresentadas sugerem que as diferenças encontradas entre os jovens do sexo masculino e do sexo feminino que participaram desse estudo podem estar relacionadas com os métodos de ensino utilizados para cada um dos grupos.
Em relação a ansiedade, no presente estudo, não foram observadas diferenças significativas para os valores médios de ansiedade-traço (masculino = 45,5; feminino = 44,2) e ansiedade-estado (masculino = 47,7; feminino = 44,7). Entretanto, os valores classificam os dois grupos como ansiedade média, dado este que difere de outros encontrados na literatura, que mostram que mulheres costumam apresentar maiores níveis de ansiedade quando comparadas aos homens, seja na infância e adolescência (BENDER et al., 2012; INTERDONATO; MIARKA; FRANCHINI, 2013; MACHADO et al., 2016; SOUZA; TEIXEIRA; LOBATO, 2012) ou na fase adulta (CORREIA; ROSADO, 2019; FIERROS; EDUARDO, 2020).
Tais resultados podem ser explicados pelo fato de que, assim como afirmam Fierros e Eduardo (2020), são muitas as variáveis que podem influenciar sobre o atleta alterando os níveis de ansiedade (como a experiência, por exemplo), já que este estado emocional é uma reação ao estresse percebido, sendo essa percepção individual e não necessariamente relacionada com a queda de desempenho (CHENG; HARDY; MARKLAND, 2009; WEINBERG; GOULD, 2017). No futsal, Mottaghi, Atarodi e Rohani (2013), em seu estudo com jogadores de futsal do Iran, não encontraram relação entre os níveis de ansiedade pré-competitiva e o desempenho dos jogadores.
A respeito da relação entre CTD e ansiedade, não foram observadas associações estatisticamente significativas entre as variáveis. Apesar de não encontrado nenhum estudo que relacionasse essas duas variáveis (CTD e ansiedade) no futsal, Frischnecht (1990), Moran (2012) e Fortes (2018) sugerem que quanto maior a ansiedade, menor é a capacidade cognitiva e de tomada de decisão, além de haver uma restrição do campo de atenção, alterando assim, o desempenho esportivo. Portanto, apesar de demonstrada menor capacidade cognitiva e de tomada de decisão com o aumento da ansiedade em alguns trabalhos, esses resultados não corroboram com os achados do presente estudo.
O estudo apresenta algumas limitações, como: a heterogeneidade das sessões de treino, que não foram categorizadas e analisadas; a impossibilidade de realizar a coleta de dados em um mesmo momento em todos os participantes em virtude da pandemia; e, por consequência desses diferentes momentos de coleta, a baixa adesão dos voluntários, o que diminuiu a quantidade amostral. Porém, destaca-se que a literatura específica referente ao tema é escassa.
CONCLUSÃO
A realização deste estudo possibilitou analisar o comportamento das variáveis de CTD e ansiedade em jovens escolares praticantes de futsal. A partir dos resultados obtidos, conclui-se que os participantes, de forma geral, apresentaram baixo nível de CTD, porém, os meninos apresentaram escores significativamente maiores que as meninas para a melhor tomada de decisão e escore geral de CTD. Além disso, os dois grupos apresentaram valores médios de ansiedade e não houve correlação entre as variáveis CTD e ansiedade, sugerindo que, para os sujeitos investigados, a ansiedade parece não influenciar no CTD e vice-versa.
É importante deixar claro que os resultados encontrados neste estudo não podem ser generalizados para outras faixas etárias e modalidades, uma vez que só dizem respeito ao grupo analisado, mas, podem servir de base para futuros estudos na investigação em diferentes modalidades esportivas. Porém, o presente estudo traz contribuições a treinadores / professores a fim de identificar o nível de ansiedade dos jovens praticantes de futsal com intuito de contribuir para o melhor controle dessa variável, bem como auxiliar na verificação do conhecimento tático declarativo.
Sugere-se a realização de novos estudos de modo a fornecer um maior conhecimento sobre o tema abordado. Pode ocorrer de treinadores/professores, em momentos de competições, pouco se atentarem as questões psicológicas que podem influenciar no desempenho tático e técnico dos seus jogadores, o que deixa em destaque a importância da pesquisa realizada. Em sentido amplo, a presente pesquisa revelou que há muito que se explorar, pois, há uma diversidade de fatores que transcendem os que foram considerados neste presente estudo e que podem influenciar no aspecto tático e emocional que envolvem os praticantes de futsal nas competições desportivas, o que sugere temas de investigações futuras.