INTRODUÇÃO
Vista sob diversos olhares, e cada vez mais consolidada como tema de discussões na comunidade acadêmica, as práticas corporais de aventura (PCA’s), assim como a própria Educação Física é atribuída a diferentes visões que marginalizam ou inferem na sua importância enquanto atuante no ambiente escolar. Sejam motivos históricos, os quais legitimam alguns paradigmas ainda presentes na Educação Física atualmente, ou em detrimento da reprodução de modelos pelo conjunto dos meios de comunicação de massa como afirma Silva e Damiani (2005), a inclusão de novos conteúdos demanda um processo árduo dentro da escola, fato que se assemelha a incorporação da temática discutida nesse estudo.
As práticas corporais de aventura divulgadas na mídia brasileira, geralmente mostram um contexto muitas vezes inatingível, atrelados a lugares extremos, com alto risco e alto custo de materiais e equipamentos (GOULART; GIL, 2019). Tais elementos reforçam paradigmas e dificuldades encontradas na formação deficitária dos professores de Educação Física para adaptação do ensino das temáticas, como também dentro da própria escola.
Do mesmo modo, segundo Darido e Rangel (2005) há uma predominância de conteúdos, principalmente no que se refere à hegemonia dos esportes coletivos como futebol, vôlei, basquete e handebol na Educação Física escolar. Nesse sentido, o objetivo de produzir e usufruir das informações relacionadas ao corpo, enfatizadas pela cultura corporal de movimento ficam limitadas quando não há uma renovação de conhecimentos que deem significado e possibilitem o maior número de vivências aos alunos, o que estagna também as experiências motoras, sociais e afetivas.
Por se tratar de um conteúdo novo, a aplicação das PCA’s ainda é escassa, principalmente quando se considera a ausência desse tema na formação dos professores. No entanto, para Baierle (2012) a inserção das PCA’s no espaço educacional é encarada como um meio promissor e interdisciplinar por sua potencialidade enquanto instrumento pedagógico. É fato que estas se apresentam como uma nova possibilidade dentro da escola, sendo reforçada pela Base Nacional Comum Curricular - BNCC (2018) e tida como uma forma de experimentação corporal baseada em situações de imprevisibilidade, cujo praticante interage com um ambiente desafiador (BRASIL, 2018).
Em suas peculiaridades, assim como outras práticas corporais, as PCA’s são expostas a outras denominações como esportes de risco, esportes alternativos, esportes extremos. Na presente pesquisa, optou-se por utilizar a denominação de “práticas corporais de aventura” conforme a BNCC e fazer sua diferenciação de acordo com o ambiente praticado: na natureza e urbano.
Ainda de acordo com o documento citado acima, na responsabilidade de nortear os currículos das escolas de educação básica no Brasil, a BNCC atribui competências relacionadas à Educação Física, as quais se assemelham aos objetivos e possibilidades advindas do conteúdo das PCA’s. Isso porque, o documento destaca a busca por uma construção de estratégias para resolver desafios e aumentar as possibilidades de aprendizagem das práticas corporais, fato que condiz com a finalidade de superar os limites além do aspecto físico proposto nas práticas corporais de aventura. Por meio dessa vivência é possível ultrapassar a lógica meritocrática de competição e experienciar novas sensações e significados singulares. Ademais, usufrui-se de forma autônoma ampliando as redes de sociabilidade por meio da relação entre os pares e na promoção de saúde, neste caso no conceito holístico da palavra e do que ela implica (BRASIL, 2018; SILVA; JUNIOR E ANDRADE, 2019).
Importa também ressaltar que, além de uma dimensão conceitual, procedimental e atitudinal que é buscada na aplicação dos conteúdos nas aulas de Educação Física, há a possibilidade de correlacionar as práticas corporais de aventura de forma transversal, atrelada as áreas de ecologia e educação ambiental, expandindo valores e conexões com o ambiente natural. Diante disso, a necessidade de considerar as consequências decorrentes dessas práticas na natureza implicam aos seus participantes a consciência de preservação do ambiente. A escola, por sua vez, se apresenta como uma ponte para subsidiar a implantação de uma política consistente de educação ambiental, formando alunos críticos e reflexivos em busca de uma compreensão das implicações resultantes da interação dos seres humanos com o meio ambiente (BADARÓ et al. 2020; PAIXÃO, 2017).
Com a aplicação das PCA’s na Educação Física escolar, concorda-se com os autores Armrust e Lauro (2010) afirmando a carência de ampliar as oportunidades de vivências e acesso ao conhecimento de acordo com a diversidade contemporânea dos alunos, no entendimento que estes são produtores e transmissores de cultura e, do mesmo modo, influenciam e modificam os contextos que estão inseridos.
Contudo, apesar de tantos aspectos positivos, e do crescimento de publicações em periódicos de relevância no cenário brasileiro alusivos ao tema em discussão, ainda há uma escassez de estudos essencialmente voltados para o contexto escolar (TAHARA; DARIDO, 2015; GONÇALVES et al., 2020). Pesquisas ainda confirmam a pouca aplicação desse tema nas aulas de Educação Física, como é o caso do Estado de Goiás apontado por Inácio, Sousa e Machado (2020).
Deste modo, objetiva-se com o presente estudo analisar a presença das práticas corporais de aventura enquanto conteúdo nos planos de ensino da disciplina de Educação Física no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba - IFPB. Entende-se que esta temática é de extrema relevância para contribuir no processo de aprendizagem e para quebrar protótipos construídos historicamente na Educação Física escolar associados a diferenciação de gênero, predominância dos mais habilidosos e interesses competitivos. Sua importância se dá ainda em virtude do aumento das possibilidades de práticas corporais tanto dentro quanto fora da escola numa perspectiva de atividade física e lazer.
Logo, o que motiva a realização deste estudo é o fato de se tratar de um conteúdo, que de certa forma é novo dentro do contexto escolar, a medida em que busca-se ressignificar uma Educação Física sem valorizar somente a esportivização no currículo, mas que acrescente possibilidades de vivências aos alunos no intuito de contribuir para a construção de um conhecimento amplo e acessível aos interesses e individualidade de cada ser, fortalecendo ainda mais a ideia de construção de uma Educação Física comprometida e a missão do IFPB junto à oferta de educação de qualidade para todos.
PERCURSO METODOLÓGICO
Esse estudo tratou da problemática das PCA’s como conteúdo nas aulas de Educação Física do IFPB. Para tanto, refere-se a uma pesquisa de abordagem metodológica de investigação de cunho qualitativo, possibilitando dar significado aos fatos observados. Nessa perspectiva, buscamos participar, compreender e interpretar as informações selecionadas.
O estudo se alinha com a pesquisa documental, uma vez que recorre a fontes diversificadas e dispersas, sem tratamento analítico, especificamente, a partir dos planos de disciplina do componente curricular Educação Física (FONSECA, 2002).
O levantamento de dados ocorreu através da busca eletrônica dos planos de disciplina do componente curricular Educação Física em sites oficiais dos campi que compõem o IFPB. Para a seleção dos arquivos que iriam compor o rol de documentos a serem analisados, realizamos a leitura dos planos na íntegra de modo a identificar se todas as turmas contempladas com a disciplina Educação Física constavam nos documentos.
Para analisar a presença do conteúdo PCA’s no componente curricular Educação Física no âmbito do IFPB, realizou-se análise documental dos planos de disciplina de cada campi. Assim, na busca por assertividade em relação às informações coletadas, optou-se por focalizar apenas nos planos disponíveis no site oficial da instituição, mais especificamente no Portal do Estudante por ser este de domínio público.
Foram lidos e analisados 129 planos de disciplinas correspondentes aos campi Sousa, Santa Rita, Santa Luzia, Patos, Picuí, Princesa Isabel, Monteiro, João Pessoa, Itaporanga, Itabaiana, Guarabira, Esperança, Cajazeiras, Catolé do Rocha, Campina Grande e Cabedelo. Essa leitura foi realizada com vistas a categorizar as nomenclaturas estabelecidas em relação às PCA’s caso presente no plano de disciplina. Posteriormente foram elaborados quadros para melhor visualização dos dados coletados e facilitar a compreensão dos leitores.
RESULTADOS
O IFPB é composto por 16 campi espalhados nas regiões do estado paraibano. No delineamento dos dados, com o objetivo de identificar a presença do conteúdo referente às PCA’s nas aulas de Educação Física, foi identificado que os campi de Campina Grande, Catolé do Rocha, Esperança, Monteiro, Princesa Isabel, Santa Luzia e Santa Rita não possuem esse conteúdo no plano de ensino, o que corresponde a 43,75% dos campi que constituem o IFPB. Sendo assim, centramos as informações nos demais que em algum momento abordam a temática discutida até aqui.
Nos casos em que há o referido conteúdo nos planos de ensino, observou-se que alguns campi distribuem o tema em apenas um momento do curso, caso dos campi Sousa no 2° ano, e Patos e Itabaina no 3° ano (Quadro 01).
Segundo Dalben (2015) a Educação Física escolar tem como objeto de estudo o corpo humano, não como estanque, único e imutável, mas com diversas representações e multiplicidade nesse intento. Assim, há a necessidade de definir e legitimar as PCA’s enquanto possibilidade de expressão da cultura corporal, disponível para ser debatida, problematizada e ressignificada nas aulas de Educação Física.
As PCA’s constituem um conjunto de práticas recentes dentro desse contexto escolar, podendo serem aplicadas sem diferenciação de gênero, questões culturais, interesses competitivos ou habilidades motoras. Sua ausência no ensino médio impede, principalmente os jovens que compõem esta etapa, de atuarem de forma crítica e consciente nos meios sociais em que estão inseridos (TAHARA; CARNICELLI FILHO, 2013; BUNGENSTAB et al., 2017).
Em alguns campi do IFPB, cursos do ensino médio não abordam essa temática em nenhum momento. No quadro abaixo foi descrito a quantidade de cursos presentes em cada campus, no entanto especificou-se apenas os que continham o conteúdo semelhante as PCA’s (Quadro 02).
A ausência deste conteúdo nos cursos técnicos do IFPB reflete a hegemonização de conteúdos presenciada na Educação Física.
Durante muito tempo, o ensino das técnicas esportivas e o instinto de competição era a prioridade para o descobrimento e formação de atletas, objetivo este que não é mais considerado como essencial no ensino da Educação Física escolar. Apesar da aquisição de valores e competências incutidos nas práticas corporais, professores da área se limitam ao ensino das modalidades esportivas mais conhecidas, como é o caso do basquete, futebol, handebol e vôlei. Dessa forma, fragmenta-se uma formação ampla dos indivíduos, como também dificulta que jovens do ensino médio sejam atraídos a participarem das aulas por experenciarem um espelho do ensino fundamental, permanecendo nos mesmos modelos pedagógicos (GUIMARÃES et al. 2001; BETTI; ZULIANI, 2002).
No IFPB, os campi de Cajazeiras e Picuí se destacam em relação aos demais pela frequência em que as PCA’s são abordadas (Quadro 03).
Vale ressaltar que alguns destes cursos, como está sinalizado na cor verde no quadro acima, abordam o tema nas três séries de formação. Nesse sentido, quando se propõe a tratar desses conteúdos, a Educação Física supera e rompe tradições de metodologias acríticas, tecnicistas e elitistas presentes na história em que se calcou essa disciplina. Para Guimarães et al. (2007) esta permite-se perpassar um padrão retirado da performance esportiva, rompendo uma visão compartimentada, e propõe uma educação em que temas relevantes sejam tratados em conjunto.
As PCA’s, neste caso, incorporam valores e discussões pertinentes para aumentar a consciência dos alunos em relação a natureza. Teruel (2011) ressalta que se não é perceptível a necessidade de uma atuação qualitativa das ações humanas para com o ambiente, também não é percebido o compromisso que há de se ter para preservar a natureza, emergindo assim desafios a serem vencidos a fim de aprimorar a sensibilidade nessa relação homem - natureza.
Ainda segundo a autora supracitada, um dos objetivos da escola é buscar estratégias para auxiliar e ampliar o conhecimento, desenvolvendo tanto os aspectos físicos quanto socioculturais dos alunos. Para que esses avanços ocorram considera-se também os âmbitos afetivo, cognitivo e psicológico, ao entender a totalidade do ser, e que o desempenho escolar e pessoal advém do bem-estar desse conjunto.
Todavia, se olharmos para o cenário vivido atualmente, nos deparamos com um ensino médio que tende, seja na prática ou em decorrência das reformas políticas, formar jovens para o mercado de trabalho. É nesse sentido que a Educação Física deve se lançar ao debate, defendendo sua presença e estimulando o sentido e reflexividade das práticas corporais (BUNGENSTAB et al., 2017).
Essa luta ganha maior proporção, ao mesmo tempo que necessita ser reforçada quando são vistas instituições de grande porte, como é o caso do IFPB, ausentando esta disciplina nas séries finais do ensino médio (Quadro 04).
Na tabela acima, colocou-se em destaque o curso de Contabilidade pois só oferta a disciplina de Educação Física no seu primeiro ano de ensino médio, e os demais ausentam a disciplina no 3° ano dos cursos. Isso ocorre, muitas vezes, pela alta demanda de disciplinas que precisa ser conciliada na carga horária, pois além das disciplinas de formação geral, há também as disciplinas referentes à formação técnica. Este fato reafirma a desvalorização da Educação Física dentro da escola, questão essa, que perdura e é debatida durante muito tempo.
Para Guimarães et al. (2001) é visível a situação de marginalização em que essa disciplina se encontra no ambiente escolar, por um lado, advinda de um complexo histórico em que foi utilizada como instrumento ideológico e de manipulação ligado as instituições militares e à classe médica, e de outro, da má qualificação dos seus profissionais e atuação descomprometida com o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes.
Por fim, no intuito de reforçar a aplicação das PCA’s dentro da escola, destacamos as demasiadas possibilidades presente nessa temática, que embora pouco presente nos planos de ensino do IFPB, ainda são diversas. O quadro 05 apresenta possibilidade de conteúdos relacionados às PCA’s que podem ser abordados nas aulas de Educação Física e que já constam em alguns planos de ensino no âmbito do IFPB.
Conforme apresentado no quadro 05, muitos conteúdos divergem em nomenclatura, porém ainda carregam em sua essência objetos de estudo relacionados às PCA’s. Entendemos, assim como Tahara e Darido (2015), que há muitas possibilidades para se conseguir oportunizar as PCA’s dentro da escola, uma vez que além de compreender uma série de modalidades sejam aquáticas, terrestres ou aéreas/na natureza ou em meio urbano, há vários modos de adaptar este novo conteúdo ao contexto e realidade local da instituição, o que também deve ser aliado à disposição dos professores e capacitação destes para desenvolvimento do conteúdo.
Destacamos ainda, que em muitas escolas públicas há limitações quanto a formação dos professores e recursos para desenvolver as atividades, o que por sua vez não se aplica ao IFPB, pois dispõe de espaços e professores em sua maioria com alguma formação continuada. Acreditamos que as limitações citadas não justificam a ausência do conteúdo em muitos campi do IFPB, sendo necessário uma investigação futura em torno disso, tendo em vista que nesse estudo não nos propomos a discutir a fundo essas problemáticas, apenas analisar a presença das PCA’s nos planos de ensino.
CONCLUSÕES
O presente estudo contempla como proposta de análise as PCA’s como possibilidade de conteúdo de intervenção na realidade em que se encontram as aulas de Educação Física do IFPB, no contexto mais atual. Busca ainda fortalecer o seu potencial enquanto conteúdo escolar e superar o enfoque de ensino centrado nos esportes. O trato das diferentes realidades da disciplina Educação Física encontradas no IFPB, no âmbito de seus campi, vislumbra considerar a necessidade de ajustes e orientar as inúmeras possibilidades que permeiam a aplicabilidade das PCA’s no contexto educacional.
Dessa forma, foi realizado levantamento dos planos de ensino da disciplina Educação Física do IFPB, seguido da leitura e análise dos conteúdos. Entretanto, foram percebidas dificuldades para encontrar os planos que, de acordo com recomendações legais, deveriam estar disponíveis em plataforma de domínio público, fato que se tornou uma limitação do estudo.
Nessa perspectiva, o estudo mostrou que alguns campi distribuem o tema em apenas um momento do curso, outros cursos do ensino médio não abordam essa temática em nenhum momento. No IFPB, apenas dois campi se destacam em relação aos demais pela frequência positiva em que as PCA’s são abordadas, sendo contempladas em quase todas as séries do ensino médio. Em detrimento de outros campi que ausentam do curso a disciplina Educação Física nas séries finais do ensino médio, o que acaba por ampliar a marginalização e depreciação da referida disciplina. Destacou-se ainda alguns dos conteúdos presentes nos planos de ensino do IFPB referentes às PCA’s, permitindo a compreensão que ainda há muito o que avançar tanto no que concerne as nomenclaturas utilizadas quanto as modalidades ofertadas.
Por fim, esperava-se encontrar um amplo contingente de conteúdos relacionados às PCA’s nos planos analisados. Muito embora, considera-se que o objetivo central do estudo tenha sido atingido, desvelando que há necessidade de ajustes nos planos analisados. Assim, recomenda-se a realização de formações continuadas para os docentes do IFPB no intuito de ampliar as possibilidades de aplicação destes conteúdos, uma vez que trata-se de orientações presentes em documentos legais como a BNCC.