Introdução
Sob o emblema do livro inglês - a Bíblia - Bhabha (1998) retrata uma cena do colonialismo na Índia no início do século XIX - “signos tidos como milagres” -, esmiuçando o processo de deslocamento entre a autoridade colonial e a ambivalência que mostra a presença do livro traduzido, reescrito e reapropriado no processo de contradição dialógica que produz discursos num terreno de resistência e negociação. Como descreve o diálogo de um catequista indiano e um camponês:
Catequista: [...] ‘Esses livros,’ disse Anund, ‘ensinam a religião dos sahibs europeus. É o livro DELES; e eles o imprimem em nossa língua para nosso uso.’
Camponês: ‘Ah, não,’ respondeu o estranho, ‘isto não pode ser, pois eles comem carne.’ [...] ‘mas como pode ser o Livro Europeu se acreditamos que é um presente de Deus para nós?’ [...] ‘Deus deu-o aos sahibs há muito tempo, e ELES o trouxeram para nós.’
Catequista: A ignorância e simplicidade de muitos são espantosas, já que nunca ouviram falar de um livro impresso antes; e a própria aparência do volume parecia-lhes miraculosa. (BHABHA, 1998, p. 151).
O embate do diálogo entre o catequista e o camponês requer a construção de outro lugar e signo de negociação, uma vez que as perguntas do nativo transformam literalmente a origem do livro em um enigma: “como pode a palavra de Deus sair das bocas carnívoras dos ingleses? [...] Ao assumir sua postura com base na lei alimentar, os nativos resistem à miraculosa equivalência entre Deus e os ingleses” (BHABHA, 1998, p. 169 - 170), cujo questionamento desafia a autoridade colonial e produz uma tensão discursiva que insurge no interstício da lógica hindu/cristã.
Assim, a Bíblia, como símbolo da autoridade inglesa, distancia-se de signo de milagre para promover a conversão de religião, visão e costumes, tornando-se ela própria um objeto híbrido - “conserva a semelhança real do símbolo autorizado mas reavalia sua presença, resistindo a ele como o significante do Entstellung2” (BHABHA, 1998, p. 167) - representativo de um agonismo.
A relação que procuramos estabelecer com os escritos de Bhabha (1998, p. 153), quanto à ideia do livro inglês - “escrita metafórica do Ocidente” - apresentada como adequada universalmente, aproxima-se de forma análoga da política de responsabilização - ideia metafórica de modernização do Ocidente -, ambas como signos de representação que criam condições para uma prática e uma narrativa. Tal visão do livro e da política sustenta, no primeiro, a tradição da autoridade cultural inglesa e, na segunda, um referencial de importação de políticas que, segundo o autor, diz respeito a um tal “momento conflituoso de intervenção colonialista”, ou neoliberalista, que se transforma num “discurso constitutivo de modelo e imitação” (BHABHA, 1998, p. 154).
Assim como a ambição intervencionista inglesa de tornar aquele país cultural e linguisticamente homogêneo, utilizando-se das tecnologias do poder colonial através de professores e tradutores, a exemplo do missionário cristão, a política de responsabilização também tem operado através de refinadas tecnologias neoliberais de performatividade, uma tecnologia moral inerente à política educacional. Do mesmo modo, estamos lidando com manuais de trabalho “que transformam o delírio em discurso de interpelação civil” (BHABHA, 1998, p. 155), podendo citar políticas normativas recentes que fornecem uma ‘noção de conduta’ como pressuposto ilusório de coesão social ou de ficcional igualdade de resultados.
De modo que a presença do poder e autoridade é colocada em questão nos interstícios, igualmente deve ser questionada a presença da responsabilização construída discursivamente como garantia de qualidade. Nesse exercício nos aproximamos da leitura de Bhabha (1998), que não tenta reduzir o livro inglês a objeto metafórico como representação da autoridade, pois tal representação “depende menos de um símbolo universal da identidade inglesa do que de sua produtividade como signo da diferença” (BHABHA, 1998, p. 158). Ainda que responsabilização seja uma ideia metafórica apoiada na retórica da modernização da nova gestão pública, - índices, bonificação, prestação de contas, accountability -, não pretendemos reduzir a política de responsabilização a objeto metafórico como representação da qualidade.
A exemplo da descoberta do livro inglês que tenta se estabelecer via autoridade e mimese, Bhabha (1998) destaca que da repetição do texto colonial emerge a ambivalência produzida no interior do ato de enunciação: o discurso colonial e do poder, dominação, mimese; e o discurso do deslocamento, fantasia, textualidade aberta. “O que é “inglês” nesses discursos do poder colonial não pode ser representado como uma presença plena, ele é determinado por sua extemporaneidade” (BHABHA, 1998, p. 157). Propusemos ao leitor em vez de “inglês” pensar na categoria qualidade, significante central na política de responsabilização, tendo em vista que tal parâmetro promove uma colonialidade polarizada entre o bom e o mau desempenho a partir de padrões ditos universais. Dessa forma, produz-se um modo de autoridade que é agonístico, assim como no texto colonial - o livro inglês - ocupa um espaço de inscrição dupla - o sagrado e o não sagrado.
Essa representação depende mais do símbolo universal de modernização com leitura e apropriação mimética neoliberal e menos da produtividade como signo da diferença, ou seja, tudo aquilo que nega ou se distancie dessa construção de qualidade baseada em resultados. Por isso, a necessidade de se afastar de uma leitura da política num sentido determinista, mas voltar o olhar para a construção desse espaço político, suas estratégias e efeitos de poder. A análise torna-se problemática e ingênua quanto às relações e jogos de poder, se apenas focalizarmos na ‘presença’ da qualidade, porque estaria creditando à política um atributo de ‘transparência discursiva’, reduzindo-a à constatação ou reforço de ‘meros efeitos-realidade’ como índices, bonificação etc.
Bhabha (1998) leva-nos a pensar sobre a estratégia de interpelação ou como a realidade é confrontada, questionada, seja pela “presença imediata do inglês”, seja quando a realidade educativa é interpelada via testagem, se possui ou não qualidade.
De tal modo,
[...] o efeito de realidade constrói um modo de interpelação em que uma complementariedade de significado produz o momento de transparência discursiva. É o momento em que, ‘sob a falsa aparência do presente’, o semântico parece prevalecer sobre o sintático, o significado sobre o significante. (BHABHA, 1998, p.159).
Ou seja, os efeitos de realidade da educação, hoje - índices, bonificação, prestação de contas, accountability - fazem parte de um modo de interpelação, a avaliação em larga escala ou testagem que produz um momento de pretensa transparência discursiva que classifica escolas com qualidade ou sem qualidade e, por fim, temos a falsa aparência de responsabilização. “Quando as metáforas oculares da presença se referem ao processo pelo qual o conteúdo é fixado como ‘efeito do presente’, encontramos não a plenitude, mas o olhar estruturado do poder cujo objetivo é a autoridade, cujos “sujeitos” são históricos.” (BHABHA, 1998, p. 158). Com isso, a construção do significado (semântico) de qualidade sobrepõe o significante (sintático) da responsabilização. Portanto, o efeito de realidade pode ser descrito como a “disposição daqueles signos discursivos da presença/do presente no interior das estratégias que articulam o leque de significados [...]” (BHABHA, 1998, p. 159).
Esse endereçamento político voltado para a homogeneização de resultados, para a padronização, tem pretendido afastar da interpelação o lugar da diferença, da alteridade, do adversário. Segundo Bhabha (1998, p. 159), a diferença não se coloca inteiramente do lado de fora ou em oposição à realidade, responsabilização/qualidade, mas inaugura uma pressão, um “contorno da diferença [que] é agonístico, deslizante e fendente”. Trata-se de uma discussão quanto à representação de um conjunto de regras, seu papel político e econômico.
A presença da autoridade - o livro inglês - pode ser compreendida como superfície de dupla inscrição que tenta regular a ambivalência que lhe é própria e estabilizar provisoriamente esse espaço agonístico. Acreditamos ser possível pensar da mesma maneira quanto à política de responsabilização que inscreve sob o pretexto de transparência discursiva uma dupla visão: ao afirmar quem tem qualidade, também está dizendo quem não a tem. Tal percepção de autoridade decorre de discursos dominantes que articulam signos da diferença cultural, estabelecem relações outras de poder - hierarquia, normalização, marginalização, etc. - e ao mesmo tempo negam o deslocamento e distorção que promovem para salvaguardar narrativas de “evolucionismo histórico e político” (BHABHA, 1998, p. 161), como ocorre no discurso de modernização da gestão pública.
Assim como a autoridade colonial que operou a partir da segregação, seja cultural, racial ou administrativa utilizou-se uma lógica dupla e contraditória, na qual a “parte” detentora de uma diferença radical torna-se representativa do “todo” (BHABHA, 1998, p. 162). Parece ocorrer o mesmo na política de responsabilização no aspecto administrativo, através do ranqueamento, competitividade ou bonificação, que insere essa lógica dupla e contraditória nas políticas educacionais ao premiar métricas de desempenho que mais tarde tornam-se referenciais ou parâmetros de qualidade.
Desse ponto de vista, a ‘transparência’ discursiva pode ser melhor entendida no sentido fotográfico, em que uma transparência é também um negativo, processado para a visibilidade através das tecnologias da reversão, da ampliação, da iluminação, da edição e projeção; ela não é um curso mas um re-curso de luz. [...] significa velamento discursivo - intenção, imagem, autor - ela o faz através de um desvelar de suas regras de reconhecimento [...]. (BHABHA, 1998, p. 160).
Contudo, os discursos dominantes necessitam dessa construção segregadora com o intuito de produzir um exterior constitutivo que assegure uma construção identitária de autoridade. Logo, percebe-se, tanto em relação ao livro quanto à política de responsabilização, a ideia de “referência unitária e essencialista” a ser alcançada (BHABHA, 1998, p. 162). Essa autoridade só é ameaçada pelo hibridismo que perturba e problematiza a presença e reconhecimento de tais regras como algo consensual, expondo a ambivalência e promovendo uma reavaliação de pressupostos e regras.
O reconhecimento de autoridade de um discurso dominante requer a legitimação de sua fonte de modo consensual e exclui ou recusa as razões de conflito de juízo pessoal, um não-exercício ou ausência de juízo sobre tais regras, como citado por Arendt (2004). Esse tipo de reconhecimento se assemelha à construção discursiva do projeto neoliberal de modernidade em torno do Estado que valida a responsabilização educacional através do emblema da adoção de medidas ditas modernizadoras.
A reflexão do autor considera que os “signos” da autoridade são presenças “vazias” que articulam demandas universais (BHABHA, 1998, p. 164) - significantes vazios como descritos nos estudos de Laclau e Mouffe (2015) - exemplificados através do episódio do livro como símbolo do imperialismo inglês. Já a política de responsabilização exemplificaria um símbolo neoliberal de modernização, mas em ambas as situações reside a ambivalência capital - universal e vacuidade - do querer dizer tudo e nada ao mesmo tempo.
E como Bhabha (1998, p. 174) destaca, o lugar do hibridismo realiza “simultaneamente um modo de apropriação e resistência” que evidencia a impossibilidade de qualquer determinismo, uma vez que a estratégia de recusa torna “signos tidos como milagre” em signos bélicos:
[...] -- Anund observou, ‘Vós devíeis ser BATIZADOS,’ [...] em resposta, eles disseram, ‘Estamos dispostos a ser batizados, mas nunca receberemos o Sacramento. A todos os outros costumes dos Cristãos estamos dispostos a nos conformar, mas não ao Sacramento, pois os europeus comem carne de vaca e isto jamais nos servirá.’ (BHABHA, 1998, p. 152).
Assim, como os nativos hindus “resistiam ao questionar a presença dos ingleses como mediação religiosa”, desafiando as fronteiras do discurso, modificando sutilmente seus termos e estabelecendo um outro espaço de negociação da autoridade cultural (BHABHA, 1998, p.171-172), assumimos essa perspectiva bélica para interrogar a política.
Proposta para uma reflexão teórico-metodológica
Nos estudos e pesquisas no campo do currículo, a perspectiva pós-estrutural se caracteriza pela preponderância do discurso, sendo a teoria do discurso de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe (2015) um importante referencial que foi apropriado para analisar as disputas e processos hegemônicos da produção curricular. Ao assumir os preceitos teóricos da teoria do discurso para pensar o campo do currículo, o olhar da análise se volta para o processo de significação da produção política curricular.
Para compreender a política de responsabilização educacional no estado de Pernambuco a partir de uma abordagem discursiva, focalizamos a análise na relação entre a modernização da gestão pública e a lógica accountability na educação pública. Desse modo, compreendemos que as políticas educacionais são práticas constituídas por lutas e embates em torno de significados e/ou sentidos, representando, assim, um regime de verdades:
As políticas são também discursos, ou seja, práticas que constituem o objeto de que falam, que estabelecem as regras do jogo em que se dão as lutas em torno dos significados. Todos os contextos de produção da política são, portanto, atravessados por discursos que constroem e permitem a construção de certos textos. (LOPES, 2010, p. 11).
Na tentativa de pensar a política não apenas como documento ou estatuto a ser implementado, em diálogo com a teoria do discurso, consideramos que a política pode ser compreendida como tensão de uma realidade assumida como discursiva:
Se entendermos discurso como toda mediação de significados, como uma estrutura descentrada, não existem práticas não-discursivas, nem textos, materiais e práticas fora do discurso. Toda relação estabelecida com esses objetos é mediada pela linguagem, significada em jogos de linguagem e, portanto, significada discursivamente. (LOPES, 2016, p. 9).
Ao pensar quais as condições discursivas que foram possíveis para construir determinada política, a realidade é colocada em xeque - por que antes foi possível dizer “aquilo”? - sem entrar na discussão de validade, mas para mostrar as fraturas. Não podemos ter um hiato entre o procedimento e a discussão teórica pós-estrutural porque a metodologia também está sob suspeita, uma vez que na análise de políticas esses marcadores podem ser rasurados. É necessário perceber a trajetória política em diferentes contextos e acessar a rede de produção de sentindo quanto sua construção discursiva, suas demandas e unidades de sentido, ainda que contingentes, percebendo também quais processos de articulação permitem sua hegemonização hoje.
Portanto, a política curricular não acontece de forma isolada em uma única instância de produção, mas resulta da interconexão dos significados que são produzidos em múltiplos contextos, como, por exemplo, escolas, poder público, secretarias de educação, universidades, agências multilaterais, comunidades epistêmicas e disciplinares. Dessa forma, ocorrem influências mútuas entre arenas políticas, a partir do empréstimo de ideias com referências em outras políticas, que são reconfiguradas de acordo com a demanda local. Assim, as políticas educacionais são traduzidas, seus sentidos são deslocados de seus supostos lugares originários e refocalizados, podendo ter outras conotações (LOPES; MACEDO, 2011, p. 39).
De tal modo, a partir da teoria do discurso de Ernesto Laclau, é possível tratar os textos educacionais, produzidos pela Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco (SEE), como representações parciais da política de currículo, e não como expressão de sua totalidade. O texto não é tratado como a política em si, numa perspectiva estadocêntrica que considera as políticas apenas como práticas governamentais, conferindo centralidade ao Estado na produção de políticas curriculares. Portanto, operamos com o Estado como um elemento pertencente à construção discursiva que deve ser analisado através da relação com as demais arenas políticas.
Dessa forma, o escopo teórico proposto não prioriza as decisões governamentais ou políticas de Estado em sentido restrito no campo das políticas educacionais, mas considera a contribuição de outros atores e arenas políticas, comunidades epistêmicas para compreender as relações de poder nas políticas de forma ampla no mundo globalizado. Um olhar atento à circularidade da política, percebendo as dinâmicas que reconfiguram ações do Estado e os discursos incorporados pela produção de sentidos na política de responsabilização educacional.
Por sua vez, é preciso ampliar o foco sobre reformas e mudanças no plano econômico, político e cultural de forma integrada que influenciam a produção de políticas. Contudo, temos discordado da tendência de análise que, a partir dessas influências, operam de forma prescritiva, limitando a compreensão de produção político-educacional. Entendemos, com base em Lopes (2006, p.36) que
[...] a redução da política às ações do Estado e/ou à interlocução privilegiada com o Estado, como se este fosse uma instância definidora dos sentidos finais das práticas sociais, seja esvaziada de significação, na medida em que a própria ação política do Estado é esvaziada.
Para evitar o esvaziamento do espaço da política o exercício de análise está para além de determinações econômicas ou definidas pelo marco do Estado, no qual reside a ideia de suposta homogeneidade e subordinação do cotidiano a um poder central, que aqui é questionada.
A retórica da responsabilização: traduzindo a modernização da gestão pública em Pernambuco
Para conduzir a discussão dessas relações políticas, com base em uma perspectiva não verticalizada de poder, coloca-se como condição a análise dos espaços de produção de discursos que estão em disputa e concorrem por legitimação. Isto implica considerar os interesses dos organismos internacionais, as esferas governamentais, comunidades epistêmicas, a produção das políticas curriculares e os sentidos negociados nessas arenas políticas.
Nessa perspectiva, o entendimento de currículo não é o prescritivo que provém das agências de fomento ou se converte em ações políticas homogêneas como imposição à sala de aula. Implica compreender currículo como política discursiva, “como política cultural, o currículo é fruto de um embate por sentidos e significados que ultrapassa não apenas o espaço físico da sala de aula, mas também o território imaginado do que se supõe que deve ser uma aula” (LOPES, 2006, p. 45). Ao trazer essa discussão a partir de uma perspectiva discursiva, através de Lopes (2006) e Mouffe (2005), permite-se compreender a política como referência empírica, não essencializada, vendo-a como uma superfície discursiva, o que possibilita o entendimento da negociação de sentidos em busca de hegemonia, de forma provisória e contingencialmente reunindo sentidos em um campo significativo, mas que não representa um fechamento total da significação.
Portanto, empreendemos trabalhar sobre uma estrutura discursiva, entendida como “uma prática articulatória que constitui e organiza as relações sociais” (LACLAU; MOUFFE, 2015, p. 167), para pensar que as relações sociais são constituídas via discurso, por isso não existe posição fora desse jogo discursivo. Trata-se de colocar em evidência a complexidade dessa prática política. A radicalidade possível do pensamento é aquela que questiona leis e estruturas como categorias em si e que permite a compreensão de que não há um telos ideal alcançável, mas, sim, sua constante construção.
Assim, analisamos as estratégias utilizadas para a elaboração e manutenção do discurso de responsabilização educacional, questionando a concepção verticalizada de reforma nas políticas públicas, observando que a Política de Responsabilização Educacional é decorrente do processo de modernização da gestão pública como condição para accountability, incorporado como premissa para o atendimento das demandas da sociedade com qualidade social, transparência na gestão e controle social da ação do governo de Pernambuco (PERNAMBUCO, 2012).
A política da responsabilização educacional é um elemento importante para compreender como a ideia de modernização se traduz no campo da educação, além de mostrar que a centralidade da reforma educacional em Pernambuco está na adoção de políticas de responsabilização, dentro do espectro da reforma gerencial do aparato estatal. A modernização em Pernambuco deve ser entendida como um processo de continuidade política que tem acompanhado o ritmo de reformas de modernização, o Projeto de Modernização da Gestão e do Planejamento do estado de Pernambuco (PNAGE-PE), através de Decreto nº 29.289/2006, destacando o forte apoio do governo federal e a disposição de investimentos com o intuito de impulsionar a economia estadual (PERNAMBUCO, 2006).
Em anuência à reforma gerencial proposta pelo governo federal, o estado de Pernambuco aderiu ao modelo gerencial a partir do governo Eduardo Campos em 2007. O intuito de reforma teve como principais características a descentralização das políticas públicas, a redução de gastos públicos, equilíbrio fiscal e valorização dos resultados. Assim também no âmbito do governo federal foi pautada a reforma na educação, visando promover uma educação com qualidade social, princípios da gestão democrática e projetando parâmetros em resultados de impacto na política educacional, bem como no cenário econômico.
Art. 2º O PNAGE-PE será executado com recursos de financiamento, oriundos do Acordo de Empréstimo firmado entre o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - MP e o Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID, transferidos mediante Convênio de Participação no Programa, a ser firmado entre o Governo do Estado e o MP e com os correspondentes recursos de contrapartida a cargo do Estado. (PERNAMBUCO, 2006).
Logo, o PNAGE-PE possui como um de seus princípios a gestão por resultados, um dos pressupostos da administração gerencial em Pernambuco. Esse seria um marco da Gestão Eduardo Campos, pois alia a reforma administrativa do Estado para instituir, em 2008, o Programa de Modernização da Gestão Pública: metas para educação - PMGP/ME3, dando início à reforma da educação no estado. O PMGP/ME explicita os anseios da gestão da educação em Pernambuco a partir dos objetivos estratégicos e ações prioritárias traçadas. São elas: ampliar o acesso à educação, melhorar a qualidade social e valorização da cultura. A identidade estratégica adotada pelo sistema público de ensino tem como principal compromisso a educação de qualidade social em Pernambuco.
A partir do programa, o processo de reforma na área da educação teve como objetivo: “elevar os indicadores sociais, consolidando a prática democrática e a participação popular nas unidades educacionais, baseados em diagnóstico, planejamento e gestão” (CAVALCANTI, 2011, p. 80). Vale observar que a proposta do PMGP/ME se apresenta como resposta aos baixos índices de desempenho no IDEB de Pernambuco - “o pior IDEB Brasil no ensino fundamental de 5ª a 8ª série (2,4)”, estabelecendo como meta alcançar a média de seis pontos (6,0) no IDEB até 2021 (PERNAMBUCO, 2008a; 2012). Dessa forma, os programas demonstram a ideia de políticas públicas baseadas na normatização para pensar também as políticas educacionais amparadas na regulação estatal vinculada aos organismos financeiros internacionais como resposta à ideia instaurada de crise.
Para que a política de responsabilização se efetive, é necessária a pactuação dos objetivos estratégicos em torno das perspectivas de modernização desse Estado gerencial. Leia-se que esse novo modelo de gestão gerencial se consolida como política de Estado e não de governo, ao ser sancionada a Lei Complementar nº 141/2009 (PERNAMBUCO, 2009), sendo isso um marco para o governo num movimento de reforma gerencial e implantação do que se denomina “Estado do Fazer”. O referido modelo integrado de gestão é composto pela combinação de quatro sistemas: sistema de controle social; sistema de planejamento e gestão; sistema de gestão administrativa; e sistema de controle interno. Trata-se de organização sistêmica que adota ferramentas de gestão: metodologias e práticas gerenciais desenvolvidas nas áreas da ciência da administração, aplicáveis ao setor público (PERNAMBUCO, 2009).
Assim, dentro das ações de modernização da gestão pública estadual, para viabilizar a Política de Responsabilização Educacional (PERNAMBUCO, 2008a; 2012), fazem- se necessárias no sistema de ensino quatro condições: I) objetivos educacionais e metas claras por escolas - segundo descrevem o Termo de compromisso e o IDEPE como referência para as metas de qualidade pactuadas; II) sistema próprio de avaliação - como descreve o SAEPE; III) sistema de incentivos - o BDE estipula uma bonificação pelo alcance das metas; e IV) sistema de monitoramento para acompanhamento e melhoria dos indicadores de processos e de resultados. E através dessas medidas adotadas a partir do Programa de Modernização da Gestão para a Educação (PMGP-ME), no governo Campos (2007-2010), consolida-se a responsabilização educacional em Pernambuco.
Ao tratar das políticas públicas de responsabilização na educação, Freitas (2012) critica a base das reformas educacionais no Brasil, por ser conduzida pela lógica do mercado e princípios próprios do gerencialismo da iniciativa privada. Assim, a formulação de políticas educacionais é afetada por novos atores e soluções objetivas que expressam demandas empresariais. Freitas (2012) também destaca que essas “soluções” estão em curso no Brasil e no exterior, tendo os Estados Unidos como inspiração, com proposições numa espécie de “teoria da responsabilização” gerencialista e verticalizada.
É relevante hoje compreender que, no Brasil, o desenho da política educacional baseada em accountability traz uma série de consequências sobre avaliação e bonificação, entre outras. Na medida em que os números se tornam importantes para que os Estados monitorem, orientem e reformem seus sistemas educacionais, esse discurso se converge em políticas que prezam pela garantia da qualidade e avaliação. E ainda que o objetivo da política seja a “garantia” de qualidade, é questionável submeter tais projetos à pretensão de medir, comparar e avaliar conhecimentos/padrões de aprendizagem para alcançar a medida/comparação/avaliação de pessoas (LOPES, 2015, p. 455).
Assim, a construção da política - de responsabilização - possui uma dimensão gerencial pertencente ao ideário neoliberal e que se fortalece no jogo do perde ou ganha, “na ideologia da competição e dos resultados (“ser referência nacional”)” (SANTOS, 2010, p. 87). Se todos podem ser um vencedor, o perdedor é igualmente necessário à sentença.
Pernambuco encontra-se neste grupo. Com um modelo de gestão baseada em metas e em resultados, a Secretaria de Educação, tem como objetivo melhorar os indicadores educacionais do Estado, contribuindo para que a rede estadual de ensino alcance a meta de seis pontos no IDEB, em 2021, no Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Esta meta é mais elevada do que a apresentada pelo MEC a Pernambuco, e visa tornar as escolas estaduais uma ‘referência nacional em educação de qualidade social até 2014’, conforme explicitado no planejamento estratégico da Secretaria de Educação de Pernambuco. (PERNAMBUCO, 2012, p. 20).
Cabe destacar alguns aspectos: a SEE estabelece um contrato de gestão através do termo de compromisso assinado pelos gestores escolares para pactuar as metas, de forma a articular toda a reestruturação do sistema de ensino, a avaliação, índices, divulgação de resultados como padrões de desempenho e a bonificação, como arremate na responsabilização pelo qual se vinculam os elementos anteriores dessa política. Ball (2014) critica o contratualismo estendido ao processo educacional, sendo este um componente da economia do conhecimento, ou seja, a mercantilização do conhecimento.
A transformação do ensino e da aprendizagem em produtos calculáveis gera informações de mercado para seletores, habilita o Estado a “escolher” os de baixo desempenho e torna possível traduzir o trabalho educacional, de todos os tipos, em contratos articulados de entrega de desempenho [...]. O contrato social dentro do qual o profissional trabalha, pelo interesse público, é substituído por relações comerciais entre educador, cliente e empregador. (BALL, 2014, p. 68-69).
Ademais, Ball (2014, p. 74) acrescenta que a construção discursiva de salvacionismo está presente nas redes de discurso e de influência indicando “um conjunto de técnicas de governar, que têm o efeito de “modernizar” ou neoliberalizar o setor público e suas instituições”. São propostas políticas como escolha da escola, vouchers, gestão descentralizada, gestão de desempenho etc. E por isso faz uma convocação:
[...] precisamos entender, pesquisar e reagir ao neoliberalismo não como ideias abstratas, mas como um discurso, no sentido completo da palavra - um conjunto de práticas e subjetividades que são realizadas em formas ‘realmente existentes’ e corriqueiras em diferentes locais e contextos. (BALL, 2014, p. 74).
Sobre a ideia de salvacionismo como ‘venda de melhoria’ (BALL, 2014), essa se constitui de métodos e modelos de negócio de gestão de mudança que estão sendo vendidos como necessidades de mudança - uma construção retórica de modernização - numa linguagem gerencialista de autoeficácia que faz parte das estratégias educativas globais. Para Ball (2014, p. 185), apesar da interpretação e da modificação das políticas em âmbito nacional e local, “há claramente agora algo que podemos chamar de ‘política educacional global’ - um conjunto genérico de conceitos, linguagens e de práticas que é reconhecível em várias formas e está à venda!”. Podemos citar accountability, gestão de desempenho, resultados, competitividade, modernização, responsabilização, entre outros.
A política de responsabilização para alcance dos índices de desempenho escolar tem colocado professores, gestores e estudantes num campo de tensões entre a autonomia e o controle. Reside na centralidade dos sistemas de avaliação a obrigação de alcance de determinados resultados, como uma nova forma de gestão do Estado e da escola que, por fim, estabelece uma dinâmica de concorrência na remuneração do professor, que é em parte dependente do desempenho do estudante (OLIVEIRA; VIEIRA; AUGUSTO, 2014, p. 531).
Trata-se do processo de influência da retórica de organizações internacionais, no qual a crise do ideal de igualdade de oportunidades é deslocada para a demanda por igualdade de resultados, dentro de um movimento por justiça escolar. Portanto, a obrigação de resultados seria uma parte da definição dessa justiça escolar, pactuada como prestação de contas ao Estado do dinheiro investido e da qualidade do serviço ofertado (OLIVEIRA; VIEIRA; AUGUSTO, 2014, p. 536).
No centro do debate em que se discute a qualidade da educação pública, ficam evidenciados mecanismos de classificação e controle - exames, testes, auditorias, laudos, inspeções, avaliações, gestão de desempenho - que são o objeto de lutas simbólicas nas políticas educacionais. Ocorre uma articulação contingente de demandas por modernização da gestão, qualidade social, valorização docente, testagem e accountability como parte da significação do termo “responsabilização”.
A representação de qualidade a partir da análise de políticas curriculares está muito próxima dos objetivos da avaliação, ora visando à produtividade do ensino, ora por uma educação que promova transformação social. Qualidade torna-se um termo ambíguo com funções significativas diferenciadas dentro de um mesmo sistema discursivo, utilizado num arranjo estratégico para significação política. Para além da demanda por qualidade, podemos perceber um processo de construção de significação articulado pela ideia de falta ou melhoria, para atender a uma delimitação discursiva de modernização e responsabilização, ambas atribuídas à educação.
A defesa da modernização da gestão pública e o crescimento da competitividade nacional no Brasil podem ser percebidos na atuação do setor empresarial na educação, a partir de projetos como: o Movimento Brasil Competitivo (MBC), que atua principalmente no campo da reforma do Estado; e o Movimento Todos pela Educação (TPE), que articula o desenvolvimento desse projeto no setor educacional (SILVA, 2013, p. 10). Esse argumento de desenvolvimento da competitividade nacional através da educação tem justificado nas políticas recentes a incorporação das demandas do capital, bem como dos mecanismos de responsabilização educacional.
Dessa forma, o modelo de gestão adotado em Pernambuco alia os preceitos empresariais e outras demandas de organismos internacionais para consolidar do ponto de vista político seu projeto hegemônico de modernização a partir da reforma do Estado. Por isso, a compreensão desse modelo de gestão se torna relevante, bem como as demandas que se convergem em pressupostos para a configuração da política educacional vigente. Isso tornou a gestão do governo Campos uma vitrine partidária desde então (SILVA, 2013, p. 68).
Além de aderir à gestão pública por resultados que utiliza metas anuais pré-fixadas, metas fiscais para melhoria dos indicadores de qualidade de vida como descreve a Secretaria de Planejamento e Gestão (SEPLAG), que coordena as ações em parceria com as demais áreas do governo para sua efetivação, o modelo de gestão
[...] denominado Todos por Pernambuco - Gestão Democrática e Regionalizada, constitui-se num poderoso instrumento que permite, a um só tempo: a) a existência de um diálogo eficiente com a sociedade, na escala regional e na escala estadual; b) uma visão nítida da estratégia adequada para cada região do estado; c) o foco em resultados através da utilização da gestão por processos, adotando a estruturação do ciclo do PDCA, que considera as fases de P - Planejar (formulação); D - Desenvolver (executar e monitorar); C - Controle (análise e avaliação) e A - Ação Corretiva (revisar o plano). (PERNAMBUCO, 2008b, p. 6).
Em Nota Técnica, o BID aponta que essa reforma gerencial e metas referem-se aos processos e produtos gerados pelo governo, principalmente em três setores, segurança, saúde e educação, que incorporam o modelo de resultados. Esses setores firmaram pactos de desempenho, definindo metas de resultados a serem alcançados pelas instituições prestadoras dos serviços que integram o governo estadual, excluindo os prestadores de serviço municipal. Em síntese, a nova abordagem gerencial possui três preocupações centrais: (i) responsabilização dos gestores; (ii) garantia de coesão em toda a administração e (iii) obtenção de resultados para os cidadãos (BID, 2014, p. 3).
Com aporte nos estudos de Bhabha (1998, p. 203), podemos observar que se configura nesse projeto uma “metáfora progressista da coesão social moderna”, que reproduz uma falsa ideia de sociedade reconciliada, sendo uma expressão dessa contrariedade social. E assim como aponta Macedo (2015), ao questionar o sentido de nacional ou de estado ampliado que promove um conceito único de realidade como “metáfora progressista da coesão social moderna”, ao buscar representar um sistema de inclusão total “somos todos um”, ou nesse caso “Todos por Pernambuco”, a iniciativa do Governo do Estado se estabiliza na exclusão da diferença.
Dessa forma, admite-se que não há sistema de inclusão total que se estabilize sem a exclusão (LACLAU, 2000 apudMACEDO, 2015, p. 904), nem tampouco, a redução da diferença à diversidade que classifica, assimila e exclui (SAID, 1978; BHABHA, 1998apud MACEDO, 2015, p. 904). “Não são apenas os diferentes que são privados de suas vidas para se enquadrarem na mesmidade universal, todos perdem o seu direito à diferença ao serem integrados na promessa de todos como um” (MACEDO, 2015, p. 897-898). Isso leva à reflexão sobre as negociações de significados no interior do discurso da política e de que forma este produz fixações outras, sobre cultura e identidade.
O Governo do Estado realiza o projeto de modernização da gestão pública tendo como eixo central o desenvolvimento do modelo gerencial Todos por Pernambuco (TPPE) já citado. Essa iniciativa exerce papel essencial na estruturação das ações do Estado com atuação fundamental do governador Eduardo Campos nesse processo de modernização. Santos (2010, p. 87) diz que “são recorrentes esses dois imaginários: um da quantofrenia5 (no que diz respeito ao mundo ordenado e controlado) e a ordem visível do poder da cultura política local: o Patriarca”. Hoje, condensam-se nesse projeto a obsessão por resultados e a determinação que evoca a figura política de Eduardo Campos.
Portanto, o PMGP-ME contém a definição da identidade estratégica da Secretaria de Educação:
Implantamos uma política de Estado, onde as ações são dirigidas para todos, com metas que ultrapassam gestões de Governos. Estamos implantando um Modelo de Gestão que tem foco em resultados e que na área da educação significa o meio mais eficaz para alcançarmos melhores indicadores sociais, diminuindo as taxas de repetência e evasão escolar, de analfabetismo e, sobretudo, proporcionando uma educação de qualidade às crianças e jovens pernambucanos, onde todos tenham direito de aprender e evoluir. (PERNAMBUCO, 2008a, p. 3).
O documento citado refere-se apenas à educação, mas o Programa de Modernização da Gestão Pública, como gestão baseada em metas e resultados, integra a administração pública do estado. A questão da eficiência é um fator preponderante num sistema de gestão de responsabilização educacional estabelecido através do modelo de gestão para resultados. A descrição do modelo de gestão se fez necessária para esclarecer a estruturação da ideia de modernização em Pernambuco e as estratégias de governo que atuam nesse modelo gerencial TPPE, visando ao cumprimento de suas medidas ao longo dos três últimos planos governamentais, via pactos de resultados referentes às metas prioritárias anualmente junto aos dirigentes das secretarias e entidades da administração do estado.
Considerações finais
Ao investigar um projeto educacional, observamos não apenas a formação e continuidade através de política pública de uma demanda social particular, mas examinamos também as práticas de articulação para se tornar um projeto hegemônico. Como salienta Southwell (2014), a partir da leitura de Laclau, identificamos nos projetos educacionais duas características que se dão no campo da hegemonia como um efeito discursivo:
1) pretensão de totalidade: todo projeto pedagógico pretende assumir o horizonte total de valores e padrões culturais de uma sociedade particular, em um dado momento; 2) pretensão à representação: para alcançar uma ordem de completude, os projetos educacionais são construídos sobre a noção de transformação social. (SOUTHWELL, 2014, p. 139).
A educação vincula-se diretamente aos projetos políticos de cada sociedade, mas na análise social deve-se considerar a noção de sobredeterminação para não recair numa análise de causa e efeito, atentando para a multiplicidade de articulações possíveis, inclusões e exclusões discursivas nas práticas sociais, antagonismos e configurações de identidades sociais que se constituem no resultado de uma relação hegemônica. Seguindo esses apontamentos, as políticas educacionais devem ser entendidas como o resultado de uma complexa dinâmica sobredeterminada e permeada por processos de significação que constituem sujeitos.
Para retomar um exemplo já citado sobre o conceito de civilização como ponto nodal na história educacional do Ocidente, esse mito civilização que se contrapõe à barbárie apresenta-se como a representação de uma ideia que constitui um horizonte de demandas e ações possíveis, tornando o mito em imaginário social (SOUTHWELL, 2014, p. 140). Esse mesmo sentido do imaginário permite pensar as dinâmicas sociais em termos da ilusão de completude ou a ilusão de plenitude como um horizonte possível de totalização e que gera modos de identificação e novas relações sociais.
Do mesmo modo, o conceito de responsabilização na política educacional pernambucana vislumbra a qualidade como horizonte almejado e modifica profundamente as relações no âmbito educacional. Southwell (2014) ainda reforça que os sistemas educacionais em distintos momentos históricos transmitem e difundem mitos que cultivam certas ideias e ordens sociais. Esse espaço mítico pode apresentar-se tanto como alternativa ao discurso estrutural dominante, como uma imagem.
A eficácia do mito é essencialmente hegemônica: consiste em constituir uma nova objetividade através da rearticulação de elementos deslocados. A condição de emergência de um imaginário é a metaforização do conteúdo literal de certa reinvindicação social. Na medida em que co-existem [sic], cada vez mais, deslocamentos não integráveis a este espaço de representação, o espaço é, por assim dizer, reliteralizado, sua capacidade metaforizante diminui e perde, portanto, sua dimensão de horizonte. (SOUTHWELL, 2014, p. 141).
Portanto, compreender a política de responsabilização enquanto prática hegemônica coloca como marco para a pesquisa os significados sociais compartilhados através da política educacional como prática discursiva da qual fazem parte posicionamentos diferenciais. Assim sendo, ao visibilizar essa composição política hegemônica, evidenciamos o seu processo de emergência na realidade educacional retratada na última década em Pernambuco, mas também revelam-se os deslocamentos e substituições de sentidos, conquistas e retrocessos dessas relações de poder que adentram o social.