Introdução
O Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), fruto de esforços de dirigentes, docentes e discentes, representa a consolidação de uma luta enquanto direito social (RECKTENVALD; LAURO; PEREIRA, 2018; SOUZA; COSTA, 2020). Trata-se de uma política governamental que objetiva promover a inclusão social, democratizar as condições de permanência dos estudantes, diminuir a evasão e o baixo desempenho em Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) (ANDRADE; TEIXEIRA, 2017).
Regulamentado pelo Decreto nº 7.234/2010 (BRASIL, 2010), o PNAES é o principal documento norteador da construção das políticas de assistência aos graduandos das IFES (ARAÚJO et al., 2019; PALAVEZZINI, 2021). Embora houvesse indícios precursores da assistência estudantil desde 1930, eram as IFES que desenvolviam a assistência estudantil individualmente e caracterizadas por um processo permeado por descontinuidades (SCHER; OLIVEIRA, 2020). É necessário destacar que antes do PNAES não existia um dispositivo legal e/ou um programa governamental, que garantisse a permanência de estudantes socioeconomicamente vulneráveis após o ingresso na graduação (LIMA; MENDES, 2020).
O PNAES, enquanto política pública, ganhou destaque a partir da mudança do perfil dos estudantes de graduação das universidades e institutos federais, ocasionado também pelas políticas afirmativas (MACEDO; SOARES, 2020). Para tal, o PNAES passou a destinar recursos orçamentários para a assistência estudantil das IFES, contemplando dez áreas de atendimento aos estudantes de baixa renda, que são: moradia estudantil, alimentação, transporte, assistência à saúde, inclusão digital, cultura, esporte, creche, e apoio pedagógico (BRASIL, 2010). O perfil dos assistidos, segundo a Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES), atualmente é composto, majoritariamente, por aqueles com renda mensal familiar de até um e meio salário-mínimo per capta (ANDIFES, 2019).
Os propósitos do PNAES apontam sua importância para o acesso de jovens de baixa renda à educação superior. Por outro lado, compete às IFES a implementação do programa em suas esferas. Diante do exposto, o presente trabalho tem por objetivo avaliar a efetividade do PNAES no contexto dos discentes das primeiras turmas do Campus Janaúba da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Propõe-se, por meio de um estudo de caso quantitativo, avaliar o desempenho dos estudantes entre os anos de 2014 e 2019, a partir dos indicadores de coeficiente de rendimento acadêmico, taxa de diplomação e índices de evasão escolar.
Na avaliação, foram utilizadas amostras de três grupos: bolsistas, alunos que não solicitaram auxílio e que solicitaram auxílio do PNAES, mas não receberam. Por meio de uma análise comparativa, foi avaliado se o programa foi um elemento contributivo para o desempenho e permanência dos estudantes.
Os resultados desta avaliação têm o potencial de fornecer elementos que dialoguem com o art. 5º, inciso II, do Decreto nº 7.234/2010, que salienta sobre obrigatoriedade das IFES em desenvolver mecanismos de acompanhamento e avaliação do PNAES.
Dimensões avaliativas das Políticas de Assistência Estudantil
A avaliação institucional é considerada um instrumento de relevância na busca da qualidade e eficiência na educação superior. A avaliação é vista como importante mecanismo para o planejamento das políticas públicas e controle dos recursos investidos na educação (OLIVEIRA et al., 2013). Por meio dela, o Estado tem a oportunidade de refletir acerca de suas potencialidades, desafios e fragilidades, além de traçar, com maior clareza, um planejamento capaz de auxiliá-la na prestação de contas à sociedade (DIAS SOBRINHO, 2010).
Apesar do PNAES ser um programa nacional, cada IFES tem a autonomia para utilizar os recursos disponibilizados conforme as suas necessidades. Lima e Mendes (2020) apontam que a avaliação da implantação do PNAES é geralmente construída a partir da realidade específica de uma instituição. Isso traz diferenças entre as práticas dessas instituições inclusive quanto a cultura de avaliação desta política. De acordo com Eloi (2018), elas encontram dificuldades para realizar avaliações, fundamentais para a verificação das metas e o cumprimento dos objetivos do programa.
Para Lima e Mendes (2020) a discussão sobre a avaliação do PNAES nas IFES ainda ocorre de forma timidamente conhecida e debatida no campo científico, principalmente após a criação, expansão e interiorização das instituições. De acordo com Imperatori (2017) há uma escassez de dados sobre as ações de assistência estudantil, apenas constando informações pulverizadas. O autor conclui que os dispositivos de avaliação ainda são escassos. Da mesma forma, Santos (2016), em uma revisão integrativa sobre o tema, identificou fragilidades na definição de metas e indicadores consoantes às instituições.
Diante do exposto, evidencia-se a necessidade de ampliar os dados sobre a efetividade do PNAES nas instituições. Reitera-se a relevância da avaliação das ações em assistência estudantil frente aos objetivos de inclusão social, diminuição da evasão e da retenção. Para tal é necessária a definição de indicadores para possibilitar a avaliação. A estratégia evidencia se essa política pública de assistência estudantil tem sido eficaz, bem como uma ferramenta útil para o planejamento, monitoramento e correções de eventuais falhas na execução do Programa.
Nesse sentido, o desempenho acadêmico é objeto de atenção das políticas públicas por ser um indicador acessível para diagnóstico e monitoramento da retenção no ensino superior. Esse indicador vai ao encontro dos objetivos do PNAES, uma vez que este programa visa permitir não somente a permanência, mas a diplomação desses alunos (IMPERATORI, 2017). O baixo desempenho pode impactar fatores de ordem pessoal e acadêmica, comprometendo a formação do estudante, seja por prolongar em demasia o tempo para finalizar o curso, ou ainda pior, corroborar para a evasão (ANDRADE; TEIXEIRA, 2017).
A mensuração da taxa de coeficiente de rendimento e da taxa de concluintes no tempo adequado, bem como da taxa de evasão dos beneficiários do PNAES e dos não beneficiários é um caminho possível para averiguar a efetividade do PNAES frente aos resultados pretendidos (ELOI, 2018).
Metodologia
A metodologia científica estruturada neste projeto foi compreendida por um estudo de caso. A escolha do método se justifica por possibilitar uma análise em diversos ângulos sobre o ambiente o qual a amostra está inserida (ROESCH, 1999). Nesse sentido, o caso investigado foi o universo de todas as matrículas (1.195) dos discentes, situados no Campus Janaúba da UFVJM, entre o período de 2014 (início do campus) até o final do ano de 2019.
A justificativa para a escolha do recorte empírico ocorre por se tratar de um contexto universitário recente, criado em 2014, e localizado em uma região geográfica marcada por um perfil socioeconômico de baixa renda.
Para a coleta de dados foi consultado o Sistema de Gerenciamento Acadêmico (e-campus) da instituição. Foram buscados dados sobre o Coeficiente de Rendimento Acadêmico - CRA, a taxa de alunos diplomados e evadidos do campus. Além disso, juntamente à Pró-reitoria de Assuntos Comunitários e Estudantis (PROACE) da instituição, foi feito levantamentos nos editais e resultados semestrais da Assistência Estudantil, separando as matrículas entre beneficiados, concorrentes não contemplados e não concorrentes. O período em que ocorreu a coleta dos dados foi entre os meses de novembro de 2019 a dezembro de 2020.
Os dados foram tabulados e tratados através do Software Statistical Package for the Social Sciences, que possibilitou por meio de ferramentas estatísticas descritivas, transformar os dados quantitativos em informações relevantes em função da compreensão do tema.
A análise dos dados foi importante na obtenção das informações levantadas, que foram confrontadas nas seguintes categorias de análise: Coeficiente de Rendimento acadêmico, taxa de diplomação e índices de evasão entre os bolsistas, os concorrentes não beneficiados e os não concorrentes.
Preceitos éticos e sigilo da identidade dos pesquisados
Os dados coletados respeitaram aos preceitos éticos da pesquisa e preservação do sigilo de informações e identidade dos pesquisados. As permissões para consulta aos arquivos dos respectivos setores e diretorias responsáveis foram solicitadas, e tiveram as permissões concedidas. O referido projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa, em 29 de agosto de 2019, e foi aprovado pela comissão em 03 de setembro do mesmo ano.
Breve histórico das matrículas da UFVJM Campus Janaúba
A Universidade Federal dos Vales de Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) é oriunda da Faculdade de Odontologia de Diamantina, fundada no ano de 1953, pelo então Governador do Estado. Ao longo das décadas, outros cursos foram sendo incluídos, se transformando na UFVJM, em 2005, por meio da Lei 11.173 (BRASIL, 2005).
A proposta de expansão da UFVJM para o Norte de Minas Gerais foi aprovada em 2011, fruto da adesão ao Programa Reuni. Neste processo, em 2014 foi criado um campus na cidade de Janaúba. O curso superior ofertado no Campus foi o Bacharelado em Ciência e Tecnologia (BC&T), com duração mínima de três anos. Após a formação básica, o estudante pode optar pela continuidade, a partir da adesão em um dos cursos de Engenharia Física, Engenharia de Minas e Engenharia de Materiais, com a duração mínima de mais dois anos.
Referente à assistência estudantil na UFVJM, o campus de Janaúba iniciou as suas atividades alinhadas com as diretrizes do PNAES, ofertando: auxílio emergencial (benefício excepcional e temporário); Auxílio Creche (concedido a discentes que possuírem dependentes legais com até 4 anos incompletos); Auxílio Material Pedagógico (consiste no empréstimo de materiais de alto custo aos beneficiários do PAE); Auxílio Manutenção (concedido com a finalidade de auxiliar o discente nos seus gastos com alimentação e transporte); Bolsa Integração (auxílio financeiro em que o aluno deverá estar ligado a um projeto disponibilizado pela Universidade).
Quanto ao histórico de vagas no Campus Janaúba, do ano de 2014/01 até o ano de 2018/02 foram ofertadas 200 vagas para cada semestre letivo. A partir do ano de 2019/01, em vista das limitações de estrutura, as vagas foram reduzidas para o total de 120 por semestre. Os dados mostraram que das 2240 vagas ofertadas para ingresso no BC&T, desde o seu início (no ano de 2014) até o final de 2019, foram preenchidas 1195 vagas, o que equivale a 53,3% do universo ofertado.
A ociosidade no número de vagas nas IES brasileiras também foi percebida no último Censo da Educação Superior com os dados até o ano de 2019. Os dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) apontam que das 16.425.302 vagas novas e remanescentes ofertadas, incluindo públicas e privadas, apenas 22,1% preenchidas (INEP, 2021). Especificamente no caso das IFES, esses números são maiores, indicando uma taxa de 74,8 % de ocupação, o que coloca a realidade do Campus UFVJM, abaixo da média nacional das federais na efetivação das vagas disponíveis.
Do universo das 1195 matrículas entre os anos de 2014 e 2019 no Campus Janaúba, registrou-se 276 beneficiários do Programa de Assistência Estudantil. Este número indica que somente 23,1% das matrículas foram contempladas com algum benefício (Tabela 1).
Beneficiário | Frequência | % |
NÃO | 919 | 76,90% |
SIM | 276 | 23,10% |
Total | 1195 | 100,00% |
Fonte: elaborada pelos autores, 2021.
Ao aprofundar no histórico das 919 matrículas que não fizeram uso da assistência estudantil, observou-se, por meio da consulta dos inscritos nos editais, que 43,4% solicitaram algum tipo de bolsa ao longo do período de 2014 e 2019, porém não foram contemplados (Tabela 2).
Solicitou bolsas | Frequência | % |
NÃO | 520 | 56,50% |
SIM | 399 | 43,40% |
Total | 919 | 100,00% |
Fonte: elaborada pelos autores, 2021.
Os dados da pesquisa não permitem compreender se os candidatos não atenderam aos critérios dos editais, foram desclassificados por ausência de documentos e/ou equívocos na sua apresentação, ou ainda, se atenderam às exigências, mas no ranqueamento obtiveram menores pontuações em relação aos demais. O que fica evidente é que a concorrência pela assistência estudantil tem sido maior do que o número de bolsas ofertadas, o que aponta para a não cobertura da assistência em relação àqueles, que em tese, alegaram algum de necessidade de assistência estudantil.
Em consonância, os dados da Andifes (2019) indicam que 66,19% dos estudantes matriculados nas instituições federais de ensino se enquadram no público-alvo de programas de assistência estudantil, por pertencerem a famílias cuja renda é de até 1,5 salário-mínimo per capta. Ainda que não se tenha elementos para inferir que o Campus de Janaúba siga as tendências nacionais, merece destacar as críticas ao PNAES por Vieira (2015) e Gazotto (2014) de que o aumento orçamento com a criação do programa, até o momento, não acompanha a elevação das demandas. Isso indica que, se o orçamento não se elevar (e o que se tem observado nos últimos cinco anos é o contrário), o programa pode se limitar a ações focalistas, seletistas e fragmentadas, não atendendo a todos que dela necessitam.
Apesar de suas limitações estruturais, para compreender melhor os impactos dos recursos destinados e/ou não atendidos para a permanência e desempenho dos estudantes da UFVJM-Campus Janaúba, as seções a seguir, irão analisar os desempenhos acadêmicos, taxas de diplomação e evasão entre os grupos contemplados e não concorrentes do PNAES.
Indicadores de rendimento acadêmico entre bolsistas e não beneficiados
O coeficiente de rendimento acadêmico da UFVJM é um índice usado para medir o desempenho dos discentes em cada período letivo. Disponível no sistema de gerenciamento acadêmico, ele é calculado pela média ponderada dos pontos obtidos no período letivo, expresso na seguinte fórmula:
CRA = Σ (RF x CR)
Σ CR
Em que:
CRA = Coeficiente de Rendimento Acadêmico
RF = Resultado Final na Disciplina
CR = Número de créditos da disciplina.
A partir de uma análise estatística descritiva com base no CRA gerado pelo sistema da UFVJM e no cálculo do desvio padrão, os resultados da pesquisa indicam que a média das notas entre as matrículas que receberam o auxílio obtiveram um desempenho significativamente superior (52,0) aos que não receberam nenhum dos benefícios, ao longo do período (37,9 entre os não concorrentes e 44,8 entre os não beneficiados) (Tabela 3).
Histórico da matriculada | Média | Frequência | Desvio padrão |
Beneficiados | 52,0 | 276 | 17,9 |
Não concorrentes | 37,9 | 520 | 24,9 |
Concorrentes não beneficiados | 44,8 | 399 | 23,5 |
Fonte: elaborado pelos autores, 2021.
Os números apontam também que além do desempenho médio mais elevado, os bolsistas apresentaram menor desvio padrão (17,9) em comparação com aos não concorrentes (24,9) e concorrentes não beneficiários (23,5). Assim, indicando notas mais homogêneas entre os beneficiários.
Para compreender melhor a distribuição das notas entre os grupos, utilizou-se da estratificação a partir de quartis. Os dados apontam que os bolsistas apresentaram medianas maiores em todas as faixas de quartis em relação aos grupos dos não beneficiados (Tabela 4), corroborando as evidências no desvio padrão e indicando uma pontuação regular média mais elevada no Campus.
Beneficiários do PAE | Concorrentes ao PAE que não foram beneficiados | Não concorrentes ao PAE | ||||||
Frequência | 276 | Frequência | 399 | Frequência | 520 | |||
Quartil | 25 | 39,1 | Quartil | 25 | 28,2 | Quartil | 25 | 20,2 |
50 | 55,1 | 50 | 46,2 | 50 | 36,0 | |||
75 | 66,1 | 75 | 65,2 | 75 | 59,4 | |||
100 | 87,1 | 100 | 92,5 | 100 | 93,0 |
Fonte: elaborada pelos autores, 2021.
Os resultados permitem estabelecer uma correlação positiva entre o uso dos benefícios de assistência estudantil e as melhorias nas notas dos estudantes, durante o período analisado. A relação fica mais evidente quando comparada com os estudantes que receberam a bolsa e os que se candidataram e não foram contemplados.
Semelhanças também foram registradas nas pesquisas de Cavalcanti (2016), Barbosa (2017), Silva e Haas (2019) e Cespedes et al (2021) acerca dos impactos do PNAES entre bolsistas e não beneficiados. Os achados registraram que os primeiros, possivelmente pelas ações de assistência estudantil, obtiveram desempenhos similares e/ou superiores (no coeficiente de rendimento, reprovação), em média, aos não beneficiados.
Proeminente também foi a investigação de Mauricio (2019) que comparou os rendimentos acadêmicos com as questões orçamentárias. Os resultados apontam para uma correlação direta entre as variáveis, na qual, os períodos em que se houve a redução dos benefícios concedidos, na instituição analisada, houve queda na média do coeficiente de rendimento acadêmico.
Isso pode levantar, enquanto hipótese, que o auxílio é um facilitador para as condições de inclusão social, refletindo, assim, em melhorias acadêmicas daqueles, desprovidos de recursos materiais. Não é por menos que o PNAES apresenta, enquanto um dos seus objetivos, no artigo 4, viabilizar a igualdade de oportunidades entre os estudantes e contribuir para a melhoria do desempenho acadêmico (BRASIL, 2010).
Por outro lado, os resultados indicaram também uma relação inversa entre os que não foram contemplados com bolsas e os que não solicitaram. Em tese, esperava-se que o primeiro grupo, que alegou carências, refletissem as desigualdades sociais em menores desempenhos acadêmicos. Isso, no entanto, não foi registrado, já que mesmo nas adversidades obtiveram notas melhores aos não concorrentes, o que coloca para o campo a importância de explorar outras variáveis na relação do desempenho acadêmico.
Na literatura já existe um volume expressivo de trabalhos que indicam que os cotistas, mesmo nas adversidades estruturais, registram menores taxas de evasão, superiores índices de diplomação e rendimento acadêmico similar à concorrência ampla (PINHEIRO et al., 2021). Se considerar que este grupo é o público-alvo das políticas de assistência estudantil, em tese, se esforçam por se manter na universidade e para apresentar rendimentos satisfatórios, em vista das menores oportunidades em relação aos demais. Porém, por se tratar apenas de uma hipótese, essa correlação merece investigação, principalmente a partir de pesquisas empíricas que tratem do perfil do grupo de estudantes não contemplados pela assistência estudantil.
Indicadores de Diplomação entre bolsistas e não beneficiados
Ao se analisar o universo de matrículas no Campus de Janaúba com o tempo mínimo necessário para colar grau na formação básica interdisciplinar (seis semestres), constatou-se que do total de 1195 matrículas, 868 apresentavam o tempo de inclusão mínimo para a diplomação. No entanto, apenas 125 estudantes colaram grau entre o período de 2016/02 até 2019/02, o que representa um percentual de 14,4% na UFVJM (Tabela 5).
Colaram Grau? | Frequência | % |
NÃO | 743 | 85,60% |
SIM | 125 | 14,40% |
Total | 868 | 100,00% |
Fonte: elaborada pelos autores, 2021.
Especificamente sobre a realidade das universidades federais, os dados do INEP (2021) mostram que entre 2010 e 2019, a taxa de conclusão acumulada foi de 46%. Apesar do indicador nacional se basear em um período longitudinal e acumulativo maior do que os dados apresentados da UFVJM, no entanto, não invalidam a realidade do Campus Janaúba que se colocam bem abaixo (14,4%) das métricas nacionais. Isso aponta para a necessidade de investigações que compreendam as suas singularidades e/ou revisão das suas políticas de ofertas de cursos e acompanhamento das demandas dos discentes.
No que se refere ao perfil das matrículas dos concluintes, observou-se que dos 125 diplomados, 50 foram bolsistas da assistência estudantil e 72 não receberam nenhum benefício durante a graduação. Destes, 38 não concorreram a nenhum processo de seleção do programa, e 34 concorreram, mas não foram selecionados (Tabela 6).
Histórico do graduado | Frequência dos graduados | Aptos a graduarem | Percentual por grupo diplomado |
Beneficiário | 50 | 196 | 25,5% |
38 | 444 | 8,5% | |
Não concorrentes | |||
34 | 228 | 14,9% | |
Concorrentes não beneficiários | |||
Total | 125 | 868 | Não se aplica |
Fonte: elaborado pelos autores, 2021.
Os resultados da pesquisa sobre a diplomação registram que os graduados oriundos do auxílio estudantil apresentaram médias superiores, proporcionalmente, aos grupos de estudantes não beneficiados durante a graduação. Merece destaque o comparativo dos beneficiários (25,5%) e não concorrentes (8,5%) para uma diferença de três vezes o percentual de colação, o que reforça o melhor desempenho acadêmico, ao longo da trajetória da graduação dos assistidos.
No caso específico dos concorrentes não beneficiários (14,9%), observou-se a mesma tendência, vista anteriormente, sobre o Coeficiente de Rendimento Acadêmico. As médias de diplomação foram maiores em relação aos não concorrentes (8,5%). No entanto, ao compará-los com os estudantes assistidos durante a graduação (25,5%), observaram-se médias menores na diplomação, o que parece reforçar a hipótese da correlação entre a assistência estudantil e o desempenho acadêmico dos estudantes.
Evidências similares foram diagnosticadas nos estudos de Carvalho (2020) ao analisar a efetividade do PNAES, a partir dos índices de conclusão do curso entre os estudantes do Instituto Federal do Paraná. A autora constatou que entre os concluintes do período de 2015 e 2019, o programa demonstrou ser efetivo, pois proporcionalmente, os percentuais dos concluintes foram maiores entre os assistidos (36,0%) em relação aos beneficiados (18,0%), no tempo mínimo para conclusão.
Outro estudo que traz elementos que reforçam os impactos da assistência estudantil na diplomação foi de Queiroz (2015) na Universidade de Brasília. Apesar de não estabelecer comparações entre beneficiados e não contemplados, a investigação aponta que após a implantação do PNAES na instituição, a média dos discentes formados por semestre aumentou em relação à antes dos programas.
Indicadores de Evasão entre bolsistas e não beneficiados
A evasão, comumente é definida pelo número de alunos matriculados numa instituição que, mesmo não tendo se formado, não renovaram suas matrículas no semestre seguinte. Gilioli (2016) complementa para as suas diferentes formas, como estudantes que não se matriculam, desistência, abandono ou jubilamento. Para este trabalho convencionou-se adotar como evadidos as matrículas na situação de cancelado e/ou desligado.
Conforme se observa na Tabela 7, das 1195 matrículas no BC&T entre os anos de 2014 até 2019, 679 (56,8%) tinham sido canceladas e 65 matrículas tinham sido desligadas do curso (5,4%), o que indica uma taxa de evasão de 62,2% no Campus.
Frequência | Percentual | |
Ativo/Diplomado | 400 | 33,4 |
Cancelado | 679 | 56,8% |
Desligado | 65 | 5,4% |
Trancado | 8 | 0,7% |
Transferido | 6 | 0,5% |
Reopção de curso | 37 | 3,1% |
Total | 1195 | 100 |
Fonte: elaborada pelos autores, 2021.
Ao comparar a taxa de evasão do Campus Janaúba (62,2%) com a realidade das outras 68 universidades federais brasileiras, observa-se que os números estão acima da média nacional, que indicam uma evasão acumulada de 52% entre as matrículas dos períodos de 2010 a 2019 (INEP, 2021).
É importante sublinhar que no caso do Campus Janaúba, o seu recorte temporal é mais curto (2014-2019), o que talvez possa representar que os índices seriam ainda maiores, se comparados com os dados do INEP (2021), entre 2010 e 2019.
Em termos gerais, a literatura aponta que a evasão está relacionada a fatores de ordem contextual, pedagógico e psicológico. Destes, destacam-se: a falta de identificação com o curso, a decepção com o mercado de trabalho ou com a instituição, as dificuldades para conciliar os estudos com o trabalho, o baixo preparo escolar anterior ao ingresso, os altos níveis de exigências dos cursos, as carências de estruturas físicas e materiais, as limitações de didática, qualificação ou engajamento do quadro dos professores, as dificuldades de relacionamento com os pares e professores, a falta de apoio familiar e as dificuldades financeiras (ANDRADE; TEIXEIRA, 2017).
Esta variedade de fatores sinaliza para a importância de um conjunto de ações no combate ao abandono, que estabeleçam intervenções institucionais e pessoais. Nesse contexto, uma das variáveis passa pela importância de se proporcionar condições, como os auxílios de permanência, para viabilizar aos estudantes a conclusão de seus processos formativos (SCHER; OLIVEIRA, 2020). Isso fica evidente na V Pesquisa, realizada pelo FONAPRACE, que aponta que uma das razões centrais que levariam os discentes a evadirem-se, aventadas por 32,8% dos discentes pesquisados, seriam as questões financeiras (ANDIFES, 2019).
Não é por menos que o PNAES apresenta em seu primeiro artigo que a finalidade é ampliar as condições de permanência dos jovens na educação superior federal. Isso perpassa, enquanto objetivo, reduzir as taxas de evasão, como forma de combater as desigualdades sociais e regionais (BRASIL, 2010).
No intuito de compreender os possíveis impactos da assistência estudantil nas taxas de evasão do Campus Janaúba, observou-se que os estudantes beneficiados apresentaram menores percentuais (46%) em relação àqueles que não foram contemplados (52,8%) ou não concorreram às bolsas (78,0%) (Tabela 8).
Histórico da matricula Dos evadidos | Frequência | Percentual por grupos |
Beneficiados evadidos | 127 | 46,0% |
Não concorrentes evadidos | 211 | 52,8% |
Concorrentes não beneficiados evadidos | 406 | 78,0% |
Total | 744 | Não se aplica |
Fonte: elaborado pelos autores, 2021.
Ainda que os dados não permitam estabelecer generalizações, os números pontam para uma relação positiva, entre as bolsas de assistência e as menores taxas de evasão, em especial na comparação entre os bolsistas e os que não foram contemplados, o que pode reforçar a importância da ordem financeira para se manterem nas universidades.
Os achados apresentam semelhanças com as pesquisas de Cavalcanti (2016), Barbosa (2017), Araújo et al. (2019), Correa (2020), Carvalho (2020) e Cespedes et al. (2021) em outras instituições federais do Brasil. Os autores concluíram que os beneficiários do Programa Nacional de Assistência estudantil apresentaram menores taxas de evasão em comparação aos não bolsistas, inclusive, aqueles que solicitaram o recurso e não foram selecionados.
Apesar da sua relevância, Barbosa (2015) e Pessoni (2016), ponderam que não se pode vincular apenas a atual ajuda financeira para a permanência, uma vez que a depender da realidade dos estudantes, as bolsas podem não dar conta de suprir suas carências básicas, levando-os assim, a abandonar os cursos.
No caso específico da UFVJM, mesmo que o número maior de evasão seja percebido em relação aos estudantes não participantes dos processos de seleção, não se pode desprezar o número elevado de evadidos dentre o grupo dos estudantes bolsistas, ou seja, 46% dos beneficiados. Esse resultado aponta para a importância de investigações e ações que possam lidar com esses desafios.
Conclusões
A pesquisa em questão buscou analisar a efetividade do Programa Nacional de Assistência Estudantil na UFVJM - campus Janaúba. Para tanto, tomou como linha temporal os anos de 2014 até 2019, avaliando o desempenho dos estudantes bolsistas e não beneficiários da assistência estudantil.
Os resultados da pesquisa apontaram que os coeficientes de rendimento acadêmico (CRA) dos estudantes beneficiários foram superiores aos demais grupos, tanto nas médias gerais, quanto nas especificações por desvio padrão e quartis entre os grupos analisados.
A mesma tendência se observou nas maiores taxas de diplomação entre os bolsistas e na consequente menor evasão escolar, durante o período analisado. Assim, é possível inferir que os melhores desempenhos, ainda que envolvam outras variáveis, estabelece uma relação positiva entre os auxílios e desempenho acadêmico, o que corrobora com a literatura existente que indica que o PNAES tem cumprido parcialmente os seus objetivos, no que se refere à permanência estudantil.
Enquanto limitações do estudo ressalta-se a análise da efetividade do Programa com base em três dimensões quantitativas. Ao adotar esse recorte, a intensão era aprofundar em evidências que analisassem os resultados a partir dos objetivos gerais e estabelecer possíveis comparações com outras instituições. Contudo, compreende-se que a democratização e inclusão envolvem outras dimensões, o que implica também em pesquisa qualitativas que mensurem os benefícios na percepção dos atores do processo.
Outra limitação tratou-se do recorte temporal, até o final de 2019, o que não permitiu analisar os possíveis impactos da pandemia (COVID-19) nos indicadores utilizados para mensurar a assistência estudantil. A suspensão das aulas nas instituições federais de ensino superior por meio da Portaria nº 343, do MEC, em 18 de março de 2020 e a consequente alteração das aulas presenciais para o modelo de Educação remoto até o final de dezembro de 2021, colocaram muitas instituições na necessidade de atender demandas específicas, como a inclusão tecnológica para estudantes desprovidos de recursos materiais e/ou localizados em zonas rurais ou periféricas. Assim, uma agenda de pesquisa que analise os impactos e as ações dos auxílios de inclusão digital (previstos no PNAES), se tornam relevantes para a área.
Por fim, é importante considerar as questões orçamentárias do PNAES. No orçamento geral para 2020, que foi disponibilizado para a UFVJM executar seu programa de assistência ao estudante, o valor foi reduzido, de acordo o PLOA 2020. Em janeiro de 2021, o Governo liberou a diferença orçamentária do PNAES, em caráter emergencial, mas esse recurso teve uma diminuição em relação a 2020. A lei orçamentária anual de 2021 aprovou um corte de 18,2%, o que pode impactar, até o momento, uma redução de até 21,9% no orçamento do Programa Nacional de Assistência Estudantil (ANDIFES, 2021).
Portanto, além dos riscos de que a diminuição dos repasses do PNAES possa influenciar negativamente na permanência e continuidade dos estudos desses estudantes, a atual realidade, coloca para a área, a relevância de reafirmar a luta em favor de uma educação pública, gratuita, democrática, em prol da justiça social.