Introdução
As instituições de ensino neste contexto pós-moderno continuam sendo os órgãos que mais interferem na construção social. Afirmativas ressaltam esse pensar, destacando que “[...] em nossas sociedades ainda são as escolas que introduzem crianças, adolescentes e jovens ao domínio das linguagens” (Gatti; Barretto; André; Almeida, 2019, p. 19).
As instituições de ensino também promovem a dinâmica dos sujeitos nesse espaço de aprendizagem, além de o espaço criar e recriar interações entre educadores, jovens, comunidade escolar, influenciando o modo de pensar e agir, construindo pontes de relacionamentos entre o saber e o mundo, entre os aprendentes e docentes, desenvolvendo seres sociais que possam atuar em vivências sociais.
Na veemência de que a escola é a instituição de maior relevância social para a transformação do pensamento é que se faz importante mudar a concepção de que o estudante somente assimila e transforma em aprendizagem ensinamentos que o professor transmite em sala de aula, onde o próprio professor é o avalista, no sentido de conferir as manifestações dos estudantes e estabelecer valor classificatório ao processo cognitivo. Conforme Mizukami (1986, p. 8), “[...] o ensino, em todas as suas formas, nessa abordagem, será centrado no professor”, e “[...] o aluno apenas executa prescrições que lhe são fixadas por autoridades exteriores”. Esse formato de ensino é propenso a desencadear desinteresse, distanciando o estudante do amor pelos estudos.
Em razão desse modelo de ensino, jovens são moldados para alcançar a qualidade que se revela como a excelência do ensino, não importando a morte dos universos dos jovens, em seu corpo, em sua alma, produzindo uma constante insatisfação e sentimento de infelicidade, pois foram transformados em algo bem diferente do que desejavam.
Esse olhar sobre a coisificação do aprendente nos move a perspectivar um novo formato de aprendizagem e ressignificação do aprender. Ressignificar o aprender a partir do desenvolvimento de bons sentimentos, os quais são essenciais para manter um bom convívio, de aceitação ao próximo, de ouvir e querer bem, não reduzindo as pessoas a simples objetos, ressignificar o ensino neste formato se traduz na corporificação de um novo modelo de ser e estar na profissão docente, tornando-se verdadeiramente um ato de amor. O amor se traduz em saber o sentido daquilo que se faz e o porquê se faz. Nóvoa (2013, p. 16) aborda como “autoconsciência”, ou seja, refletir sobre sua ação como docente para trazer para dentro do processo a mudança e a inovação pedagógica.
Em consonância com autores que embasam este artigo, como Nóvoa (2013), Sacristán (1999), Imbernón (2011), entre outros, compreendemos que inovar pedagogicamente caracteriza-se como sendo o ato de refletir sobre a prática, de planejar, de analisar, para então construir um novo pensar modificando a ação da prática, transformando os saberes em uma nova perspectiva didático-pedagógica, mais produtiva e mais intensa.
É nessa conjuntura que se almeja uma escola livre de imposições, livre de respostas prontas, de um ensino que permita mudanças na prática, do entrecruzar de pensamentos, de opiniões, respeitando a diversidade, desenvolvendo a integralidade do ser pensante, abarcando seu espírito afetivo e reflexivo em uma teia de diálogo e do bem viver. Essas emoções contribuem no ensino e na aprendizagem, estimulando o sentimento de pertencimento à escola, na dimensão professor/aluno.
De acordo com Imbernón (2011), a profissão docente deve abandonar a concepção predominante no século XIX de mera transmissão de conhecimento acadêmico, de onde o fato provém e que se tornou inteiramente obsoleto para a educação dos futuros cidadãos em uma sociedade democrática, plural, participativa, solidária e integradora. É ineficaz um ensino feito por “transmissão de conteúdos”, levado a cabo por professores arregimentados, conclui Woods (1999, p. 150). Faz-se oportuno encorajar os professores, sujeitos do processo formativo dos jovens, a utilizarem a inspiração e a criatividade, manifestações que impulsionam o ensino para uma nova tendência na promoção da liberdade criativa e inovadora e de uma promessa educativa de avanços.
Não se trata de abandonar as concepções que competem ao educador, no que se refere ao conhecimento. Não se constrói uma educação escolar no vazio intelectual, este se faz necessário para que ocorra o ato de educar em determinado nível de amplitude e complexidade. Trata-se de desenvolver no jovem o sentido de construir conhecimento voltado para uma atuação teórica e prática para a vida no mundo social, pós-moderno e complexo. O profissional da educação necessita compreender a dimensão de sua tarefa, não tornando o mundo da escola um mundo mecânico regido por leis instrucionais que não permitam o entendimento e o significado do estudo.
Ainda, se o profissional tem a tarefa de desenvolver no estudante a sua atividade intelectual, promovendo condições para que aprenda a solucionar problemáticas do cotidiano de forma autônoma, como sujeito protagonista e independente, de forma recíproca, faz-se necessário que esse profissional experimente processos semelhantes.
Essas mudanças no ensino e a importância da formação de professores despertaram interesse em investigar o processo de Formação continuada de professores em serviço, que se desenvolveu em uma Escola de Educação Básica. O objetivo deste texto pretende analisar o processo formativo continuado de professores em serviço, na busca pela compreensão das contribuições desse processo, para a qualidade do planejamento e das ações pedagógicas instituídas na escola.
Cabe ressaltar que a formação continuada se tornou concreta a partir da regulamentação implantada pela rede estadual de ensino, com horas de planejamento remuneradas e embutidas na carga horária do professor. Esse processo de formação continuada em serviço somente existiu em virtude da proposta do Estado, contudo, o trabalho desenvolvido para mobilizar avanços na ação do educador para um planejamento efetivo, a fim de obter os melhores resultados com o trabalho prático realizado, foi traçado pela instituição de ensino, que é composta pelo coletivo da escola.
Considerando esses aspectos, este texto descreve e analisa, de forma sucinta, alguns dados referentes ao processo de formação continuada em serviço vivenciado por professores do Ensino Médio. O relato do processo, o programa sequencial de encontros, a compreensão do lugar dos participantes e as contribuições do processo formativo no planejamento e nas ações pedagógicas constituem a base empírica deste artigo.
Visando atender a esse objetivo, efetuou-se a verificação de documentos, como: legislações, ofícios regulamentadores, Projeto Político-Pedagógico (PPP), relatórios de turmas, registro do sistema de gestão educacional de Santa Catarina (Sisgesc), pautas dos encontros realizados e entrevistas, por meio de um grupo focal, a 6 (seis) participantes, sendo professores efetivos da unidade educativa. O embasamento empírico deste texto é uma investigação descritiva, de cunho exploratório e de natureza qualitativa. Observando as questões éticas, tanto da estrutura do trabalho quanto da coleta e análise de dados, o projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP/Unoesc) e recebeu o parecer consubstanciado - Número do Parecer: 5.724.844.
A estrutura do texto segue inicialmente uma dimensão teórica composta pela história do processo de mudanças que a escola percorreu neste último decênio, em seguida detalha a trajetória e a organização sequencial de encontros do processo de formação continuada em serviço, destacando, por fim, os aspectos que legitimam a importância e a necessidade deste modelo formativo para o educador e para o seu fazer pedagógico.
Histórico das mudanças implementadas na Escola de Educação Básica - Ipumirim, SC
Os dados que compõem o relato e a análise do processo formativo foram coletados por meio de fontes documentais. A coleta ocorreu por documentos arquivados em secretaria e de uso do setor pedagógico da unidade escolar. Esses elementos de pesquisa permitiram compreender que, há mais de décadas, a escola almeja criar uma instituição que consiga cumprir seu papel social voltado para um olhar humanizador, que permita o ouvir, o pensar, o sentir, o refletir sobre os motivos e significados do adquirir saberes para a vida.
Movida por esse desejo, a Escola de Educação Básica - Ipumirim/SC, apresenta sua jornada com a experiência formativa. A instituição aderiu, em 2014, ao programa Ensino Médio Inovador. Uma proposta que ampliou a carga horária de estudos dos alunos, possibilitando acesso a novas disciplinas que não estavam inclusas no Ensino Médio Regular, como: Informática e Futsal. Esse programa disponibilizou, inicialmente, três aulas de planejamento remuneradas para que os profissionais realizassem encontros semanais de forma interdisciplinar, objetivando elaborar projetos inovadores e significativos com os jovens.
Todavia, em consequência essencialmente da falta de aparato formativo e acompanhamento pedagógico do programa, atribuindo também a responsabilidade à Secretaria do Estado de Educação pela falta de esclarecimentos de seu percurso formativo e dos objetivos da proposta, houve o desmantelamento e a finalização do programa. A proposta do Ensino Médio Inovador iniciou, em 2014, com duas turmas numerosas, turmas de 30 (trinta) e 31 (trinta e um) alunos, encerrando, em 2016, com uma turma de 9 alunos. Esses dados foram retirados de relatório do sistema Sisgesc1.
Esse foi o primeiro ensaio de participação da escola em uma proposta diferenciada, entretanto, verificou-se o despreparo dos profissionais, desmotivação em relação ao repensar do ensino e da didática de trabalho. Esse desfecho não obscureceu os sonhos da unidade educativa, mais uma vez, movida pela ânsia de uma educação voltada a reconhecer a importância do ensino. Desafiando a condição mecânica do processo de aprendizagem, a Unidade Escolar aderiu, em 2018, ao programa conhecido como Ensino Médio Integral em Tempo Integral (EMITI).
O termo Integral se refere ao desenvolvimento completo do ser humano, de acordo com Almeida e Moraes (2020, p. 594), “[...] como sujeito e cidadão da história, com vistas a uma educação de sujeitos para uma sociedade igualitária”. Em contrapartida, o termo em Tempo Integral se refere, conforme Almeida e Moraes (2020), ao aumento de carga horária, reestruturação do tempo, do currículo, dos espaços e com mais profissionais na escola. Essa proposta, Ensino Médio Integral em Tempo Integral, despertou grandes motivações aos educadores da escola de Educação Básica, pois apresentou uma linha de trabalho com objetivos e resultados positivos em relação ao ensino dos jovens, porém enfrentou a resistência dos pais e dos estudantes na permanência integral no ambiente escolar.
O contexto social e econômico que compõe a comunidade educativa é formado por jovens entre 15 (quinze) e 18 (dezoito) anos, que almejam ingressar no mercado de trabalho como aprendizes, adquirindo seus próprios rendimentos no custeio de seus gastos pessoais e o EMITI tornou-se um entrave para tais propósitos. Como resultado, obteve-se o seguinte resultado: a nova proposta iniciou em 2018 com 3 (três) turmas com mais de 20 alunos cada, dando terminalidade ao programa, em 2020, com somente 1 (uma) turma concluinte.
O EMITI desenvolveu frutos valorosos para a Unidade Educativa. Foram disponibilizados aos educadores diversos encontros e cursos de aperfeiçoamento com o Instituto Ayrton Senna, apoiado pela Secretaria do Estado da Educação, que investiu maciçamente na proposta em seus primeiros anos. Os professores que participaram do processo formativo em serviço foram, em sua grande maioria, professores efetivos, com faixa de idade entre 30 e 50 anos, tendo formação nas mais diversas áreas do conhecimento, além de comporem um tempo de serviço superior a 15 (quinze) anos, de forma geral, constituído por professores experientes no magistério. Esses profissionais dispuseram de 8 (oito) horas semanais de planejamento, de forma remunerada, sendo 4 (quatro) horas de encontros entre as áreas afins para planejamento interdisciplinar e 4 (quatro) horas de encontros coletivos entre todas as áreas, para estudo e aperfeiçoamento na Unidade Escolar.
O percurso formativo disponibilizado na escola provocou mudanças na prática pedagógica em todas as etapas escolares, não mobilizando somente o Ensino Médio. Inspirou o conjunto de profissionais que também trabalham no Ensino Fundamental, despertando transformações na didática de ensino, abarcando a importância da dimensão sensorial, do sentir, como também do trato pedagógico: o que fazer e como fazer. Para Gatti, Barreto, André e Almeida (2019), o trabalho pedagógico é a essência das atividades escolares e, portanto, a essência do trabalho dos professores no cotidiano da sala de aula e esse trabalho, como em outros setores da atividade humana, precisa ser aprendido e, para isso, já se consolidaram conhecimentos, os quais necessitam de ressignificação.
Contudo, concomitantemente à terminalidade do Ensino Médio Integral em Tempo Integral em 2020, despontou uma nova proposta, o Novo Ensino Médio (NEM), o qual se configura em uma proposta reformista do Ensino Médio Regular em nível Federal, sendo implementado em 2022 em todas as instituições escolares de Santa Catarina.
A escola aderiu à nova proposta em 2020, como escola piloto, um modelo de ensino aceito pela comunidade escolar, na expectativa de promover uma educação diferenciada, significativa, humanizadora e, sobretudo, que apoie os estudantes na escolha de uma trajetória formativa que vá ao encontro de seus anseios, oportunizando o protagonismo juvenil e o diferencial pessoal, com resultados verdadeiros e expressivos no ensino.
Organização dos encontros formativos: Formação em serviço na Escola
Atribui-se ao professor a incumbência do ensino, emanando de suas habilidades e competências a esperança na construção de um ser humano emancipado. Esse fenômeno lança aos profissionais da educação sobrecarga de atribuições que limitam seu desenvolvimento pessoal e profissional, tornando complexo o enredo do processo formativo, pois inúmeros são os desafios para tamanha responsabilidade.
Essa sobrecarga caracteriza-se como um aumento de tensões para a vida dos professores. De acordo com Nóvoa (2013, p. 8), “[...] a intensificação do trabalho quotidiano nas escolas, com os professores, a serem chamados ao desempenho de um conjunto cada vez mais alargado de funções e de missões, que lhe retiram a calma e o tempo necessário a um exercício refletido da profissão [...]”, tem acentuado as pressões no terreno educacional, principalmente as pressões exercidas pelo campo institucional, político, social e pedagógico. Além disso, Plácido, Alberto e Plácido (2021, p. 85) chamam a atenção a respeito de que o trabalho docente não está alheio às exigências do mercado de trabalho, afirmam que, “[...] na atualidade, o desenvolvimento da ciência, bem como a acirrada e desenfreada competição no exercício de qualquer atividade profissional, não tolera improvisação e nem o amadorismo profissional, portanto a educação não é exceção”.
Esses fatores caracterizam-se como desafios, provocando crises e incertezas, refletindo expressivamente na área educacional. Para enfrentar esses desafios, o professor necessariamente deve participar de “[...] cursos de atualização ou de capacitação, congressos, fóruns e palestras voltados para sua área de atuação” (Plácido; Alberto; Plácido, 2021, p. 91). Nóvoa (2013) salienta que esse quadro de sobrecarga na vida profissional tende a desencadear o mal-estar docente, sofrendo o risco de se tornar um mal crônico.
Dentro dessas circunstâncias de dificuldades e imprevisibilidades, o professor continua a atuar em sala de aula com experiências de sua história de vida estudantil e de formação universitária, que, em muitas circunstâncias, não prepara o professor para a realidade educativa na prática pedagógica, sofrendo com resultados de insucesso e descaso com a profissão. Nóvoa (2013) enfatiza que cada professor tem sua maneira de organizar seu fazer pedagógico e de que a maneira como ensina está diretamente ligada à maneira de ser como pessoa no exercício do ensino. Sua história de vida como estudante constitui seu modo de ensinar, ou seja, seu eu pessoal - o ser não consegue se desvincular do seu eu profissional - ensinar.
Essa conjuntura, esse aumento de exigências em relação à profissão de professor já não permite mais que sua tarefa se resuma a apenas dominar a área cognitiva, isto é, a saber a matéria que leciona, seu campo de responsabilidades se amplifica. O papel do professor já não pode mais ser entendido como transmissor de conteúdo, cabe a ele construir saberes, que desafiam os jovens educandos a realizarem operações mentais que provocam sensações, emoções, possibilitando a correlação com suas vivências pessoais, renovando o pensar, o agir e o reconstruir. Na mesma lógica de pensamento, Nóvoa (2009, p. 88) revela que:
Promover a aprendizagem é compreender a importância da relação ao saber, é instaurar formas novas de pensar e de trabalhar na escola, é construir um conhecimento que se inscreve numa trajectória pessoal. Falar de um olhar complexo e transdisciplinar não é recusar o papel das disciplinas tradicionais, mas é dizer que o conhecimento escolar tem de estar mais próximo do conhecimento científico e da complexidade que ele tem vindo a adquirir nas últimas décadas.
Para tal inovação descrita por Nóvoa (2009), compete ao professor desenvolver um espírito talentoso e encontrar as melhores estratégias a fim de que os estudantes se apropriem do conhecimento. Ao mesmo tempo que o professor desafia o espírito criativo do aluno, também na visão de Lidoino, Santos e Reis (2020), deve se mostrar flexível, promovendo uma relação entre teoria e prática, com o intuito de motivar a curiosidade, senso crítico e transformador de conhecimento. Enquanto isso, Imbernón (2011) traz que essa nova forma de educar requer uma redefinição importante da profissão docente, assumindo novas competências profissionais no quadro de um conhecimento pedagógico, científico e cultural revistos. Em outras palavras, a nova era requer um profissional de educação diferente.
Todo esse contexto de mudanças históricas, sociais e econômicas que exigiram uma nova maneira de compreender o conhecimento é entendido por Esteves e Araújo (2019) como um discurso produzido de que a escola tradicional não estava mais preparada para atender às atuais demandas da sociedade, exigindo um repensar do papel da escola. Para Esteves e Araújo (2019), as novas demandas assumidas pelo trabalho docente são oriundas desse desfecho, necessitando, a partir disso, maior formação em um formato permanente.
Nessa conjuntura educativa e pela possibilidade da formação, o pensamento dos sujeitos integrantes da Escola de Educação Básica assumiu um olhar multidimensional a respeito da forma de fazer a educação. A partir das oportunidades lançadas e acolhidas, referindo-se aqui aos programas diferenciados implementados na Unidade Escolar, manifestou-se um pensar reflexivo sobre o trabalho, bem como os objetivos de ensino, vivenciando, dessa maneira, novas configurações e organizações, rompendo com o modelo tradicional de se fazer escola.
Para compreender as mudanças introduzidas na instituição educativa e remontar a história da implantação do processo de formação em serviço, na organização do relato da experiência vivenciada pela escola foco deste artigo, utilizou-se, além dos dados das entrevistas com os docentes, registros arquivados no ambiente educativo no formato de documentos e relatórios. Os dados obtidos a partir das legislações permitem descrever os programas implementados, os registros em Livro ata e PPP, onde descrevem a organização dos encontros e a organização pedagógica da escola, os relatórios de sistema permitem analisar os resultados desses programas a partir de análise das movimentações dos estudantes.
Desse modo, historicamente, na unidade educativa, o programa implementado em 2018, Ensino Médio Integral em Tempo Integral, mobilizou a participação dos educadores em cursos formativos, coordenados pela equipe do Instituto Ayrton Senna. Esses cursos formativos desenvolveram habilidades e competências na equipe de professores e promoveram a diferença na instituição escolar e, principalmente, em sala de aula, com os jovens, a respeito da apropriação do conhecimento.
Na medida desse otimismo, novas ideias vinham se implementando no estabelecimento de ensino. No momento da terminalidade do Ensino Médio Integral em Tempo Integral manteve-se a escola inclusa em uma nova proposta: o Novo Ensino Médio, com 4 (quatro) horas de planejamento remuneradas pela Secretaria Estadual de Educação. Contudo, sem haver novos cursos formativos, os encontros semanais passaram a ser aplicados em um formato de formação em serviço na própria Unidade Escolar, um modelo formativo adaptado às convicções semeadas no percurso do EMITI.
Nessa perspectiva, cabe destacar que mudanças não nascem do acaso, elas apresentam intencionalidades, motivações e provocam novas configurações. A instituição de ensino, ao aceitar novas possibilidades para repensar a escola, a profissionalidade e as ações pedagógicas, pela adesão de programas e projetos propostos pela Secretaria de Estado da Educação, em parceria com o Instituto Ayrton Senna, busca romper com o que se tem tido como tradicional no ensino. A formação promovida pelo instituto Ayrton Senna mobilizou os participantes a repensarem o ensino, possibilitou tempo e espaço para encontros e inspirou os profissionais para assumirem o protagonismo pedagógico. O programa finalizou, mas o conhecimento construído no decorrer da proposta se manteve ativo, culminando em um novo momento e uma nova proposta, dos quais os próprios professores se tornaram mentores de sua formação no ambiente de trabalho. Essa evidência da continuidade de um planejamento e ação pedagógica diferenciados, a posteriori da intervenção conduzida pela parceria SED e Instituto Ayrton Senna, podem se constituir em indicadores de que o processo vivenciado pelos profissionais foi significativo.
A formação em serviço, desenvolvida pelos professores, propiciou o desencadeamento de uma metodologia de trabalho singular, na qual o professor integrante, membro ativo do processo, ressignifica a teoria com a prática, resultando em significativa melhoria na qualidade de ensino oferecida aos educandos. Para definir a estrutura organizacional formativa, o coordenador pedagógico teve o papel de direcionar o estudo, bem como auxiliar na harmonia das interações, pensamentos e reflexões sobre a rotina cotidiana da sala de aula.
A formação em serviço apresenta seus entraves. O desrespeito, a desconsideração ao professor são desmotivadores, principalmente em razão da demanda burocrática que desafia a capacidade de adaptação nesse mundo plural, exigindo um envolvimento de amplo engajamento. Ao analisar a pesquisa realizada por Gomes, Carvalho e Maciel (2019), com professores de escolas públicas de Mato Grosso a respeito da formação continuada que ocorreu no local de trabalho desses professores, os autores identificaram determinada insatisfação com a formação pelo fato de ela abordar temas desconexos da realidade das escolas, além de o formador ter pouco domínio do assunto estudado, instigando os professores, em sua grande maioria, a participam mais em virtude das progressões obtidas a partir do recebimento de certificado de participação do que pelo crescimento profissional que a proposta poderia ter oferecido.
Esse modelo formativo apresentado por Gomes, Carvalho e Maciel (2019) não se constitui da mesma forma que o processo formativo adotado pela escola pesquisada. O modelo de formação deste estudo permitiu novas abordagens, saindo de uma formação abrangentemente teórica para uma formação voltada ao contexto escolar, pessoal e íntimo enquanto profissional. As realidades são diferentes, porém se conclui que, como trata Imbernón (2009), mesmo sabendo o discurso já antigo (de meados dos anos 1980), a formação deve aproximar-se da escola e partir das situações problemáticas dos professores, mas não é isso o que acontece, a formação e os projetos nos encontros continuam sendo uma eterna reivindicação.
Nessa condição, à medida que o professor se torna o autor de uma formação, ele passa a formar-se, distanciando-se da fragmentação do conhecimento. Ao partilhar saberes, estabelecendo vínculos afetivos com os pares e proporcionando um terreno fértil para internalizar didáticas e metodologias inovadoras, se cumprirá a função de desenvolver professores críticos, engajados e sujeitos emancipados, conscientes de sua profissionalidade e, sobretudo, pertencentes ao processo educativo. Um dos aspectos centrais da formação é o lugar do formando nesse processo, como afirmam Esteves e Araújo (2019, p. 17), “[...] tanto a formação como a aprendizagem são processos de transformação de pessoas concretas, não existe fora delas nem contra a vontade delas”. Na visão de Esteves e Araújo (2019), os formadores, que são os próprios professores em processo de autoformação, estimulam e viabilizam a transformação, dentro de si e pela sua vontade.
A autoformação é um ato introspectivo de autoanálise e autorreflexão, surge da vontade de cada um, porém, cabe destacar que esse processo, conforme Libâneo (2011), necessita de oportunidades e condições, as quais, quando inspiradas por meio de programas ou propostas, tornam-se terreno fértil para futuras mudanças e resultados promissores.
É importante também considerar que quando há engajamento na formação em serviço, ocorre a aproximação das áreas de conhecimento, permitindo um pensar coletivo, com estratégias coletivas e resultados concretos. A troca de experiências vivenciadas entre pares contribui para inovar as metodologias e aplicar conteúdos que teoricamente se fazem numa abstração muito distante do pensamento dos jovens, por conseguinte, de difícil assimilação e internalização.
O estudo, a troca entre pares de experiências vivenciadas na sala de aula durante os momentos de planejamento, oferecidos pela rede estadual de ensino de Santa Catarina, aplicadas na instituição escolar, permitem discutir a prática de estratégias de ensino voltadas ao desenvolvimento de competências e habilidades que se queiram ser alcançadas com os estudantes. A oportunidade é propícia para ampliar a visão sobre como potencializar os saberes, despertando o interesse e o envolvimento do aluno na produção de sua própria história cognitiva.
Formação em serviço: construção e resultados
A Formação de professores que se desenvolveu na Instituição de Ensino de Educação Básica veio ao encontro da argumentação de Imbernón (2011), o qual apresenta que o conhecimento profissional tem como característica primordial a capacidade reflexiva em grupo, mas não apenas como aspecto de atuação técnica e sim como processo coletivo para regular as ações, os juízos e as decisões sobre o ensino, já que o mundo que nos cerca se tornou cada vez mais complexo e as dúvidas, a falta de certezas e a divergência são aspectos consubstanciais com que o profissional da educação deve conviver.
Nessa lógica e pensamentos, os encontros do grupo profissional para a formação em serviço ocorreram semanalmente no período noturno, das 18 horas às 22 horas, nas quintas-feiras. Para iniciar a formação, o coordenador pedagógico construiu uma pauta em conjunto com um grupo de professores, os quais se denominaram Professores de Referência. O termo Professores de Referência é originário de encontro formativo disponibilizado pela Secretaria de Estado da Educação (SED) - Santa Catarina, em Florianópolis.
O encontro foi coordenado pelo Instituto Ayrton Senna, na época direcionado ao trabalho do Ensino Médio Integral em Tempo Integral (EMITI), em parceria com a Secretaria de Educação do Estado. Na oportunidade, reuniram todas as escolas participantes do encontro formativo, disponibilizado pela Secretaria de Estado da Educação (SED), nomeando um membro de cada área do conhecimento como professor de referência. O professor nomeado passou a assumir a responsabilidade com o estudo e a organização do momento formativo nas escolas, planejando o estudo de cada momento, de cada encontro, em seu ambiente de trabalho. Contudo, os profissionais da unidade educativa pesquisada adotaram a ideia de que todos os professores, em algum momento do encontro, seriam intitulados Professores de Referência, na intenção de realizar a rotatividade de responsabilidades, seja no planejamento, seja no direcionamento do momento do estudo na escola.
O Professor de Referência passa a ser o formador de seu próprio percurso formativo em seu local de trabalho, ou seja, ocorre a autoformação em serviço. O professor, ao assumir a posição de referência, realiza uma autoformação participativa, construindo um trabalho cooperativo entre os profissionais. A formação de professores deveria ser, na visão de Lidoino, Santos e Reis (2020, p. 7), “[...] conduzida por professores que atuam na em sala de aula, de forma colaborativa, para que juntos possam trocar ideias, experiências, discutir problemas e levantar sugestões que corroborem com as situações e aprendizagem do coletivo”.
Na escola, os Professores de Referência realizam esse papel, traçado pelos autores Lidoino, Santos e Reis (2020), pois formam grupos que são distribuídos a partir de indicação do setor pedagógico, divididos entre as áreas de conhecimento, sendo de atribuição definir e preparar os materiais de estudo, bem como a discussão a ser arrolada durante o processo formativo.
Para a construção da pauta, determinou-se o tempo previsto para cada momento, considerando de fundamental importância a gestão do tempo. Dessa maneira, para iniciar, registra-se as boas-vindas, em seguida, trata-se de assuntos pontuais relacionados às questões pedagógicas e de estrutura física, básicas para o trabalho pedagógico. Para tratar de tais assuntos, são disponibilizados 30 minutos, os quais podem se estender, dependendo do momento e dos temas abordados.
Na sequência do encontro, ainda nos moldes do EMITI, parte-se para o aperfeiçoamento, a partir de estudo aprofundado, que especificamente determina a formação em serviço, abordando temas necessários para o conhecimento dos professores, destacando-se: competências, habilidades, currículo, leis específicas, bases teóricas, entre outros. Para a socialização do tema abordado, os professores de referência pesquisam e preparam o material a ser exposto, as estratégias são elaboradas pelo grupo de forma conjunta, utilizando sempre questionamentos, opiniões e debates. Essas estratégias de trabalho e o formato de organização pedagógica inspiram os professores, que passam a aplicar a metodologia no dia a dia da sala de aula, modificando seu formato de ensino e (re)significando sua didática.
Esse estudo para aperfeiçoamento profissional abrange um tempo de 1h30 minutos, seguido por um intervalo de 10 a 15 minutos. Na sequência, as áreas de conhecimento encontram-se em salas específicas, organizando seus projetos e planejando de forma interdisciplinar suas aulas. Esse tempo corresponde a 1h30 minutos. O planejamento entre áreas é fundamental, pois é o momento de estudar, observar os conteúdos e estabelecer vínculos entre as disciplinas, evitando a fragmentação dos conteúdos e significando o estudo.
Nessa visão, a formação em serviço favorece a instituição escolar, pois o diferencial não é desenvolvido no abstrato, a didática é pensada, preparada, planejada. Resultados se potencializam com a troca coletiva, alargando laços afetivos entre os pares, trazendo seus bons sentimentos para mais perto da escola, dos alunos, da comunidade e do ensino. Como bem abordou Freire (2019) a respeito do amor, o amor constrói pontes e este amor se desenvolve na proximidade, na convivência diária, na aceitação do outrem. Esse amor faz fluir teias, tecendo redes, que abarcam toda a escola em um processo de esperança.
Papel e lugar dos professores no processo formativo: o olhar dos participantes
Com vistas a identificar o papel e o lugar dos professores nos encontros formativos, um grupo focal de professores efetivos da escola pública estadual de Ipumirim, SC, composto por um total de 6 (seis) membros participantes, respondeu à seguinte pergunta: sendo participante do processo formativo, em serviço, como você professor se sentiu nesse processo? Que papel você assumiu no decorrer do processo formativo? E como você se posicionou durante o processo formativo?
Trata-se de uma pergunta aberta, portanto, de livre resposta pelos participantes da pesquisa, objetivando descrever o lugar e o papel de participação dos professores nos encontros formativos.
Ao analisar esses dados, permitiu-se entender a concepção de cada professor(a) sobre como se sente no processo de formação continuada existente em sua escola. Com a finalidade de preservar a identidade dos professores pesquisados, foi utilizada a letra “P”, em referência a palavra professor, seguida por números, iniciando por “1”, continuando em ordem crescente até atingir o número de participantes.
Quando tratamos do sentir, tratamos de um processo interno que ocorre por meio da reflexão, desenvolvida a partir da troca de experiências e vivências do professor participante. Para melhor elucidar o sentir, abordamos as falas de Pimenta (2012, p. 22), de que “[...] todo o ser humano reflete. Aliás, é isso que o diferencia dos demais animais. A reflexão é atributo dos seres humanos. Ora, os professores como seres humanos refletem”. Sentir-se parte, estar participando de um momento formativo exige reflexão. Essa reflexão possibilita ao ser humano, conforme sustenta Pimenta (2012), um movimento teórico de compreensão de seu trabalho docente, além de mobilizar o professor para reflexões diárias, de vivências de seu cotidiano profissional.
Sentimentos são manifestações. Vejamos os posicionamentos do grupo focal, entrevistados P1; P2; P3; P4; P5 e P62:
Eu achei que é um processo de bastante informação, de conhecimento, de bastante responsabilidade e de organização também, porque a gente aprendeu juntos, todos juntos, a se organizar melhor, a conversar, a respeitar o próximo também as ideias do outro e a ver o nosso aluno diferente, principalmente (P1).
Para P2, “[...] a ouvir, muitas vezes a ouvir na maior parte das vezes e protagonizar outros momentos de estudos também [...]”, P3 acrescenta, “[...] porque nesse momento eu me sinto pertencente à escola. Literalmente, nesses momentos de estudo, você se sente [...] e é o momento que você literalmente estuda e se prepara para sua prática pedagógica”. P4 também se manifesta: “[...] até mesmo compartilhando as angústias e as incertezas que a gente tem [...]” e P5 complementa, “[discutir também], aluno por aluno, por exemplo. Esse aluno aqui tem tal problema. Vamos lá ver o que está acontecendo [...]”, e continua, “[...] se não tivesse espaço, é bem mais difícil o trabalho nas escolas. Eu percebo que tem uma diferença bem grande”. P3 aponta, “[...] e outro detalhe: assim a gente não precisa esperar o conselho de classe. A gente faz os conselhos de classe nos nossos encontros”.
Qual o papel e o lugar dos professores pesquisados em relação ao processo formativo, como se sentiram? O olhar dos professores, a respeito desse questionamento, traduz-se em: ouvir, conversar, protagonizar, estudar, se responsabilizar, compartilhar e discutir momentos pedagógicos para fortalecer a sua prática diária e sentir-se parte do processo, como trata P3, quando fala do sentimento de pertença à escola. Entende-se que o profissional, ao sentir-se parte dessa construção formativa, desenvolve o sentimento de pertença ao processo, envolvendo-se com intensidade na troca, no planejamento e na prática educativa.
O processo formativo em serviço se constitui em uma troca com o outro, como manifestado por P4, compartilhando angústias e incertezas, porém, além de tratar dos medos dos professores, a troca entre pares agrega saberes de experiências da prática cotidiana da sala de aula, não se tornando, entretanto, um modelo de se fazer a prática educativa, mas uma soma de experiências e objetivos comuns, com planejamento entre áreas. O sistema colaborativo, além de fortalecer os laços, fortalece a prática e o sentimento de segurança. Lieberman (1999, apudNóvoa, 2009, p. 24) ressalta que “[...] o trabalho de formação deve estar próximo da realidade escolar e dos problemas sentidos pelos professores. É isto que não temos feito [...]”, ou pelo menos, ainda não tínhamos feito.
A formação continuada em serviço permite a autoformação dos sujeitos, pois perpassa por ressignificação de saberes, auxílio no pensar e no agir, para fazer melhor o que sabem fazer, voltando-se, assim, para um processo de construção da identidade profissional e, principalmente, desenvolvendo o sentimento de pertença ao processo formativo e à escola.
Quando ocorre, na formação em serviço, a troca de saberes, de experiências entre os membros da formação, ocorre o ouvir, o aceitar, o (re)modelar, o (re)significar, o (re)conhecer, promovendo a autoformação individual de cada sujeito, como enfatizado por P2, a ouvir e também a protagonizar nos momentos de estudo, na formação em serviço. Em uma perspectiva geral, o sentimento de pertencimento ao processo e à elaboração de estratégias para mudanças no meio educativo empoderam o professor, tornando-o seguro de suas intenções e objetivos, melhorando os resultados na prática da sala de aula.
É importante considerar que a escola disponibiliza aos professores 4 (quatro) horas de planejamento semanais, encontros que permitem de forma tranquila e segura desenvolver o papel de autoformador de si e utilizar a reflexão como ferramenta do repensar.
Nesses encontros, à medida que o professor busca materiais para socializar no grupo, envolvendo os colegas para debate e discussão de ideias, promove o crescimento de todos, pois o envolvimento desenvolve atitudes positivas para a construção do (re)significar a prática educativa, desencadeando um novo olhar sobre a abordagem tradicional3 da escola.
Existem os entraves, profissionais apáticos durante o encontro, que realizam tarefas não pertinentes ao momento, contudo, são chamados pelo setor pedagógico para sua responsabilidade. Tem-se ainda profissionais que estão no meio educativo alheios às suas responsabilidades e ao cumprimento com a execução de tarefas que são de seu ofício, além de estarem distantes de seu envolvimento com o grupo de professores em busca de compartilhar saberes e planejar didáticas positivas.
O profissional inerte a esse processo necessita perceber e identificar seu lugar, para tanto, trazer o profissional para dentro dessa dinâmica formativa desenvolvendo sua identidade com o grupo e com a escola é crucial. Nóvoa (2013) apresenta essa conjuntura da seguinte maneira, como a escola é um espaço de lutas e conflitos para a construção da identidade do professor e é o lugar onde se concebem as maneiras de ser e de estar na profissão, faz-se necessário desenvolver a Adesão, Ação e Autoconsciência. Nóvoa (2013) chama de três A, Adesão significa querer ser professor; Ação tem significado de postura pedagógica - querer fazer, e Autoconsciência é o ato de refletir sobre sua ação.
Por esse motivo, em consonância com a compreensão de Nóvoa (2013), a identidade do professor e o sentimento de pertencimento precisam ser construídos, introduzindo-o como ator do processo, para que identifique caminhos e rotas de estudo, planeje em conjunto, trace passos para a execução de atividades didáticas em sala de aula e socialize seus resultados, para, então, reavaliar, redefinir e ressignificar todo o ciclo.
Assim, constrói-se a identidade do profissional, percebendo-se ator e autor, que dá significado ao ato educativo, revendo significados socialmente construídos para atender às novas demandas educativas. Além disso, reafirma suas práticas que, muitas vezes, resistem a inovações de novas realidades. De acordo com esse pressuposto, o Novo Ensino Médio, como nova proposta, carrega necessidades de uma nova realidade social, uma nova modalidade de ensino, com novas teorias. Para vincular-se a essa realidade profissional, considera-se que cada docente está imbuído de valores próprios, apresentando uma maneira própria de situar-se no mundo da educação, constituído de história de vida singular, com saberes construídos ao longo da trajetória, com incertezas, medos e angústias no sentido de ser professor.
Nessa perspectiva, o primeiro passo é fazer-se sentir parte da rede de relações que se estabelece no meio formativo, realizando a troca de experiências e desenvolvendo novos saberes, na intenção de trazer para dentro desse invólucro o professor, para sentir-se e ver-se como professor. Ao se tratar de um professor experiente, normalmente, abordamos a concepção de Tardif e Lessard (2014, p. 51), “[...] ele conhece as manhas da profissão, ele sabe controlar os alunos, por que desenvolveu, com o tempo e o costume, certas estratégias e rotinas que ajudam a resolver os problemas típicos [...]”, como apresenta P5 em sua fala, discutir os problemas atinentes aos alunos, esse movimento faz a diferença.
Esse contexto, de relações mais próximas com os alunos, é contraditório para Esteve (1999, p. 103). O autor expõe que “[...] assim, encontramo-nos perante a exigência social de que o professor desempenhe um papel de amigo, de companheiro e de apoio ao desenvolvimento do aluno, o que é incompatível com as funções seletivas e avaliadoras que também lhe pertencem”. Existe uma grande contradição no exercício da docência, o professor vem abdicando de seus valores educativos, abdicando de sua essência na tarefa do docente e adquirindo novos contornos. A qualidade de ensino mais tem sido fruto da presença da essência da profissionalidade do professor do que das condições de trabalho, pois estas sobrecarregam os docentes de horários, normas internas, regulamentos, organização de tempo e de espaço. A bravura em fazer bem o que fazem, e melhor o que tem feito, surge por intermédio da solidificação de sua identidade com a escola, esse ponto é a chave e a chave é a formação em serviço.
Contribuições do processo formativo para a Qualidade Pedagógica
Diversos argumentos trazem a reflexão de quão essencial é a formação dos professores para o mundo do ensino na prática. Muitos são os discursos sobre a importância das mudanças no processo formativo dos docentes para as transformações da realidade social em nossas escolas.
Conforme Imbernón (2009), em todos os países, em todos os textos oficiais, em todos os discursos, a formação permanente ou capacitação começa a ser assumida como fundamental para alcançar o sucesso nas reformas educativas, porém, como Nóvoa (2009, p. 17) destaca, “[...] o excesso dos discursos esconde, frequentemente, uma grande pobreza das práticas. Temos um discurso coerente, em muitos aspectos consensual, mas raramente temos conseguido fazer aquilo que dizemos que é preciso fazer [...]”, uma prática pedagógica inovadora e transformadora.
Para Sacristán (1999, p. 76), “[...] a inovação não é mais do que uma correção de trajetória”. Corrigir uma trajetória na prática educativa que está em andamento exige percorrer caminhos complexos, diversos e permeados de mudanças e, principalmente, o de repensar o ato pedagógico e o desenvolvimento profissional, incidindo em novas ações e programas de formação.
Um programa de formação, de acordo com Sacristán (1999, p. 77), deve abranger quatro grandes campos:
- O professor e a melhoria, ou a mudança, das condições de aprendizagem e das relações sociais na sala de aula. - O professor participando ativamente no desenvolvimento curricular, deixando de ser um mero consumidor. - O professor participando e alterando as condições da escola. - O professor participando na mudança do contexto extraescolar.
Por esse motivo, por esse ideal transformista, buscou-se verificar em que medida as implicações advindas do modelo formativo de uma escola pública Estadual de Santa Catarina contribuem para o desenvolvimento de ações pedagógicas diferenciadas e um fazer pedagógico provedor de mudanças no processo educativo das escolas.
A partir dessa investigação e por meio do contato com os professores efetivos, no grupo focal, buscou-se respostas às seguintes perguntas: a) Você percebe se a formação em serviço contribuiu para sua formação profissional no ato do planejar, no agir pedagógico, nos relacionamentos com os colegas, entre outros aspectos? Quais seriam as contribuições que você considera mais importantes? b) Considera importante e significativo para sua formação profissional discutir situações diárias, realizar estudos teóricos e encontrar soluções que permitam sentir segurança diante das situações complexas do cotidiano? c) Como vocês compreendem o papel do espaço colaborativo entre colegas na elaboração de ações pedagógicas e didáticas de ensino para atuar no novo modelo de Ensino Médio?
A pesquisa permitiu a livre manifestação dos professores, respeitando sua ótica em relação às contribuições do processo formativo/planejamento para com a prática diária da sala de aula, identificando características pertinentes ao assunto.
Quando realizada a primeira pergunta aos participantes, obtivemos como resposta do entrevistado P2, as “[...] angústias aí são a parte das contribuições que são mais consideradas quando nós trocamos, quando nós nos ajudamos, de uma maneira ou de outra. Enfim, planejamos, executamos e reavaliamos e enfim, replanejamos”. Na visão de P3, “[...] faz que os problemas fiquem mais leves [...]”, também, “[...] o trabalho em equipe. Ele funciona. Então, se o professor já trabalha em equipe, fica muito mais fácil ele trabalhar em equipe dentro da sala de aula [...]”; já P6 expressa, “[...] eu considero isso tecnologia, quando a gente aborda uma situação complexa. Nós somos educadores. E a gente encontra soluções para esses problemas complexos, é aplicação de ciência [...]”. P3 ressalta, “[...] e essa troca de experiências faz com que aquele professor que está chegando agora ele começa a entender o processo, [...]” e P6 enfatiza, “[...] tu forma o cara [...]”, ou seja, o professor novato. Ainda para P6, “[...] a gente consegue atender especificidades [...]” e complementa P1, “[...] e também é importante ressaltar que quem está na frente é muito importante para nós. [...] Nós também ficamos perdidos”.
Considerando as manifestações dos participantes da pesquisa, identificamos elementos favoráveis no desenvolvimento do processo formativo. P3 expõe que os professores novatos aprendem com a troca de experiências e P6 complementa, dizendo que a formação do professor novato, ingressante no exercício da docência, ocorre no processo de formação em serviço, professores experientes realizam formação ao recém-chegado.
Para os professores efetivos, a formação dos novos professores vem ocorrendo na escola, juntamente aos mais experientes, em momento de troca e de auxílio. Há fragilidade na formação inicial e na instrumentalização para atuar em sala de aula, a qual necessita de uma formação sólida. Em seu estudo a respeito da formação de professores, Nogueira e Borges (2021) evidenciam um retrocesso desse tema desde o governo Temer, onde não tem sido pensada como uma política pública, comprometendo os recursos e a oferta dos programas em nível nacional, estadual e municipal. Esse panorama repercute na qualidade formativa, conforme Imbernón (2011), o tipo de formação inicial de professores não oferece preparo suficiente para aplicar uma metodologia, nem para aplicar métodos desenvolvidos teoricamente na prática de sala de aula. Para o autor, a formação inicial é muito importante, pois é o início da profissionalização, um período em que as virtudes, os vícios, as rotinas, etc., são assumidos como processos usuais da profissão.
A descaracterização da formação docente configura-se como uma questão histórica, e mesmo com a homologação das novas Diretrizes Curriculares para a Formação Inicial da Educação Básica (BNC-Formação), em 19 de dezembro de 2019, não há perspectivas de mudanças direcionadas para sua valorização. A nova BNC-Formação/2019 apresenta desencontros com a Resolução anterior, a CNE/CP n. 02/2015, “[...] que articula formação e valorização dos profissionais da educação, enfatizando a importância da formação continuada, aspecto postergado na nova lei” (Nogueira; Borges, 2021, p. 193). Sobre essa descaracterização, Nogueira e Borges (2021) também destacam que a formação inicial se configura como um desafio diante das políticas públicas, necessitando de ampliação de cursos de licenciatura com a devida qualidade.
A partir desse contexto, considera-se importante possibilitar aos profissionais em formação a realização de socializações de experiências entre os professores, na intencionalidade de organizar e desenvolver ações no ensino e dimensionar a docência em uma perspectiva teórica e prática, para, então, fortalecer o professor e evitar decepções com realidades encontradas na entrada efetiva no ambiente escolar.
A formação inicial se solidificará em um percurso da formação contínua, contribuindo, sobretudo, na qualidade do ensino e para a profissionalização do professor. A formação continuada em serviço, como salientado pelo entrevistado P6, constitui-se em uma verdadeira aplicação de tecnologia, pois aborda a complexidade no âmbito dos problemas e no das soluções, necessitando da ciência para compreendê-las.
Resolver problemas complexos, como apresenta P6, exige formação e, para Malewschik, Ricardo e Hobold (2020, p. 52), “[...] tendo em vista que a formação continuada sucede a formação inicial, relacioná-la com a troca de saberes experimentais ganha consistência, já que tais saberes [...]” são constituídos ao longo da carreira docente.
Nessa perspectiva, entende-se que a instituição escolar, ao promover o aperfeiçoamento com o coletivo de profissionais, sejam ingressantes ou não, propicia oportunidades e possibilidades de apoio e auxílio entre os participantes. Quando em um ambiente escolar se comunga do mesmo objetivo, a probabilidade de desencadear sentimentos benéficos em relação a toda estrutura educativa é superior a quaisquer desafios que a instituição possa percorrer. Como revela Libâneo (2011, p. 12), “[...] faz-se necessário, também, o intercâmbio entre formação inicial e formação continuada, de maneira que a formação de futuros professores se nutra de demandas da prática e que os professores em exercício frequentem a universidade para discussão e análise de problemas concretos da prática”.
Nesse pensamento, metodologias de trabalho somente serão repensadas4, reavaliadas e reconstruídas quando o suporte disponibilizado, suporte humano, permita semear bons sentimentos de auxílio mútuo, modificando, nesse contexto, a ação pedagógica e a qualidade de ensino oferecidas aos alunos. Como afirma o entrevistado P2, “[...] enfim, planejamos, executamos e reavaliamos e enfim, replanejamos”.
Nessa afirmativa, da efetivação real de contribuições oriundas da formação em serviço, confirmam-se os pensamentos de Pimenta e Ghedin (2012, p. 25-26),
Nesse contexto, no que se refere aos professores, ganhou força a formação contínua na escola, uma vez que aí se explicam as demandas da prática, às necessidades dos professores para fazerem frente aos conflitos e dilemas de sua atividade de ensinar. Portanto, a formação contínua não se reduz a treinamento ou capacitação e ultrapassa a compreensão que se tinha de educação permanente.
Essas reflexões promovem análise para respostas obtidas a partir da segunda pergunta, que questiona se considera importante e significativo para a formação profissional discutir situações diárias, realizar estudos teóricos e encontrar soluções que permitam sentir segurança diante das situações complexas do cotidiano. P6 iniciou dizendo, “[...] talvez o maior benefício deste momento aqui seja essa [...]”; complementa P5, de “[...] garantir nossa segurança pessoal também profissional”, e P6 finaliza, “[...] é que isso de discutir situações diárias, realizar estudos teóricos, etc. A gente organiza não o ensino médio, a gente organiza a escola”.
Pelas manifestações dos participantes, não se organiza somente o planejamento de uma etapa de ensino, organiza-se toda a escola, suas diretrizes, a estrutura pedagógica e didática. Conforme Esclarín (2006, p. 51), precisamos de uma “[...] educação que desperte as pessoas, que as ajude a ver e a olhar, que lhes tire as vendas dos olhos, que produza compaixão e misericórdia [...]”, que permita a produção de saberes e conhecimentos para exercer com plenitude o ofício de professor, desenvolvendo a união da equipe com vistas a promover ações na escola e projetos coletivos.
Para encerrar, ao perguntar como compreendem o papel do espaço colaborativo entre colegas na elaboração de ações pedagógicas e didáticas para atuar no Novo modelo de Ensino Médio, obtivemos como respostas: P3, “[...] esse espaço colaborativo é totalmente necessário para o fazer pedagógico. Principalmente no fato da parte flexível”. Segundo P6, “[...] e aí tem mais isso da instabilidade dos horários. É um excesso de ACT, tem que efetivar gente aí para saber quem é a equipe... para o cara permanecer [...]”, e P5 destaca “[...] acredito que o novo ensino médio, sem esse espaço colaborativo, ele se descaracteriza, ele não tem significado algum. Acho que esse novo ensino médio vai partir do trabalho colaborativo, do protagonismo, quem chega novo aí tem que tentar ir se enturmando”.
Conhecer e trabalhar em equipe, planejar em conjunto, desenvolver o protagonismo e o trabalho colaborativo são premissas pedagógicas identificadas pelos pesquisados e também presentes no pensamento de Esclarín (2006, p. 159), de que “[...] toda a escola é uma grande equipe, unida na identidade e na missão, na qual cada um assume sua tarefa com inteira responsabilidade, cuida e se preocupa com todos os demais”. Como bem frisado por Gatti, Baretto, André e Almeida (2019, p. 19), “[...] o trabalho pedagógico é a essência das atividades escolares e, portanto, a essência do trabalho dos professores. Trabalho que, como em outros setores da atividade humana, precisa ser aprendido, e, para o qual já se consolidaram conhecimentos”.
O espaço de formação em serviço que conta com colaboração, com trabalho em equipe, com apoio do outro, desenvolve um sentimento de pertença, de compartilhamento de experiências, assumindo em conjunto a responsabilidade e o compromisso para constituir trabalho pedagógico de qualidade. Ao longo da vida e da carreira, o professor constrói saberes e os fortalece, à medida que assume uma formação contínua, contribuindo para desenvolver ações pedagógicas e didáticas enriquecedoras em um coletivo.
Conclusão
Considerando o objetivo deste estudo, constata-se que o modelo de proposta formativa instituída na Escola de Educação Básica de Ipumirim, SC, apresenta-se como um processo inovador, em que a qualidade das ações pedagógicas são frutos dos momentos de planejamento e de integração no período formativo.
Mesmo que em inúmeros momentos discute-se o esvaziamento da função específica da escola ligada ao domínio dos conhecimentos sistematizados, dos quais a nova modalidade de ensino foi reduzida, há que se destacar que os processos de formação continuada têm contribuído para que o professor consiga se adaptar ao processo e compreender que o saber científico, que assegurava o ensino da elite, reconfigurou-se para um novo sistema educativo para as massas, um modelo flexível e integrador, que exige do professor não desenvolver somente no aluno âmbito cognitivo, mas favorecer a aprendizagem, organizar com eficiência os trabalhos pedagógicos para desenvolver o protagonismo. E que, para além do ensino, a atuação docente mantenha o equilíbrio psicológico, afetivo dos alunos, como também desenvolva sua integração social e sua educação sexual, entre outros vários elementos que passam a ser atributos da escola.
Esses fatores provocam, além da sobrecarga de trabalho ao professor, enfraquecimento e esvaziamento dos conhecimentos inerentes ao ensino. Um verdadeiro drama se impõe nessa nova conjuntura, com grande fragmentação das atividades do professor, o qual desempenha um leque abrangente de funções que tem se tornado um problema para a qualidade de educação.
Nessa conjuntura, o modelo instituído de formação em serviço vem contribuir para que o professor consiga se situar nesse novo espaço e tempo, apoiando-se em um formato colaborativo entre os pares, provedor de crescimento e fortalecimento do trabalho.
A diferença na formação em serviço centra-se na colaboração mútua entre colegas, que, por sua vez, fortalecem a prática educativa e desenvolvem o sentimento de pertencimento ao processo, ou seja, contribui para a construção de uma identidade pessoal e profissional do professor em sua realidade escolar e em seu contexto social.
Construir alternativas para facilitar a caminhada dos atores do ensino de uma escola torna-se uma maneira de enfrentar e transpassar os obstáculos advindos com o novo, o novo tempo, a nova reconfiguração de educação.
Esse papel do professor que se apresenta reescrito, em um formato que atenda uma escola reformada, pluralista, democrática, diversa e com nova roupagem, necessariamente requer forças e incentivo do conjunto da sociedade, dos agentes educativos e da administração. Mas nada se fez tão crucial, para este fim, como a formação continuada do professorado














