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Conjectura: Filosofia e Educação

versão impressa ISSN 0103-1457versão On-line ISSN 2178-4612

Conjectura: filos. e Educ. vol.23 no.2 Caxias do Sul maio/ago 2018  Epub 26-Ago-2019

 

Editorial

Apresentação

Presentation

Everaldo Cescon

Nilda Stecanela

Evaldo A. Kuiava

editores


Abrimos o presente número da revista Conjectura: filosofia e educação, com o texto de Marcos Alexandre Alves intitulado A fenomenologia heideggeriana e a diferença de princípio entre filosofia e ciência. No referido texto, o autor examina, em âmbito fenomenológico, as categorias da experiência fática da vida e do fenômeno histórico, a partir da primeira parte da preleção “Introdução à fenomenologia da religião”, proferida por Martin Heidegger; elucida a peculiaridade dos conceitos filosóficos e a diferença de princípio que há entre filosofia e ciência; apresenta a reelaboração do método fenomenológico, enquanto ponto de partida da filosofia, capaz de fazer jus à vida fática (concreta e individual) e à historicidade (mundo vital e “significatividade”) do Ser-aí; examina o significado do fenômeno histórico e a crítica à maneira habitual de pensá-lo, como “algo que transcorre no tempo” ou “uma propriedade geral aplicável a todo objeto temporal”, e conclui que as vias de afirmação da vida contra o histórico caem no modo teorético e não expressam o histórico em seu caráter imediato. Portanto, preservar o caráter fenomenológico e intranquilizador da história significa respeitar a historicidade viva e a força vital e multidirecional do sentido fático do Ser-aí.

A seguir, apresentamos o texto Progresso e não determinismo científicos, a partir de conceitos-chave da epistemologia de Thomas Kuhn, de autoria de Marcello Ferreira, André Luís Silva da Silva e Maria de Fátima da Silva Verdeaux. Os autores buscam, na epistemologia de Thomas Kuhn, aportes teóricos sobre a forma como a ciência progride, os quais sugerem uma aproximação com aspectos históricos de uma ciência, por definição, não determinista. Discutem conceitos como paradigma, incomensurabilidade, ciência normal, anomalias e crises, revolução científica e ciência extraordinária, com base na obra A estrutura das revoluções científicas, em literatura correlata e fontes secundárias. As consequências desse encadeamento teórico levam, à luz da epistemologia de Kuhn, a fundamentos que permitem uma discussão sobre o caráter temporal, condicional, suscetível, incerto – e, portanto, não determinista – do conhecimento científico.

Em Entre a conservação da memória e a possibilidade de novas fundações: o que permanece da tradição em Hannah Arendt?, Daiane Eccel averigua no que realmente consiste o ocaso da tradição do pensamento ocidental diagnosticada por Arendt. Em um segundo momento, investiga o papel da expressão cunhada como “pensar sem corrimão” (denken ohne Geländer), que contribui para pensar uma espécie de “refundação” ou “renascimento” da tradição.

Fausto dos Santos Amaral Filho, em As raízes filosóficas das questões que envolvem a revisão ética nas pesquisas científicas no Brasil, procura identificar os possíveis fundamentos filosóficos que possam embasar a área biomédica, no sistema CEP/Conep, que justifiquem o seu domínio frente às questões relativas à revisão ética na pesquisa científica no Brasil. Para tanto, começa por expor o modo pelo qual se processa a referida ingerência e a sua inadequação ético-epistemológica. Na sequência, identifica, no surgimento da própria concepção de episteme, na Grécia antiga, as possíveis raízes desse imbróglio. Termina mostrando que é, a partir de uma apropriação duvidosa da filosofia de Descartes, que a área biomédica julga poder justificar o seu domínio frente às outras ciências, principalmente frente às Ciências Humanas e Sociais. Revela, assim, que os procedimentos universalizantes estabelecidos pelo sistema CEP/Conep, ao fim e ao cabo, não possuem fundamento algum, mas, apenas e tão somente, um desejo não justificado de poder.

O quinto texto é Angústia e desespero como possibilidade de construção da existência humana a partir da filosofia de Sören Kierkegaard. Seus autores, Luciano da Silva Façanha e Leonardo Silva Sousa analisam a experiência da angústia e do desespero, tomando como base a filosofia existencial de Sören Aabye Kierkegaard (1813-1855). Ao refletir sobre a angústia e o desespero, pretendem acentuar o caráter positivo de tais experiências. Através da angústia, o homem pode tomar conhecimento de que é um ser-capaz-de, e que, diante de diversas possibilidades, pode escolher, exercitando sua liberdade. No tocante ao desespero, o homem pode perceber os graus de inautenticidade de sua condição existencial. A partir desse dado, pode tomá-lo como ponto de partida para a construção de uma existência esclarecida e autêntica, realizando a síntese do finito e infinito, do temporal e do eterno, da possibilidade e necessidade.

Patrícia Ketzer, em Refutação do conceito de confiança de Richard Foley, apresenta os argumentos de Foley sobre autoconfiança (self-trust), bem como o argumento que deriva confiança (trust) nos outros de autoconfiança, e suas implicações. Para concluir, identifica alguns problemas decorrentes dessa proposta, apontando as lacunas da teoria para os estudos em Epistemologia do Testemunho e explicitando sua inviabilidade.

A seguir, apresentamos o texto As crianças participam de corpo inteiro, de Kátia Agostinho. A partir de uma pesquisa etnográfica, com crianças de 3 a 6 anos, sua empiria e bases teóricas, Agostinho sustenta que o corpo das crianças está na base de toda sua experiência social, mediador das relações, das práticas, dos discursos, das apropriações do Outro e do mundo. Tal ideia precisa ser considerada nas práticas pedagógicas, para que vençamos os fortes mecanismos de controle e dominação que instituem e orientam um ordenamento social normativo do modelo ideal de corpo disciplinado e obediente, que marginaliza e exclui o corpo da criança ávido por descobrir e descobrir-se na sua relação “novidável” e embrionária com o mundo. As crianças, como atores sociais de corpo inteiro, têm na sua ação incorporada uma de suas formas de participar dos contextos coletivos de educação pela qual expressam seus pontos de vista. É imprescindível o desenvolvimento de abordagens adequadas às formas de comunicação das crianças, instaurando uma cultura de comunicação que comece a partir da posição da criança, a fim de que possamos construir práticas democráticas, estabelecidas no paradigma da escuta, mais especificamente da ausculta, implicadas na comunicação humana.

Alberto Paulo Neto, em Democracia republicana e cidadania contestatória em Philip Pettit, apresenta a filosofia política de Philip Pettit. Na construção historiográfica e normativa do significado do republicanismo, Pettit reafirma a centralidade da liberdade como não dominação. O republicanismo apregoa que a liberdade como não dominação é o princípio necessário para a avaliação de qualquer organização social e política. Esse princípio não se constitui como valor apriorístico da teoria política, porque as relações não dominadas são compreendidas em suas diferentes formas e contextos. No âmbito social, ela exigirá que as relações entre indivíduos sejam justas e não haja motivo para que se tenha medo ou deferência perante as diferenças econômicas ou sociais. A liberdade como não dominação poderá oferecer os recursos sociais necessários para que não se tenha as relações assimétricas de capacidade de influência e escolha na sociedade política. No âmbito político, a liberdade republicana será representada pela capacidade dos cidadãos de influenciarem e direcionarem as decisões dos representantes políticos. Por isso, Paulo Neto aborda os elementos políticos necessários para a contenção da dominação pública (imperium). No âmbito político-democrático, a oportunidade de participação política, a discussão das desvantagens sociais e políticas e as formas de contenção da dominação pública serão mecanismos para a diminuição da dominação pública. O exercício da contestação e o controle popular podem ser os mecanismos políticos para a saída da forma minimalista de compreender a ação política, como realização das preferências individuais (Schumpeter). Esse exercício político significa a possibilidade de realização do ideal de bem comum pelo procedimento discursivo de formação da opinião e da vontade política. O debate e a contestação se constituem como ambiente para o entendimento sobre as normas comuns. Nesse sentido, o modelo republicano de democracia prioriza o exercício dos direitos políticos básicos, como sendo a ferramenta para estabelecer a vontade política. A democracia republicana possibilita o compartilhamento dos direitos políticos entre os cidadãos e incentiva que eles exerçam o controle popular sobre as decisões governamentais.

Em Da magia ao ciberespaço: a imagem como mediação das angústias primitivas, Marsiel Pacífico e Luiz Roberto Gomes analisam fenômenos como o Youtube, a selfie e o Twitter, entre outros, a fim de demonstrar, em sua forma e conteúdo, que a compulsão por tornar a própria vida privada em um espetáculo público nas redes sociais denota um contexto no qual existir passa pela mediação simbólica da autoemissão através de imagens, de modo a conjugar o ser à proporção do aparecer. Assim, estar fora das plataformas virtuais ganha o peso ontológico de não existir, pois o cogito de nosso tempo resume-se em apareço logo existo. De tal modo, contemporaneamente, com a evolução das novas tecnologias, o ciberespaço e suas plataformas estão muito presentes nas interações humanas e, neste contexto, a imagem ganha forças de protagonista. Desta maneira, concluem que, travestido pela roupagem tecnológica, o uso da imagem ainda guarda as mesmas intenções de suas expressões arcaicas: buscar a permanência do sujeito frente aos medos primitivos.

A promoção do desenvolvimento humano de Amartya Sen a partir da releitura smithiana, de Thaís Alves Costa e Evandro Barbosa é o nosso último texto. Nele, os autores avaliam em que medida a releitura que Amartya Sen faz do pensamento smithiano permitiria vislumbrar a economia internacional, como promotora do desenvolvimento humano. Com esse intuito, inicialmente, apresentam a releitura seniana da obra de Smith, focando em suas preocupações éticas, para em seguida apresentar o modelo de justiça pautado nas liberdades, como condição para o progresso humano em Sen.

Por fim, na seção Traduções, publicamos As ciências e as humanidades de Henri Poincaré, tradução sob a responsabilidade de Josemar de Campos Maciel e João Alberto Mendonça Silva.

Henri Poincaré é um cientista clássico, dos melhores que a França produziu entre o final do século XIX e o início do século XX. Mas o seu perfil tem algo de especial. Ele antecipa a história de Thomas S. Kuhn, de Ludwig Wittgenstein e de Michael Polanyi, que começaram a própria biografia por curiosidade, trabalhando no campo científico-tecnológico, e foram como que arrastados (dragged) para problemas filosóficos, ficando todos eles muito conhecidos na área da filosofia. Nesta conferência, Poincaré procura responder à pergunta acerca da relação entre a cultura humanista e a tecnológica. É interessante observar, a propósito, em primeiro lugar, que ele escreve isso quando a França se encontrava numa encruzilhada, qualificando-se para entrar na onda da industrialização que se anunciava, nos albores do século XX. Poincaré denuncia profeticamente e com muita cautela alguns perigos.

Boa leitura!

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