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Conjectura: Filosofia e Educação

versão impressa ISSN 0103-1457versão On-line ISSN 2178-4612

Conjectura: filos. e Educ. vol.27  Caxias do Sul  2022  Epub 20-Mar-2024

https://doi.org/10.18226/21784612.v27.e022024 

ARTIGOS

Sobre a filosofia como pedagógica do sagrado: uma abordagem decolonial

Philosophy as pedagogy of the sacred: a decolonial approach

Bruno Santos Alexandre1 

1Doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP). Professor de Filosofia no Ensino Básico (Fundamental 1), na rede municipal de ensino de Itupeva-SP.


Resumo

Trata-se, neste artigo, de investigar as noções de filosofia, pedagogia e sagrado à luz do chamado giro decolonial. Assim, a partir de um diálogo que procuro estabelecer com Enrique Dussel, Catherine Walsh e M. Jacqui Alexander, desenvolvo duas hipóteses. Em primeiro lugar, pretendo defender que para esses autores haverá uma noção de pedagogia que não se confunde unicamente com um instrumento, meio ou termo acessório para a filosofia. O importante é que, para esses intérpretes, isso pretende enunciar que haverá uma dimensão de pedagogia que está na base da constituição da própria ideia de filosofia. Em segundo lugar, e com mais importância, argumento que essa concepção de filosofia precisará ser ainda entendida de um duplo modo: (i) como uma epistemológica /pedagógica indispensável para a abordagem, o conhecimento e o tratamento da realidade; e (ii) como o prolongamento do encontro com uma realidade, ao mesmo tempo, indeterminada e sagrada. A relação entre essas duas dimensões filosóficas poderá ser assim sumarizada: mediante o aprender e o ensinar alternadamente (como práxis, atitude e método filosófico por excelência) é que se permitirá que a realidade apareça, ou seja, que o Outro possível apareça (para que fale, conheça e seja). Tal realidade sempre Outra – que não se pode localizar em qualquer lugar ou tempo, na mesma medida em que se faz presente em todos os lugares e momentos – é o que se poderá caracterizar como o sagrado. E é o que fará do sagrado, por conseguinte, agência de resistência e perturbação a todo esforço epistemológico, tanto quanto (e por isso mesmo) a atitude notadamente epistemológico-pedagógica como instância de revelação de um mundo prenhe de sentidos possíveis.

Palavras-chave Decolonialidade; Pedagogia; Sagrado

Abstract

This article explores the notions of philosophy, pedagogy, and sacred as part of the so-called decolonial turn. Based on a dialogue with Enrique Dussel, Catherine Walsh, and M. Jacqui Alexander, I develop two different hypotheses. First of all, I intend to argue that, for Dussel, Walsh and Alexander, there will be a notion of pedagogy that is not confused solely with a tool or device for philosophy. This intends to state that, for these interpreters, there will be a dimension of pedagogy that is attuned to the very idea of philosophy. Secondly, and more importantly, I argue that this conception of philosophy must be understood in two ways: (i) as an indispensable epistemological/pedagogical for approaching, understanding and dealing with reality, and (ii) as a prolongation of the encounter with a reality at once indeterminate and sacred. The relationship between these two philosophical dimensions can be summarized as follows: by alternating learning and teaching (as philosophical praxis, attitude, and method) to allow reality to appear, that is, for the possible Other to appear (and, therefore, speak, understand and be). This reality, which is always Other – it can’t be found in any time or place in the same way that it exists in all places and moments – can be described as sacred. And for this reason the sacred can be an agent of resistance and disturbance of all epistemological efforts as well as (and precisely because of this) this epistemological-pedagogical attitude as a revelation of a world full of possible meanings.

Keywords Decoloniality; Pedagogy; Sacred

Introdução

Trata-se, no presente artigo, de propor um trabalho que adentre o campo da chamada teoria decolonial, termo pelo qual ficou conhecida a abordagem crítica que investiga o acontecimento colonialista, suas origens e desdobramentos, notadamente no território da América Latina. Pode-se marcar o nascimento dessa matriz crítico-interpretativa em torno do surgimento do grupo de estudos Modernidade/Colonialidade, fundado em 1998 por autores como Aníbal Quijano (1992), Walter Mignolo (2011; 2018), Enrique Dussel (1994; 1998a; 1998b), Catherine Walsh (2006; 2017), Nelson Maldonado-Torres (2007), Santiago Castro-Gómez (2005a; 2005b), Ramón Grosfoguel (2002; 2012), dentre outros. Dessa gama de autores e de seus inovadores trabalhos, tomo especificamente as contribuições de Dussel e Walsh como objeto de estudo. Além disso, porém, recorro à colaboração de M. Jacqui Alexander, que mesmo sem participar do mencionado grupo com este comunga referências e interesses, muito especialmente no assunto que ora intento examinar, qual seja: certa noção de pedagogia que não se pôde conceber no interior das bases definidoras da moderna filosofia europeia.

Do ponto de vista da história intelectual, teoria ou giro decolonial foi o epíteto associado a certos desdobramentos radicais da teoria pós-colonial no continente americano a partir do final dos anos 90 do século XX. Empregada pela primeira vez por Nelson Maldonado-Torres em 2005, a locução “giro decolonial” entrou na composição do título “Mapping Decolonial Turn” de uma das reuniões do Grupo de Estudos Modernidade/Colonialidade – fundado ao mesmo tempo na esteira e como dissidência do Grupo de Estudos Subalternos2. Se, por um lado, o grupo Modernidade/Colonialidade, como o grupo de Estudos Subalternos, preocupa-se com a chamada diferença colonial, marcada pela “subalternização passada e presente de povos, linguagens e conhecimentos” (WALSH, 2006, p. 28), por outro , o novo grupo chama a atenção para algo que o antigo não teria sido capaz de evidenciar: o ineditismo filosófico-político inerente ao acontecimento histórico do colonialismo europeu em solo americano. Em 1492, com a invasão do que hoje chamamos de América, teria se desenvolvido, pois, todo um arcabouço teórico jamais visto, normatizando e legitimando a conquista. Conforme afirma Dussel, inspirado em célebre artigo de Quijano (1992), a ação colonizadora pelo “‘eurocentrismo’ consiste exatamente em confundir ou identificar aspectos da universalidade abstrata (ou transcendental) humana em geral com momentos da particularidade europeia (isto é, a primeira universalidade humana concreta)” (DUSSEL, 1998b, p. 114). Tal como se falar da cultura e da filosofia europeias fosse o mesmo que falar de uma cultura e uma filosofia universais, tal como se o ego conquiro (eu conquisto) de Hernán Cortez não fosse menos que uma extensão ou direito natural do ego cogito (eu penso) de Descartes ( DUSSEL, 1988b, p. 114). Daí o motivo de o argumento basilar atinente ao chamado “giro decolonial” ser que a noção de modernidade não vai sem a de colonialidade.

Em uma investigação dotada dos contornos acima destacados, tudo começa, então, com o anseio de perscrutar pelo que poderia ser o outro da modernidade colonial: a boa nova, uma espécie de modernidade avessa ao ideário colonialista. Para tanto, faz-se necessário investir no estudo de categorias como de “pensamento fronteiriço” (ANZALDÚA, 1987), “cumplicidade subversiva” (GROSFOGUEL, 2002) e “transmodernidade” (DUSSEL, 2002). Nessa seara, alguns elementos precisarão ser frisados inicialmente. Em primeiro lugar, deve-se esclarecer que, mediante categorias como essas, não se trata de propor uma mescla de conhecimentos: o ponto em comum ou de acordo entre as diferentes culturas, visto que isso conferiria vantagem aos procedimentos e às finalidades da epistemologia hegemônica da vez. Porém, tampouco é o caso da mera inversão da lógica binária essencialismo ou historicismo, como se a alternativa fosse uma versão identitária/fundamentalista da particularidade histórica alçada ao fator primordial. O que se pretende com tais categorias decoloniais, na realidade, é sublinhar a tensão na origem de toda transformação sociocultural: a condição de possibilidade do novo e do vir a ser outro, a qua l habita antes a interculturalidade do que a acomodação.

De maneira geral, o que se encontra em jogo neste ponto do debate é uma alternativa ao que Santiago Castro-Gomez denominou de “hybris do ponto zero” (2005a), com a qual operaria a epistemologia moderna/colonial: o truísmo em um ponto de partida neutro, como se desnecessário fosse questionar o lugar a partir do qual se fala e se produz conhecimento. Como explica Ramón Grosfoguel (2007, p. 65) sobre o assunto, o universalismo moderno/colonial é abstrato em dois sentidos:

primeiro, no sentido do enunciado, de um conhecimento que se abstrai de toda determinação espaço-temporal e pretende ser eterno; e segundo, no sentido epistêmico de um sujeito de enunciação que é abstraído, esvaziado de corpo e conteúdo, e de sua localização na cartografia do poder mundial, desde a qual se produz conhecimentos, para assim propor um sujeito que produz conhecimentos com pretensões de verdade, como desenho global, universal para todos no mundo .

O autor afirma, ainda, que “o primeiro sentido de universalismo abstrato (o dos enunciados) é possível somente se se assume o segundo (o do sujeito de enunciação)” (GROSFOGUEL, 2007, p. 65). Todo o ponto é: dessa crítica à modernidade/colonialidade não se segue a defesa ou a inexorabilidade de “um particularismo estreito e fechado, que conduza a um provincianismo ou a um fundamentalismo segregacionista, que se amuralha em sua particularidade” (GROSFOGUEL, 2007, p. 72). Nada disso ambiciona, portanto, estabelecer uma divisão estéril entre objetividade/verdade/realidade versus cultura/história/tradição; pretende apenas argumentar que a realidade a ser conhecida advém de um diálogo crítico entre as diversas preconcepções de como conhecer; pretende defender a verdade como a que toma o caminho da particularidade à universalidade e nunca o contrário. “A descolonização”, Grosfoguel (2007, p. 72) conclui, “passa pela afirmação de um universalismo concreto, depositário de todos os particulares. Se o universalismo abstrato estabelece relações verticais entre os povos, o universalismo concreto [... ] é necessariamente horizontal em suas relações entre todos os particulares” . Assim, uma epistemologia de caráter decididamente exploratório, concernida em “descolonizar o imaginário e poder pensar em alternativas possíveis” (GROSFOGUEL, 2012, p. 355), é o que se seguirá de um diálogo crítico intercultural, segundo o qual toda abstração (dos enunciados ou de seus sujeitos) falhará em totalizar o multifacetado sentido do real.

Para intérpretes como Dussel, Walsh e Alexander, nesse “pluriverso transmoderno (com muitas universalidades: europeia, islâmica, vedanta, taoísta, budista, latino-americana, bantu etc.)” (DUSSSEL, 2016, p. 70) a realidade que então se revela em todo ato de conhecer é justamente a de um outro enquanto Outro: da realidade como possibilidade – de outras línguas, outras culturas, outros modos de pensar/existir possíveis. Doravante, desamparada de um fundo abstrato, mas não da universalidade, a filosofia que assim comparece coloca-se na posição de anunciar o seu empreendimento mais como prática – que então envolve escolha, deliberação e produção/transformação de universais – do que como teoria – a subsunção de casos particulares a regras universais. E como poderia ser diferente se o tematizado e teorizado, isto é, o Outro a ser decifrado e enunciado (o Outro como possibilidade), é exatamente o que não pode ser inteiramente teorizado e que resiste a sê-lo? Fazer filosofia passa a ser, com isso, a tarefa de atentar-se e permanecer vigilante à tendência de todo empreendimento epistemológico de trair o Outro, ofuscá-lo ou mesmo apagá-lo , como se fez e ainda se faz, por exemplo, com as mulheres e etnias oprimidas; com as grandes maiorias assalariadas do capitalismo; com a periferia mundial empobrecida; com a apropriação instrumental da natureza; com a fetichização dos deuses e da religião etc.

Desenvolvido sob esse pano de fundo, o específico problema que o presente artigo se propõe a enfrentar é o que toca a relação entre filosofia e educação à luz dos embates decoloniais. Duas são as principais hipóteses.

Em primeiro lugar, pretendo defender que para Dussel, Walsh e Alexander haverá uma noção de pedagogia que não se confunde unicamente com um instrumento, meio ou termo acessório para a filosofia e, desse modo, não pode ser entendida tão somente como ciência do ensino ou como escolarização. Isso pretende enunciar que, para esses intérpretes, haverá uma dimensão de pedagogia que se encontra na base de constituição da ideia de filosofia.

Em segundo lugar, e com mais importância, argumento que essa concepção de filosofia precisará ser entendida de um duplo modo: (i) como uma epistemológica/pedagógica indispensável para a abordagem, o conhecimento e o tratamento da realidade; e (ii) como o prolongamento do encontro com uma realidade, ao mesmo tempo, indeterminada e sagrada. A relação entre essas duas dimensões filosóficas poderá ser assim sumarizada: mediante o aprender e o ensinar alternadamente (como práxis, atitude e método filosófico por excelência), permitindo que a realidade apareça, ou seja, que o Outro possível apareça (para que fale, conheça e seja). Do que decorrem as duas apostas principais deste trabalho:

  1. impossibilitada de entrar em plena identidade com a realidade, quer dizer, impossibilitada de defini-la de uma vez por todas, segue-se a tarefa da epistemologia como não mais do que uma pedagogia infinita para si mesma, um ensinar e aprender sem fim;

  2. por conseguinte, a tarefa de tal pedagógica/epistemológica enquanto resposta às demandas de algo que seria o Outro de si mesma, porquanto o Outro de toda intencionalidade humana, a sacralidade da realidade sempre Outra, desta feita, uma exterioridade como exterioridade, jamais inteiramente decifrável ou apreensível por qualquer busca por conhecimento que seja. E aqui se descortinaria uma segunda dimensão filosófica para além da epistemológica /pedagógica: mais originária e mais fundamental, uma experiência que poderá ser descrita como filosófico-religiosa. É a que reporta ao nosso encontro com o real enquanto tal: com aquele Outro desestabilizador, na mesma medida em que possibilitador, de nossos sistemas.

Do que exatamente tratam tais noções de pedagógica e de sagrado, hauridas do chamado giro decolonial, é a discussão que tento animar com a proposição do presente artigo. O primeiro passo de uma pesquisa de muito mais fôlego e que apenas se inicia. O mais interessante dest e estudo reside mesmo em constatar que é apenas com Enrique Dussel, Catherine Walsh e M. Jacqui Alexander que a epistemologia decolonial será apresentada notadamente como uma pedagógica decolonial. E mais, uma pedagógica do sagrado. Com esse delineamento, acredito que toma corpo uma verdadeira matriz interpretativa: uma linhagem específica no interior do quadro da teoria decolonial. Os meandros dessa singular matriz é o que proponho tão somente mapear no decorrer deste estudo, que funcionará como um guia ou uma preparação de terreno para aprofundamentos futuros. Por tudo isso, é unicamente o levantamento de algumas questões, sobremaneira importantes para a teoria decolonial, assim como algumas possíveis hipóteses, o que ofereço com est e trabalho.

Nas primeiras duas seções do artigo a ênfase de análise é depositada sobre a questão da epistemológica decolonial, ao passo que nas duas últimas seções a ênfase é conferida ao sagrado decolonial.

Discussão

Enrique Dussel e a filosofia como pedagógica

Para a investigação do tema de uma pedagógica filosófica em Dussel, fundamental é que a análise se baseie no período em que autor mais contribuiu ao assunto: entre as décadas de 1970 e 1980, com os livros Método para una filosofía de la liberación (1974), Filosofia de la liberación (1977) e, sobretudo, La pedagógica latinoamericana (1980).

O primeiro ponto a se ter em mente quando da investigação do tema da educação em Dussel é que, em suas próprias palavras, “não se deve confundir a pedagógica com a pedagogia. Esta última trata da ciência do ensino ou da aprendizagem” (DUSSEL, 1980, p. 11). E o que seria, afinal, a pedagógica dusseliana? “A pedagógica, diferentemente”, explica-nos o autor, “é a parte da filosofia que pensa a relação cara a cara entre pai e filho, mestre e discípulo, médico ou psicólogo e enfermo, filósofo e não filósofo, político e cidadão etc.” (DUSSEL, 1980, p. 11). Pedagógica, desse modo, é o que estaria presente em toda e cada atividade e que nos permitiria remeter ao Outro: aperceber-se dele, reconhecê-lo como possuidor de voz própria. Entretanto, mais do que isso, pois aperceber-se de que o Outro possui sua própria voz é o que constituirá o primeiro princípio da filosofia dusseliana, que encontra na concepção de alteridade o seu elemento fulcral. E será exatamente esse para além de si mesmo, essa alteridade com necessidade metafísica, que se fará presente no ana da composição neologística analética, noção apontada por Dussel como o principal “momento” de seu próprio método dialético (DUSSEL, 1977a ). Em Filosofia de la liberación a analética será então descrita como o “momento” responsável por proporcionar com que a dialética se encontre finalmente em condições de ser levada ao seu limite: no sentido de uma real “afirmação da exterioridade” (DUSSEL, 1977a, p. 164), afirmação do Outro.

Para Dussel, o prefixo ana (para além ou Outro de si mesmo) vem em substituição ao que considera como o deveras tímido e indeciso dia da dialética grega – o qual, por sua vez, remontaria à troca, à interação que, ao fim e ao cabo, cederia ao logos: à reunião dos dessemelhantes em um mesmo discurso racional. Sob a ótica de autores interessados numa crítica intercultural da razão, como Dussel e François Jullien, a alteridade, por assim dizer, vacilante da maior parte da filosofia grega, obcecada em estabelecer identidades, operaria no limite como um gesto de extirpação da diferença – “procedendo ‘de diferença em diferença’, como disse Aristóteles, nos faz chegar à última diferença que entrega a essência da coisa, a que enuncia a sua definição” (JULLIEN, 2016, n.p.).

Muito poderia ser dito sobre as noções de “metafísica” e de “analética” em Dussel. Por ausência de espaço e pelo recorte escolhido para o presente artigo, deixo a discussão mais alongada desses tópicos para os desdobramentos futuros de minha proposta de investigação. Acerca da noção dusseliana de “metafísica”, contudo, convém ao menos adiantar dois pontos. Em primeiro lugar, é de se notar que Dussel reserve a noção de “ontologia” para descrever as filosofias fechadas ao Outro, enquanto não deixa de empregar o termo “metafísica” para a sua filosofia da alteridade. E isso conduz ao segundo adiantamento , pois “ontologia”, para o autor, enviaria à autossuficiência de um fundamento que tudo abarcaria, a uma doutrina do ser. Já uma “metafísica” da alteridade está baseada em algo diferente: na radical alteridade do Outro, na expectativa do novo. E por que de se insistir no uso do termo “metafísica”? É que a relação para com ao Outro, de acordo com Dussel, não deixará de instituir uma filosofia primeira, embora ética e não propriamente ontológica. Isso quer dizer que a materialidade do rosto do Outro deve ser tomada com preeminência metafísica: quando a ética passa então a definir o território da filosofia. Nas palavras do próprio autor, “entre os entes há um que é irredutível a uma dedução ou demonstração a partir do fundamento: o ‘rosto’ ôntico do outro, que em sua visibilidade permanece presente como trans-ontológico, metafísico, ético” (DUSSEL, 1974, p. 183). Essa impossibilidade de submeter o Outro a categorias que habitariam uma abstrata região ontológica, como diz Carlos Beorlegui, “faz com que o diálogo (dia-lética), tanto entre seres humanos individuais como entre povos e culturas, não possa se dar por encerrado pela dialética, senão aberto à radical e absoluta novidade” (BEORLEGUI, 2010, p. 739).

De todo modo, o principal movimento de análise nessa primeira etapa da pesquisa deverá ser sensivelmente outro. Tal movimento reside em perceber que o método dialético-analético é com mais exatidão alinhado nas ocasiões em que o autor faz referência à sua peculiaridade filosófico-pedagógica pela seguinte razão: por pedagógica, Dussel parece entender justamente o que move, aciona e então encaminha em direção à realidade indeterminada e aberta. Procurando dizer de modo mais claro, para esse intérprete a metodologia da libertação é precisamente uma atitude com relação ao que nos vem ao encontro: a atitude pedagógica frente ao real, frente aos mundos Outros. É a atitude de tomar o Outro antes como origem de possibilidade de ser do que como objeto a ser totalizado por meu mundo; de tomar os sentidos de ser enquanto fundamentados no encontro com o Outro, nunca o contrário.

Dessa maneira, muito além do que um simples modo de falar, uma metáfora ou mera ilustração de sua filosofia, a pedagógica em Dussel assume um lugar central – em meu modo de entender, como uma epistemológica-pedagógica, a atitude e intencionalidade de remeter ao Outro, de elucidar a filosofia como uma ética e, de maneira mais afinada, como uma relação intersubjetiva de ensinar e aprender alternadamente3. “O pedagógico neste caso”, conclui o autor, “tem uma ampla significação de todo tipo de ‘disciplina’ (o que se recebe de outro) em oposição à ‘invenção’ (o que se descobre por si mesmo)” (DUSSEL, 1980, p. 11).

Dentre os muitos leitores desse filósofo latino-americano, é Catherine Walsh quem parece ter melhor compreendido a centralidade do elemento pedagógico na construção de sua filosofia. E é Walsh quem mais se ocupou – mais inclusive do que Dussel – em demonstrar que a imbricação entre filosofia e pedagogia tem seu berço de nascimento no campo dos embates decoloniais. O que nos permite, além disso, esclarecer alguns importantes liames conceituais da filosofia decolonial bem como compreender a relevância que um pedagogo como Paulo Freire importa para essa matriz filosófica.

Catherine Walsh e a pedagógica infinita para si mesma

De maneira muito próxima ao que se acabou de acompanhar na análise do pensamento de Dussel, assevera Walsh (2017, p. 3) que “a pedagogia se entende como a metodologia imprescindível dentro da e para as lutas sociais, políticas, ontológicas e epistêmicas de libertação” . Reportando, pois, ao âmago da existência de sujeitos e comunidades colocadas em posição subalterna, isto é, do Outro que resiste a ser abstratamente universalizado, “as pedagogias pensadas assim não são externas à realidade” (WALSH, 2017, p. 3). Enquanto parte de um mundo em que a contingência é por necessidade (produtora de universais concretos) e não por acaso ou relativismo (bloqueadora de quaisquer universais), atos pedagógicos são então todos aqueles com efeito de “abrir consideração, atenção e reflexão para caminhos e condições radicalmente ‘outros’ de pensamento” (WALSH, 2017, p. 3). Caso ainda não tenha ficado claro, esse não é um modo de sustentar quaisquer práticas, tais como o puramente aleatório/cultural/histórico/tradicional, senão “práticas entendidas pedagogicamente – práticas como pedagogias – que fazem questionar e desafiar a razão única da modernidade ocidental e do poder colonial ainda presente” (WALSH, 2017, p. 3).

De minha parte, uma vez mais, penso ser adequado entender as ditas práticas pedagógicas – “fundamentadas na realidade das pessoas, suas subjetividades, histórias e lutas” (WALSH, 2017, p. 87) – como a defesa de uma específica atitude e intencionalidade para a compreensão e o tratamento da realidade, noutros termos, como a adoção do que neste artigo interpreto como uma epistemologia. Distintamente de Dussel, para quem a noção de epistemologia não adquire centralidade conceitual, nos textos de Walsh essa noção é largamente empregada e geralmente associada “à necessidade de tomar com seriedade a força epistêmica das histórias locais e de pensar a teoria através das práticas políticas de grupos subalternos” (ESCOBAR, 2004apudWALSH, 2018, p. 27). Em todo caso, de quais práticas exatamente se está falando? Práticas como a que se viu Grosfoguel nomear de “universalidade concreta”, Dussel de “transmodernidade” e que Walsh batizará como “interculturalidade insurgente” (WALSH, 2018, p. 7). Por exemplo, como quando os intelectuais afro-americanos Lewis Gordon e Jane Gordon declaram, em primeira pessoa, lançar mão de “ferramentas afro-americanas ” com a finalidade de “transcender antes do que desmantelar ideias ocidentais, em meio à construção de nossas próprias casas de pensamento” (GORDON; GORDON, 2006apudWALSH, 2018, p. 44) , ou como quando, em um exemplo mais familiar para brasileiros, “Santa Bárbara se transformou em Iansã e Iemanjá em tantas imagens de ‘Nossa Senhora’” (GROSFOGUEL, 2012, p. 353). Estratégias não eurocêntricas de subversão da diferença colonial como essa, que existem desde ao menos o século XVI, são os objetos privilegiados por Walsh em seus estudos. Mais do que qualquer outra coisa, o que a autora pretende assim evidenciar é que entre as mães da Praça de Maio e os piqueteros argentinos, passando pela cimarronaje e malungaje quilombola do Equador, da Colômbia e do Brasil, alcançando a hibridização religiosa da Cruz Cristã com a Coca Aymará/Quéchua nas montanhas andinas do Peru e da Bolívia , em todos esses casos o que encontramos são diversos modos de compartilhar o mesmo horizonte epistemológico-pedagógico: de fazer ver o Outro de uma maneira que a filosofia hegemônica ocidental não foi capaz de providenciar. E se é assim, atentemo-nos: não são as práticas quilombolas – para ficar apenas em um exemplo – que caem sob o escopo da teoria decolonial de scholars universitários, antes são os próprios scholars universitários que foram quilombolizados pela pedagógica de povos subalternados.

Diante disso, o mais estimulante do trabalho de Walsh é mesmo perceber que todos os elementos acima destacados são agrupados à luz do desafio de pensar “com” e não simplesmente “sobre” os povos, sujeitos e lutas retratados em seus estudos (WALSH, 2018, p. 17). Com efeito, são universalidades insurgentes e modernidades alternativas com o que nos defrontaremos ao tomar conhecimento de noções como: (i) sumak kawsay, dos povos Aymará e Quéchua (WALSH, 2017; MIGNOLO; WALSH, 2018; PACARI, 2008; MAMANI, 2015 ; ; ESTERMANN, 2015); (ii) andar preguntando, do movimento Zapatista de Chiapas (MIGNOLO; WALSH, 2018; EZLN, 2014; EZLN, 2015); e (iii) casa adentro-casa afuera, do povo afro-esmeraldino ao norte do Equador (SALAZAR; WALSH, 2015; SALAZAR; WALSH, 2017). Entre outras coisas, tais práticas pedagógicas podem, respectivamente, auxiliar a descortinar muito do que vem se passando em nosso presente (i) acerca da relação predatória e antropocêntrica que a maior parte do planeta vem entretecendo com a natureza; (ii) vislumbra ndo alguma espécie de razão humana para além de sua instrumentalização pelo capital bem como (iii) problematiza ndo e refleti ndo acerca do complexo dilema sobre a continuidade e ruptura das tradições populares. Todos esses temas merecem ser abordados com detalhe em desdobramentos futuros desta pesquisa.

A segunda grande preocupação dos trabalhos de Walsh é a que se debruça sobre a relação entre pedagogia crítica e intelectualidade engajada. Mais especialmente, a autora investe em uma atenta leitura da obra de Paulo Freire, com quem trabalhou e com quem afirma ter aprendido a premissa da pedagogia como “metodologia essencial e indispensável” (WALSH, 2017, p. 87). E o mais relevante: chama-lhe sobretudo a atenção o pensamento dinâmico de Freire que, mesmo após a sua morte, em um movimento metodológico consciente, oferece aos seus leitores a superação de sua própria obra.

Adverte-nos Walsh que, antes de tudo o mais, faz-se necessário investigar o que pode ser descrito como as duas fases distintas na carreira de Freire. Nesse sentido, a intérprete nos relata que, a despeito de uma patente ligação entre pedagogia e filosofia política desde os primeiros escritos do autor brasileiro, parece ter sido apenas a partir do contato mais próximo com o pensamento decolonial de Frantz Fanon – quando da redação de Pedagogia da Esperança (1992) e no livro póstumo Pedagogia da indignação (2000) – que Freire passou a entender a pedagogia como indistinguível à filosofia política ao invés de tão somente integrar um atributo da segunda, como acontecia ainda em sua mais famosa obra, Pedagogia do Oprimido (1968). Freire nunca foi um marxista ortodoxo, isso precisa ser logo dito. Como nos informa Tomaz Tadeu da Silva, entre as principais referências de Freire se pode mapear a dialética hegeliana, o chamado primeiro Marx, o marxismo heterodoxo de Erich Fromm, além da fenomenologia existencialista e cristã (DA SILVA, 2010 ). Será, então, de certo ideário marxista do qual Freire abrirá mão na ocasião em que, pela leitura tardia de Fanon (1971 ; 2008), vê-se convencido em abandonar, ao menos em parte, a crítica economicista de Marx; no preciso ponto em que esta elege o capitalismo como vórtice máximo da opressão em geral e da colonização dos povos. Com Fanon, Freire passa a compreender que colonial é o poder que se espalha para além do controle econômico e da autoridade: é o poder em condições de avançar sobre o saber (controle do que se pode conhecer) e até mesmo sobre o ser (controle dos modos de existir). Das diversas provas disso é o fato de que a transformação ou mesmo a eliminação do capitalismo, conforme explica Walsh, não necessariamente ataca frutos da universalidade colonial, como são a racialização e a dominação de gênero ( WALSH, 2017 )4.

Nesse movimento autocrítico de Freire, que assume um trajeto sem síntese e inesgotável, toma lugar um verdadeiro movimento de ensino-aprendizagem radical. Pois é por meio dessa “pedagogia perpétua” (M CLAREN; JARAMILLO, 2008) que, ao mesmo tempo em que Walsh aprende com Freire, é por Freire mesmo equipada para ir além do que com ele aprendeu. Honrando a memória de quem a ensinou tanto, e quem agora ela poderia também de algum modo ensinar, conclui a intérprete: “Freire demonstra a práxis crítica, não como algo fixo, identificável e estável, mas como uma prática e processos contínuos de reflexão-ação-reflexão” (WALSH, 2017, p. 33).

Um desses elementos não vislumbrados por Freire, embora de algum modo impulsionado pelo seu próprio método pedagógico, é o que diz respeito à realidade “espiritual” ou “sagrada” que a ramificação do giro decolonial ora destacada assumirá como missão desbravar5. E é M. Jacqui Alexander quem Walsh traz ao debate (WALSH, 2017 ; 2018 ) para dar conta de um assunto que, no vocabulário conceitual das duas intérpretes, vai para além da epistemologia e invade agora o território da ontologia. Sobre esse ponto  não se pode deixar de sublinhar que nenhuma das duas autoras opta por seguir a distinção nominal entre “metafísica” (que seria intercultural e trans moderna) e “ontologia” (que seria moderna e colonial) proposta por Dussel. Em minha interpretação, isso não impede que a noção de ontologia de Alexander (a qual Walsh parece sem reservas encampar) e a de metafísica de Dussel terminem por convergir em seus aspectos mais centrais. É interessante mesmo perceber como, para ambas as interpretações, “ontologia” ou “metafísica” serão descritas enquanto coextensivas a uma experiência relatada como “religiosa”, porquanto a que toma contato com uma realidade que então se denota como “espiritual” ou “sagrada”6. Tal é justamente o assunto a ser abordado nas duas últimas seções do artigo – na companhia de Alexander, em um primeiro momento, e de Dussel, em um segundo momento.

M. Jacqui Alexander e a pedagógica como episteme espiritualizada

A certa altura da exposição de suas ideias, Walsh traz ao debate M. Jacqui Alexander, autora de um livro tão impactante quanto desconhecido, no qual reúne e reformula os ensaios de grande parte de sua trajetória: Pedagogies of crossing: Meditations on Feminism, Sexual Politics, Memory, and the Sacred (2005). O interesse de Walsh no trabalho de Alexander reside inicialmente no fato de que ess a última intérprete exerce também uma reflexão “com e para além de Freire” (WALSH, 2017, p. 88). Por um lado, como Freire, Alexander é mais uma a conceber a pedagogia enquanto “metodologia indispensável” (ALEXANDER, 2005, p. 22). Por outro lado, contudo, conforme explica ainda Walsh, nos escritos de Alexander nos deparamos com a elaboração de um método que conduz “para além dos confins da modernidade e do aprisionamento do que ela denomina por ‘episteme secularizada’” (WALSH, 2017, p. 88), elementos dos quais Freire não teria conseguido inteiramente se desvencilhar.

O surpreendente livro de Alexander possui um desdobramento em espiral no qual, a partir de assuntos aparentemente distintos – tais como o feminismo negro, a crítica da exploração do turismo sexual como política de Estado, a memória ou desmemória das origens culturais dos povos afro-diaspóricos –, trabalha por diversos ângulos a noção de espírito; porquanto tais momentos estariam, em última medida, “contidos nessa metafísica que emprega o saber espiritual como mecanismo para tornar o mundo inteligível” (ALEXANDER, 2005, p. 30)7. É uma noção de espírito, portanto, que nos permitiria responder aos desafios que nos aparecem ao longo da vida, é uma noção de espírito que nos proveria com as pedagogias necessárias para cada uma das diferentes travessias (crossings) exigidas. Mas travessia de que a quê? Travessia entre (i) a situação em que nos achamos corporificados (a contingência espaço-temporal) e (ii) o imaterialismo fugidio do espiritual/sagrado (a abertura de sentido). Nas palavras de Alexander, “uma vez que não há travessia que é feita de uma vez por todas” – quer dizer, uma vez que não ocorrerá a travessia em condições de plenamente identificar corpo e espírito –, “tal imperativo ontológico de tornar o mundo inteligível para nós mesmos é, por necessidade, um empreendimento sempre em curso” (ALEXANDER, 2005, p. 12).

Com a noção de espírito/sagrado, como então se percebe, Alexander obviamente não pretende retomar nada que seja “fixo”, “imutável” ou “que cheire à tradição” (ALEXANDER, 2005, p. 30). Dar-se conta disso, entretanto, ela igualmente alerta, não autoriza a relegar a santidade da memória, a qual, invocando uma experiência espiritual, amiúde se imiscui a uma vivência religiosa. Como teremos a oportunidade de acompanhar em desdobramentos futuros dessa pesquisa, grande parte da argumentação de Alexander está baseada em sua própria experiência como sacerdote de Vodou e Santería bem como no diálogo que entretece com Gloria Anzaldúa (1981), Lata Mani (2001), bell hooks (2002) e Leela Fernandes (2003) sobre a interseccionalidade das questões religiosas com a teoria feminista.

Como resultado desse multifacetado caldo filosófico, significativo será também perceber que a exposição de Alexander em muito se aproxima do chamado novo realismo ou neo existencialismo de Markus Gabriel (2015 ; 2018) e Quentin Meillassoux (2006) – novidade filosófica cada vez mais em voga na última década. Sem discutir, por ora, as razões do desconhecimento em geral que se tem do trabalho de Alexander, fruto de uma carreira consideravelmente mais antiga que a da dupla de autores europeus, o fato é que se pode localizar em um texto como Por que o mundo não existe (2015), de Gabriel, um arrazoado bastante semelhante ao sugerido por Alexander acerca de qual exatamente seria o tipo de experiência religiosa que se tem em vista.

Sobre o assunto, argumenta Alexander que, adotando uma religião ou não, “todos temos que nos engajar com o Sagrado entendido como a incessante transformação do universo; e isto, contudo”, ela acautela, “é da ordem de uma permanência [isto é, da permanência da impermanência] antes do que de um embaraçoso e infeliz produto da tradição [isto é, do puro contexto histórico]” (ALEXANDER, 2005, p. 30, colchetes meus). Em uma argumentação notoriamente convergente à de Alexander, enuncia Gabriel que se pode distinguir ao menos dois tipos de experiência religiosa: uma fetichista e outra não fetichista. A primeira delas – da qual tanto o cientificismo e o fundamentalismo religioso ou cultural seriam modulações – é a do tipo “que privilegia as imagens de um princípio abarcante de mundo, que o domina e ordena tudo” (GABRIEL, 2015, p. 251), p ois fetichismo “é a projeção de forças naturais sobre um objeto que por si mesmo foi produzido”, que “identifica um objeto com a origem de tudo e que pretende, a partir desse objeto, extrair o padrão de identidade a que todos devem obedecer” (GABRIEL, 2015, p. 251). Nesse sentido, sintetiza Gabriel (2015, p. 159), “se o que deve ser reverenciado é Deus ou o Big Bang é algo que desempenha um papel apenas superficial” . Já o segundo tipo de experiência religiosa responde justamente por aquela que, não obstante sustentada na “ideia de uma infinitude incompreensível” reportada a Deus, ou seja, numa experiência dedicada a “nos voltarmos sobre nós mesmos desde o infinito, desde o insaciável e imutável” (GABRIEL, 2015, p. 173), é a que desvenda, em realidade, “Deus como a ideia de uma infinitude incompreensível, no interior da qual, no entanto, não nos extraviamos” (GABRIEL, 2015, p. 163). Ora, tal experiência – a mais radical possível – é precisamente a que nos alvitra, portanto, da impossibilidade de fetichizarmos nossa experiência de vida em qualquer sentido que seja: em um Deus, em uma ciência, em uma categoria de sujeito. E se é mesmo assim, por experiência religiosa deveríamos compreender não mais do que o interminável processo de, ao procurar estabelecer uma relação com o sagrado, com o infinitamente Outro da matéria e sua miríade de possibilidades, encetar o “nosso máximo distanciamento com relação a nós mesmos e descobrir que tudo – mais notavelmente, uma diferente atitude com respeito aos outros e a nós mesmos – é possível” (GABRIEL, 2015, p. 178); desaguando finalmente em uma foz que nada tem a ver com a disjuntiva infecunda Eu ou Outro, Eu ou mundo, Eu ou Deus. Nesse exercício espiritual e não secular, reivindicado também por Alexander, o que se mobiliza é algo como “um núcleo/Espírito imortal, de uma só vez ligado à pulsão e energia de criação” (ALEXANDER, 2005, p. 32). Ao que tudo indica, esse é o mesmo tipo de energia e pulsão criativas que tem em mente Gabriel na ocasião em que afirma ser uma “evidência do espírito”, por certo, que possamos transformar nossas experiências imateriais em algo como uma espécie de documentação da “autorrelação normativa da maneira sobre como queremos ser” (GABRIEL, 2015, p. 181) – em uma espécie de história compartilhada do sagrado, geradora, eu diria, de uma filosofia intercultural e de universais concretos.

O que não muitos frequentadores dos textos filosóficos ocidentais parecem ter compreendido, na ótica de Alexander, é que a manutenção ou abertura desse espaço criativo depende menos do texto, do sistema, do discurso, em suma, da epistemologia como certeza do que de uma atitude rigorosamente pedagógica de disposição ao ensino-aprendizagem, de uma prática que não se pode circunscrever completamente – que então e somente então liberta a filosofia, para o espírito e pelo espírito, mediante uma episteme que de algum modo se espiritualizou: que fundiu o ontológico com o ético-político, o absoluto com a inter relação. Como seres humanos, assevera a intérprete, “temos uma conexão sagrada uns com os outros, razão pela qual separações forçadas causam estragos em nossas almas. Há um grande perigo em viver vidas segregadas. Segregação racial. Segregação política. Segregação estrutural. Eus segregados e compartimentalizados” (ALEXANDER, 2005, p. 307). Do que decorre o recurso às pedagogias múltiplas e, em plena sintonia com a teoria pedagógico-decolonial de Dussel e Walsh, “o imperativo de tornar o mundo em que vivemos inteligível para nós mesmos e para os outros – em outras palavras, de nos ensinarmos uns aos outros” (ALEXANDER, 2005, p. 21). Do modo como entendo o conjunto das asserções de Alexander, isso pretende enunciar: a epistemológica-pedagógica como uma responsabilidade fática – atinente ao aqui e agora –, emanada de nossa experiência espiritual do sagrado – esta, infinita.

Dussel e a realidade metafísico-misteriosa da pedagógica

Em seu livro Religión, afirma Dussel que negar a divinização do ateísmo moderno – leia-se, do mercantilismo fetichizado pelo capitalismo, de um modo ou de outro, sumarizado por Nietzsche com a famosa exclamação “Deus está morto!” (NIETZSCHE, 2002, p. 148) – é o primeiro passo no caminho do que esse filósofo latino-americano chama de religião infraestrutural (DUSSEL, 1977b ) , pois tal seria a modalidade de religião que escaparia à ordem rígida da estrutura, do sistema fechado e, por conseguinte, fetichizado.

Do mesmo modo que acontecia nas reflexões de Alexander e Gabriel, a argumentação dusseliana supõe dois tipos de experiência religiosa: a da estrutura, que é a do fetiche, e a do seu contrário, que é a da infraestrutura. “O fetichismo”, prossegue o intérprete, “é intrinsecamente a afirmação do sistema como divino; é então ateísmo secundariamente” (DUSSEL, 1977b, p. 50) , de maneira que o conceito de fetichismo é o que o autor entende mobilizar, mesmo aproximar, a formatação antropológica na base do ideário moderno/colonial , pois o homem moderno europeu “que negou o Deus-outro assassinando o negro, o índio e o amarelo, e negando a epifania” – noutras palavras, negando o aparecimento de qualquer Outro – “negou a Deus para afirmar-se a si mesmo como divino” (DUSSEL, 1977b, p. 50).

Ocorre, entretanto, que em uma experiência como a do povo hebreu da Judeia, relata-nos ainda Dussel, pode-se testemunhar um dos vários exemplos de surgimento daquela peculiar forma de religião infraestrutural. Em uma experiência religiosa como essa, o aparecimento epifânico do Outro – como era o pobre oprimido exilado do Egito na Palestina, a classe relegada pelo sistema e que clama “tenho fome!” – tanto perturba o sistema vigente quanto responsabiliza o profeta em processo de identificação com o oprimido (DUSSEL, 1977b ). À vista disso, nenhuma razão para espanto ao ler Dussel qualificar essa experiência originária e do absoluto, que é o encontro com o pobre, “como an-árquica posição metafísica” (DUSSEL, 1977b, p. 116), no sentido de uma “posição de antecipação criadora com respeito ao sistema vigente” (DUSSEL, 1977b, p. 47). E se antes pudemos concluir que, no horizonte intelectual dusseliano, “a filosofia primeira se afirma como ética e não como ontologia, e que desde tal fundamento é julgada e compreendida toda a realidade” (BEORLEGUI, 2010, 739), forçoso é agora concluir um segundo adágio argumentativo. Uma vez que se deixa de reportar a “abstração e violência do Ser” (BEORLEGUI, 2010, p. 739), é do Outro que estamos falando quando da tematização da realidade de fundo a uma filosofia das relações: como o pobre e excluído na Palestina ou na América Latina, num só tempo, agência de desestabilização e de criatividade de nossos sistemas.

Daí que talvez se possa estabelecer uma distinção, provavelmente apenas heurística – de jure e não de facto – acerca da filosofia dusseliana. A distinção se daria entre (i) uma experiência intencional e que se pode planejar – a pedagógica, que em outro momento apresentei como uma epistemologia – e (ii) a perturbadora experiência do Outro – que se encontra na base da metafísica/ética dusseliana, da qual a pedagógica também faz parte e que, acredito, poder ser descrita, nessa nuance específica, como uma experiência mais propriamente filosófico-religiosa, não por outro motivo, nesse último sentido, Dussel (1980, p. 89) não se furta em empregar a locução “revelação do Outro” . De qualquer forma, “metafísica” ou “ética”, no corpus dusseliano, parece sempre denotar a experiência filosófica em sentido geral – que por isso inclui a pedagógica, mais ativa, assim como a percepção da existência do Outro, mais passiva. Nenhum dos dois momentos, no entanto, ao que tudo indica, e esse é todo o ponto, poderá ser verdadeiramente separado um do outro; de maneira que a experiência filosófica, de acordo com o nosso autor, é um incessante chamado à ação pedagógica que tem no Outro (na exterioridade, na possibilidade de outro mundo) o seu critério fundamental. Em suas próprias palavras:

[...] o Outro como filho, juventude ou povo é o critério absoluto da metafísica, da ética; afirmar o outro e servi-lo é o ato bom, negá-lo é o ato mau. O professor libertador [e aqui professor é também o cônjuge, o pai, o amigo etc.] permite o voo criador do Outro. O preceptor que se mascara por detrás da “natureza” , da “ cultura universal ” e de muitos outros fetiches encobridores, é o falso professor, o sofista cientificista, o sábio do sistema imperial que justifica as matanças do herói conquistador, repressor [... ]. Na pedagógica, a voz do Outro significa o conteúdo que se revela, e é somente a partir da revelação do Outro que se cumpre a ação educativa

(DUSSEL, 1980, p. 89, colchetes meus).

Filosofar, portanto, é proporcionar as condições ao alcance humano para que o Outro fale. Filosofar é a concessão do espaço para o criativo, o inesperado, o novo. “Enquanto ‘exterioridade’”, afirma ainda Dussel (1980, p. 92), “o dito é do Outro como outro, como ético, como metafísico, como místico e como sagrado” . Por isso, conclui o filósofo latino-americano, tomando emprestado a desconcertante locução de Ludwig Wittgenstein: “faz-se necessário calar sobre o que não se pode falar: a revelação do Outro como outro, como mistério, como mundo distinto” (DUSSEL, 1980, p. 91-92). Maneira elegante de afirmar, não o quietismo ou o conformismo, antes que, se não se pode em plenitude dizer a realidade, isto é, representá-la, hierarquizá-la, estabelecer distinções rígidas, pode-se ao menos algo como que procurar escutá-la: a voz sagrada do Outro.

Fundamental será discutir, nos desdobramentos do presente estudo, se essa argumentação dusseliana acerca da sacralidade do Outro, que não parece ser retomada exatamente nesses termos após os anos 1980, não corre o risco de acabar minando a postura materialista que a sua obra em geral possui – e que marcaria a linha de afastamento que então se traça com relação à filosofia de alguém como Emmanuel Lévinas. Recorrendo novamente ao comentário de Beorlegui, trata-se, nesse caso, de refletir a partir da lembrança de que “há, pois, em Dussel, uma historicização das bases do humano, frente a uma despotenciação da subjetividade8, situando sua base radical em um pré-tempo, dificilmente justificável, ainda que muito sugestivo, como é o caso de Lévinas” (BEORLEGUI, 2010, p. p. 744)9. Ou, ainda, percorrendo outra trilha interpretativa, seria possível questionar se seria plausível manter a defesa da sacralidade, do mistério e da impossibilidade de dizer integralmente o Outro sem recorrer, como parece fazer Alexander, a uma experiência tida por imaterial, de um modo ou de outro, a mundos possíveis que não podem senão residir para além ou aquém da história. Conforme interpreto, a história é o que, para Alexander (2005, p. 307), “não poderá nunca, em última instância, alimentar aquele espaço profundo dentro de nós: o espaço do erótico, da Alma, do Divino” , pois “o propósito do corpo não é de, por importante que seja, atuar como o invólucro da alma, mas como o meio do Espírito, o repositório de uma consciência que deriva de outro lugar” (ALEXANDER, 2005, p. 325). Perceba-se a grafia de Espírito, iniciado na maioria das vezes por Alexander com maiúsculas, visto que reporta “ um movimento em direção ao todo [... ] a uma jornada da Alma em sua vocação de nos reunir com o erótico e o Divino” (ALEXANDER, 2005, p. 307). Como quer que seja, essas são algumas das importantes questões que, infelizmente, deverão ficar para outra ocasião.

Conclusão

No presente estudo, o que se procurou oferecer foi a organização e o mapeamento dos materiais na base de sustentação de uma concepção de pedagogia que não deve ser compreendida unicamente como ciência do ensino ou como escolarização. Com efeito, nessa particular projeção pedagógica se “ultrapassa a concepção eurocêntrica de que a pedagogia está relacionada à transmissão do saber”, assumindo-a filosoficamente “como um modo de luta coletiva, crítica e dialógica; como política de produção e transformação; e como prática social” (ORTIZ OCAÑA ; ARIAS LÓPEZ; PEDROZO CONEDO , 2021, p. 135). Para uma concepção filosófica como essa, será a partir da realidade tomada rigorosamente como Outra – como plano sagrado e in totalizável, que não se pode descrever ou situar com exatidão – que então decorre a produção de universais na forma de um diálogo decolonial/intercultural. Daí o por qu ê do franqueamento à fala do Outro como primeiro princípio dessa filosofia e do aprender e ensinar alternadamente como a epistemologia (isto é, como a busca por universais) que melhor responde ao epifânico e perturbador acontecimento do mundo a ser conhecido: o Outro.

Tal realidade sempre Outra – que não se pode localizar em qualquer lugar ou tempo, na mesma medida em que se faz presente em todos os lugares e momentos – é o que se poderá caracterizar como sagrado. Quando do encontro de mim comigo mesmo, com os demais (suas culturas, línguas, histórias), até mesmo com Deus (ou deuses) e a natureza – tudo isso é o sagrado: do encontro com o Outro como abertura do horizonte de sentido. Diante e contraposto a mim, o que aparecerá é, assim, convém repetir, a realidade sempre Outra, o mundo como revelação de Outros mundos possíveis. E é o que fará do sagrado, por fim, agência de resistência e perturbação a todo esforço epistemológico de decifração do mundo, tanto quanto e por isso mesmo como revelação de um mundo prenhe de sentidos possíveis: como uma universal exterioridade, alteridade universal a toda situação particular dada.

2O grupo de Estudos Subalternos foi criado na década de 1970, no sul asiático, por Ranajit Guha, e do qual participaram Partha Chattershee, Dipesh Chakrabarty e Gayatri Chakrabarty Spivak.

3“Epistemologia”, faz-se preciso reconhecer, não é um vocábulo que ocupa lugar relevante na arquitetura conceitual dusseliana. Ainda assim, parece-me válido empregá-lo como modo de esclarecer a filosofia desse autor, uma vez que tal vocábulo pode ser bem utilizado com o propósito de referir à procura ativa e intencional de desvendamento do mundo, da busca pelo conhecimento, que é aquela da “pedagógica” em Dussel. Não à toa, a noção de “epistemologia” pode ser encontrada com lugar de destaque nas elaborações de Castro-Gomez e Grosfoguel, no intuito de fazer compreender a teoria decolonial de maneira geral, e nas elaborações de Walsh e Alexander, quando então “epistemologia” é associada a uma noção filosófica de “pedagogia”.

4A essa altura da argumentação de Walsh pode-se notar uma clara dissonância interpretativa com relação à leitura que ela faz de Marx quando comparada à que faz Dussel. É que, do ponto de vista da interpretação dusseliana, Walsh parece comungar do principal equívoco cometido tanto por marxistas ortodoxos como pela maior parte de seus críticos: aquele de tomar a teoria marxiana como exclusivamente econômica. A interpretação mais difundida da obra de Marx é a que enxerga na relação do humano frente à natureza, mediada pela atividade do trabalho, o primado de sua teoria, relegando a segundo plano todo o complexo das relações humanas sociopolíticas. Diferentemente disso, Dussel assevera encontrar na obra de Marx o entrelaçamento entre os dois aspectos. Como explica Carlos Beorlegui sobre a interpretação dusseliana de Marx, “a dimensão econômica e a social se conjugam reciprocamente, sem que nenhuma delas possa e deva se impor à outra para anulá-la ou subordiná-la. Uma sem a outra nos leva a uma simplificação e mutilação do humano; isto é, a um economicismo anti-humanista ou a um comunicacionismo abstrato e idealista” (BEORLEGUI, 2010, p. 742). Os principais textos de Dussel a serem consultados sobre o assunto são: Hacia un Marx desconocido: un comentario de los Manuscritos del 61-63 e El último Marx (1863-1882) y la liberación latinoamericana: un comentario a la tercera y cuarta redacción de “El Capital”.

5As devidas referenciações com o aparecimento dos termos “espiritual” e “sagrado” nos autores aqui abordados serão fornecidas ao longo das duas últimas seções deste artigo.

6Alexander intercalará o emprego entre “espiritual” e “sagrado”, enquanto Dussel utilizará apenas o termo “sagrado”.

7É importante ressalvar que Alexander não faz qualquer referência a Hegel, de modo que a noção hegeliana de espírito absoluto não aparenta exercer qualquer papel na construção de sua filosofia. Nem mesmo em uma possível perspectiva crítica da noção hegeliana que, por dizer respeito à identificação plena da consciência consigo mesma, em nada teria a ver com a elaboração de Alexander.

8No original, “despotenciar la subjetividad”.

9Afirma Dussel (1977a, p. 24) que “a proximidade primeira, a imediatez anterior a toda imediatez, é o mamar. Boca e mamilo formam a proximidade que alimenta, acalenta, protege [... ] a imediatez mãe-filho também é vivida sempre como cultura-povo. O nascimento se produz sempre dentro de uma totalidade simbólica que amamenta também o recém-chegado nos sinais de sua história. É numa família, num grupo social, numa sociedade, numa época histórica que o homem nasce e cresce, e dentro da qual desenvolverá seu mundo de sentido. Antes do mundo, então, estava a proximidade, a face-diante-da-face que nos acolheu com o sorriso cordial ou nos alterou com a rigidez, a dureza, a violência das regras tradicionais, o ethos do povo” .

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Recebido: 02 de Abril de 2021; Aceito: 18 de Outubro de 2021

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