Introdução
A Química é uma ciência que possui peculiaridades de natureza abstrata e submicroscópica. Neste sentido, muitas vezes provocam entre os alunos dificuldades na aprendizagem. Além disso, a Química tem sua própria linguagem, que é intrinsecamente simbólica, sendo que para compreendê-la é preciso demonstrar uma vasta capacidade de abstração e generalização. Por isso, o ato de ensinar e aprender conceitos químicos não se constitui como uma tarefa simples (Costa, Passerino, & Zaro, 2012).
Para que o professor de Química consiga atuar de forma satisfatória em conteúdos de com alto grau de abstração e complexidade, é necessário que considere, por exemplo, a representação das partículas das espécies químicas, o tempo destinado para a realização das atividades e sobretudo a falta ou não de conhecimento prévio de química (Locatelli & Arroio, 2017).
No tocante à investigação do conhecimento prévio dos alunos pelo docente, é fundamental que esse conhecimento seja considerado para um ensino potencialmente significativo, pois a interação dos novos significados com os conhecimentos preexistentes na estrutura cognitiva do aluno será fundamental que o mesmo aprenda significativamente (Moreira, 2006a).
Fundamentados na Teoria da Aprendizagem Significativa (TAS)1, os mapas conceituais são diagramas hierárquicos que indicam relações entre conceitos e que buscam refletir a organização conceitual de uma disciplina, ou parte dela, assim a sua existência provém da estrutura conceitual de uma área de conhecimento (Moreira & Rosa, 1986). Além disso, os mapas conceituais permitem a determinação dos conhecimentos prévios dos alunos, antes do ensino. Por outro lado, propiciam uma análise de possíveis mudanças na estrutura cognitiva do aluno no decorrer da instrução e, consequentemente, apresentam dados que podem servir para a realimentação do ensino e do currículo (Moreira, 2006b).
No ensino de eletroquímica2 Silva, Silva e Aquino (2014) aplicaram os mapas conceituais como avaliação de estudantes do ensino médio, com enfoque no estudo de pilhas naturais. Os autores destacaram que o mapa conceitual é uma ferramenta flexível e dinâmica, que foca o ensino e a aprendizagem de conceitos, tendo em vista que, na Química, parte das vezes, os estudantes não compreendem os conteúdos por serem desconexos de sua realidade e também pelo fato de existir uma vasta quantidade de informações e fórmulas.
Reconhecendo a importância da aprendizagem em eletroquímica, algumas pesquisas (Caramel & Pacca, 2011; Lima & Marcondes, 2005; Silva & Cintra, 2013) apontam que existem obstáculos para compreensão deste conteúdo por parte dos alunos e também dos professores, e como consequência, acabam apresentando dificuldades de aprendizagem e concepções alternativas para explicar os conceitos eletroquímicos.
Diante do exposto, buscamos responder à seguinte questão de pesquisa: De que modo a abordagem de conteúdos de eletroquímica, com ênfase em pilhas e baterias, mediante a elaboração e a implementação de uma intervenção didática com o uso dos mapas conceituais, contribui para a aprendizagem significativa de conceitos eletroquímicos dos estudantes do segundo ano do ensino médio de uma escola pública, no município de Campo Grande - MS? Assim, o objetivo da pesquisa foi analisar a utilização dos mapas conceituais, pautando-se na Teoria da Aprendizagem Significativa (TAS), como estratégia de aprendizagem significativa, do ensino e avaliação de conceitos eletroquímicos.
O ensino e a aprendizagem de conceitos eletroquímicos no ensino médio
O momento em que geralmente os estudantes têm o primeiro contato com o conteúdo de eletroquímica acontece no segundo ano do ensino médio, pois, no primeiro ano, de forma geral, estuda-se o comportamento físico da matéria, que, por vez, pode ser constatado com facilidade em nosso cotidiano, como a separação de misturas e os estados físicos da matéria. No entanto, quando se trata da eletroquímica, Barreto, Batista e Cruz (2017, p. 52) afirmam que:
O conhecimento eletroquímico é complexo, pois exige algum raciocínio mais elaborado, dificultando, em alguns momentos, o estabelecimento de analogias com fenômenos do mundo macroscópico. Afinal, não é fácil entender que, em uma reação de oxidação e redução (como, por exemplo, nos fenômenos de corrosão), uma substância doa elétrons para outra, e que essa transferência de elétrons gera corrente elétrica.
Neste aspecto, Wartha, Guzzi Filho e Jesus (2012) apontam que a produção do conhecimento em Química resulta de uma dialética entre teoria, experimento, pensamento e realidade. Exemplo disso pode ser percebido na eletroquímica, pois a ideia de que os elétrons e/ou íons movem-se através uma solução é a maior fonte de erros dos estudantes, de modo que quando os professores abordam sobre os eletrólitos, faz-se necessário indicar que o movimento de íons constitui uma corrente elétrica.
Na investigação realizada por Caramel e Pacca (2011), constatou-se que a maior parte dos estudantes, ao explicar a decorrência da produção de corrente elétrica em uma pilha, assinala para uma única justificativa, na qual se refere à transformação das espécies químicas, isto é, à oxidação e à redução, de modo a não considerarem os aspectos dinâmicos de movimentação de cargas, tanto nos fios, quanto nos eletrólitos.
Ressaltamos que dificuldades conceituais com relação aos conceitos eletroquímicos podem ser evidenciadas também pelos professores, como ficou explícito na pesquisa de Lima e Marcondes (2005), que enfatizaram que os mesmos, incessantemente, preferem não lecionar esse conteúdo e, quando acontece, ocorre de forma tradicional.
Com esse mesmo viés, Marcondes, Souza e Akahoshi (2017) chamaram atenção, em sua pesquisa, para a não valorização da explicação do nível submicroscópico dos conceitos pelos professores, bem como de um tratamento superficial no ensino de pilha galvânica, visto que eles não consideram o balanceamento de equação, as semi-reações3 envolvidas e os conceitos como uma abordagem mais quantitativa (diferença de potencial, potencial padrão). Quanto à metodologia e às estratégias comumente utilizadas pelos docentes, ficou evidente um ensino meramente tradicional, direcionando o aluno apenas à resolução de exercícios e à consulta a livros didáticos, sem possibilitar uma interação dialógica e contextualização entre os conteúdos.
Neste sentido, os mapas conceituais se configuram como ferramentas que valorizam os conhecimentos prévios, e a depender da forma de organização do material de ensino, pode estimular a interação em sala de aula, proporcionar uma visão integrada dos assuntos e orientar o aprendizado significativo dos estudantes.
Teoria da aprendizagem significativa e os mapas conceituais
A Teoria da Aprendizagem Significativa é considerada uma teoria cognitiva de aprendizagem, sendo essa, criada por David Ausubel (1968 4). Para o autor, a essência do processo da aprendizagem significativa incide na situação de que as novas informações interagem de maneira substantiva (não literal) e não arbitrária com aquilo que aluno já sabe (Ausubel, Novak, & Hanesian, 1980). O termo substantividade expressa que o que é introduzido à estrutura cognitiva do sujeito é a ‘substância’ do novo conhecimento, isto é, as ideias, e não as palavras precisas empregadas para expressá-las, uma vez que um conceito ou proposição podem ser expressos de diversos modos, por meio de diferentes signos, que equivalem em termos de significado. A maneira não arbitrária significa que a interação não ocorre com qualquer ideia prévia, mas com um aspecto especificamente relevante da estrutura de conhecimentos do indivíduo, assim denominado como subsunçor (Moreira, 1997b).
Na organização do ensino, Ausubel (1968) apresenta os seguintes princípios programáticos: diferenciação progressiva, reconciliação integradora, organização sequencial e consolidação. No princípio de diferenciação progressiva, o conteúdo é programado e inicialmente apresentado a partir das ideias mais gerais e mais inclusivas, que assim são progressivamente diferenciadas, por meio de detalhes e especificidades, corroborando com a maneira com que o conhecimento é interpretado, organizado e assimilado no sistema cognitivo de um indivíduo.
Contudo, a organização do ensino deve não só propiciar a diferenciação progressiva, mas também é necessário contemplar a reconciliação integrativa, que visa explorar as relações entre conceitos e proposições, assinalar semelhanças e diferenças expressivas e reconciliar as inconsistências aparentes e reais do assunto estudado (Ausubel, Novak, & Hanesian, 1980).
Além dos processos de diferenciação progressiva e de reconciliação integrativa, Ausubel recomenda a organização sequencial, sendo esse um princípio que se restringe a sequenciar os tópicos, ou unidades de estudo, de maneira que tenha uma correspondência (observados os princípios de diferenciação progressiva e reconciliação integrativa) com as relações de dependência naturalmente presentes entre eles na matéria de ensino. Outro princípio que Ausubel propõe é a consolidação, que por sua vez está relacionada ao domínio de conhecimentos prévios, antes de introduzir novos conhecimentos no processo de ensino (Ausubel, Novak, & Hanesian, 1980).
A abordagem dos mapas conceituais no ensino está embasada na Teoria da Aprendizagem Significativa, sendo que esse instrumento foi elaborado na década de 70 do século passado, por Joseph D. Novak5. Novak considera os mapas conceituais como uma forma de organizar os conhecimentos na instrução, e para os alunos configura-se como um importante subsídio no levantamento de conceitos-chave de palestras, leituras, materiais instrucionais, etc. (Novak, 2000). Por isso, até então os mapas conceituais consistem em uma técnica vantajosa para o ensino, para avaliação da aprendizagem e para a investigação do conteúdo curricular.
Desta forma, os mapas conceituais são representações externas que manifestam representações internas, isto é, mentais, de um sujeito que construiu o mapa. Ademais, podem ser aplicados na avaliação da aprendizagem, procedendo como uma técnica não tradicional de avaliação, pois o seu principal intuito consiste em averiguar informações sobre os significados, bem como as relações significativas dos conceitos-chave do conteúdo de ensino, conforme o entendimento do estudante (Moreira, 1997a).
Em conformidade com o ensino de eletroquímica, poucos estudos na literatura buscam utilizar os mapas conceituais como instrumentos que fornecem indícios de aprendizado significativo, bem como para a avaliação da aprendizagem. Esse contexto foi verificado na pesquisa de Nogueira, Goes e Fernandez (2017), que investigaram trabalhos no período de 2000 a 2014 em eventos científicos brasileiros que envolvem o ensino das reações de oxirredução, sendo esse um dos principais assuntos da eletroquímica. Numa análise geral dos autores, foram catalogados cem trabalhos, no entanto, apenas dois são referentes a mapas conceituais.
Portanto, a presente pesquisa tem como premissa a análise de uma intervenção didática embasada na TAS e com ênfase na utilização de mapas conceituais como estratégia de ensino e de aprendizagem, assim como de avaliação do processo de aprendizagem de conceitos envolvidos no conteúdo de pilhas e baterias.
A intervenção didática
Esta investigação6 tem fundamentação de cunho qualitativo e consiste em uma pesquisa do tipo intervenção, na qual foram analisadas diversas situações de ensino e aprendizagem mediante o uso de mapas conceituais, tendo em vista, facilitar a aprendizagem significativa de conceitos eletroquímicos, relacionados ao assunto de pilhas e baterias.
Uma das características da abordagem qualitativa em educação pressupõe que o pesquisador deva frequentar o local de estudo por interessar-se pelo contexto. Assim, as ações podem ser mais bem compreendidas quando são observadas em seu ambiente natural de ocorrência (Bogdan & Biklen, 1994). De forma inerente, esta pesquisa foi realizada mediante um cenário escolar que envolve professora (pesquisadora) e alunos em uma investigação direcionada no âmbito do Ensino de Ciências.
Os participantes desta pesquisa foram 26 estudantes do segundo ano do ensino médio regular, apresentando uma faixa etária entre 15 a 35 anos, sendo considerados alunos frequentes e regularmente matriculados no período noturno em uma escola pública no município de Campo Grande, no estado do Mato Grosso do Sul.
A intervenção didática foi desenvolvida em 10 aulas, mediante atividades de mapeamento conceitual, do uso de Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDICs) e de práticas experimentais, considerando que as aulas foram preparadas segundo os princípios programáticos da organização do conteúdo de ensino da TAS. Neste contexto, as primeiras aulas atenderam aos fundamentos da diferenciação progressiva e reconciliação integrativa, sendo que inicialmente foi demonstrada uma atividade experimental intitulada como “investigando o cobre metálico em uma solução de nitrato de prata”, que tratou basicamente de conceitos inclusivos da eletroquímica, como as reações de oxirredução, até os mais específicos, que correspondem ao número de oxidação, agente redutor e agente oxidante7.
Para o estudo do potencial de redução de espécies químicas em reações de oxirredução que ocorrem entre os metais magnésio, zinco e cobre e os seus íons em solução, utilizou-se a simulação Metals in Aqueous Solutions8, que possibilitou observar se uma substância química comporta-se como redutora ou oxidante diante da outra, bem como a investigar se uma reação de oxirredução é ou não espontânea, e a compreensão da lógica de organização da tabela de potenciais de redução. Com a finalidade de discutir com mais ênfase os conceitos analisados na simulação e com o intuito de servirem como ideias-âncoras para assimilação da nova aprendizagem, procurou-se em uma aula expositiva, bastante dialogada e com ampla participação do alunado, por meio de especificidades, diferenciar as reações de oxidação e as reações de redução, para assim relacioná-las e organizá-las do mais oxidante para o menos oxidante e do mais redutor para o menos redutor, buscando explicar aos estudantes a origem da tabela de potenciais-padrão de redução.
Destaca-se que o conteúdo de reações de oxirredução foi trabalhado em situações de ensino (atividade experimental e TDICs, como simulações e vídeos) procurando estabelecer os conceitos na estrutura cognitiva dos alunos, o que corrobora com as ideias de Ausubel, Novak e Hanesian (1980).
A etapa seguinte envolveu o estudo das transformações de energia química em energia elétrica no funcionamento de uma pilha. A princípio, em uma aula, os estudantes assistiram ao vídeo produzido pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio, 2012), com a finalidade de conhecerem a história da invenção da pilha, sobretudo quando destacou as descobertas de Galvani e Volta9, e as experiências da pilha de Daniell.
Posteriormente, realizou-se a demonstração da atividade experimental, intitulada ‘Pilha de Daniell’10, sendo que esta prática foi conduzida por meio de explicações dos processos de oxirredução, que serviram como ideias-âncoras, e só então, foram tratados os conceitos mais específicos, nos quais consistiam a respeito dos elementos que compõe a pilha e aos fenômenos observados durante seu funcionamento.
Na aula seguinte, destacou-se novamente aos estudantes os conceitos/fenômenos verificados na atividade experimental, trabalhando com a simulação Voltaic Cell11, que abordou o uso do aparelho multímetro e o cálculo da diferença de potencial (ddp) entre os polos de uma pilha. No final da intervenção foi desenvolvida, também com base na TAS, uma nova situação de aprendizagem, investigando as pilhas alcalinas e as pilhas secas, introduzindo leitura de artigos científicos e de textos específicos dos livros didáticos, tal como discussões em sala de aula e a resolução de um questionário sobre o assunto.
Construção e análise dos mapas conceituais
Como parte da avaliação da aprendizagem, para posterior verificação sobre a evolução conceitual e o estabelecimento de relações entre os novos conceitos e os fenômenos averiguados nas aulas experimentais e com as TDICs, empregou-se o uso dos mapas conceituais. O propósito principal da utilização dos mapas nesta pesquisa foi o acompanhamento da efetividade do ensino e do desempenho da aprendizagem dos estudantes, o que permitiu uma verificação mais fidedigna de indícios de Aprendizagem Significativa.
No momento da intervenção, percebeu-se que os estudantes já apresentavam certo conhecimento em relação a essa estratégia, pois haviam construído um mapa conceitual em outra disciplina. Entretanto, a concepção que eles tinham sobre os mapas conceituais era bastante equivocada, relatavam que não gostavam da ideia de produzir novamente essa atividade, apontando que era muito complexa, além de não saberem qual o objetivo e a real função desse instrumento nas aulas. Diante desse contexto, argumenta-se que os estudantes não estão acostumados ao processo construtivista e significativo de aprendizagem, no entanto é imprescindível que o professor, ao introduzir alguma estratégia de ensino em sala de aula, explicite de modo claro ao estudante o propósito dela, dando sentido ao trabalho pedagógico.
Com isso, duas aulas com 100 minutos foram destinadas à explicação sobre os mapas conceituais, apresentação de sua definição, objetivos e relevância como técnica de estudo que propicia o acompanhamento da aprendizagem tanto para o professor como para o estudante. Posteriormente, os estudantes foram convidados a construírem mapas-teste com o propósito de aperfeiçoarem a técnica, dado que o mapa poderia ser referente a quaisquer temáticas, que não necessariamente deveriam estar vinculadas aos conteúdos químicos. Na socialização dos mapas-teste, observou-se que muitos dos estudantes elaboraram mapas pertinentes a sua profissão, esportes, música, curso de formação e atividades de sua vivência no meio rural.
Após as intervenções concretizadas das aulas com as TDICs, atividades experimentais e expositivas, os estudantes individualmente construíram um mapa conceitual relacionado às pilhas e baterias. Para isso, tiveram duas aulas (100 minutos) e não poderiam consultar nenhum material durante esse momento, de forma a não influenciar sobre a análise pessoal de suas evoluções conceituais sobre o conteúdo.
Os estudantes entregaram os mapas conceituais em papel sulfite, porém com o intuito de possibilitar uma visualização mais clara dos mapas, decidiu-se transpor os mesmos para o programa CmapTools12, sendo esse utilizado especificamente na confecção de mapas conceituais, no qual permite uma edição personalizada dos conceitos e suas frases de ligação, uma vez que foi desenvolvido pelo Institute for Human e Machine Cognition (IHMC) da Universidade do Oeste da Flórida (Leite, 2015).
Ressalta-se que no decorrer da intervenção didática, foram utilizados mapas de referência, como exemplificado na Figura 1 sobre o conteúdo, visando familiarizar os estudantes com o uso desse instrumento e também para servir como balizador na avaliação dos mapas conceituais construídos por eles ao final do processo.
Em relação à análise dos mapas conceituais construídos pelos estudantes, esta pesquisa embasou-se nos critérios adaptados por Trindade e Hartwig (2012), que organizaram categorias para a avaliação de mapas conceituais evidenciando se eles apresentam conceitos básicos e conceitos novos do conhecimento investigado, ligações entre conceitos, organização e hierarquização do mapa e os princípios da diferenciação progressiva e reconciliação integrativa. Nesse sentido, os autores abordam aspectos qualitativos e quantitativos para análise das categorias que estão expressas na Tabela 1.
Categorias | Descrição dos critérios sob a forma de questão(ões)-foco |
1 - Conceitos básicos | O mapa tem pelo menos 50% dos conceitos básicos da lista fornecida / ou do mapa de referência? |
2 - Conceitos novos (criatividade) | Há algum conceito novo relevante para o assunto em questão? |
3 - Ligações entre conceitos | Todos os conceitos estão ligados por linhas bem elaboradas? |
4 - Palavras de ligação (conectivos) | A maioria das palavras de ligação/frases de ligação forma sentido lógico com o conceito ao qual se ligam? |
5 - Exemplos | O mapa apresenta exemplos apropriados para o assunto em questão? |
6 - Clareza e estrutura do mapa; símbolos geométricos (caixas, círculos) | O mapa é legível e de fácil leitura? Existe clareza de leitura do mapa para o leitor? |
7 - Proposições (conceito-palavra de ligação-conceito) | O mapa tem pelo menos 50% da quantidade de proposições válidas d o mapa de referência? As proposições têm significado lógico do ponto científico? As conexões estão de acordo com o que é cientificamente aceito? |
8 - Hierarquização | Há uma ordenação sucessiva dos conceitos? Demonstrou-se boa hierarquização dos conceitos, representada por pelo menos 03 níveis hierárquicos? O mapa é em forma de árvore (dendrítico), em vez de alinhado (linear)? |
9 - Diferenciação progressiva | É possível distinguir os conceitos mais inclusivos daqueles subordinados? É possível identificar, com clareza, os conceitos mais gerais e os mais específicos? Há uma diferenciação conceitual progressiva que mostra o grau de subordinação entre os conceitos? |
10 - Reconciliação integrativa (criatividade) | Há uma recombinação, ou seja, um rearranjo dos conceitos? Há relações cruzadas ou transversais entre conceitos pertencentes a diferentes partes do mapa? |
Fonte: Adaptado de Trindade e Hartwig (2012).
No aspecto avaliativo, foram analisados por meio das categorias supracitadas 26 mapas conceituais de estudantes presentes.
Resultados da análise dos mapas conceituais
Na análise dos mapas conceituais dos estudantes, buscou-se amparo nas ideias de Novak e Gowin (1984), as quais enfatizam que esses instrumentos são essenciais para a negociação de significados, visto que podem ser compartilhados, discutidos e negociados entre os sujeitos que participam desse processo de ensino e de aprendizagem.
Os mapas conceituais construídos pelos estudantes foram analisados e estabeleceram-se critérios qualitativos adaptados por Trindade e Hartwig (2012). Assim, do total de 26 mapas construídos individualmente pelos alunos, somente 38,46% foram considerados satisfatórios e 61,54% obtiveram rendimento insatisfatório.
Em relação às categorias, observa-se, no Gráfico 1 da Figura 2 que os estudantes apresentaram um melhor desempenho nas ligações entre conceitos (92,31%), nas palavras de ligação (77%), na clareza do mapa (75%) e nos conceitos básicos (53,85%).
Contudo, nota-se que os alunos tiveram maior dificuldade com as categorias que envolvem conceitos novos (15,38%), a reconciliação integrativa (19,23%), e as proposições válidas e significativas (21,15%).
A partir dos dados levantados, foi feita uma análise numa perspectiva qualitativa dos MCs, a fim de evidenciar as relações conceituais abordadas por cada estudante, por meio de sua compreensão do conhecimento estudado. Neste sentido, apresenta-se a seguir alguns MCs que elucidam aspectos satisfatórios e insatisfatórios das dez categorias supracitadas.
O MC construído pelo estudante C413, mostrado na Figura 3, aborda uma boa parte dos principais conceitos que dizem respeito ao estudo das pilhas. Ele explicita as transformações de energia que acontecem durante o funcionamento de uma pilha, porém não relaciona que a energia química presente nas pilhas provém das reações de oxidação e redução, sendo que as mesmas ocorrem simultaneamente, e por isso as denominamos como reações de oxirredução.
Um detalhe importante demonstrado neste MC que não esteve presente nos demais mapas analisados foram as relações estabelecidas com o conceito de agente oxidante e agente redutor, o que supostamente evidencia certa compreensão do novo conhecimento pelo estudante. Nota-se que o estudante exemplifica os eletrodos da pilha, como o zinco e o cobre, que estão imersos em uma solução eletrolítica, o que possivelmente indica que o estudante se recordou da análise realizada na atividade experimental da construção da pilha de Daniell e do uso da simulação ‘Voltaic Cell’ sobre a montagem e funcionamento desse tipo de pilha que geralmente utiliza esses metais.
No MC também se observa que o estudante identifica o conceito de pilhas como o mais geral, mas não corrobora com os conceitos subordinados à pilha, como as transformações de energia e as reações de oxidação e redução que deveriam estar em partes mais superiores do mapa, para englobar os conceitos específicos e pouco inclusivos, como os que se referem à constituição da pilha e seus tipos.
Como verificado nos dados compilados no Gráfico 1 na Figura 2, os estudantes demonstram obstáculos em relação à categoria 8 (38,46%), que remete a hierarquização dos MCs. Neste viés, Vinholi Júnior e Gobara (2017), que utilizaram os MCs como estratégia de ensino, aprendizagem e avaliação do conteúdo de biologia celular, perceberam dificuldades na hierarquização dos conceitos pelos alunos. Os autores apontam que essa situação pode ter influência no próprio histórico de estudo dos estudantes, haja vista que a maioria deles é egressa de um ensino no qual o modo de hierarquizar não foi o que habitualmente é abordado pela TAS, em razão de que o ensino tradicional da maioria das escolas ainda está alicerçado numa aprendizagem mecânica, de modo a não enaltecer os princípios de hierarquização.
O estudante C11 apresenta na parte superior de seu MC as pilhas (Figura 4), diferenciando o conceito em sua composição, elementos, nas transformações de energia e no processo de oxirredução. Contudo, o estudante não associa o conceito de eletrodos ao cátodo e ânodo da pilha, como também não indica os processos de oxidação e redução que acontecem em cada polo da pilha. Percebe-se, também, que o estudante compreende que o conjunto de pilhas forma uma bateria, mas, ao transpor essa ideia em seu MC, ele demonstra dificuldades para organizar e diferenciar os conceitos.
Contudo, cabe enfatizar que o aluno aborda o termo ‘fio metálico’ e faz uma correspondência com o conceito de ‘metais’ e, consequentemente, com condução de elétrons. Eventualmente, isso demonstra que o estudante busca caracterizar, mesmo que de forma simplificada, o circuito externo da pilha e a espécie química (elétron) responsável pela circulação de corrente elétrica. Além disso, o estudante expõe que a solução eletrolítica é transportada pela ponte salina, isto é, o circuito interno. Portanto, tais relações apontam certa compreensão do estudante sobre a função do circuito externo e interno da pilha, sendo esses, elementos importantes para o devido funcionamento desse dispositivo.
Na Figura 5, o estudante B12 apresenta parte dos conceitos principais envolvendo o estudo da pilha, porém constata-se em seu MC um conceito novo (reação espontânea), que não está presente no mapa de referência e que pode ser considerado relevante para a compreensão dos processos eletroquímicos de uma pilha. De acordo com Trindade e Hartwig (2012), quando o estudante demonstra no MC conceitos novos, isso revela que o material instrucional forneceu os subsídios aos aprendizes para o entendimento do conteúdo.
Embora esse estudante tenha explanado um conceito novo no seu MC, os resultados apontam que somente 15,38% dos estudantes corresponderam a essa categoria de análise dos mapas. Esse dado encontra respaldo na TAS, que expõe as condições básicas para a ocorrência da aprendizagem significativa, de modo que o material deva ser potencialmente significativo e o aprendiz precisa manifestar uma predisposição para relacionar, de forma não arbitrária e substantiva, o novo conhecimento a sua estrutura cognitiva. Nesse sentido, o estudante quando está tentando apropriar-se do novo conhecimento busca novos conceitos para produzir seu mapa, isto é, apresenta predisposição para aprender, assim não se atendo somente aos conceitos listados previamente pelo professor/pesquisador (Trindade & Hartwig, 2012).
O MC do estudante B17 (Figura 6) exemplifica os tipos de pilhas, mencionando em particular as pilhas alcalinas e secas. O Gráfico 1 (Figura 2) nos mostra que 28,85% dos MCs dos estudantes apresentam exemplos que em sua maioria buscaram detalhar os tipos de pilhas estudadas, sendo essas: a pilha voltaica, pilha de Daniell, pilha seca e a pilha alcalina. Por isso, nota-se que o estudante B17 procura detalhar que, nas pilhas secas, quando não estão em funcionamento, ocorrem reações químicas, por outro lado, esse fenômeno não acontece com as pilhas alcalinas. No entanto, as pilhas secas apresentam o cloreto de amônio, que seria o reagente responsável por causar vazamento de substâncias nesse dispositivo.
O estudante B14 em seu MC (Figura 7) diferencia as pilhas a partir de sua composição, das espécies químicas oxidantes e redutoras, e explana uma proposição muito pertinente ao estudo das pilhas que corresponde à diferença de potencial, correlacionando-a com os polos das pilhas e sua importância para produção de corrente elétrica. No entanto, não existe uma boa organização conceitual no mapa, uma vez que o estudante apenas destaca o conceito principal que é a pilha, mas não dispõe de forma correta os conceitos intermediários a ele, que são os processos de oxirredução, para daí então tratar de sua composição. Pode-se também verificar que o estudante não expressa exemplos, porém as palavras de ligação são coerentes e apresenta ligações cruzadas.
Os mapas dos estudantes C13 (Figura 8) e C15 (Figura 9), foram considerados satisfatórios, porém demonstram algumas inconsistências, como, por exemplo, a ausência de uma hierarquização coerente dos conceitos nos mapas. O estudante C13 apontou os principais conceitos básicos estudados, já o estudante C15 abordou apenas uma parte desses conceitos, porém, em seu MC, observa-se um conceito novo - fio condutor, que, embora não estivesse presente no mapa de referência, não deixa de ser importante e deve ser destacado, pois esse elemento explica o circuito externo da pilha. Nota-se ainda, que alguns conceitos em determinadas proposições no MC do estudante C13 repetem-se, tais como: ‘eletroquímica estuda reação de redução e reação de oxidação’ e ‘pilhas transformam energia química causando reação de oxirredução que acontecem ao mesmo momento redução e oxidação’.
Ademais, o estudante C13 não realizou uma correspondência com os processos de oxirredução que acontecem no ânodo e no cátodo, somente indicou de forma superficial que o polo positivo é o cátodo e o ânodo é o polo negativo. Nesse mesmo viés, o estudante C15 conseguiu relacionar que, no cátodo, ocorre a redução e, no ânodo, acontece a oxidação. Além disso, quando o estudante C15 tratou dos conceitos de agente oxidante e agente redutor, ele estabeleceu relações coerentes apontando que o agente redutor provoca a redução e sofre a oxidação, e o agente oxidante provoca a oxidação e sofre a redução. Contudo, o estudante C13 apresentou de forma vaga esses conceitos, apenas destacando que o agente oxidante causa a reação de oxidação e o agente redutor causa a reação de redução.
Os dois MCs abordaram o termo ‘ponte salina’, mas os alunos C13 e C15 apresentam certa dificuldade para abordar qual é o seu real papel na pilha. O aluno C13 indicou que a ponte salina organiza ânions e cátions e que ela serve para equilibrar o cátodo e o ânodo, isto é, o aluno provavelmente aponta que a ponte salina transporta os íons entre as células da pilha. Já o aluno C15 demonstra que a ponte salina tem função de neutralizar o polo positivo e o polo negativo, supostamente esse aluno pretendeu enfatizar que, com a ponte salina, é possível resolver a questão da neutralidade elétrica da solução, em ambas as células da pilha.
Portanto, numa análise global dos MCs deste estudo, percebeu-se principalmente que alguns estudantes demonstram dificuldades em estabelecer a reconciliação integrativa, pois não conseguiram reorganizar as semelhanças e as diferenças entre os conceitos ou as proposições. Assim sendo, pode-se interpretar esse resultado à luz dos estudos de Conceição e Valadares (2002), que enfatizam que essa dificuldade manifestada pelos estudantes acerca da reconciliação integrativa deve ser considerada natural, quando se trata de discentes que não tenham experiência anterior com o uso dos MCs ou de qualquer outro contexto de aprendizagem que se direcione a TAS, que, nesse caso, assemelha-se à situação real de nossos estudantes nesta pesquisa.
Considerações finais
O intuito desta pesquisa foi direcionado à implementação de uma intervenção didática baseada na utilização de mapas conceituais como estratégia de ensino, aprendizagem e avaliação para o conteúdo de pilhas e baterias, averiguando por meio dos princípios da TAS o processo de aprendizagem significativa de conceitos eletroquímicos.
De forma geral, os estudantes demonstraram a predisposição inicial para aprender, devido a uma boa aceitação da proposta metodológica de construção dos mapas conceituais, uso das TDICs e atividades experimentais. Entretanto, na etapa de construção dos mapas conceituais os estudantes apresentaram certa resistência em relação a essa técnica, pois eles já haviam tido uma experiência em outra disciplina, e traziam consigo uma concepção equivocada, na qual apontavam que não gostavam dessa atividade, por ser muito complexa e não entendiam seu real propósito no processo de aprendizagem.
Contudo, no decorrer das aulas a docente pesquisadora procurou explicar o conteúdo e guiar os estudantes por meio dos MCs, fazendo com que eles entendessem a técnica e o sentido de toda organização do mapa conceitual. Assim, os estudantes foram percebendo e destacando que essa atividade diferenciava-se, por requerer deles um entendimento aprofundado do conteúdo estudado, pois naquele momento era preciso revolver e selecionar os conceitos essenciais estudados, bem como planejar como os conceitos e proposições seriam dispostos, a fim de integrá-los, relacioná-los e diferenciá-los. Por isso, evidencia-se neste estudo que os mapas conceituais são valiosos instrumentos de avaliação tanto para o docente, quanto para os estudantes que podem apreciar o andamento do processo de construção de conhecimentos.
Neste sentido, os resultados desta pesquisa indicam que os mapas conceituais analisados respeitam o rigor científico dos conceitos básicos, porém poucos trazem novos conceitos. Do ponto de vista químico, os mapas conceituais buscam explicitar os processos de oxirredução, apresentando certa dificuldade para relacionar os conceitos de agente oxidante e agente redutor, tratam quase sempre da constituição da pilha, destacando os eletrodos, a ponte salina, as soluções eletrolíticas, mas poucos se preocuparam com os exemplos de pilha.
Como supracitado, verificou-se que os estudantes detalharam em seus mapas conceituais principalmente em relação às reações de oxirredução e os elementos que constituem a pilha. Em tese, entende-se que a natureza do material de ensino, isto é, a forma como as aulas foram estruturadas, buscando atender aos princípios da diferenciação progressiva e da reconciliação integrativa, fomentando a negociação entre os conhecimentos prévios e os novos conhecimentos, podem ter contribuído na construção dos mapas conceituais pelos estudantes, além de fazer com que eles encontrassem significado nos conceitos estudados, por meio das atividades experimentais e o uso das TDICs.
Desse modo, nos mapas ponderados como insatisfatórios, a maior parte apresentou poucos conceitos básicos, sendo que nenhum expressou conceitos novos. Percebeu-se uma grande dificuldade no princípio da reconciliação integrativa, assim como na hierarquização dos conceitos envolvidos. Para os mapas conceituais considerados satisfatórios, encontraram-se os principais conceitos do estudo das pilhas e baterias, as palavras de ligação apresentou sentido lógico com o conceito ao qual se associam, notou-se que existe uma clareza de leitura dos mapas, como também demonstraram os princípios da diferenciação progressiva e reconciliação integrativa. Nesse sentido, a teoria ausubeliana ofereceu uma base teórica e epistemológica favorável para a criação de novas situações no ensino e na aprendizagem de conteúdos de eletroquímica.