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Acta Scientiarum. Education

versão impressa ISSN 2178-5198versão On-line ISSN 2178-5201

Acta Educ. vol.46 no.1 Maringá  2024  Epub 01-Ago-2024

https://doi.org/10.4025/actascieduc.v46i1.68980 

HISTÓRIA E FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

Para uma compreensão da lenta e inevitável evolução da Educação de Infância: Análise do discurso sobre a Educação de Infância no Estado Novo português (1933-1974)

Para compreender la lenta e inevitable evolución de la Educación Infantil Infantil: Análisis del discurso sobre la Educación Infantil em el Estado Novo português (1933-1974)

Carla Isabel Franco da Cruz Cardoso Vilhena1  * 
http://orcid.org/0000-0002-5524-5174

António Gomes Ferreira2 
http://orcid.org/0000-0002-3281-6819

Luís Carlos Martins d’Almeida Mota3 
http://orcid.org/0000-0003-4014-9590

1Centro de Investigação em Educação de Adultos e Intervenção Comunitária, Universidade do Algarve, Campus da Penha, 8005-139, Faro, Portugal.

2Centro de Estudos Interdisciplinares, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal.

3Escola Superior de Educação, Instituto Politécnico de Coimbra, Coimbra, Portugal.


RESUMO.

Pretende-se, através deste artigo, contribuir para a compreensão do processo de desenvolvimento da Educação de Infância em Portugal no período do Estado Novo (1933-1974), um regime político conservador, nacionalista e autoritário. Neste sentido, procedeu-se à análise crítica do discurso sobre a Educação de Infância que circulou no período em estudo, com o objetivo de compreender os argumentos utilizados para justificar, ou não, a criação de instituições de educação de infância, bem como as ideias acerca da forma como se devia processar a educação das crianças mais pequenas, utilizando como fontes um conjunto de revistas de educação e ensino que circularam em Portugal nos 41 anos de duração do Estado Novo. A nossa análise permitiu observar que se assistiu, durante esse período, a importantes transformações no discurso acerca da Educação de Infância. Se num primeiro momento (1933-1944) prevaleceu um discurso médico-higienista em que se privilegiava a função assistencial, a partir de meados dos anos 40, assiste-se ao predomínio de um discurso psicopedagógico, assente na revalorização da função educativa e na defesa da generalização da Educação Pré-Escolar. No que diz respeito aos métodos pedagógicos, o método Montessori foi considerado, ao longo do intervalo de tempo analisado, como o mais adequado para a educação das crianças mais pequenas.

Palavras-chave: análise de discurso; educação de infância; educação pré-escolar; imprensa educacional; Portugal

RESUMEN.

Se pretende, a través de este estudio, contribuir a la comprensión del proceso de desarrollo de la Educación Infantil en Portugal durante el período del Estado Novo (1933-1974), un régimen político conservador, nacionalista y autoritario. En este sentido, se ha realizado un análisis crítico del discurso sobre la Educación Infantil que circuló en dicho período, con el objetivo de comprender los argumentos utilizados para justificar o no la creación de instituciones de educación infantil, así como las ideas sobre la forma en que se debía llevar a cabo la educación de los niños, utilizando como fuentes revistas de educación y enseñanza que circularon en Portugal en este período. Nuestro análisis ha permitido observar que, a lo largo de los 41 años de duración del Estado Novo, se produjeron importantes transformaciones en el discurso sobre la Educación Infantil. En un primer momento (1933-1944) prevaleció un discurso médico-higienista que priorizaba la función asistencial; sin embargo, a partir de mediados de los años 40, se evidenció un predominio de un discurso psicopedagógico, centrado en la revalorización de la función educativa y la promoción de la generalización de la Educación Preescolar. En cuanto a los métodos pedagógicos, el método Montessori fue considerado, a lo largo del período analizado, como el más adecuado para la educación de los niños más pequeños.

Palabras clave: análisis del discurso; educación infantil; educación pré-escolar; revistas de educación; Portugal

ABSTRACT.

This study aims to contribute to a comprehensive understanding of the development of Early Childhood Education in Portugal during the Estado Novo (1933 to 1974), a conservative, nationalist, and authoritarian political regime. Employing a critical discourse analysis approach, the research investigates the various perspectives, justifications and oppositions invoked for the establishment, or rejection, of early childhood education and explores prevalent ideas about children’s education. Data is sourced from Portuguese pedagogical press, covering the Estado Novo period. The findings of this study shed light on the transformation of discourses surrounding early childhood education in the Portuguese Estado Novo. The period between 1933 and 1944 was characterized by a medical-hygienist focus on welfare; however, in the post-World War II the discourse shifted towards a psychopedagogical emphasis on education (1945-1974). As for the pedagogical methods, the Montessori method emerged as the most favoured pedagogical approach for young children throughout the Estado Novo era.

Keywords: analysis; early childhood education; preschool education; pedagogical press; Portugal

Introdução

Em 28 de maio de 1926, dá-se um golpe de estado, em Portugal, na sequência do qual é estabelecida uma Ditadura Militar. É dessa ditadura que emerge o regime do Estado Novo, institucionalizado com a aprovação da nova Constituição da República Portuguesa, em 22 de fevereiro de 1933 (Decreto nº 22:241, 1933). Tratou-se de um regime político conservador, nacionalista, totalitário e corporativista, que tinha como principal objetivo regenerar o país, através da integração dos indivíduos na nova ordem moral que os seus governantes anunciavam (Rosas, 2001). Neste projeto de regeneração do povo português, que implicava a inculcação de novas formas de ser e de estar, a educação iria desempenhar um papel essencial (Nóvoa, 1997a; Rosas, 2001).

Em consonância com a ideologia política do regime, a política educativa do Estado Novo foi, na sua essência, autoritária, nacionalista e conservadora, marcada por práticas cuja principal finalidade seria a doutrinação das crianças e das suas famílias (Nóvoa, 1997a). Note-se que, apesar de os governantes do Estado Novo terem compreendido o valor da educação, escolar e extra-escolar (Nóvoa, 1997a; Pimentel, 2007), e terem utilizado a escola como uma “[...] agência de controlo e reprodução social e cultural” (Almeida, 2011, p. 16), o facto de a preocupação central durante grande parte dos 41 anos deste regime ter sido com a formação das elites (Rosas, 2001), conduziu a um reduzido crescimento do ensino. Mesmo a partir do pós-Guerra, em que se observou uma maior abertura ao exterior e, sobretudo a partir da década de 60, uma tomada de consciência do atraso educativo português, a expansão educativa então iniciada circunscreveu-se aos ensinos primário e secundário (Nóvoa, 1997a).

A Educação de Infância não acompanhou esta “[...] fase expansionista” (Nóvoa, 1997a, p. 176) pós II Guerra Mundial, acontecimento a que não será estranho, entre outros fatores, a extinção do ensino infantil oficial, em 1937 (Decreto-Lei nº 28:081, 1937). Tal não significa, porém, que não se tenham observado alterações neste nível educativo (Cardona, 1997; Ferreira, Mota, & Vilhena, 2019b; Vilarinho, 2011). Apesar do reduzido ou quase inexistente investimento do Estado, assistiu-se, a partir de meados do século XX, ao aumento da procura social de instituições de Educação de Infância e à crescente percepção, por parte das elites, da sua importância para o desenvolvimento das crianças. Simultaneamente, a intervenção da OCDE no campo da educação em Portugal, na década de 60, no âmbito do Projeto Regional do Mediterrâneo, trouxe a questão da educação formal das crianças em idade pré-escolar para o centro do debate educativo (Cardona, 1997; Ferreira et al., 2019b; Vilarinho, 2011). O certo é que, em 1973, um ano antes do final do regime, a Educação Pré-Escolar é reintegrada no sistema educativo português (Lei nº 5/73, 1973).

A investigação sobre a história da Educação de Infância em Portugal tem-se centrado na análise da legislação e do discurso político (Braga, 2010; Cardona, 1997; Ferreira & Mota, 2014; Martins, 2012; Vasconcelos, 2005; Vilarinho, 2000, 2011); no desenvolvimento deste nível educativo (Gomes, 1977) e na história de instituições específicas (Fernandes, 2000; Ferreira & Mota, 2019). O discurso sobre a educação formal das crianças com idades compreendidas entre os 0 e os 6 anos de idade, embora já tenha sido objeto de análise (Ferreira, Mota, & Vilhena, 2019a), tem sido alvo de menor atenção. Neste sentido, este estudo teve como principal finalidade contribuir para a compreensão do processo de desenvolvimento da Educação de Infância no Estado Novo português (1933-1974), através da análise do discurso que circulou em Portugal, neste período, sobre a educação das crianças entre os 0 e os 6 anos de idade, tendo como principais objetivos: 1) compreender os argumentos utilizados para justificar, ou não, a criação de instituições de Educação de Infância; e, 2) identificar e descrever os modelos pedagógicos considerados adequados à educação das crianças mais pequenas.

O nosso estudo situa-se no campo da história das ideias educativas, numa perspectiva entrecruzada com a ‘nova’ História Cultural, em que a análise das ideias educativas se faz “[...] a partir da perspectiva do discurso a da sua construção social, mas também da construção discursiva do social” (Araújo, 2019, p. 464). Procuramos, assim, entender as práticas discursivas presentes num determinado período histórico e num dado espaço social, ou seja, pretende-se compreender como historicamente se foi construindo e reconstruindo a Educação de Infância num período marcado por um discurso pedagógico moralizante que, como afirma Nóvoa (1997a, p 180), projeta “[...] de fora para dentro do campo educativo um conjunto de regras de comportamento e de normas sociais [...] ”, designadamente aqueles que dizem respeito, no caso particular deste nível educativo, à conceção de infância e ao lugar da mulher na sociedade.

Tendo como objeto de análise o discurso sobre a Educação de Infância e filiando-se na história das ideias educativas, encaradas “[...] como práticas discursivas fruto de um contexto sociocultural determinado” (Araújo, 2019, p. 466) optou-se, neste estudo, por uma abordagem qualitativa, mais especificamente, a análise crítica de discurso (Fairclough, 2003). Parte-se, assim, não só do pressuposto de que os discursos são histórica e culturalmente situados e enquanto tal dependentes do contexto em que ocorrem, mas também de que existe uma relação entre discurso e realidade, ou seja, que é através dos discursos que a realidade é construída e mantida (Philips & Hardy, 2002). Teremos assim em conta, na nossa análise, não só contexto histórico e social em que os discursos são produzidos, mas também, dada a sua importância para a compreensão das transformações na Educação de Infância (White, 2002), os discursos sobre as crianças e as mulheres que circularam, em Portugal, no período do Estado Novo.

Vários autores (Gouvea, 2008; Nóvoa, 1993, 1997b; Toledo & Skalinski Junior, 2013) têm evidenciado a importância das revistas de educação e ensino, no campo da história da educação. Para além de possibilitarem aceder a uma multiplicidade de vozes e, particularmente, às que mais dificilmente têm lugar noutros espaços, e a reflexões em estreita proximidade temporal com os acontecimentos, a análise dos discursos veiculados na imprensa de educação e ensino permite-nos observar a produção discursiva de um período histórico concreto (Nóvoa, 1997b). Nóvoa (1993, p. XXXII) refere ainda o facto da imprensa ser “[...] o melhor meio para apreender a multiplicidade do campo educativo [...]”, ou seja, de nos permitir apreender a sua diversidade, assim como as controvérsias que o atravessam, aspecto particularmente importante para o presente estudo, uma vez que o campo da Educação de Infância tem sido perpassado, desde a criação das primeiras instituições dedicadas ao cuidado e à educação das crianças mais pequenas, pela dicotomia criar/educar (Vilhena, 2002). Estes foram os motivos que nos conduziram a eleger como fontes um conjunto de revistas pedagógicas que circularam em Portugal no período do Estado Novo (1933-1974), que já tínhamos trabalhado anteriormente (Ferrreira et al., 2019a; Vilhena, 2002).

A preocupação em aceder a uma diversidade de discursos sobre a Educação de infância conduziu à seleção de diferentes tipos de periódicos. Neste sentido, foram selecionados periódicos de cariz científico, destinados a especialistas de diferentes áreas do saber (medicina, pedagogia, psicologia e psiquiatria) e revistas de divulgação, dirigidas ao público em geral. Tendo por base o critério da diversidade, assim como a necessidade de incluir periódicos publicados desde o início até ao final do regime (1933-1974), foram utilizadas as seguintes fontes:

1) A Criança Portuguesa (1942-1963), um periódico científico, de cariz médico-pedagógico, coordenado pelo médico Vítor Fontes e editada pelo Instituto António Aurélio da Costa Ferreira, uma instituição dedicada ao diagnóstico e encaminhamento das ‘crianças anormais’;

2) Revista Portuguesa de Pedagogia (1960-1963, 1.ª Série e 1971-1975, 2.ª Série), uma revista científica destinada à divulgação de investigação realizada no âmbito das Ciências da Educação, coordenada, na época em análise, por Émile Planchard, pedagogo belga radicado em Portugal, professor na Universidade de Coimbra, e editada pelo Instituto de Estudos Psicológicos e Pedagógicos da Faculdade de Letra da Universidade de Coimbra;

3) Brotéria. Fé, Ciências, Letras (1923-1974), publicado pela Companhia de Jesus é um dos mais emblemáticos periódicos católicos, situado na “[...] fronteira entre a obra de opinião jornalística e a obra científica, aturadamente elaborada e premeditada” (Franco & Pinho, 2018, p. 266), nas suas páginas encontram-se artigos sobre temas religiosos, literários e humanistas, entre os quais, aqueloutros sobre educação;

4) Os Nossos Filhos (1942-1958), uma revista de divulgação dirigida às mães, propriedade de Maria Lúcia Namorado, que também era sua diretora, uma mulher com ligação a organizações feministas de oposição ao regime (Pessoa, 2016);

5) A Saúde (1931-1942), revista de divulgação publicada pela Junta Geral de Coimbra com a finalidade de “[...] educar o povo português no que diz respeito às regras básicas de higiene e profilaxia, mas também em termos estéticos e morais” (Xavier, 2013, p. 985) e publicitar as obras de assistência da responsabilidade deste organismo;

6) Alma Feminina (1917-1946), revista editada pelo Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, a primeira organização feminista portuguesa (Gorjão, 2002).

Temos, assim, entre as fontes utilizadas neste trabalho, para além de revistas científicas (A Criança Portuguesa e Revista Portuguesa de Pedagogia) e de divulgação (Brotéria. Fé, Ciências, Letras, Os Nossos Filhos, A Saúde, Alma Feminina), como anteriormente referido, revistas mais próximas do regime, como é o caso da Brotéria (Franco & Pinho, 2018) ou de A Saúde, e revistas que nos permitiram aceder ao pensamento daqueles ideologicamente mais afastados dos ideais políticos do Estado Novo, como foi o caso da Alma Feminina e de Os Nossos Filhos. A inclusão destas revistas contribuiu também para que tivéssemos acesso à voz das mulheres, menos presentes, neste período, no espaço público português, designadamente no campo político (Pimentel, 2011).

No que diz respeito ao corpus documental este foi constituído pelos artigos que tinham como tema central a Educação de Infância.

Para nos referimos à educação formal das crianças, antes da entrada no que à altura se designava de escola primária, serão utilizadas, ao longo do texto, duas terminologias, que não são equivalentes. O termo Educação de Infância refere-se à educação formal das crianças entre os 0 e os 6 anos de idade, enquanto que a expressão Educação Pré-Escolar diz respeito à educação formal das crianças entre os 3 e os 6 anos de idade.

O artigo encontra-se dividido em duas partes. Tendo em conta a importância do contexto para a compreensão do discurso sobre a Educação de Infância, a primeira parte será dedicada a uma breve caraterização da Educação de Infância em Portugal no Estado Novo. Na segunda parte será apresentada a análise do discurso veiculado na imprensa pedagógica portuguesa, considerando as duas dimensões que nos propusemos analisar: os argumentos utilizados para defender, ou não, a criação de instituições de Educação de Infância e os métodos pedagógicos considerados adequados para a educação das crianças mais pequenas.

A Educação de Infância no Portugal do Estado Novo

Portugal tem percorrido, no campo da Educação de Infância, um percurso semelhante a outros países ocidentais (Ferreira et al., 2019b). As primeiras instituições foram fundadas no século XIX e, durante a 1ª República, o ensino infantil, destinado a crianças entre os 4 e os 7 anos de idade, é integrado no sistema educativo português (Braga, 2010; Cardona, 1997; Ferreira et al., 2019b; Gomes, 1977; Ministério da Educação, 2000).

A instauração da Ditadura Militar, após o golpe de estado de 28 de maio de 1926, não provoca alterações significativas, não se assistindo, na Educação de Infância, a um verdadeiro desmantelamento das práticas republicanas, até porque, como refere Gomes (1977), estas eram praticamente inexistentes. Cite-se, a título de exemplo, as palavras escritas no preâmbulo do Decreto-Lei nº 16:037 (1928, p. 2095), de 14 de outubro de 1928, em que se procedia à reorganização do Ensino Normal:

Uma innovação que ao Gôverno parece ser importante é a separação, nitidamente estabelecida, da preparação especial para o ensino elementar e para o ensino infantil e ainda a exigência, para as candidatas a êste último, de aptidões prèviamente comprovadas. O desenvolvimento, que na vigência da República começou a dar-se ao ensino infantil, comprovado pelas modelares escolas existentes na cidade do Pôrto e pelo número de secções infantis existentes nas escolas de Lisboa, tem de ser continuado.

Em 1933, a promulgação da Nova Constituição (Decreto nº 22:241, 1933) marca o início do Estado Novo. Neste documento estavam plasmados os princípios ideológicos do novo regime, os elementos centrais da nova ordem moral que se pretendia instituir (Rosas, 2001). Saliente-se, no presente contexto, o facto de se ter estabelecido a família como célula básica da sociedade (Decreto nº 22:241, 1933, Art.º 11.º), mais especificamente, como “fonte de conservação e desenvolvimento da raça, como base primária da educação, da disciplina e harmonia social”, e se ter restringindo a igualdade da mulher perante a lei (Decreto nº 22:241, 1933, Art.º 5.º, § único) em resultado do que se entendia serem as “[...] diferenças resultantes da sua natureza e do bem da família [...]”, restrição essa que seria utilizada para fundamentar a regulação da sua presença no espaço público, designadamente no mercado de trabalho (Pimentel, 2011).

Com a tomada de posse, em 1936, de António Carneiro Pacheco, o grande arquiteto do projeto de educação nacionalista, como Ministro da Instrução Pública, os princípios ideológicos plasmados na Constituição começariam a permear o campo educativo e, consequentemente, a Educação de Infância (Almeida, 2011; Braga, 2010; Nóvoa, 1997a).

Na proposta de lei sobre a reforma do ensino primário, apresentada à Assembleia Nacional, Carneiro Pacheco incluiu um ponto intitulado ‘Errada posição da educação pré-escolar’, em que começava por reconhecer a importância da Educação de Infância, salientando o papel que desempenhava na preparação para a escola primária, assim como a escassez de instituições destinadas ao acolhimento e educação das crianças mais pequenas:

Causa importante de deminuição do rendimento escolar é o facto de, no momento do ingresso na escola, as crianças se apresentarem frequentemente, mercê do baixo nível da vida familiar e da diversa condição económica e social, sem o necessário desenvolvimento físico e em tamanha disparidade psíquica que se torna impossível um verdadeiro agrupamento pedagógico na 1.ª classe, pelo menos.

Para se prevenir ou atenuar êste mal, que interessa ao vigor físico e à saúde moral dos portugueses, raro se encontram nos meios pequenos, e a falta agrava-se com o afastamento da mãi para os lugares de trabalho, instituições de assistência educativa que, em auxílio da família, promovam e orientem o desenvolvimento normal da criança, desde os lactários e creches até aos jardins de infância, para que à vida em formação nada falte de essencial: carinho maternal, alimentação adequada, hábitos de higiene, saúde e espontaneidade.

Assim se anula em parte o esfôrço do professor mais competente (Sessão no 145, 1937, p. 25).

Face à escassez de instituições, que levou o ministro a afirmar que “[...] a existência do ensino infantil oficial em Portugal não passa de uma ficção” (Sessão no 145, 1937, p. 26), ao elevado custo para o Estado da resolução do problema, mas também pela consideração da família “[...] como base primária da educação” (Decreto nº 22:241, 1933, Art.º 11.º), foi, apesar do reconhecimento da sua importância, tomada a decisão de extinguir o ensino infantil oficial:

E, porque a experiência tem demonstrado que o ensino infantil não se encontra organizado de forma que os frutos correspondam aos encargos, prevê-se a extinção ou conversão das respectivas escolas, devendo procurar-se em mais adequadas formas de actividade educativa, como a Obra das Mãis pela Educação Nacional, a resolução do problema (Decreto-Lei nº 28:081, 1937, p. 1071).

A responsabilidade pela Educação de Infância foi, então, atribuída à Obra das Mães pela Educação Nacional (OMEN), uma organização feminina criada um ano antes, em 1936, pelo ministro Carneiro Pacheco. No seus Estatutos (Decreto no 26:893, 1936, Art. 1º, 5º), publicados a 15 de agosto de 1936, já estava previsto que uma das finalidades da OMEN seria “[...] promover e assegurar em todo o País a educação infantil pré-escolar, em complemento da ação da família”. Não obstante, esta organização pouco fez pelo desenvolvimento deste nível educativo (Pimentel, 2011).

Apesar do desinvestimento, por parte do Estado, na Educação de Infância, assiste-se, a partir dos finais da década de 40, a um aumento da procura social de instituições de Educação de Infância, a que não terá sido alheia a entrada progressiva das mulheres no mundo do trabalho (Cardona, 1997; Vilarinho, 2011). Entre o início da década de 50 e ano letivo 1972/73, ano em que o ensino pré-escolar volta a ser reintegrado no sistema educativo português, observou-se um aumento significativo do número de Escolas Infantis e, consequentemente, do número das crianças que frequentavam este nível educativo. Segundo Gomes (1977) no ano letivo de 1951/52, havia 94 escolas infantis, dependentes da Inspeção-Geral do Ensino Particular, em 1959/60 existiam 177 e em 1972/73 estavam em funcionamento 706, o que representa um aumento de 298,97%; no que diz respeito ao número de crianças inscritas, passou de 1954 em 1951/52, para 6126 em 1959/60 e 18964, em 1972/73.

Note-se que, apesar de estarmos perante, no que diz respeito ao número de crianças, a uma taxa de crescimento de 870,02%, reveladora, como anteriormente referido, de um aumento da procura social de instituições de Educação Pré-Escolar, esta só abrangia um número reduzido de crianças portuguesas, circunscrevendo-se sobretudo aos centros urbanos (Ferreira et al., 2019b).

Outro indicador das transformações que ocorriam no campo da Educação de Infância foi a profissionalização das Educadoras. Em 1954, são criadas, em Lisboa, duas escolas dedicadas exclusivamente à formação de educadoras de infância, o ‘Instituto de Educação Infantil’ e a ‘Escola de Educadoras de Infância’, a que se seguiram, em 1963, a ‘Escola de Educadoras de Infância de Nossa Senhora da Anunciação’, em Coimbra, e a ‘Escola de Educadoras Paula Frassinetti’, no Porto. Mais tarde, no final dos anos 60, foram criadas duas escolas destinadas à formação de auxiliares de educação, a ‘Escola de Auxiliares de Educação de S. Tomé’, em Lisboa, e a ‘Escola do Arcediago Van-Zeller’, no Porto (Gomes, 1977).

Pelo que foi atrás exposto pode-se afirmar que a extinção do ensino infantil oficial, nos primeiros anos do Estado Novo, apesar de ter contribuído para um atraso evidente no desenvolvimento da Educação de Infância, por comparação com o que aconteceu noutros países ocidentais (Vilarinho, 2011), não teve como consequência a paralisação do desenvolvimento deste nível educativo. Este foi crescendo paulatinamente em torno de duas vertentes: uma vertente assistencial, centrada nos cuidados e dirigida às crianças das classes populares; uma vertente privada, onde eram mais evidentes as preocupações educativas, que tinha como público-alvo as crianças pertencentes a famílias mais favorecidas, aquelas que podiam arcar com o custo da mensalidade (Ferreira et al., 2019b).

Para tal contribuiu o voluntarismo de algumas pessoas e/ou entidades privadas. Refira-se, a título de exemplo, Bissaya Barreto, médico e presidente da Junta de Província da Beira Litoral, responsável pela criação da ‘Obra de Proteção à Grávida e à Criança’, “[...] um programa de assistência infantil que integrava um verdadeiro dispositivo sócio-sanitário” (Ferreira & Mota, 2019, p. 138), ou seja, um conjunto diversificado de instituições entre as quais se incluíam as ‘Casas da Criança’, destinadas ao acolhimento e educação das crianças das classes populares, em idade pré-escolar; a ‘Associação de Escolas Móveis e Jardins-Escolas João de Deus’, responsável pela criação de Jardins de Infância em várias cidades portuguesas (Cardona, 1997; Vilarinho, 2011); Maria Teresa Andrade Santos e Maria Ulrich, responsáveis pela criação das duas primeiras escolas dedicadas exclusivamente à formação de educadoras de infância, em Portugal (Gomes, 1977).

Num período em que prevalecia a ideia de que o lugar da mulher casada era em casa, a tomar conta dos seus filhos (Marques & Guarda, 2020; Pimentel, 2000), os dados acima apresentados denotam a crescente valorização social da Educação de Infância. Para tal terão contribuído as transformações na percepção dos principais problemas da infância, assim como na forma como era entendido o processo de desenvolvimento infantil. Se se considerava que, nos anos 30 e 40, os principais problemas que afetavam as crianças eram a mortalidade e morbilidade infantis, assim como a sua falta de educação (Ferreira, 2000), nas décadas de 50 e de 60 do século passado, surgem como temas dominantes os aspetos relacionados com o seu desenvolvimento psicológico (Filipe, 2014).

Por um lado, a progressiva diminuição das taxas de mortalidade infantil, a partir da década de 50, fruto de uma melhoria nas condições de vida, assim como do alargamento da assistência materno-infantil (Pimentel, 2000, 2011), terá tornado menos prementes as questões relacionadas com o cuidado com o corpo. Por outro lado, a emergência da Nova Psicologia, no pós II Guerra, uma abordagem ao desenvolvimento de inspiração psicanalítica, e que teve em John Bowlby, Anna Freud e Susan Isaacs alguns dos seus mais conhecidos representantes (Bakker & Smit, 2020; Rose, 1999) e, na década de 60, a redescoberta de Piaget e da sua concepção construtivista do desenvolvimento da inteligência (Singer & Wong, 2021; Westberg, 2019), contribuíram para uma maior atenção às dimensões psicológicas do desenvolvimento infantil, assim como para o impacto dos primeiros anos de vida no desenvolvimento da criança. Neste contexto, é atribuída à Educação de Infância uma função compensatória, ou seja, de facilitação do acesso de crianças de meios populares à cultura escolar (Ferraz, Neves, & Nata, 2018).

Porém, se noutros países, a partir da década de 60, a Educação de Infância foi percepcionada, pelos poderes públicos, como uma arma de combate à pobreza e de promoção do sucesso escolar, uma medida de educação compensatória, o que contribuiu para o aumento do investimento público neste nível educativo (Beatty, 1995; May, 2006; Rose, 2010), em Portugal tal não aconteceu, sendo apenas de assinalar o investimento do Ministério da Saúde e da Assistência na criação de creches e jardins de infância, destinados, na sua maioria, a crianças pertencentes às classes populares (Cardona, 1997; Ministério da Educação, 2000).

As influências provindas dos países desenvolvidos e a acentuação da sensibilidade psicológica e pedagógica a favor de maior atenção para com o desenvolvimento da criança levam a que, pelos anos sessenta, vozes influentes, inclusivamente de pessoas próximas do regime, como é o caso de Émile Planchard (Braga, 2010) ou Maria Teresa Andrade dos Santos, fundadora do ‘Instituto de Educação Infantil’ (Cardona, 1997), defendam a criação de uma rede pública de educação pré-escolar.

Sublinhe-se que Portugal foi um dos países, a par com a Espanha, a Itália, a Jugoslávia, a Grécia e a Turquia, que participou no Projeto Regional do Mediterrâneo, desenvolvido pela OCDE, cuja principal finalidade seria o planeamento do sistema escolar. Ora, no segundo relatório realizado no âmbito deste Projeto previa-se que no ano letivo de 1974/75 estariam inscritas em instituições de Educação de Infância 24000 crianças (Cardona, 1997). Não admira, portanto, que a criação de uma rede pública de Educação Pré-Escolar começasse a ser considerada pelos governantes portugueses e, assim, em 1973, no âmbito da reforma Veiga Simão (Lei nº 5/73, 1973), esta voltasse a fazer parte do sistema educativo português. Sendo destinada a crianças com idades compreendidas entre os 3 e os 6 anos de idade, mas revestindo-se de um “[...] carácter supletivo em relação à família” (Lei nº 5/73, 1973, Secção 2ª, Base V, 4) , previa-se que a educação de infância fosse “[...] progressivamente generalizada pela conjugação dos esforços dos sectores públicos e privados” (Lei nº 5/73, 1973, Secção 2ª, Base V, 5).

A queda do regime, no ano seguinte, em 25 de abril de 1974, impediu a concretização da Reforma Veiga Simão, porém, a inclusão da Educação Pré-Escolar no sistema educativo português não foi revertida.

Para se entender as transformações ocorridas na Educação de Infância torna-se necessário compreender os argumentos utilizados para justificar a intervenção, do Estado ou de entidades privadas, no acolhimento e educação das crianças mais pequenas (White, 2002). Tal será a finalidade do ponto que se segue, em que apresentaremos a análise do discurso sobre a Educação de Infância no Estado Novo português.

O discurso sobre a educação de infância no Estado Novo português

À semelhança dos resultados obtidos por outros autores (Cardona, 1997; Vilarinho, 2011), a análise do discurso realizada no âmbito do presente estudo, permitiu identificar dois períodos distintos, no que diz respeito à Educação de Infância, no arco temporal abarcado pelo Estado Novo. O primeiro período, que decorre desde 1933 a 1944, é marcado pelo predomínio de uma perspectiva assistencialista; o segundo período, compreendido entre 1945 e o final do regime (1974), caracteriza-se pela valorização da função educativa da Educação Pré-Escolar, destinada às crianças entre os 3 e os 6 anos de idade, acompanhada pela defesa da sua generalização.

Todavia, embora Cardona (1997) e Vilarinho (2000) também subdividam a Educação de Infância no período do Estado Novo em dois períodos, com caraterísticas idênticas àquelas acima referidas, estas autoras situam o momento de transformação no início da década de 60 e não no pós II Guerra Mundial, como foi identificado neste estudo. Pensamos que a diferença entre os intervalos de tempos aqui propostos e aqueles determinados pelas autoras acima referidas, deve-se ao facto de este trabalho não se centrar no discurso político, objeto de análise dos estudos de Cardona (1997) e Vilarinho (2000), mas sim no discurso veiculado em revistas de educação e ensino. Note-se que não só os discursos analisados são oriundos de diferentes setores da sociedade portuguesa e de diferentes campos do saber (medicina, educação, psiquiatra e psicologia), como também, e pensamos ser esta a principal causa da diferença na periodização, os discursos analisados incluem não só referências ao real mas, como iremos ver, o que Fairclough (2003) designa de ‘representações imaginárias’, ou seja, o que a Educação de Infância poderia ou deveria ser.

1933-1944: O predomínio de uma perspectiva assistencial na Educação de Infância

O período do Estado Novo correspondeu a um tempo em que prevaleceu uma visão bastante conservadora da família. Na ideologia oficial estava reservada à mulher a esfera doméstica, sendo valorizada a sua função enquanto dona de casa e mãe de família. A atribuição da esfera doméstica à mulher como seu espaço ‘natural’ foi acompanhada, no discurso oficial do Estado Novo, pela tentativa de exclusão das mulheres da esfera pública (Pimentel, 2011). Além da tentativas de limitação, pelo Estado, do acesso das mulheres ao mundo do trabalho (e.g. afastamento de determinadas profissões, restrições impostas a determinadas profissionais), o regresso das mulheres operárias ao lar foi um dos “[...] temas recorrentes de propaganda e de debate no seio do Estado Novo e das organizações femininas estatais” (Pimentel, 2011, p. 32). Este não passava, porém, de um ‘discurso imaginário’ (Fairclough, 2003), ou seja, da referência a uma realidade desejável, uma vez que grande parte das mulheres portuguesas, designadamente aquelas pertencentes às classes populares, de cujo salário dependia a sobrevivência da família, continuaram a trabalhar fora de casa (Pimentel, 2011). Como afirma Pimentel (2011, p. 54) a realidade afastou-se “[...] claramente dos objetivos ideológicos, dado que, ao longo dos anos, um número cada vez maior de mulheres trabalhou fora de casa em Portugal”.

A ideologia dominante acerca do papel social da mulher permeia os discursos sobre a Educação de Infância, sendo particularmente evidente a sua influência nos anos 30 e 40. A interrogação feita pelo médico Manuel Vicente Moreira, um apoiante do regime, acerca da criação de creches, ilustra, de uma forma clara, esta realidade:

A fundação de Creches sugere problemas de ordem vária.

Favorecem estas instituições o afastamento das crianças das mães, contra a natureza e as tendências do momento quer nacional, quer internacional, as quais são exactamente inversas?

É facto verificado pelos que se interessam por problemas sociais e confessam a realidade, mesmo quando dela discordam, existir a tendência para o regresso da mulher ao lar, em estados modernos, como na Alemanha hitleriana (Moreira, 1934, p. 102).

Apesar da referência à situação alemã, o autor também menciona países democráticos como a França e a Bélgica, enquanto exemplos de ‘estados modernos’ onde, à semelhança do que acontecia em Portugal, se defendia a ideologia da domesticidade, ou seja, a esfera doméstica como lugar ‘natural’ da mulher. De facto, se atentarmos aos resultados de estudos sobre as mulheres em diferentes países (Bergenheim & Linder, 2020; Harvey, 2008; Odland, 2009; Proctor & Weaver, 2017; Skoog, 2017; Thomson, 2013; Wanhalla, 2007; White, 2002), vemos que a ideologia da domesticidade perpassa regimes ideológicos, fazendo parte da ética familiar dominante neste período.

Contudo, apesar de esta ser a ideologia dominante, as mulheres da oposição tinham uma posição diferente. Estas mulheres, pelo menos aquelas que escreviam nas revistas analisadas, defendiam que devia ser concedida às mulheres a possibilidade de poder trabalhar fora de casa, motivo pelo qual seria necessária a criação de instituições de Educação de Infância (Comissão de Coimbra, 1946). Estas surgiam, assim, como um instrumento de emancipação feminina, numa lógica contrária à ideologia do Estado Novo, principalmente das mulheres da classe média, uma vez que a grande maioria das mulheres das classes populares não teria outra opção senão trabalhar fora de casa. A professora Maria Alice Lami, feminista e opositora ao regime, foi uma dessas vozes:

A mulher está oprimida pelo serviço caseiro e a sua vida está acorrentada à sua cozinha e aos seus filhos. Trata-se pois de a libertar completamente da escravidão das ocupações domésticas e desse modo o inteiro rendimento do trabalho feminino será possível desde que deixe de subordinar toda a sua vida ou grande parte dela, aos filhos e ao trabalho de casa. No estado actual das coisas, dedica-se aos filhos em detrimento do trabalho ou dedica-se a este em detrimento aos filhos. É preciso pois que ela tenha a possibilidade de dedicar a ambas as coisas o tempo necessário. Como? Criando-se creches, jardins de infância e casas de crianças (Lami, 1935, p. 4).

Para aqueles que defendiam o regresso da mulher ao lar, um dos temas recorrentes na propaganda do Estado Novo (Pimentel, 2011), a criação de instituições de Educação de Infância justifica-se pela impossibilidade de resolver, de uma forma célere, o problema da mãe operária (Moreira, 1934), assumindo assim um caráter predominantemente assistencial. Face à indisponibilidade das mães, durante as horas de trabalho, seria da responsabilidade do Estado ou de instituições privadas por ele subsidiadas, acolher e educar as crianças mais pequenas, aquelas que a escola ainda não abarcava. Como refere o médico Manuel Vicente Moreira “[...] havemos de abandonar as crianças pelas ruas, com tôdas as consequências funestas, afastá-las de quem as ensine, ao menos, a lavar a cara?” (Moreira, 1934, p. 104). À rua, lugar de todos os vícios, opunham-se as instituições de educação de infância, onde as crianças seriam devidamente cuidadas e educadas:

Reparem V. Ex.as que até aos sete anos a criança pobre de Portugal vive na rua à mistura com os cães e com as galinhas, contaminado-se fisicamente, viciando-se moralmente. Há vícios, há hábitos que se estratificam no sub-consciente das crianças naquelas idades e que ficam a prejudicá-las durante o resto da vida. Esperamos que, multiplicadas obras de Assistência como esta, semelhante vergonha desapareça da nossa terra, porque na Casa da Criança há quem as vista, as alimente, as eduque, as acarinhe, as defenda e as prepare para a vida (Notas do Relatório..., 1940, p. 2).

A preocupação com a degeneração moral andava a par com as questões relacionadas com os cuidados com o corpo. Muitos dos discursos produzidos nesta época têm subjacente uma racionalidade médico-higienista, sendo evidente a preocupação com mortalidade e a morbilidade infantis, um dos principais problemas que afetavam, neste período, as crianças portuguesas, particularmente as mais pequenas (Ferreira, 2000; Pimentel, 2000, 2011).

Embora, em Portugal, a política de assistência à infância nunca tenha assumido um carácter eugénico (Pimentel, 2000), foi visível nos discursos analisados um preocupação com a quantidade e a qualidade da população portuguesa. Este foi um tema que entrou no debate público, no início do Estado Novo, o que não será surpreendente se tivermos em conta que um dos propósitos do regime era o “[...] estabelecimento de um Estado forte capaz de conduzir ao ressurgimento nacional” (Almeida, 2011, p. 14), através do ‘aperfeiçoamento da raça’, do incentivo à natalidade e ao casamento católico, bem como do combate à mortalidade infantil (Pimentel, 2000). No âmbito de comemorações simultaneamente políticas e religiosas, num significativo discurso referiam-se as condições em que se encontravam muitas crianças portuguesas e enunciava-se a necessidade de intervenção, a bem do progresso da Nação:

Vimos ontem mesmo um aspecto impressionante e desolador da nossa criança, casos típicos de raquitismo e debilidade congénitas, crianças que se nos apresentam desvigoradas, anémicas, de ventre proeminente, pernas como fios, bochechas flácidas e caídas, peito retraído ou em quilha, olhar triste e apático.

Não, não pode ser; se continuarmos assim, sem higiene alimentar, física, moral e intelectual, nem daqui a um século teremos Portugueses que mantenham as faculdades activas da Raça e, não esqueçamos que um Povo vale o que valem os seus habitantes e que a saúde física, moral e material da criança representa o futuro, a prosperidade e o progresso do Estado, sob o ponto de vista intelectual, moral e material (Festas comemorativas dos Centenários e da Rainha Santa, 1940, p. 7).

Uma das soluções para este problema passava pela criação de dispositivos de assistência à maternidade e à infância, que englobassem as diferentes fases da vida da criança, “[...] desde a vida intra-uterina até à puberdade” (Moreira, 1934, p. 106), destinados principalmente às mães e às crianças pertencentes às classes populares, assentes numa lógica assistencial. De facto, apesar de a mortalidade e morbilidade infantis atingirem crianças de todos os estratos sociais (Ferreira, 2000), nos textos por nós analisados são referidas predominantemente as crianças das classes populares (A Creche..., 1934; Leça, 1943; Notas..., 1940).

Algumas das instituições de Educação de Infância criadas nos primeiros anos do Estado Novo, creches e jardins de infância, surgem, precisamente, no seio de dispositivos de assistência materno-infantil. Refira-se, a título de exemplo, a ‘Obra de Proteção à Grávida e à Criança’ (OPGC), criada pelo médico Bissaya Barreto, com as suas creches, ‘Casas da Criança’ e ‘Parques Infantis’ (Colaço, 1936; Um almoço..., 1937), assim como o Centro Maternal Infantil da Fundação Júlia Moreira, instituição dirigida pelo médico Manuel Vicente Moreira, cujas diferentes valências são descritas no excerto que se segue:

O Centro Maternal e Infantil - Fundação Júlia Moreira - é hoje uma associação de profilaxia, assistência e educação, que tem por fim principal contribuir para a diminuição da mortalidade e morbilidade infantil e materna, principalmente nos meios pobres da zona oriental de Lisboa. Presentemente possui uma consulta externa; um dispensário e uma creche, em edifícios separados, o primeiro adaptado e o segundo construído propositadamente para o seu fim; e um serviço de visitação e distribuição de alimentos às crianças para as horas em que permanecem em casa (L., 1943, p. 12).

Embora sejam dominantes, nos discursos analisados, as questões relacionadas com os cuidados com o corpo e com a moralização das classes populares, existia também, nalgumas instituições de cariz assistencial, uma preocupação clara com a educação das crianças, como já haviam observado Ferreira e Mota (2019).

Apesar de no período do Estado Novo, o movimento da Escola Nova ter sido alvo de algumas críticas (Franco & Pinho, 2018) entre os métodos referidos como adequados à educação das crianças mais pequenas, salienta-se, por ser aquele mais frequentemente mencionado, o método Montessori. Note-se que o nome da instituição de Educação de Infância criada por Bissaya Barreto foi decalcado do nome das instituições montessorianas, ‘Casa dei Bambini’. É possível que tal não se deva apenas a um acaso, uma vez que este era um dos métodos pedagógicos, a par com o método froebeliano, seguido nos ‘Parques Infantis’ e nas ‘Casas da Criança’ da ‘Obra de Proteção à Grávida e à Criança’, presidida por este médico: “nos Parques Infantis, que fundámos, ensina-se brincando e brinca-se ensinando, trabalha-se sobretudo para a realização da visão sublime da genial Montessori” (Um almoço..., 1937, p. 7).

A diminuição das taxas de mortalidade e morbilidade infantis, sobretudo a partir dos anos 50 (Pimentel, 2000) deu lugar a novas preocupações, no campo da proteção da criança. A tal também não terá sido alheia, a emergência, no pós II Guerra Mundial, da Nova Psicologia (Rose, 1999), cuja influência é evidente nos discursos sobre a Educação de Infância que circularam em Portugal entre 1945 e 1974, que serão analisados no ponto que se segue.

1945-1974: A ênfase na função educativa da Educação de Infância

As transformações que ocorreram nas sociedades europeias no período pós II Guerra Mundial só se sentiram, em Portugal, a partir dos anos 60. Entre as mudanças ocorridas nesta década salientam-se, por serem aquelas com maior reflexo na vida das mães e das crianças e, consequentemente, na Educação de Infância, a entrada progressiva das mulheres de classe média no mundo do trabalho, a diminuição da taxa de natalidade e o aumento dos níveis de escolaridade da população portuguesa (Pimentel, 2011; Rosas, 2001; Vilarinho, 2011). Contudo, no que diz respeito aos discursos acerca da Educação de Infância, a nossa análise permitiu identificar alterações no seu conteúdo a partir de meados dos anos 40.

A tal não terá sido estranha a entrada em cena de novos atores (e.g. pedagogos, pedopsiquiatras, psicólogos, educadoras de infância) que, pela sua formação, davam uma maior atenção aos aspetos psicológicos do desenvolvimento da criança como, por exemplo, Vítor Fontes, um médico com formação psicológica, ou o pedagogo Emile Planchard. O contato que teriam com profissionais de infância de outros países (e.g. EUA, Suíça, França, Inglaterra) onde o discurso psicopedagógico sobre a infância adquire, no pós II Guerra Mundial, maior protagonismo, face ao discurso médico (Bakker, 2006; Proctor & Weaver, 2017; Rose, 1999), também pode ter contribuído para a transformação no discurso que circulou em Portugal.

O problema da proteção à criança passou, então, em consonância com o que se passava um pouco por toda a Europa, a centrar-se não só na “[...] alimentação, nutrição e desenvolvimento [...]” ou na “[...] profilaxia anti-infecciosa [...]” (Freire, 1962, p. 475), mas também na proteção da saúde mental (Costa, 1950; Fontes, 1945; Freire, 1962). Mais concretamente, a preocupação com a construção de corpos saudáveis, estendeu-se para a mente da criança e passou a abarcar o que se designava, na linguagem da época, por “[...] profilaxia da anormalidade infantil” (Nunes, 1942, p. 159).

A título de exemplo desta relação entre saúde mental e Educação de Infância refira-se a inclusão, no I Congresso Nacional de Proteção à Infância, organizado pela Sociedade Portuguesa de Pediatria, e que decorreu em Novembro de 1952, em Lisboa, da palestra proferida pelo professor Emile Planchard, professor de Pedagogia na Universidade de Coimbra, intitulada ‘Necessidades do ensino infantil; a sua organização e realização’, na seção intitulada Higiene Mental Infantil (Fontes, 1953).

Vítor Fontes, ao referir-se à palestra proferida por Emile Planchard, menciona que este deu conta das novas funções atribuídas à Educação de Infância:

O Prof. Emile Planchard, tratando das necessidades do ensino infantil, organização e realização, acentua o seu interesse fundamental para suprir a deficiência educativa da família, como também para desenvolver, pelos exercícios sensoriais, as capacidades de trabalho para a entrada na escola primária (Fontes, 1953, p. 476).

Neste excerto estão presentes dois temas que irão dominar os discursos sobre este nível educativo no período pós II Guerra Mundial e que se estenderão até à década de 70: a incapacidade da família em satisfazer as necessidades da criança e a importância da Educação de Infância na preparação da criança para a entrada na escola primária.

Uma das consequências da atenção concedida à vida emocional da criança, particularmente da criança pequena, e à análise dos fatores que poderiam perturbar o seu normal desenvolvimento, conduziu a um resultado paradoxal. Os pais começaram a ser percepcionados como garantia e, simultaneamente, como a maior ameaça à saúde mental, presente e futura, dos seus filhos. Num artigo publicado na revista A Criança Portuguesa, que tem como coautor John Bowlby, um dos mais conhecidos representantes da Nova Psicologia (Rose, 1999), esta ideia é apresentada de uma forma clara:

Enquanto, no passado, estes problemas das crianças eram frequentemente atribuídos a defeitos irreversíveis de carácter ou então a maldade voluntária, reconhece-se agora que muitos problemas das crianças resultam de relações afectivamente insatisfatórias com os pais, durante os anos em que deles dependiam, o que pode dar origem a efeitos prejudiciais na evolução do carácter e da personalidade (Hunnybun & Bowlby, 1957, p. 643).

O facto de o meio familiar poder constituir, face à fragilidade da criança, uma ameaça à construção da personalidade normal foi utilizado como argumento a favor da criação de instituições de Educação de Infância e, mais do que isso, ao dissociar as questões de saúde mental da classe social - “Crianças irregulares há-as em todos os meios sociais” (Costa, 1950, p. 660) - contribuir para que a sua frequência fosse apresentada como benéfica para todas as crianças, independentemente da sua origem social.

Neste sentido, as instituições de Educação de Infância eram apresentadas como espaços especialmente preparados para as crianças, por oposição ao espaço doméstico:

[...] o que será mais útil e proveitoso para a criança, a educação feita em casa pela mãe ou a educação em instituições adequadas e com pessoal especializado? A criança não é um adulto em miniatura, é diferente. Tem necessidades próprias que é preciso que conheçamos para as podermos compreender e guiar no seu desenvolvimento. [...] Para a orientarmos é imprescindível conhecer a sua psicologia e a sua lógica. Necessita, portanto, de um ambiente próprio para plenamente se poder desenvolver. E esse ambiente, por muito que em contrário se tenha dito, não é o ambiente da casa, é o ambiente da escola, é o ambiente da creche, não de qualquer escola ou de qualquer creche mas das que foram cientificamente organizadas e possuírem pessoal especializado (B., 1946, p. 4).

Note-se ainda a referência, no excerto acima mencionado, à profissionalização da Educação de Infância, assim como à necessidade de uma organização científica destes estabelecimentos, o que se poderá relacionar não só com a valorização da função educativa, mas também com a modernização deste nível educativo.

Entre as vantagens associadas à frequência de Jardins de Infância, para além da “[...] profilaxia das doenças mentais infantis” (Deus, 1958, p. 804), salientava-se a facilitação do processo de adaptação da criança à escola primária (Aubry, 1957; Deus, 1958; Mendes, 1948) e a garantia de um desenvolvimento “[...] harmónico dos músculos, dos sentidos e, portanto, do espírito” (Correia, 1949, p. 6). A Educação de Infância passa assim a ser encarada, como tão bem resumiu Maria Teresa Andrade Santos, assistente social e fundadora do Instituto de Educação Infantil, na comunicação que apresentou no I Congresso de Proteção à Infância como ‘um bem desejável’ e não como ‘um mal necessário’, como acontecia nos anos 30 e 40.

A leitura de cartas escritas por mães para a revista Os Nossos Filhos, como aquela que a seguir se reproduz, indica-nos que estes argumentos parecem ter colhido alguma aceitação junto das mães das classes média:

Sou casada, mãe de 4 filhos, os dois mais velhos de 4 e 5 anos. Felizmente não preciso de trabalhar para os sustentar, mas em casa tenho bastante trabalho com eles. Precisava de umas horas de descanso, e isso só me seria possível se aqui perto houvesse um jardim-escola que recebesse crianças em idade pré-escolar. Mas não há nada e faz muita falta. Para mim seria um descanso e para eles esplêndido, porque se habituavam de pequeninos a uma certa disciplina que se consegue melhor fora de casa no meio de outras crianças, e aos poucos iam aprendendo certas coisas que os educam e interessam sem os cansar (Paz, 1946, p. 24).

Contudo, nem todos concordavam com esta visão. A psicopedagoga Maria de Lourdes Bettencourt é uma das vozes que se ergue contra a Educação de Infância, a par com outros autores (Serrate, 1958; Vasconcelos, 1946) que defendem a ‘ética familiar’ dominante. Para tal socorrem-se de um argumento de origem psi, recorrendo às teorias oriundas da Nova Psicologia, designadamente às ideias difundidas por Bowlby, acerca da importância da relação mãe-criança para o desenvolvimento afetivo da criança: “A presença da mãe, junto da criança, durante os primeiros anos da sua vida, não pode ser substituída sem prejuízo da formação dos seus afectos” (Bettencourt, 1956, p. 8). Embora representem uma minoria, este é um debate que se prolongará no tempo, designadamente no que diz respeito às primeiras idades, ou seja, aos dois primeiros anos de vida (Belsky, 2001; Vandell, Belsky, Burchinal, Steinberg, & Vandergrift, 2010).

Em relação à forma como se entendia que se devia processar a educação da criança em idade pré-escolar e à semelhança do que acontecia nas décadas de 30 e 40, o método Montessori era o mais frequentemente referido como o mais adequado a estas idades (Gal, 1947; Gomes, 1946; Lisboa, 1954; Os Pequenos Amigos, 1953). Em consonância com o que era defendido por esta pedagoga, mas também por autores como Decroly, era salientada a importância da atividade lúdica e da educação sensorial.

Como afirmava a professora do ensino infantil, Irene Lisboa (1954, p. 7): “[...] as crianças mais pequenas aprendem um ror de coisas brincando. A sua educação nas escolas próprias (infantis ou maternais) é toda baseada em jogos e brincadeiras”. Entre os jogos apropriados a estas idades destacam-se os jogos sensoriais, jogos que “[...] incentivam exercícios visuais, tácteis, auditivos, básicos, olfativos, gustativos” (Airina, 1952, p. 9). Baseados na máxima de Montessori de que “[...] nada está na inteligência que não tenha estado nos sentidos” (Gomes, 1946, p. 8), a educação sensorial era considerada a estratégia mais adequada para promover o desenvolvimento intelectual da criança em idade pré-escolar (Ganho, 1957) e, consequentemente, para a preparar para a entrada na escola primária, considerada, ainda hoje, como uma das principais funções da Educação de Infância (Needham & Ülküer, 2020). Como afirma a professora Maria de Jesus Mendes:

Aos dois, aos três anos, a criança começa a compreender muita coisa, começa a entrar na vida. Já não olha só, começa a observar e, se observa, é preciso que investigue, que se interesse e que comece a saber pensar. Ela é toda vida sensorial, e é por meio dos sentidos que é preciso começar o conhecimento, a iniciação da vida que o rodeia, do ambiente em que vive (Mendes, 1948, p. 8).

Subjacente a este discurso está a percepção destas idades como idades propícias à educação, mais especificamente a uma educação racional “[...] aquela que respeita as necessidades e as leis do crescimento das crianças” (Correia, 1949, p. 6), como aquela que era assegurada nas instituições de educação pré-escolar.

A ênfase na função educativa das instituições de Educação de Infância, designadamente no que se refere aos Jardins de Infância, destinados a crianças entre os 3 e os 6/7 anos de idade, dirige-se, contudo, a um público específico. Os discursos sobre os benefícios que advinham para a criança da frequência de Jardins de Infância ou Escolas Infantis são claramente dirigidos àqueles que liam as revistas analisadas, especialistas, no caso das revistas científicas, e pais pertencentes às classes mais favorecidas, no caso das revistas de divulgação. É especialmente a estes últimos que se dirigem, por exemplo, as reportagens realizadas na revista Os Nossos Filhos, acerca de diferentes instituições de Educação de Infância, ilustradas com fotografias que deixam antever claramente qual seria o seu público-alvo (Externato..., 1952; Uma linda..., 1947).

A coexistência, neste período, de dois tipos de instituições de Educação de Infância, tal como já havia sido evidenciado por diferentes autores, não só em Portugal (Ferreira et al., 2019b; Nóvoa, 2005; Vilarinho, 2011), como noutros países (Venzke & Felipe, 2015), plasma-se, assim, no discurso sobre a Educação de Infância. De um lado temos um discurso de cariz médico-higienista, predominante nos artigos em que são referidas instituições de cariz assistencial, destinadas às crianças das classes populares e, de outro, um discurso psicopedagógico, centrado na educação da crianças e na promoção do seu desenvolvimento, patente em artigos dirigidos às mulheres das classes médias, como aqueles que se publicam nas páginas de Os Nossos Filhos, ou naqueles em que se fazia referência a instituições privadas, as instituições em que predominavam as preocupações educativas. Mimetizava-se, desta forma, um dos mitos ideológicos do Estado Novo, ‘o mito da ordem corporativa’ (Rosas, 2001), ou seja, a ideia que existe uma ordem natural das coisa, visível numa das máximas preferidas do ministro Carneiro Pacheco, ‘um lugar a cada um e cada um no seu lugar’.

Contudo, podemos afirmar que, no período pós II Guerra Mundial prevalecia o discurso psicopedagógico, sendo especialmente valorizada a função educativa da Educação de Infância e defendida a sua expansão, como é visível nos votos aprovados na Sessão de Encerramento do 1º Congresso Nacional de Proteção à Infância, em que se propõe “[...] que se estude um plano de organização do ensino infantil em Portugal, tornando-o acessível à maioria da população e não apenas aos filhos das classes abastadas” (Fontes, 1953, p. 486).

Porém, apesar da crescente reivindicação da generalização da Educação de Infância (I Colóquio..., 1962; Ataíde, 1960; Fontes, 1953) e da sua reintegração no sistema educativo português, em 1973 (Lei nº 5/73, 1973), será preciso esperar pelas últimas décadas do século XX, para que a Educação Pré-Escolar oficial seja frequentada pela maioria das crianças portuguesas (Vilarinho, 2011).

Considerações finais

Este trabalho teve como principal objetivo contribuir para a compreensão do processo de desenvolvimento da Educação de Infância, entendida como a educação formal das crianças entre os 0 e os 6 anos de idade, em Portugal, no período do Estado Novo, através da análise do discurso veiculado em revistas de educação e ensino sobre este nível educativo. A análise realizada permitiu compreender que a expansão e o desenvolvimento da Educação de Infância em Portugal, no período em análise, se deveu ao voluntarismo de homens e mulheres pertencentes, na sua grande maioria, à elite do regime, que viam na proteção e na educação das crianças mais pequenas uma forma de contribuir para o bem-estar presente e futuro das crianças, mas também para o desenvolvimento da Nação.

A constatação dos problemas que afetavam as crianças portuguesas, quer ao nível da saúde, quer ao nível da educação, terá sido, em muitos casos, o motor dessa ação em prol da infância, marcada também posição ideológica de cada um, como é visível, por exemplo, na concepção das instituições de Educação de Infância como um instrumento de emancipação das mulheres de classe média, defendida sobretudo por mulheres progressistas, ideologicamente menos próximas dos valores defendidos pelo Estado Novo. Tratava-se, contudo de uma minoria, uma vez que a maioria dos autores partilhava uma visão conservadora, mais evidente no primeiro período, caraterizada pela defesa da educação doméstica das crianças mais pequenas, sendo a Educação de Infância reservada para aquelas que se encontravam em situações de risco social e/ou psicológico e entendida numa perspectiva predominantemente assistencialista.

A ação destes homens e mulheres foi moldada pelo contexto em que viveram, um regime político autoritário, nacionalista e conservador, mas também pelas transformações no discurso dominante acerca da criação e da educação das crianças em idade pré-escolar. Apesar de marcados pelos valores e pelo ideário educativo do Estado Novo, os discursos analisados dão-nos conta do contato dos autores com os discursos dominantes à época, no mundo ocidental, sobre as crianças e a sua educação. Se, no primeiro período (1933-1944) estamos perante um discurso médico-pedagógico, onde é visível alguma influência do eugenismo, teoria que colheu adeptos em diferentes regimes políticos, e a consequente preocupação com a construção de corpos robustos, no segundo período (1945-1974), é patente a influência do discurso psicopedagógico que circulava à época, no mundo ocidental, um discurso oriundo dos saberes psi, mais particularmente da Nova Psicologia (Rose, 1999), centrado nas questões relacionadas com o desenvolvimento socioemocional e intelectual das crianças.

Destaca-se, contudo, a continuidade no que diz respeito aos métodos pedagógicos considerados mais adequados para a educação das crianças mais pequenas; ao longo de todo o período analisado, o método Montessori era tido como o mais apropriado. Para as crianças mais pequenas defendia-se, assim, uma educação sensorial, baseada na exploração do meio e na atividade lúdica.

Por tudo isto podemos afirmar que, se ao nível das realizações concretas, Portugal se encontrava, no final do regime, em desvantagem face à maioria dos países ocidentais, ao nível do discurso acompanhavam-se as modernas tendências no campo da Educação de Infância. Estamos, porém, perante um modernismo conservador, uma vez que os discursos analisados são permeados quer pelos valores e pelo ideário educativo do Estado Novo, quer por uma visão que podemos designar de moderna, no sentido em que subjacente à defesa da institucionalização da Educação de Infância estava a crença na importância da educação científica da criança, consentânea com o conhecimento psicopedagógico sobre a infância, como uma estratégia essencial para a promoção do seu desenvolvimento físico e psicológico.

Não podemos deixar de referir que, pelo facto deste trabalho se centrar na análise de discursos veiculados em revistas de educação e ensino, estarmos perante discursos produzidos por uma elite culta e letrada, não se podendo inferir que estas ideias seriam partilhadas por aqueles que quotidianamente se encarregaram, nas instituições de Educação de Infância, do acolhimento e da educação das crianças mais pequenas, e muito menos pelas famílias.

Agradecimentos

Este trabalho é financiado por Fundos Nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito dos projetos UIDB/05739/2020, UIDP/00460/2020 e UIDP/05198/2020

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4Nota: Carla Isabel Franco da Cruz Cardoso Vilhena foi responsável pela concepção, análise e interpretação dos dados, bem como a redação e a revisão crítica do conteúdo do manuscrito e aprovação da versão final a ser publicada; António Gomes Alves Ferreira foi responsável pela concepção, a revisão crítica do conteúdo do manuscrito e aprovação da versão final a ser publicada; Luís Carlos Martins d’Almeida Mota contribuiu para o levantamento bibliográfico, assim como para a revisão crítica do conteúdo do manuscrito e aprovação da versão final a ser publicada.

Recebido: 27 de Julho de 2023; Aceito: 23 de Outubro de 2023

*Autor para correspondência. E-mail: cvilhena@ualg.pt

INFORMAÇÕES SOBRE OS AUTORES Carla Isabel Franco da Cruz Cardoso Vilhena: Doutora em Ciências da Educação pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Professora Auxiliar na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais e investigadora no Centro de Investigação em Educação de Adultos e Intervenção Comunitária, da Universidade do Algarve. Presidente da Direção da Associação de História da Educação de Portugal (HISTEDUP). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5524-5174 E-mail: cvilhena@ualg.pt

António Gomes Ferreira: Doutor em Ciências da Educação pela Universidade de Coimbra. Professor Associado na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra. Coordenador do grupo “Políticas e Organizações Educativas e Dinâmicas Educacionais”, do Centro de Estudo Interdisciplinares (CEIS20) da Universidade de Coimbra. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3281-6819 E-mail: antonio@fpce.uc.pt

Luís Carlos Martins d’Almeida Mota: Doutor em História, na área da História da Cultura, pela Universidade de Coimbra. Professor Coordenador do Instituto Politécnico de Coimbra, na Escola Superior de Educação. Investigador integrado do inED - Centro de Investigação e Inovação em Educação. Instituto Politécnico do Porto. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4014-9590 E-mail: mudamseostempos@gmail.com

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