Abre-se o fosso entre a experiência anterior e a expectativa do que há de vir, cresce a diferença entre passado e futuro, de modo que a época que se vive é experimentada como um tempo de ruptura e de transição, em que continuamente aparecem coisas novas e inesperadas (KOSELLECK, 2006, p. 294)
Iniciamos um novo ano, estamos em 2020 e no prenúncio de iniciarmos uma nova década em 2021. A expectativa de novos ciclos motiva a reflexão. Convida para ponderarmos sobre nossos percursos e escolhas. Incita a pensarmos e a planejarmos ações futuras. Para nós, historiadores da educação, o tempo é objeto de investigação e suas ‘múltiplas camadas’ nos permitem pensar permanências, deslocamentos, rupturas, entrecruzamentos. O tempo que vivemos nos desafia de múltiplas formas: como historiadores da educação, para perseverarmos com a produção do conhecimento científico em um cenário de cortes orçamentários e ataques à ciência; como intelectuais, para entendermos e fazermos frente aos desmontes de políticas públicas construídas com tantas dificuldades ao longo das últimas décadas; como professores, para que nossa ação docente esteja afinada à qualidade formativa de estudantes; como cidadãos, para prosseguirmos testemunhando com nossas ações e com ética, na luta pela defesa da democracia e dos direitos humanos. E, como editoras da Revista História da Educação, renovamos nosso compromisso, mantido ao longo de mais de vinte anos de publicações ininterruptas, com a divulgação de conhecimento científico relevante e atualizado.
Trata-se de uma Revista em que, em cada edição, convivem diferentes temporalidades, acolhem-se múltiplos passados da educação, que se entrelaçam no tempo presente, com vistas à perenidade, por estarem disponíveis para a leitura daqueles que virão depois de nós. Neste sentido, publicam-se artigos resultantes de pesquisas realizadas em diferentes instituições no país e no exterior por intelectuais inscritos em distintas linhas teóricas e que conduzem metodologicamente suas investigações mobilizando documentos e analisando-os de modo a responderem problemas científicos diversos. É assim que a Revista História da Educação promove visibilidade a essa produção científica, avaliada por pares e considerada válida, pertinente e relevante, que contribui e faz avançar o que conhecemos no campo.
A idealização da Revista por um grupo de pesquisadores, entusiastas da História da Educação, em fins dos anos 1990, marca o fortalecimento do campo no Brasil, em um tempo de pouca visibilidade desses estudos no conjunto da produção historiográfica. A partir de então, a História da Educação passou a ser reconhecida como campo temático de investigação, “de vital relevância para a compreensão da formação cultural de uma sociedade” (FONSECA, 2008, p. 53). Neste tempo pretérito, a Revista acumulou significativa experiência, publicou inúmeros artigos, resenhas, entrevistas,documentos, por meio do trabalho de diferentes editores, avaliadores e autores. E é assim que continua promovendo a propagação de resultados de pesquisas que, democraticamente, chegam aos leitores. Neste “espaço de experiência”, valendo-se de um conceito de Koselleck (2006), observa-se que o periódico é uma referência que acompanha os processos formativos dos pesquisadores que nele encontram um lugar em que podem acessar novos estudos e publicizar suas narrativas em forma de histórias.
Hoje, a Revista conta com um grupo de editoras que, em um compromisso coletivo e interinstitucional, empenha-se em levar adiante o trabalho desenvolvido por aqueles que as antecederam. Consideramos a Revista de História da Educação como um relicário, algo precioso, que precisa ser cuidado, no sentido de “preocupar-se com, interessar-se por, responsabilizar-se por” (HOUAISS, 2006). Mas cuidar, pelas definições do dicionário, também carrega sentidos que apontam para o futuro, contempla as dimensões do “pensar, meditar, projetar, preparar” (HOUAISS, 2006). Nessa perspectiva, é preciso dizer que a sustentabilidade da Revista é nosso maior desafio no tempo presente. Diante do momento difícil enfrentado no país, que afeta a todos os brasileiros de diferentes formas, as Ciências Humanas não escapam de serem atingidas também pela falta de recursos públicos que fomentem a produção científica. O que está por vir nos parece sombrio e exigirá muito de todos nós. Entretanto, nos acompanha o firme propósito de manter ativo o periódico, como um exercício de resistir com vistas a assegurar sua preservação e continuidade. É preciso, como diz Michel de Certeau, “dar lugar a um futuro” (2008, p.93) à Revista História da Educação. É preciso persistir naquilo que acreditamos ser relevante e que qualifica o campo. Encontrar formas criativas para continuarmos nosso trabalho de divulgação científica, mesmo mediante os ataques que vivemos, sobretudo a desvalorização das Ciências Humanas e de seus conhecimentos.
Desejamos que os textos publicados em 2020 promovam a divulgação dos conhecimentos no campo da História da Educação, fomentem os estudos na área da Educação, da História e reverberem em novas investigações. Boa leitura!