Considerações iniciais
Em 10 de março de 1884, o moderno navio Nord America estava atracado no porto de Gênova. Com 127 metros de comprimento e 15 de largura e quase 200 tripulantes, era um navio a vapor, equipado e seguro, ao contrário de seus congêneres, que ofereciam precárias condições de segurança e naufragavam no Oceano Atlântico com centenas de emigrantes a bordo. O destino era Montevidéu no Uruguai. Assim que a ponte foi erguida, as amarras retiradas, a escada suspensa e o apito soado, o cenário era de agitação e tristeza:
Então algumas mulheres desataram a chorar, os jovens que estavam rindo ficaram sérios, e alguns homens barbudos, até então impassíveis, foram vistos passar as mãos nos olhos. Essa agitação tinha um contraste um tanto estranho em relação à calmaria das despedidas dos marinheiros e oficiais a seus amigos e parentes reunidos no cais, como se o navio estivesse partindo para La Spezia [...]. As luzes já brilhavam na cidade. O navio deslizava lentamente em meio à semiescuridão do porto, quase às escondidas, como se tivessem levando embora um carregamento de carne humana roubada. Fui para a proa, onde havia mais pessoas; todas estavam viradas para a terra firme, olhando para o anfiteatro de Gênova, que se iluminava rapidamente. Poucas falavam, e baixinho. Aqui e ali, em meio à escuridão, vi mulheres sentadas com crianças apertadas junto ao peito, com a cabeça abandonada entre as mãos. Perto do castelo da proa uma voz rouca e solitária gritou em tom de sarcasmo: - Viva a Itália! - e levantando os olhos, vi um velho alto que mostrava o punho para a pátria. Quando deixamos o porto já era noite (DE AMICIS, 2017, p. 22-3).
Desta forma Edmondo de Amicis (1846-1908) intelectual engajado com o movimento político, militar, social e cultural que reivindicava a unificação da Itália, denominado Risorgimento, autor de obras como L’idioma gentile e o consagrado Cuore, descreveu a partida dos emigrantes do porto de Gênova, na Itália, no primeiro romance da emigração italiana. Trata-se do livro Sull’Oceano publicado em 1889 e que, em apenas duas semanas alcançou dez edições, o que merece destaque, ao se considerar a restrita disseminação do idioma italiano e os baixos índices de alfabetização entre a população da península, à época.
Poma (2017, p. 7) destaca que Sull’Oceano desempenha importante papel de denúncia social acerca da “emigração em sua fase mais dura e dramática, a da partida e separação da própria terra para enfrentar um futuro incerto e cheio de incógnitas”. A publicação do livro precede a Lei de 31 de janeiro de 1901, nº 23 sobre a imigração e seu Regulamento; a Lei de 1º de fevereiro de 1901, nº 24 sobre a tutela de remessas e de economias dos emigrantes italianos no exterior e seu Regulamento, dentre outros que buscavam garantir melhores condições higiênicas e sanitárias de viagem e uma maior tutela do emigrante a bordo dos navios2, sem deixar no entanto, de assegurar os interesses das companhias de navegação, que alcançaram franco desenvolvimento devido ao fluxo migratório transoceânico a partir dos portos de Gênova, Napoli e Palermo.
Com o escritor, embarcaram 50 passageiros na primeira classe, 20 na segunda e 1600 na terceira, nesta com condições precárias de higiene e segurança, bastante diversas das outras duas classes. A destinação dos passageiros era predominantemente a Argentina, e alguns poucos o Uruguai.
Segundo Marcolini (2017, p. 11) a composição no navio expressa “um microcosmo da nova nação que estava tomando corpo depois da unificação da Itália, em 1861”, reproduzindo assim, a estrutura social italiana de fins do século XIX, “a burguesia proprietária na primeira classe, o estrato médio (artesãos, pequenos comerciantes, trabalhadores qualificados) na segunda e o campesinato na terceira” (p. 11). Na bem-humorada descrição de De Amicis uma divergência quanto aos ocupantes da primeira e segunda classe:
Na terceira classe estava o povo, a burguesia na segunda, a aristocracia na primeira; o comandante e os oficiais superiores representavam o Governo; o Comissário, a magistratura; a função da imprensa estava representada prelo registro das reclamações e cumprimentos abertos na sala de jantar; além dos próprios passageiros que, às vezes, sem saber o que fazer para acabar com o tédio fundavam um jornal quotidiano (DE AMICIS, 2017, p.38).
Após a unificação da Itália ocorreu um êxodo de milhares de camponeses, trabalhadores rurais, artesãos, trabalhadores de pouca qualificação e desempregados que emigraram em busca de uma vida melhor. A Itália que De Amicis encontra a bordo do navio Nord America, denominado de Galileo no livro, é predominantemente pobre e analfabeta, composta por “trabalhadores robustos de olhos tristes, velhos maltrapilhos e sujos, mulheres grávidas, moças alegres, rapazolas ligeiramente bêbados, homens grosseiros em mangas de camisa, e crianças e mais crianças...” (DE AMICIS, 2017, p. 20), de maioria do norte da Itália, “e oito em cada dez eram da zona rural” (DE AMICIS, 2017, p. 36). Estes emigrantes se comunicavam em seus próprios dialetos, o que confirmava que, ao menos da perspectiva da unidade de idioma, a Itália ainda não era efetivamente uma nação. Em grande parte, estas pessoas se encontravam desiludidas e desesperançadas com o advento da recém unificação que não lhes assegurou melhores condições de vida e de trabalho. A saudação e o punho descritos anteriormente na citação de De Amicis são expressões, por meio do sarcasmo e do gesto de rancor, de um ressentimento que se fazia presente.
Sull’Oceano, embora não seja o objeto de investigação deste trabalho, é uma importante fonte sobre a experiência emigratória da Península rumo à América. “Fazer a América”, expressão bastante utilizada à época, compreendia como destinos os Estados Unidos que atraíram cerca de 33 milhões, a Argentina 5,4 milhões, o Canadá 4,5 milhões, todos considerados mais atrativos que o Brasil, provavelmente pelas semelhanças climáticas, mas principalmente, pelo fato de que o problema da escravidão já estava há muito solucionado ou sequer existisse. Ainda assim, para cá vieram 3,8 milhões de pessoas. De acordo com Bassanezi et alii (2008) a imigração para o Brasil3 só “foi possível graças à imigração subsidiada articulada pelo governo para atrair imigrantes, que não tinham assim que arcar a priori com as despesas de viagem e alojamento inicial.” (p. 14).
Entre fins do século XIX e começo do século XX, São Paulo era uma das maiores cidades de imigração do mundo. Entre 1880 e 1924, entraram no Brasil 3.396.366 imigrantes, dos quais 1.331.158 eram italianos4. De acordo com Hall (2004) dos 4,8 milhões de pessoas que vieram para o Brasil entre 1820 e 1949, mais da metade entrou pelo Estado de São Paulo e foram levadas principalmente para as fazendas de café paulistas5 e para os núcleos de colonização no Sul e Sudeste do país.
Os emigrantes saídos da Península Itálica que adentraram e ocuparam diferentes lugares e espaços em terras paulistas e paulistanas foram muito lentamente se constituindo como italianos. Os que foram trabalhar nas fazendas de café, nas colônias ou que viveram nas áreas urbanas, na capital de São Paulo, no confronto cotidiano com os brasileiros, com os imigrantes de outras nacionalidades, não eram vistos e reconhecidos como campânios, lucanos, calabreses, piemonteses, toscanos, vênetos, etc, mas sim, como italianos. No entanto, segundo Trento (1988, p.161-2) somente a partir do século XX o sentimento de pertencimento ao mesmo país e, de uma identidade comum, se fortalece, em muito favorecido “pela consciência de se saberem estrangeiros e pela uniformidade que era atribuída aos imigrantes pela opinião pública brasileira”.
Ainda que entre os imigrantes continuassem a existir vínculos de seus lugares de origem, seus dialetos, costumes, enfim, marcas de suas culturas, em muitos momentos, uniram-se, quer seja pelas dificuldades enfrentadas diuturnamente, quer pela defesa de seus interesses como comerciantes, artesãos, operários, agricultores etc. De acordo com Truzzi (2016, p. 41) “os primeiros tons de uma identidade italiana ainda em formação, impactada inicialmente pelas próprias consequências do fenômeno migratório” constituiu-se em um longo e difícil processo, para o qual contribuíram, a imprensa, as associações étnicas e as escolas étnicas.
A imprensa constitui uma das mais distintivas manifestações culturais dos imigrantes italianos e seus descendentes. Merece destaque a presença dos italianos na imprensa periódica publicada em italiano no Brasil, que abrangia um conjunto amplo de tendências ideológicas que além da socialista e da anarquista “incluía liberais, católicos, monarquistas, republicanos e, no período entre as duas guerras, também fascistas e antifascistas” (TRENTO, 2000, p. 106). Até 1940 foram publicados 295 periódicos em italiano de tipos diversos, somente na capital de São Paulo (CENNI, 2003; TRENTO, 2013).
Além da imprensa periódica que procurava “suscitar nos conterrâneos o orgulho de ser italiano, e de ter feito progredir, com sua presença e seu trabalho, a economia e a sociedade brasileiras” (TRENTO, 2016, p. 12), as inúmeras associações étnicas também contribuíram para difundir o sentimento de pertencimento e de identidade italiana.
Luca (1990) e Biondi (2011) apresentam a expressiva presença de Sociedades Italianas de Mútuo Socorro fundadas em São Paulo, capital. Biondi (2011) localiza entre 1878 e 1924 a existência de 44 sociedades mutualistas em São Paulo e nos centros urbanos periféricos de Santo Amaro, São Bernardo e São Caetano, enquanto Luca (1990) informa a existência de 34 SIMS entre 1878 e 1928 cujas sedes eram em São Paulo.
Além da preservação da solidariedade étnica manifestada por meio da troca de experiência entre os sócios, da oportunidade de falar a língua materna, e de serviços de assistência, algumas das SIMS buscavam propiciar instrução aos sócios. Além do ensino de música e de línguas, da promoção de palestras e conferências, algumas difundiam a instrução primária6.
Nos diferentes bairros habitados por imigrantes, foram criadas escolas com marcas étnicas. Compreendê-las como espaços de constituição da italianidade, por meio e para além da aprendizagem dos saberes elementares do ler, escrever e calcular é o objetivo deste trabalho. O presente texto apresenta resultados ainda preliminares de pesquisa acerca do processo escolar entre imigrantes italianos e descendentes estabelecidos em São Paulo, capital, entre as últimas três décadas do século XIX e as duas primeiras décadas do século XX.
Ao longo do texto procurou-se responder às questões que intrigam e suscitam as investigações sobre esta temática: Quantas e quais eram as escolas italianas na cidade de São Paulo? Havia um programa curricular norteador das práticas escolares? Os conteúdos ensinados atendiam aos ordenamentos legais brasileiros ou italianos? Como as escolas étnicas italianas contribuíram para a constituição de uma identidade étnica italiana, de uma italianidade?
Para a construção do texto procedeu-se à análise documental, especialmente das seguintes fontes: Normas para o funcionamento das escolas italianas no estado de São Paulo; Programa para as escolas elementares italianas do estado de São Paulo; Estatuto da Associação de professores italianos de São Paulo; documentos do Ministério das Relações Exteriores da Itália; Anuários das escolas italianas no exterior; ordenamentos legais; jornais, livros, dentre outros.
Os limites temporais deste texto referem-se ao período demarcado, de um lado, pela chegada expressiva de imigrantes vindos da Península Itálica e criação de escolas étnicas em São Paulo (cidade), e de outro pela produção de documentação normativa e fiscalizadora de tais escolas.
Buscou-se analisar as iniciativas escolares, para assim desvelar as pistas e os sinais do processo escolar étnico, de escolas, portanto, vincadas pela etnicidade. De acordo com Poutignat e Streiff-Fenart (2011) a etnicidade não se refere a um atributo biológico, adquirido desde o nascimento, ao contrário, trata-se de um processo contínuo de construção e reconstrução. Neste sentido, não existem categorias, que definam à priori, o pertencimento de um indivíduo a este ou àquele grupo. Nessa mesma direção apontam Malikoski e Kreutz (2014, p. 73) que “o processo escolar étnico forma-se na interação dialógica que determinado grupo possui de si próprio e na consciência do que é característico de seu processo identitário e cultural”.
A categoria etnia torna-se assim pilar de sustentação da análise empreendida e é tomada de empréstimo de Kreutz (2014, p.36), para quem:
A opção por etnia, como uma categoria de análise em educação, não se opõe às e nem substitui as categorias de classe, de gênero e outras. Ajuda, sim, a ampliar a ótica de análise, com potencialidade para detectar aspectos da trama das ações e das relações humanas a partir de vivências e simbologias. Significa um avanço no esforço metodológico que ajuda a compreender de que forma os processos educacional e escolar têm se desenvolvido em relação à diferenciação cultural.
O texto está organizado7 em dois tópicos principais, a saber: as escolas italianas na cidade de São Paulo; a construção da identidade nacional italiana no caráter das crianças e adolescentes e por fim, as considerações finais.
As escolas italianas na cidade de São Paulo
Em 1889 o Ministério da Relações Exteriores publicou o primeiro número do Anuário das escolas coloniais italianas (1888-1889)8. O documento de duzentas e cinco páginas apresenta um breve histórico sobre como o governo tem promovido a difusão da língua e da cultura italiana e a instrução das colônias, a partir de três ações distintas. A primeira, por meio de subsídio9 fixo ou extraordinário às escolas italianas no exterior, sejam privadas, de colonos ou de missões religiosas italianas; a segunda por meio de subsídio às instituições não italianas, que, no entanto, ensinam a língua italiana; e por fim, mantendo escolas, que são denominadas governativas, em diversas localidades.
Em seguida o documento apresenta o que denomina escolas coloniais, que muito diferente do que o nome sugere, não estão localizadas nos territórios geopoliticamente dominados pela Itália. Depreende-se que se trata em verdade, de países em que os emigrantes da península estabeleceram colônias imigratórias. Assim por exemplo, há escolas na Argentina, Brasil, Egito, França, Grécia, Inglaterra, Peru, Romênia, Espanha, Estados Unidos, Suíça, Tunísia, Turquia e Uruguai. No caso específico do Brasil é indicada a existência de escolas na província do Rio Grande do Sul.
Dentre as escolas coloniais há as subsidiadas na Argentina, Brasil, Egito, França, Inglaterra, Peru, Estados Unidos, Suiça, Turquia e Uruguai. No Brasil, são indicadas, ainda que sem nomear individualmente, escolas na província do Rio Grande do Sul e escolas sociais no Rio de Janeiro.
As escolas governativas que são as que gozam de apoio direto do governo italiano como o pagamento de salários, envio de pessoal, material escolar etc. foram criadas no Egito, na Grécia, na Tunísia, na Turquia e na então chamada Tripolitania.
Na parte final do Anuário há um apêndice contendo a contabilidade dos custos com as escolas no exterior; a lista dos livros de texto a serem distribuídos; as atribuições dos cônsules e diretores para a administração das escolas italianas no exterior; premiações escolares; quadro dos subsídios atribuídos, e, aviso de concurso para professor no exterior.
Embora na cidade de São Paulo já funcionasse desde 1887 a escola Sempre Avanti Savoia! e desde 1889 as escolas Italiana e Regina Margherita, conforme lê-se na tabela 1, nenhuma delas foi computada nos quadros existentes no Anuário de 1888-1889.
ANO DE CRIAÇÃO | NOME DA ESCOLA | ANO DE CRIAÇÃO | NOME DA ESCOLA |
---|---|---|---|
s/d | Aporti Ferrante | 1898 | Principe di Piemonte |
1887 | Sempre Avante, Savoia! | 1900 | Alessandro Manzoni |
1889 | Italiana | 1900 | Elena di Montenegro |
1889 | Regina Margherita | 1900 | Francesco Fiorentino |
1891 | Immacolata | 1901 | Italiana |
1891 | Luigi Settembrini | 1901 | Vittorino da Feltre |
1891 | Vittorio Emanuele II | 1902 | Italo-Francese |
1893 | Cornelia Gracco | 1902 | Santa Lucia |
1893 | Dante Alighieri | 1902 | Regina Margherita |
1895 | Elena Cairoli | 1903 | Dio e Popolo |
1895 | Vittorio Alfieri | 1903 | Regina Margherita |
1896 | Roma Intangibile | 1904 | Princ. Mafalda di Savoia |
1897 | Italia | 1904 | Regina Elena |
1897 | Unione Italiana | 1904 | Stella d’Italia |
1898 | Dio e Patria | 1904 | Studio e Lavoro |
1898 | Giovanni Bovio | 1905 | Italiana |
1898 | Giuseppe Gallian | 1905 | Lodovico Antonio Muratori |
1898 | Principe di Piemonte | 1905 | Principe Amedeo |
1898 | Umberto I | 1905 | Vittorio Emanuele III |
1898 | Vittoria Colonna |
Fonte: Tabela elaborada pela autora com base nos dados reportados no Elenco delle scuole italiane nello stato di S. Paolo,1905; FANFULLA, 1906, p. 801.
No ano de 1898 foi publicada uma matéria intitulada As escolas italianas de São Paulo10 no Almanaco del Fanfulla afirmando que as escolas italianas em São Paulo são numerosas, e deixadas quase inteiramente à iniciativa privada. Esta afirmação se confirma na tabela 1, onde se lê que até 1898 já estavam em funcionamento vinte escolas privadas na cidade, número que dobra até 1905.
Nos anos subsequentes os proprietários e professores destas escolas, ao que parece, em busca de uma melhor organização para seu funcionamento, e também como mecanismo de proteção e apoio mútuo, se organizaram em torno da Associação dos professores italianos de São Paulo11. Em 1901 publicaram o documento Programas das escolas da Associação dos professores italianos de São Paulo12 organizado em dois cursos, um denominado inferior com a 1ª, 2ª e 3ª classe e um denominado superior, com a 4ª e 5ª classe, equivalendo cada classe a um ano escolar.
O Programa é proposto para as cinco classes e apresenta a Língua Italiana (1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª classes); Aritmética (1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª classes); Caligrafia (1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª classes); Noções variadas (1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª classes); História (3ª, 4ª, 5ª classes); Geografia (3ª, 4ª, 5ª classes); Direitos e Deveres-Brasil (3ª, 4ª, 5ª classes); Língua Portuguesa (3ª, 4ª, 5ª classes); História do Brasil (3ª, 4ª, 5ª classes); Geografia (3ª, 4ª, 5ª classes). Havia ainda as matérias de Desenho; Canto, Ginástica, Trabalho Manual, sem, no entanto, programa elencado e indicação da classe a ser ofertada.
Cabia ao ensino da Língua Italiana e ao estudo da História e Geografia aproximar as crianças, nascidas ou não na Itália, daquela que era considerada a pátria, o país a ser amado, lembrado e respeitado, a Itália. Assim, o Programa prevê por exemplo, para o estudo de História, para a 3ª classe, o estudo do Risorgimento italiano entre 1848 e 1870; para a 4ª classe fatos e homens notáveis da história romana e da história medieval, bem como o estudo sobre italianos célebres da literatura, das artes e das ciências; para a 5ª classe o estudo de fatos e homens notáveis da História Moderna, além dos fatos principais do Risorgimento Italiano. Com relação à Geografia, para a 3ª e 4ª classes a descrição da Itália; para a 5ª classe o estudo do Reino da Itália e a emigração italiana para a América.
Em 1902 a Associação publica o Estatuto da Associação dos professores italianos de São Paulo13 (1902, p. 1). Em seu primeiro parágrafo define sua finalidade:
A sociedade se propõe o escopo de irmanar os professores do estado de São Paulo; de difundir a língua e a cultura pátria, constituindo-se em um Comitê da Dante Alighieri de Roma; de dar um endereço mais estável às várias escolas, procurando reagrupar e fundir em um instituto melhor provido de professores, de materiais escolares, de locais, etc.; de recolher doações e ofertas em livros e em dinheiro ao escopo de formar um gabinete de leitura, de organizar conferências, festas escolares, etc.14
O Estatuto informa ainda que a participação na Associação estava vinculada à anuidade que todos deveriam pagar de seis mil reis, tendo como data limite, o dia 30 de junho de cada ano. A administração da Associação é confiada a uma Comissão denominada de Deputazione Scolastica15, composta por quatro membros16, sendo ao menos dois professores associados, e tendo por presidente o cônsul geral da Itália. Dentre as competências da Deputazione Scolastica encontram-se destacadas a distribuição de material escolar e a repartição dos subsídios enviados pelo Ministério das Relações Externas. No documento Elenco das escolas italianas pertencentes à Associação dos professores italianos de São Paulo17 pode-se ver a significativa adesão das escolas (tabela 2)
NOME DA ESCOLA | ENDEREÇO | NOME DA ESCOLA | ENDEREÇO |
---|---|---|---|
Americo Vespuccio | Visconde 111A | Italiana | S. Paulo |
Carrara | S. Gaetano 62 | Italiana | Independência |
Cristoforo Colombo | Xavier Toledo 58 | Italiana | Fortaleza 121 |
Dante Alighieri | Paraiso | Italiana | Graça 7 |
Dio e Patria | Ladeira Santa Efigênia | Italiana | Sacramento |
Gaetani Agnese | Cofae 9A | Italiana | Bom Retiro 50 |
Giordano Bruno | Carlos Gomes 76 | Italiana | Fortaleza 19 |
Giovanni Bovio | Gasômetro 120 | Italiana | S. Caetano |
Giuseppe Garibaldi | Imigrantes | L’educatore Italia | Ipiranga |
Giuseppe Verdi | Cesario Motta 57 | L’educatore Italia | Monsenhor Andrada 8 |
Immacolata | A 7 de Abril 20 | Massimo Oreghi | Ladeira do Piques 15B |
Italiana | Mooca 72 | Patria e Lavoro | Manoel |
Italiana | Vergueiro 236A | Principe Amedeo | Major Diogo 88 |
Italiana | Saiao 75 | Principi di Carignano | Amaral Gurgel 52 |
Italiana | Coronel Maria 26 | Regina Elena | Villa Marianna |
Italiana | S. Francisco 32 | Regina Elena | Gasômetro 1 |
Italiana | Lapa | Regina Margherita | Italianos |
Italiana | Gomes Cardim | Regina Margherita | M. Andrade 48 |
Italiana | Barão de Jundiai | Roma Intangibile | Santo Antonio 119 |
Italiana | Barra Funda 168 | Silvio Pellico | Santo Antonio 141 |
Italiana | 21 de Abril 42 A | Umberto I | Silvia Simosi 9A |
Italiana | Visconde de Parnaíba 37 | Umberto I | Souza Lima 9A |
Italiana | S. Antonio 154 | Vittorio Alfieri | Benjamim Oliveira 61 |
Americo Vespuccio | Visconde 111A |
Fonte: Tabela elaborada pela autora com base nos dados reportados em Elenco delle scuole italiane appartenienti alla Associazione fra gli insegnanti italiani in S. Paolo,1903.
A experiência de uma quase autogestão enfrentou percalços e teve vida curta. Em um documento de 1 de março de 1904, o secretário Sebastiano Navasques apresenta um breve quadro da situação ao cônsul italiano em São Paulo, Gherardo Pio di Savoia. Informa que há um descontentamento de parte dos professores e proprietários de escolas, inclusive denúncia de ilegalidade nos procedimentos de aprovação do Estatuto denunciados pelo professor Michele Coralbo, segundo o qual: “...o estatuto não foi discutido, mas imposto pela anterior Deputazione Scolastica de 1902, e de seu Presidente, o R. Consul Geral Attilio Monaco”18. Com este cenário o secretário emite seu parecer:
Certo é, que será vantajoso reunir todos os professores sob a autoridade consular, e fazendo desaparecer todas as associações e todas as lutas pessoais; [...] todos possam usufruir os benefícios concedidos do pátrio governo, benefícios que não só se refletem nos mestres, mas nos alunos, nas famílias, em todos os italianos, que com o reflorir das nossas escolas, farão conhecer, ainda que longe da pátria, se recordam dela, e querem que seus filhos aprendam a conhece-la, a amá-la, a respeitá-la. (DISPACCIO, 1904)
Ao que parece, o cônsul se convence da importância em centralizar a supervisão e fiscalização das escolas italianas no estado de São Paulo em nome do conhecimento, amor e respeito à Itália, assim no mesmo dia 1 de março de 1904 escreve para o Ministro das Relações Externas expondo a situação das escolas:
Embora as escolas italianas em São Paulo deixem muito, mas muito a desejar, embora de fato, consideradas nelas mesmas, uma a uma, se encontram no mesmo ponto de antes ( e como se faz a mudar professores, a melhorar os locais escolares, a fornecer às escolas os mobiliários necessários a impedir que de um lugar passem a outro, de acordo com a conveniência do professor [...], como pastores nômades, sem gastar um centavo?), embora somente uma metade dessas se possa chamar com o nome de escola, todos percebem que qualquer coisa foi feita, que tudo o que foi feito, ainda que pouco, foi o que se podia fazer. (DISPACCIO, 1904, p. 2-3)19
O cônsul segue afirmando ser necessária a realização de um estudo acerca das condições econômicas, morais e intelectuais dos professores, para em seguida “disciplinar, no limite do possível” (p.5) o corpo docente composto por pessoas de diversos estratos, tais como “professores formados e por indivíduos que nunca estiveram na escola, nem como professores nem como escolares; de pessoas honestas e de vigaristas socialistas, anarquistas e até ladrões e assassinos.”(p.5).20 Informa que no ano de 1904 duas medidas importantes foram tomadas, a primeira a da supressão do Estatuto da Associação dos professores italianos de São Paulo, e a segunda a publicação de normas para as escolas italianas que aceitem a vigilância do Consulado.
Sobre a criação e a dissolução da Associação é preciso se deter e buscar ao menos algumas hipóteses para compreender o ocorrido. Em 1901 existiam 25 escolas italianas em funcionamento na cidade de São Paulo (ver tabela 1), se comparamos com a tabela 2, identificamos que destas, 14 escolas21 não se associaram, ou seja 56% o que é bastante expressivo, ainda mais se considerar que alguns destes professores proprietários já gozavam de certa projeção entre a comunidade italiana, como por exemplo Francesco Pedatella, da escola Sempre Avanti, Savoia! e Secondo Cazzuola, da escola Elena Cairoli.
Não foram localizadas fontes que permitam compreender os motivos da não adesão, que podem ser relacionados desde à inexistência de um convite, à discordância dos termos do Estatuto, às disputas quanto a definição de papéis a ocupar na Deputazione Scolastica, à divisão de subsídios, dentre outros. O que se pode hipotetizar é que este grupo que ficou fora da Associação exerceu contundente pressão por meio do Consulado, o que resultou na intervenção e dissolução por parte desse. A disputa entre os professores resulta assim, no fim da iniciativa do que representava um maior poder decisório quanto às práticas realizadas no interior das escolas, quanto à distribuição dos recursos sob a forma de livros22, materiais e dinheiro e por fim, no estímulo a que o Consulado exercesse função centralizadora quanto às definições políticas, pedagógicas e financeiras das escolas italianas em São Paulo.
Cabe também uma ponderação acerca da descrição feita pelo cônsul ao corpo docente. Ao que parece o fim da Associação carrega fortes elementos políticos, ou de perseguição política, a considerar a avaliação feita de que socialistas e anarquistas seriam vigaristas e são apresentados em similitude aos ladrões e assassinos. Haveria dentre os associados socialistas e anarquistas? Este teria sido um dos motivos que corroboraram para a sua extinção? Questões ainda a ser melhor exploradas.
Assim, em 1904 é publicado o documento Normas para o funcionamento das escolas italianas no estado de São Paulo23, assinado pelo Cônsul Geral Gherardo Pio di Savoia que inicia reiterando a dissolução da Associação dos professores italianos em São Paulo, ao mesmo tempo em que apresenta a centralidade do Consulado ou de instância a ele relacionado para as definições da vida escolar, tais como a determinação de programa a ser seguido, a distribuição de materiais e subsídios e a inspeção e fiscalização das escolas. Neste documento são estabelecidas as competências de fiscalização das escolas italianas no estado, sendo o vice-cônsul responsável pelas escolas situadas em Santos, Campinas, Ribeirão Preto e São Carlos do Pinhal e cidades de entorno. Para as escolas da capital e seu entorno permanece a Deputazione Scolastica, no entanto, reconfigurada, passando a ser composta por 10 membros italianos residentes em São Paulo nomeados pelo cônsul. O artigo VIII define suas competências:
a) Dar parecer sobre tudo quanto for solicitado pelo Cônsul Geral e que interesse à instrução e às escolas;
b) Compilar e modificar, quando for necessário, o programa de ensino;
c) Estabelecer as normas às quais devem ser sujeitas as escolas que desejarem ser reconhecidas pelo Consulado Geral para poder usufruir de sua assistência e proteção;
d) Visitar e inspecionar, por meio de um ou mais de seus membros, durante o ano escolar, as escolas e apresentar a relação das visitas e das inspeções ao Cônsul Geral;
e) Presidir os exames, nas formas e datas preestabelecidas e deliberar a respeito dos prêmios, sua atribuição e distribuição;
f) Levar em consideração as perguntas e as reclamações dos professores e emitir o seu parecer;
g) Distribuir aos mestres, de modo justo e regular o material escolar que o Cônsul autorizar e fornecer às escolas, e os subsídios de qualquer natureza que venham atribuir do Pátrio Governo, da sociedade e de privados em favor da instrução;
h) Examinar as solicitações de subsídios apresentadas pelos professores e oferecer um parecer a este respeito ao Cônsul;
i) Propor, baseado em relatórios, especiais distinções de louvor, de prêmios e de subsídios aos professores mais aplicados e merecedores e quando necessário, procedimentos disciplinares;
j) Propor e fazer o necessário para o incremento da instrução, das escolas e para o melhoramento dos professores.24( NORMAS, 1904, p. 4-5)
A partir da publicação das Normas para o funcionamento das escolas italianas no estado de São Paulo, uma nova Deputazione Scolastica foi criada e uma subcomissão por ela foi indicada para compilar e modificar os Programas adotados na Península às escolas em São Paulo, o resultado será apresentado a seguir.
A construção da identidade nacional italiana no caráter das crianças e adolescentes
Conforme já mencionado, o ensino oferecido nas escolas italianas em São Paulo era denominado de curso elementar dividido em inferior composto pela 1ª, 2ª e 3ª classes, e superior, pela 4ª e 5ªclasses. De acordo com os dados colhidos no documento “Elenco das escolas italianas do estado de São Paulo em 1905”25 e aqui apresentados na tabela 3, a maioria das escolas oferecia o curso elementar inferior até a terceira classe, um outro tanto de escolas oferecia o elementar completo, ou seja, da primeira até a quinta série, e algumas poucas criaram um tipo híbrido composto pelo elementar inferior acrescido da quarta série.
ESCOLAS COM CURSO ELEMENTAR INFERIOR (1ª, 2ª, 3ª SÉRIES) | ESCOLAS COM CURSO ELEMENTAR INFERIOR (1ª, 2ª, 3ª SÉRIES) E 4ª SÉRIE | ESCOLAS COM CURSO ELEMENTAR INFERIOR (1ª, 2ª, 3ª) E SUPERIOR (4ª E 5ª SÉRIES) |
---|---|---|
Cornelia Gracco; Duca degli Abruzzi; Elena di Montenegro; Ferrante Aporti; Giuseppe Galliano; Lud. Ant. Muratore; Luigi Settembrini*; Orazio Coclite; Principessa Mafalda; Progresso; Regina Elena; Regina Marguerita*; Regina Marguerita; Regina Marguerita; Roma Intangibile*; Santa Lucia; Scuola Italiana; Scuola Italiana; Stella d’Italia; Studio e Lavoro*; Umberto I; Unione Italiana; Vit. Emanuele II*; Vit. Emanuele III; Vittoria Colonna; Vittorino da Feltre*; Vittorio Alfieri. |
Dio e Popolo*; Giosue Carducci* Immacolata; Italia; Vit. Emanuele III; |
Dio e Patria; Alessandro Manzoni*; Dante Alighieri*; Elena Cairoli*; Francesco Fiorentino; Giovanni Bovio*; Indipendenza* Principe di Piemonte *; Principe di Piemonte; Scuola Italo Francese*; Sempre Avanti Savoia *; |
Total | Total | Total |
27 | 5 | 11 |
*Curso noturno.
Fonte: Tabela elaborada pela autora com base nos dados reportados em Elenco delle scuole italiane nello stato di S. Paolo,1905.
Merece destaque, conforme indicado na tabela 3, por meio de um asterisco, a oferta de aulas noturnas em funcionamento nas escolas italianas, o que indica a existência de um grande contingente de italianos adultos que para cá vieram sem o domínio do ler e do escrever, mas também a provável frequência de crianças e adolescentes nos cursos noturnos, após uma longa jornada dedicada ao trabalho.
Muito provavelmente a maioria das escolas oferecia somente o curso elementar inferior porque grande parte das crianças estudava até a terceira série e depois ingressava no mundo dos adultos, ou melhor, no mundo do trabalho. Esta hipótese encontra sustentação na descrição feita pelos três professores indicados para compor a Comissão responsável pela redação dos Programas para as escolas elementares italianas do estado de São Paulo26, de 1904, Luigi Lievore, proprietário da escola Principe di Piemonte; Cipriano Dell’Acqua, proprietário da escola Dio e Patria; e Alessandro Allegretti (ainda não foram encontradas referências). Segundo eles: “as famílias de modo geral mandam seus filhos à escola até a terceira série e que, portanto, é um fim em si mesma. Quando o jovem sai desta série, deve estar, tanto quanto é possível, preparado a continuar por si mesmo a própria educação”27 (p. 2).
A Comissão explica ainda ter realizado uma modificação nos Programas adotados na Itália, no sentido de incluir para as escolas italianas do estado de São Paulo um limitado programa local, e como justificativa argumenta que “ muitos dos nossos filhos nasceram aqui, muitos passarão a maior parte de sua vida e muitos aqui terminarão sem ter conhecido sua verdadeira pátria, senão aquilo que eles ouviram dizer”28 (p. 2). Desta forma, segundo os membros da Comissão, esta medida de forma alguma é uma conduta antinacional, apenas busca dar condições aos italianos de compreender melhor as relações, pode-se dizer, comerciais do país, como “... cuidar bem de seus interesses, como trabalhar na indústria, em um ofício, sem o conhecimento da língua e as principais medidas do país?”29 (p. 2).
O Programa é proposto para cinco classes e apresenta a Língua Italiana (1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª classes); Língua Portuguesa (3ª, 4ª, 5ª classes); Aritmética Prática (1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª classes); História, Geografia, Direitos e Deveres-Brasil e Itália (2ª, 3ª, 4ª, 5ª classes); Caligrafia (1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª classes); Noções variadas (foco no Brasil); Desenho; Canto, Ginástica, Trabalho Manual, sendo estas cinco últimas sem indicação da série.
Para formar a alma e o caráter das crianças e adolescentes, a escola deveria manter e aprimorar as características étnicas italianas, conservando estreitos os laços com a mãe-pátria, e nas palavras da Comissão, a “verdadeira pátria” por meio do ensino da Língua Italiana e do estudo da História, da Geografia da Itália e de seus grandes vultos e feitos. Assim, o Programa prevê por exemplo, para a 2ª série o estudo dos principais fatos históricos da Itália; para a 3ª série, o estudo do Risorgimento italiano entre 1848 e 1870; para a 4ª série fatos e homens notáveis da história romana e da história medieval; para a 5ª série cenas sobre o ordenamento político e administrativo do Reino.
Se comparados os dois Programas, ou seja, o da Associação dos professores italianos em São Paulo, de 1901 e o da Comissão de 1904 os conteúdos daquele primeiro incidiam em um maior número de temáticas relacionadas à Itália e seus grandes nomes, datas festivas, heróis nacionais, paisagens e monumentos. Ao que parece, ao menos no primeiro momento de uma maior centralidade no Consulado, quanto à organização e funcionamento das escolas italianas, não foi diagnosticado como necessária uma ênfase mais expressiva nas temáticas relacionadas, ao que poderia ser denominado de culto à pátria.
Em 1912 foi publicado o documento Regulamento para as escolas italianas no exterior30, sob a chancela do Ministro das Relações Externas, Di San Giuliano, do Ministro da Instrução Pública, Credaro e do Ministro do Tesouro, Tedesco. O Regulamento de 43 páginas está organizado em cinco títulos, a saber: dos institutos escolares, disposições gerais; das escolas médias e governativas; das escolas elementares governativas; das escolas subsidiadas; administração e vigilância das escolas no exterior.
Bastante minudente, o Regulamento prevê calendário, período de inscrições e exames, número de alunos por sala, contribuições a serem pagas pelos colonos, funcionamento da biblioteca, programa escolar, conduta de professores, medidas disciplinares para os alunos e para os professores, subsídio entre outros. Um exemplo bastante profícuo é o artigo 13 acerca das festas escolares:
Art. 13 - Em todas as escolas são celebradas as seguintes festas civis :
O feriado nacional do Estado (primeiro domingo de junho) e, onde as escolas estão abertas, a libertação de Roma (20 de setembro);
O aniversário de sua majestade o rei;
O aniversário de sua majestade a rainha;
O aniversário ou o nome do dia (dependendo do uso local) do chefe do estado onde a escola está localizada;
O feriado nacional do mesmo estado (REGULAMENTO, 1912, p. 4)31
Passados alguns anos entre a dissolução da Associação dos professores italianos em São Paulo (1901) e o Regulamento para as escolas italianas no exterior (1912) o Consulado se constituiu efetivamente em instância norteadora e reguladora das escolas italianas no exterior. Com o passar do tempo, o amor à pátria foi se constituindo em temática de grande relevância a ser ensinada nas escolas. Dessa forma aos alunos e professores passou-se a exigir, mais do que ler sobre o respeito e devoção à pátria, torna-se crucial manifestá-lo nas mais diversas situações, dentre elas, nas festas cívicas.
Considerações Finais
No livro Mitos, emblemas e sinais Ginzburg (1989, p. 52) descreve que por milênios o homem tem sido um caçador, e por isto, aprendeu a “reconstruir as formas e movimentos das presas invisíveis pelas pegadas na lama, ramos quebrados, bolotas de esterco, tufos de pelos, plumas emaranhadas, odores estagnados”. Aprendeu ainda a “farejar, registrar, interpretar e classificar pistas infinitesimais como fios de barbas”, além de realizar “operações com rapidez fulminante, no interior de um denso bosque ou numa clareira cheia de ciladas”. A descrição nos remete ao papel fundamental das fontes para o que o autor denominou de método indiciário, que permite ao historiador, conhecer por meio de rastros, vestígios, sintomas e indícios tempos de outrora.
Ginzburg (2002, p. 43) nos alerta, no entanto, que não basta reproduzir as fontes, é necessário interrogá-las, ou seja, compreender as condições de aparecimento, os critérios de veracidade e sua intencionalidade:
(...) ao avaliar as provas, os historiadores deveriam recordar que todo ponto de vista sobre a realidade, além de ser intrinsecamente seletivo e parcial, depende das relações de força que condicionam, por meio da possibilidade de acesso à documentação, a imagem total que uma sociedade deixa de si. Para ‘escovar a história ao contrário’, como Walter Benjamim exortava a fazer, é preciso aprender a ler os testemunhos às avessas, contra as intenções de quem os produziu. Só dessa maneira será possível levar em conta tanto as relações de força quanto aquilo que é irredutível a elas.
Ao buscar as fontes para o estudo das escolas italianas em São Paulo procurei em meio aos vestígios e rastros, elementos que revelassem o que se quer conhecer e, que se encontram ocultos. As fontes localizadas permitem conhecer um pouco da história cotidiana das instituições escolares italianas em terras brasileiras, a criação das escolas, a fundação de uma Associação dos professores italianos em São Paulo com expressiva adesão de professores da cidade de São Paulo e também de outras cidades do estado, a sistematização de seu funcionamento expresso na publicação do Estatuto da Associação dos professores italianos de São Paulo e dos Programas das escolas da Associação dos professores italianos de São Paulo. Mas como alerta mais uma vez Ginzburg é preciso decifrar quais os interesses em jogo, quais “relações de força” estavam presentes?
A pesquisa permite afirmar que as relações entre os vários protagonistas das escolas italianas em São Paulo eram bastante assimétricas. De um lado, os proprietários e professores das escolas italianas que buscavam, por meio de uma quase autogestão, criar mecanismos de proteção e apoio mútuo pela criação de uma Associação composta pelos próprios professores, para assim definir programas, o funcionamento das escolas, e o uso dos recursos financeiros recebidos sob a forma de doações, materiais escolares e subsídios monetários. De outro lado, alguns outros professores que por motivos ainda não conhecidos não participaram da Associação, mais do que isto, a ela se opuseram, combatendo-a ferozmente junto aos representantes do Ministério. E ainda, o Consulado que amparado pela legitimidade institucional frente ao Governo Italiano demonstrou na relação de força, supremacia em relação aos outros sujeitos.
Encampando os reclamos dos professores que se negaram a participar da Associação ou que dela tenham sido excluídos, o Consolado a dissolveu eliminado assim, a possibilidade de uma maior autonomia, fosse na realização dos programas, fosse, sobretudo no uso e distribuição de recursos materiais e financeiros, centralizando todas as decisões pedagógicas, financeiras e políticas, quanto à definição dos membros da Deputazione Scolastica.
A partir das fontes encontradas buscou-se compreender como as escolas contribuíram para a constituição de uma identidade étnica italiana. A italianidade, expressa pelo amor à pátria, se fez presente nos programas propostos tanto pela Associação dos professores italianos em São Paulo, quanto pelo Consulado. No Programa da Associação em comparação ao Programa proposto pelo Consulado havia uma maior incidência de temáticas que favoreciam o desenvolvimento dos vínculos com a Itália. No entanto, poucos anos depois, com a publicação do Regulamento para as escolas italianas no exterior (1912) a preocupação com a italianidade ganha muito mais ênfase, requerendo-se por parte de professores e alunos, além do estudo de vultos, datas e fatos, a manifestação expressa do respeito e amor à pátria.
As escolas italianas da cidade de São Paulo podem ser pensadas, de acordo com Panizzolo (2018a, 2018b) como espaços de aprendizagem dos saberes elementares do ler, escrever, calcular, História e Geografia, mas principalmente, como constituidoras de patriotismo, e para isto, delas foi exigido a responsabilidade em “italianizar” os que para cá vieram de uma Itália recém unificada, e os aqui nascidos, que pelo princípio jus sanguinis tinham, segundo o governo italiano, a transmissão da nacionalidade assegurada pela descendência.