INTRODUÇÃO
A constituição de um novo campo intelectual está diretamente relacionada tanto com o aparecimento de um corpo novo de agentes quanto com a multiplicação de um conjunto distinto de instâncias de consagração desses agentes, isto é, espaços estruturantes onde esses agentes concorrem pelo reconhecimento e legitimação de si e de suas obras (BOURDIEU, 2007, p.99-100; BOURDIEU, 1996, p.326). É em função das relações que se desenvolvem nesses espaços que esse corpo de agentes estabelece um arcabouço teórico, metodológico e discursivo próprio que o diferencia do corpo de agentes de outros campos (BOURDIEU, 2007, p.101). Trata-se de um trabalho coletivo de emancipação e autonomização haja visto que a conformação de um novo campo não se dá a partir do nada, pelo contrário, sempre parte de um campo já existente (BOURDIEU, 1996, p.290-291). A constituição desses elementos de identidade em função dos quais os campos acadêmicos se emancipam e autonomizam é mensurável e historicizável, razão pela qual nos debruçamos sobre eles a fim de compreender a trajetória do campo de Pesquisa em Ensino de História (GABRIEL, 2019, p.154).
A análise que propomos incide sobre um dos indícios desse processo de autonomização do campo de pesquisa em Ensino de História, que são as teses produzidas nas últimas três décadas, de maneira mais específica, entre 1991, quando foi defendida a primeira tese, e 2022. Nossa opção por esse extrato da produção do campo reside no entendimento de que as teses constituem trabalhos, a priori, mais densos e sistemáticos do que aqueles encontrados em dissertações, artigos, livros e capítulos de livros. Nossa análise levou em consideração as teses de doutorado que, cadastradas no banco de teses e dissertações da CAPES, acionam a expressão “ensino de História” em seus títulos, palavras-chave ou resumos. Consideramos, também, os currículos lattes dos pesquisadores.
O trabalho incidiu, efetivamente, sobre 222 teses. Para possibilitar uma análise mais detalhada desse volume de teses, nós as dividimos dentro de três períodos cronológicos distintos, que são demarcados pelas grandes mudanças políticas ocorridas, no Brasil, em âmbito nacional, depois da Ditadura Militar. A escolha desses períodos como parâmetros na análise advém, em primeiro lugar, do reconhecimento da política stricto sensu e do Estado como indutores de transformações nas realidades educacionais que se conformam (PLANK, 2001, p.205-207; BALL, 1994, p.15; LIBÂNEO, 2005, p.33-38, 163-164; SAVIANI, 1999, p.94-95). Mas, também, em segundo lugar, da assunção de que os propósitos e intenções políticas historicamente situados são retrabalhados e reorientados ao longo do tempo, na mesma medida em que mudam os seus principais intérpretes, a saber, os secretários de estado, os ministros e os presidentes (BALL, 1994, p.17; PLANK, 2001, p.229-230; LIBÂNEO, 2005, p.84-106).
O primeiro período, de 1990 até 2002, corresponde aos primeiros governos eleitos de forma direta, imediatamente depois da Ditadura Militar. Reconhecidamente vistos como neoliberais, incluem-se, nesse período de 12 anos, os governos Fernando Collor de Mello, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. O segundo período, de 2003 a 2015, corresponde aos governos liderados pelo Partido dos Trabalhadores (PT): os dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva e os dois mandatos de Dilma Rousseff, este último interrompido por meio de um processo de impeachment, em 2015. O terceiro período, de 2016 a 2022, por fim, corresponde a ascensão dos governos conservadores de Michel Temer e Jair Messias Bolsonaro.
A CONSTITUIÇÃO DO CAMPO DE PESQUISA EM ENSINO DE HISTÓRIA
Vários historiadores (COELHO; BICHARRA, 2019, p.67; ROCHA, 2019, p.15; MONTEIRO; RALEJO, 2019, p.8; COSTA; OLIVEIRA, 2007, p.148; CAIMI; MISTURA, 2019, p.189; MISTURA; CAIMI, 2020, p.102; CERRI, 2007, p.55) concordam em localizar o início da constituição desse novo campo na década de 1980. Sua origem teria coincidido, e mesmo sido favorecida, com o contexto de abertura política que caracterizou o fim do regime militar e a instauração do processo de redemocratização do país, assim como pelas lutas políticas e discussões teóricas e metodológicas em favor do retorno da História como disciplina autônoma no Ensino Fundamental (MONTEIRO; RALEJO, 2019, p.8-9).
A realização de eventos, como o I Encontro Perspectivas do Ensino de História, em 1988, e o I Encontro de Professores e Pesquisadores em Ensino de História, em 1993, assim como a criação de grupos de pesquisa e revistas acadêmicas, conforme apontam Mauro Coelho e Taíssa Bichara (COELHO; BICHARA, 2019, p.67), Nádia Gonçalves (GONÇALVES, 2019, p.117), Helenice Rocha (ROCHA, 2019, p.15), Luis Fernando Cerri (CERRI, 2007, p.55), entre outros pesquisadores, constituem indícios da estruturação desse novo campo acadêmico. São evidências do esforço coletivo e da aglutinação de profissionais envolvidos com o Ensino de História que contrastam com os trabalhos e pesquisas realizados antes, os quais eram feitos de modo eventual e isolado por historiadores, educadores e pensadores em geral (ROCHA, 2019, p.16; ZAMBONI, 2001, p.106).
Margarida Dias de Oliveira (OLIVEIRA, 2002, p.97) cita, à título de exemplo desse incipiente contexto de pesquisa que antecede a estruturação do campo de pesquisas em Ensino de História, o trabalho pioneiro de Miriam Moreira Leite, “O Ensino de História no primário e no ginásio, publicado pela editora Cultrix, em 1969. Para Oliveira, trata-se de um trabalho circunstancial motivado por questões pessoais da vida íntima da autora, muito embora, depois, esse livro possa ter motivado e até induzido estudos de outros profissionais. O fato de, até a década de 1960, o ensino de História ser visto, no âmbito das universidades, como área de formação de professores para o magistério e não como objeto de pesquisa acadêmica é apontado por Oliveira como um dos fatores para a escassez de trabalhos até aquele momento. Karla Nazareth Almeida (ALMEIDA, 2017, p.146) e Bernardete Angelina Gatti (GATTI, 2001, p.109) endossam esse entendimento ao concordarem que, até aquele momento, a base do trabalho universitário era constituída pelo ensino e não pela pesquisa.
Uma série de pareceres, decretos e leis que constituíram a reforma universitária na década de 1960, contudo, deram grande impulso à realização de pesquisas acadêmicas em todas as áreas do conhecimento, principalmente em função da estruturação da pós-graduação e do financiamento governamental para o aperfeiçoamento dos quadros de professores das próprias universidades. Vários professores, durante as décadas de 1970, 1980 e 1990, foram incluídos em programas de capacitação docente coordenados pela CAPES e pelo CNPQ, passando, então, a receber bolsas de estudo para obterem graus acadêmicos mais elevados (ALMEIDA, 2017, p.161).
A autonomização dos diversos campos intelectuais e acadêmicos no Brasil, inclusive do campo de pesquisa em Ensino de História, pode ser relacionada a esse novo contexto, haja visto que, em função dele, verificou-se tanto o doutoramento de alguns dos agentes mais atuantes do campo, quanto o estabelecimento de certas posições1 e a consequente configuração de um espaço de possibilidades investigativas dentro do campo (BOURDIEU, 2007, p.101; BOURDIEU, 1996, p.263).
A AUTONOMIZAÇÃO DO CAMPO DE PESQUISA EM ENSINO DE HISTÓRIA E A EXPANSÃO DO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL
Um dos indícios do processo de autonomização dos diferentes campos acadêmicos é a realização de trabalhos de pesquisa cada vez mais densos e sistematizados. Daí a importância dos programas de pós-graduação e dos trabalhos que são desenvolvidos dentro deles. São esses trabalhos que constituem o capital científico “puro”, do qual fala Bourdieu (BOURDEIU, 2004, p.25-27, 35-37), em função do qual os agentes demarcam posições e assumem postos2 dentro dos campos. Daí a razão pela qual nos debruçamos sobre eles, mais especificamente sobre as teses, para analisar a trajetória do campo de pesquisa em Ensino de História.
No levantamento que fizemos no banco de teses e dissertações da CAPES, identificamos 222 teses relacionadas ao campo de Pesquisa em Ensino de História. É um volume de trabalhos bastante considerável. Sua representação ao longo dos anos, contudo, como se pode ver no Gráfico 1, mostra uma produção cuja frequência é bastante desigual, especialmente quando fazemos o comparativo entre os diferentes períodos que discriminamos na seção anterior. Entre 1990 e 2002, por exemplo, a produção de teses foi bastante tímida e até descontínua, haja visto que, em alguns anos, nenhuma tese foi defendida. Não há registo de teses defendidas em 1990, 1992, 1995 e 1999.

Fonte: Tabela formulada pelo autor, a partir dos dados coletados no banco de teses e dissertações da CAPES, jan. 2023.
Gráfico 1 Produção de teses sobre ensino de História, entre 1991 e 2022.
Entre 2003 e 2015, entretanto, a produção se altera drasticamente. Verifica-se uma inflexão no sentido do aumento da quantidade de teses produzidas a cada ano. A título de comparação, foram defendidas apenas 21 teses relacionadas ao campo de pesquisa em Ensino de História no primeiro período. No segundo período (2003-2015), esse número aumentou para 117 teses. E, no terceiro período (2016-2022), que possui metade do tempo de análise dos períodos anteriores (6 anos), já há o registro de 89 teses. Pode-se dizer, isto posto, que ocorreu um verdadeiro boom na produção do campo, de 2003 em diante. A estruturação do campo por meio da realização de eventos de aglutinação de pesquisadores, a criação de revistas especializadas e o aumento de grupos de pesquisa voltados para o Ensino de História, sem dúvida, são elementos do campo que possuem relação direta com esse significativo aumento na produção de teses. São fatores genéticos ou internos ao próprio campo.
Mas, há outros fatores, externos, como a expansão do ensino superior no Brasil e os diferentes contextos políticos que tiveram lugar no país a partir da segunda metade do século XX. Já citamos a reforma universitária realizada na década de 1960 e como ela impulsionou a autonomização dos diferentes campos acadêmicos no Brasil, especialmente em função da organização da pós-graduação. Esse, contudo, foi apenas o primeiro grande impulso. A partir da década de 1990, verificou-se a adoção, pelo Estado brasileiro, de dois modelos distintos de expansão do ensino superior. O primeiro modelo, assumido e implementado ao longo da década de 1990, provocou um grande crescimento do ensino superior consubstanciado na elevação do número Instituições de Ensino Superior (IES), cursos de graduação, aumento de matrículas e de docentes nas IES (BROCH; BRESCHILIARE, 2020, p.263). Entre 1995 e 2005, por exemplo, a inserção de docentes nas IES brasileiras sofreu um acréscimo de 101%. A maior parte desses docentes, porém, foi lotada no setor privado, muito em função da diversificação da oferta do ensino superior que, a partir do decreto 2.306/97, passou a ser legalmente possível de ser cursado na forma de Educação à Distância (EAD) e, presencialmente, em espaços não-universitários - faculdades integradas, faculdades e institutos ou escolas superiores (BROCH; BRESCHILIARE, 2020, p.263).
O ponto que queremos destacar com esses dados é que esse modelo de expansão do ensino superior, implementado ao longo da década de 1990, não significou um grande impulso à realização de pesquisas acadêmicas, haja visto que essas diferentes instituições e modalidades de oferta podem formar novos profissionais (graduação), mas não precisam desenvolver as funções indissociáveis (ensino, pesquisa e extensão) que são obrigatórias às universidades e que ocorrem, de maneira mais sistematizada, dentro dos programas de pós-graduação (BROCH; BRESCHILIARE, 2020, p.263; MORAES; AZEVEDO, KATANI, 2014, p.126). Nesse modelo de expansão do ensino superior, não havia qualquer vinculação legal quanto à titulação e à dedicação exclusiva do corpo docente, bem como ao desenvolvimento da pesquisa e da extensão (CARVALHO, 2014, p.222). Dois dados corroboram essa argumentação de que a década de 1990 foi um período menos favorável à pesquisa científica no Brasil: primeiro, a tentativa de extinção da principal agência de fomento à pós-graduação no Brasil, a CAPES, no governo Fernando Collor de Melo, no início de 19903 (ALMEIDA, 2017, p.40); e, segundo, o fato de nenhuma Instituição Federal de Educação (IFE) ter sido criada pelos primeiros governos eleitos democraticamente depois da Ditadura Militar (SGUISSARDI, 2015, p.873), justamente o período reconhecidamente mais neoliberal da Nova República Brasileira (MANCEBO; MAUÉS, CHAVES, 2006, p.39-42, 48; BOSI, 2007, p.1512; SGUISSARDI, 2015, p.872-875; CAMARGO; ARAÚJO, 2018, p.2).
Ainda que aspectos da agenda neoliberal de incentivo ao setor privado, implementada durante a década de 1990, tenham se mantido nos governos petistas, como a implantação de políticas que privilegiaram a renúncia fiscal, caso do Programa Universidade Para Todos (PROUNI), além da manutenção do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), iniciado no governo Fernando Henrique Cardoso (CAMARGO; ARAÚJO, 2018, p.2; CARVALHO, 2014, p.227-28), foi somente a partir dos governos petistas que as universidades federais passaram por um processo de expansão, especialmente em função do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), instituído pelo decreto nº 6.096/2007, que injetou aporte financeiro nas universidades públicas federais (CAMARGO; ARAÚJO, 2018, p.3; CARVALHO, 2014, p.219). Entre 2003 e 2014, baseado em um novo modelo de expansão do ensino superior, foram criadas 18 universidades federais em diferentes estados das regiões brasileiras (CAMARGO; ARAÚJO, 2018, p. 7; TOMÁS; SILVEIRA, 2021, p.156), configurando-se, assim, um quadro de expansão, mas também de interiorização da universidade pública, haja visto que apenas duas dessas 18 universidades foram estabelecidas dentro dos limites de uma capital.
Esse processo de expansão e interiorização da universidade pública se refletiu diretamente no aumento dos programas de pós-graduação stricto sensu e no número de vagas para docentes nas universidades públicas no Brasil. No ano 2000, havia 1.440 programas de pós-graduação. Em 2010, esse número passou para 2.840 (MORAES; AZEVEDO; CATANI, 2014, p.126). E, em 2014, atingiu a expressiva marca de 5.670 programas de pós-graduação de mestrado e doutorado (ALVES; OLIVEIRA, 2014, p.369). Entre 2000 e 2014, portanto, a pós-graduação no Brasil triplicou em função do acréscimo de 4.230 PPG’s. Esse é o contexto favorável no qual se verifica o boom do processo de autonomização do campo de pesquisa em Ensino de História. O aumento na produção de teses desse campo, especialmente entre 2003 e 2015, está relacionado ao modelo de expansão do ensino superior adotado pelo Estado brasileiro nesse período, um modelo centrado nas universidades públicas, que haviam sido preteridas e desprestigiadas ao longo da década de 1990 (CARVALHO, 2014, p.219).
OS AGENTES DO CAMPO DE PESQUISA EM ENSINO DE HISTÓRIA (PARTE 1)
As primeiras teses do campo de pesquisa em Ensino de História só começaram a ser produzidas a partir do início da década de 1990, em um período menos favorável à produção de conhecimento científico, haja visto que o Estado, principal indutor dessa produção (ALVES; OLIVEIRA, 2014, p.369), estava engajado na implementação de uma agenda educacional neoliberal de incentivo à expansão da iniciativa privada no ensino superior em detrimento do ensino universitário público. Essa, inclusive, é uma das razões contextuais que explica a diminuta e descontínua produção de teses do campo, entre 1991 e 2002, quando foram produzidas apenas 21 teses. Não obstante, alguns dos agentes mais influentes e atuantes desse campo se doutoraram nesse período.
A primeira tese que consideramos como parte do campo de pesquisa em Ensino de História, devido ao seu objeto de estudo, a literatura didática na Educação Básica, foi defendida somente em 1991. Trata-se da tese “Que História é essa? Uma proposta analítica dos livros paradidáticos de História”, da professora Ernesta Zamboni. À época em que defendeu sua tese, Zamboni era professora da licenciatura em História, na Faculdade de Educação da Unicamp, a mesma instituição onde ela estava se doutorando. Esse aspecto da trajetória profissional de Zamboni, isto é, seu vínculo institucional e empregatício no ensino superior é um ponto em comum com todos os agentes do campo que se doutoraram nesse mesmo período. Todas as teses do campo defendidas entre 1991 e 2002 foram produzidas por pesquisadores que já faziam parte do quadro de professores em alguma Instituição de Ensino Superior (IES). A fim de representarmos esse entendimento, elaboramos a Tabela 1, que indica o título de cada tese, a data de defesa, seu autor e seu vínculo empregatício à época.
Tabela 1. Teses sobre Ensino de História defendidas entre 1991 e 2002
| Autor (a) | TESE | Data de defesa | Vínculo Institucional (empregatício) |
|---|---|---|---|
| Ernesta Zamboni | Que História é essa? Uma proposta analítica dos livros paradidáticos de História. | 1991 | Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) |
| Circe Fernandes Bittencourt | Livro didático e conhecimento histórico: uma história do saber escolar | 1993 | Universidade de São Paulo (USP) |
| Itacy Salgado Basso | As condições subjetivas e objetivas do trabalho docente: um estudo a partir do ensino de História | 1994 | Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) |
| Selva Guimarães | Ser professor de história: vidas de mestres brasileiros | 1996 | Universidade Federal de Uberlândia (UFU) |
| Maria Petruci | A prática pedagógica do professor da 4ª série do 1º grau em relação a proposta curricular de História: um estudo nas escolas estaduais de Franca. | 1996 | Universidade Estadual Júlio de Mesquita (UNESP) |
| Vilma Neves | Aprender, Ensinar - A construção do saber-fazer história na habilitação específica para o magistério | 1997 | Universidade Estadual Júlio de Mesquita (UNESP) |
| Ciro Flávio de Melo | Senhores da História: a construção do Brasil em dois manuais didáticos de história na segunda metade do século XIX | 1997 | Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) |
| Ana Maria Dias | A compreensão de conteúdos no contexto da sala de aula: desfazendo na formação docente, uma cadeia de mal-entendidos em conceitos de história e de ciência | 1998 | Universidade Federal do Ceará (UFC) |
| Helenice Ciampi | A história pensada e ensinada na PUC-SP (1971-1988) | 1998 | Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP) |
| Décio Gatti Junior | Livros didáticos e ensino de História: dos anos sessenta aos nossos dias | 1998 | Universidade Federal de Uberlândia (UFU) |
| Luis Fernando Cerri | Ensino de História e nação na propaganda do milagre econômico - Brasil: 1969-1973. | 2000 | Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) |
| Maria do Carmo Martins | A História prescrita e disciplinada nos currículos escolares: quem legítima esses saberes? | 2000 | Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) |
| Luiz Alberto de Souza Marques | A cultura italiana e o ensino de História e Geografia nas séries iniciais do ensino fundamental | 2001 | Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) |
| Silma Carmo Nunes | O Pensado e o Vivido no Ensino de História | 2001 | Universidade Federal de Uberlândia (UFU) |
| Sebastião Peres | O ensino de História e as reformas educacionais no MERCOSUL | 2001 | Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) |
| Raimundo Nonato Araújo da Rocha | Identidades e ensino de História: um estudo em escolas do Rio Grande do Norte | 2001 | Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) |
| Ubiratan Rocha | Currículos de História do Rio de Janeiro, Cotidiano Escolar e Ensino: recuperando os "elos perdidos" | 2001 | Universidade Federal Fluminense (UFF) |
| Antônio Simplício de Almeida Neto | Dimensão utópica nas representações sobre o ensino de história: memórias de professores | 2002 | Universidade Bandeirante de São Paulo (UNIBAN) |
| Ana Maria Ferreira da Costa Monteiro | Ensino de História: entre saberes e práticas | 2002 | Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) |
| Francisca Lacerda de Góis | O ensino da História e o processo de elaboração conceptual | 2002 | Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) |
| Arlette Medeiros Gasparello | Construtores de Identidades: Os Compêndios de História do Brasil do Colégio Pedro II (1838-1920) | 2002 | Universidade Federal Fluminense (UFF) |
Fonte: Tabela formulada pelo autor, a partir dos dados coletados nos currículos lattes dos pesquisadores, jan. 2023.
A autonomização do campo de pesquisa em Ensino de História, no que tange à produção de teses, isto posto, foi um movimento cuja vanguarda compôs-se de agentes que já detinham um posto de destaque no campo: todos faziam parte do quadro de professores das licenciaturas nas IES. Muitos deles, além disso, também atuavam de maneira decisiva tanto na criação de novos espaços de discussão quanto na organização de eventos de aglutinação de pesquisadores cujos objetos de pesquisa eram o Ensino de História, com especial destaque para as professoras Ernesta Zamboni, Circe Fernandes Bittencourt, Helenice Ciampi, Silma Carmo Nunes, Ana Maria Monteiro e Arlette Medeiros Gasparello.
A tese “Memórias/identidades em relação ao ensino e formação de professores de História: diálogos com fóruns acadêmicos nacionais”, defendida em 2008, pela professora Ilka Miglio de Mesquita (MESQUITA, 2008), é esclarecedora a esse respeito da atuação destacada dessas professoras. Nela, sua autora recupera a importância e o papel dessas agentes na trajetória de constituição dos principais espaços de estruturação do campo de pesquisa em Ensino de História, a partir da década de 1980, a saber: os Simpósios Nacionais de História da ANPUH, o Encontro Nacional Perspectivas do Ensino de História e o Encontro Nacional de Pesquisadores do Ensino de História.
A primeira contribuição de um pesquisador vinculado profissionalmente ao magistério na Educação Básica para a autonomização do campo de pesquisa, por meio da produção de uma tese, é tardio e só ocorre em 2005. Trata-se da tese de Daniel Hortêncio de Medeiros, “A formação da consciência histórica como objetivo do ensino de história no ensino médio: o lugar do material didático”, defendida no Programa de pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná, sob orientação da prof. Dra. Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt. À época em que desenvolveu sua pesquisa, Daniel Hortêncio trabalhava na Educação Básica como professor de História em cursos pré-vestibulares. Das 222 teses que identificamos no banco de teses e dissertações da CAPES, entre 1991 e 2022, apenas 35% delas foram realizadas por pesquisadores com esse perfil profissional.
O que entendemos ser um indício da autonomização do campo de pesquisa em Ensino de História, a saber, a produção de teses, isto posto, foi se constituindo no Brasil muito próximo do modelo acadêmico do qual fala Maurice Tardif, em um importante artigo sobre profissionalização docente, publicado na Revista Brasileira de Educação (TARDIF, 2000). De acordo com esse autor, a produção do conhecimento, a formação relativa a esse conhecimento e a mobilização desses conhecimentos na ação seriam práticas desenvolvidas de maneira hermética por pesquisadores, formadores (professores das licenciaturas) e professores da Educação Básica, respectivamente (TARDIF, 2000, p.18).
A pesquisa, a formação e o magistério seriam vistos como práticas separadas e hierarquizadas no interior dos campos acadêmicos em geral. No topo dessa pirâmide ideológica, estaria a pesquisa, abaixo dela viria a formação e, na base, estaria o magistério. Trata-se de um estudo historicamente situado, é verdade, haja visto que essa crítica de Tardif foi desenvolvida a partir de suas investigações na América do Norte, especificamente no Canadá, durante a década de 1990 (NETO; AYOUB, 2021). Não obstante, nós a incorporamos nessa seção, a título de contraponto, a fim de ressaltar as especificidades da trajetória de autonomização do campo de pesquisa em Ensino de História no Brasil, especificamente a constituição do corpo de agentes desse campo.
Já demonstramos que as primeiras teses do campo foram produzidas por pesquisadores cujo vínculo profissional eram as IES. A partir de 2003, contudo, o perfil profissional dos agentes que passaram a contribuir para a autonomização do campo por meio da produção de teses começou a se diversificar, principalmente devido ao doutoramento de professores da Educação Básica nesse período. Ressaltar a produção de teses por professores ligados ao magistério na Educação Básica é importante porque está intrinsecamente ligado a legitimidade e a compatibilidade (CHEVALLARD, 2000, p.17) da produção do campo, haja visto a mesma ser resultado do trabalho daqueles que estão mais diretamente envolvidos com o Ensino de História, a saber: os professores de História da Educação Básica. A emergência e o crescimento dessa produção, indubitavelmente, enriquecem o campo ao colocar o Ensino de História sob nova perspectiva, mas também o diversificam na medida que esses agentes passam a disputar postos dentro do campo.

Fonte: Gráfico formulado pelo autor, a partir dos dados coletados nos currículos lattes dos pesquisadores, jan. 2023.
Gráfico 2. Teses produzidas por profissionais ligados à Educação Básica (1991-2022)
Quando consideramos apenas as teses produzidas por professores da Educação Básica ao longo dos últimos 30 anos, conforme se pode perceber no Gráfico 2, verificamos que houve um significativo e contínuo aumento da participação de pesquisadores com esse perfil profissional na produção de teses do campo. Entre 2016 e 2022 (último período da análise), por exemplo, quase 2/3 das teses do campo (64%) foi feita por profissionais vinculados ao magistério na Educação Básica. Esse aumento, sem dúvida, é o reflexo da busca por aperfeiçoamento profissional por parte desses professores, que veem na pós-graduação uma oportunidade de aprofundar seus conhecimentos sobre o que consideram relevante para a sua formação (COELHO; COELHO, 2015, p.186), mas não somente, haja visto que, como bem nos explica a professora Keila Grinberg (GRINBERG, 2012), a principal função da pós-graduação no Brasil tem sido a formação de quadros para o ensino superior.
Isso vai ao encontro do que argumenta Maurice Tardif, quando diz que aqueles que investem na formação continuada, de modo geral, têm interesse em abandonar a esfera de formação para o magistério e em evitar investir tempo nos espaços de prática (TARDIF, 2000, p.18), notadamente, em função das vantagens financeiras e simbólicas que essa migração representa. Grinberg se a linha a essa argumentação ao afirmar que o principal interesse dos estudantes da pós-graduação é serem professores universitários (GRINBERG, 2012). A escola representa um lugar de menor prestígio, quando comparada aos museus, aos órgãos do governo e, principalmente, à Universidade. Trabalhar nesses espaços não-universitários, nesse sentido, significaria assumir “carreiras alternativas” ou um tipo de “plano B” para os pós-graduandos (GRINBERG, 2012).
A análise da trajetória profissional dos pesquisadores diretamente envolvidos na autonomização do campo de pesquisa em Ensino de História no Brasil por meio de suas teses parece reforçar a argumentação feita por Maurice Tardif e por Keila Grinberg4, mas com algumas especificidades que gostaríamos de ressaltar. A análise dos currículos lattes dos pesquisadores vinculados à Educação Básica mostra mais de uma tendência predominante na trajetória profissional deles. A primeira tendência vai de encontro ao que afirma Tardif e Grinberg. Ela diz respeito aqueles pesquisadores que já se encontravam vinculados profissionalmente à rede pública federal de educação por ocasião de seu doutoramento, seja em Institutos Federais de Educação, seja em Escolas de Aplicação vinculadas a alguma IES Federal. Encaixam-se nesse perfil, 23 pesquisadores. Destes, apenas 1 migrou para o ensino superior após o doutoramento e na mesma instituição: Aléxia de Pádua Franco, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Os demais pesquisadores com esse vínculo profissional continuaram atuando na Educação Básica.
A segunda e a terceira tendências dizem respeito aqueles pesquisadores que, por ocasião do doutoramento, estavam vinculados profissionalmente à esfera privada e à esfera pública estadual ou municipal da Educação Básica. Dos 66 pesquisadores que se encaixam nesse perfil, 24 deles já migraram para o Ensino Superior, onde passaram a atuar na formação de novos quadros, seja na graduação, seja na pós-graduação. Alguns dos agentes mais atuantes do campo de pesquisa em Ensino de História - Oldimar Pontes Cardoso, Ronaldo Cardoso Alves, Aléxia Pádua Franco, Marcelo Fronza, Arnaldo Pinto Júnior, Caroline Pacievitch, Fernando de Araújo Penna e Ana Claudia Urban - possuem essa trajetória. Trata-se, porém, de uma tendência historicamente situada já que esse número bastante elevado está diretamente relacionado à política educacional para ensino superior implementada entre 2003 e 2015, quando se verificou a expansão das universidades públicas federais e dos programas de pós-graduação no país. A maior parte dos doutorandos que migraram da Educação Básica para o ensino superior o fizeram nesse período de significativo aumento de vagas para docentes nas Universidades Federais.
No que tange a autonomização do campo de pesquisa em Ensino de História, essa constatação é importante porque significou a constituição de novos postos no campo, isto é, pesquisadores do campo em lugares de consagração que são os cargos de professores nas licenciaturas e nas pós-graduações. Para se ter uma ideia da influência do contexto político nessa migração e na autonomização do campo, basta considerar o período imediatamente posterior, entre 2016 e 2022, quando ascenderam os governos conservadores de Michel Temer e Jair Bolsonaro. Nesse período, marcado por austeridade econômica, cortes no orçamento das universidades públicas e que foi agravado pela pandemia da COVID-19, apenas 3 doutorandos do campo de Pesquisa em Ensino de História conseguiram fazer o mesmo tipo de migração da Educação Básica para o Ensino Superior: Marcus Leonardo Bomfim Martins que, a partir de 2019, passou a ser professor na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF); Francisco Thiago Silva que, em 2022, passou a ser professor na Universidade Federal do Tocantins (UFT); e Neide Cristina da Silva que, após seu doutoramento em 2017, passou a trabalhar somente no Ensino Superior privado - Universidade Ibirapuera (UNIB), Faculdade Drummond (DRUMMOND), Academia Mauaense de Letras e Artes Paulo Freire (AMLAPF) e Universidade Nove de Julho (UNINOVE).
A terceira e mais frequente tendência profissional dos professores da Educação Básica que se doutoraram nas últimas três décadas, contudo, é permanecer na Educação Básica ou possuir os dois vínculos, trabalhando também no Ensino Superior, normalmente em alguma faculdade ou IES privada, muito em função da redução de vagas no mercado de trabalho universitário para a área de humanidades, mas também devido à instabilidade dos postos de trabalho e sua remuneração em um contexto de crise econômica pós-pandêmico. No caso dos professores da rede privada, por exemplo, trabalhar em mais de um estabelecimento e em diferentes níveis de ensino constitui uma estratégia para garantir uma certa estabilidade de renda em um cenário demarcado pela instabilidade do emprego.
A permanência na Educação Básica e/ou vínculo em diferentes níveis de ensino, embora represente um importante fator de melhoria da qualidade educacional, parece significar, todavia, a ocupação de um espaço relativamente invisível do campo, haja visto que esses agentes, após seu doutoramento, raramente se mantêm produtivos academicamente, assim como, também, não possuem entrada em outros espaços de consagração - corpo editorial de alguma revista ou participação em bancas de avaliação, por exemplo. A ausência de planos de carreira e a elevada carga de trabalho a que estão submetidos, sem dúvida, possui relação com essa situação. Faltam-lhes as condições materiais necessárias para permanecerem ativos academicamente. Tornam-se tão somente, em função disso, consumidores da produção de outros agentes ou, dito de outra maneira, “agentes politicamente passivos” do campo (BOURDIEU, 1998, p.164; BOURDIEU, 2007, p.100).
OS AGENTES DO CAMPO DE PESQUISA EM ENSINO DE HISTÓRIA (PARTE 2)
Durante muito tempo, predominou no campo acadêmico brasileiro o entendimento de que as questões do Ensino de História estavam restritas aos cursos de Licenciatura e, nestes, às disciplinas denominadas de “pedagógicas” (COSTA; OLIVEIRA, 2007, p.147). Esse entendimento foi reforçado por ocasião da organização dos Programas de Pós-graduação (PPG’s) em Educação, a partir da década de 1970, haja visto que eles passaram a monopolizar as pesquisas sobre ensino. A conformação do campo de pesquisa em Ensino de História, no que se refere a sua produção dentro dos programas de pós-graduação, em nível de doutorado, também reflete essa configuração. Como se pode verificar no Gráfico 3, abaixo, a maior parte das teses que compõem o campo (84% ou 149 teses, em termos absolutos) foi produzida dentro de PPG’s em Educação, o que nos leva a inferir a permanência, dentro desses programas, da ideia de que as questões relativas ao ensino ainda não lhes dizem respeito, como já alertavam Aryana Costa e Margarida Dias de Oliveira (COSTA; OLIVEIRA, 2007, p.147).5

Fonte: Gráfico formulado pelo autor, a partir dos dados coletados nos currículos lattes dos pesquisadores, jan. 2023
Gráfico 3 Teses sobre o Ensino de História por Programa de Pós-graduação (1991-2019)
É importante ressaltar, contudo, não se tratar apenas de uma ideia, mas de práticas de pesquisa tradicionalmente estabelecidas dentro desses programas, práticas essas voltadas para a produção de saber histórico específico sobre alguma das tradicionais periodizações do passado (período colonial, Brasil império e República, por exemplo). Subjacente a essas práticas de pesquisa está a manutenção de uma relação obsoleta dos historiadores com a sociedade ou, posto de maneira mais crítica, uma não-relação, ao levar-se em conta que os historiadores, de maneira geral, parecem se ver apenas como profissionais que pesquisam e ensinam dentro da Universidade. Keila Grinberg denuncia, a esse respeito, o fato dos cursos de pós-graduação em História possuírem disciplinas orientadas tão somente para a especialização excessiva e para a pesquisa individual, como se a única carreira profissional possível fosse o trabalho universitário e como se houvesse vagas para todos os recém-formados (GRINBERG, 2012).
Os dados levantados por Mauro Coelho e Wilma Coelho (2015) a respeito dos PPG’s de História na região norte do Brasil nos ajudam a entender isso. De acordo com esses pesquisadores, a produção relativa à discussão História & Educação, expressa em publicação de artigos em periódicos científicos, capítulos de livros e livros, representa somente 7,01% da produção total dos programas ofertados, por exemplo, pelos PPG’s em História da UFPA e UFAM (COELHO; COELHO, 2015, p.190). As questões mais especificamente relacionadas ao Ensino, como a reflexão sobre a natureza do saber escolar e sobre as suas possibilidades de conformação, não parecem constituir o horizonte dos PPG’s em História. Mesmo nos trabalhos que têm a Escola Básica como espaço de discussão, não se privilegiam os problemas de aprendizagem, as questões relativas ao saber pedagógico e as especificidades que cada uma das disciplinas demanda/apresenta para alunos e professores (COELHO; COELHO, 2015, p.202-203). Essa situação/configuração tem relação direta com a estruturação do campo de pesquisa em Ensino de História ou, dito de outra maneira, com a ausência de agentes do campo em postos de consagração dentro desses programas de pós-graduação.
Como já indica o conceito de campo, de Pierre Bourdieu, a produção de um campo está inscrita dentro de um universo social, o qual obedece a leis sociais mais ou menos específicas relacionadas ao prestígio e ao poder que cada membro possui (BOURDIEU, 2004, p.20-23). A realização das pesquisas em Ensino de História, isto posto, não pode ser entendida como um processo exclusivamente subjetivo e individualista, como se apenas as iniciativas e disposições dos próprios pesquisadores fossem suficientes para compreender os objetos construídos nas pesquisas (BOURDIEU, 1996, p.236), o que seria, conforme Pierre Bourdieu, uma ilusão biográfica (BOURDIEU, 2006, p.183-185).
A produção de qualquer obra cultural, como as teses, está inserida em um determinado campo de possibilidades dentro dessas instituições e PPG’s, possibilidades essas que se materializam nas conexões intersubjetivas estabelecidas pelos pesquisadores e nas disposições dos orientadores nos encaminhamentos dados às pesquisas. Afinal, é em função dessas conexões e encaminhamentos que os pesquisadores incorporam os referenciais teórico-metodológicos que, tanto constituem o capital científico que lhes dará a competência necessária à consecução de suas pesquisas, quanto em função dele que se viabilizará a inserção e o reconhecimento desses pesquisadores como agentes do campo. A realização de pesquisas em Ensino de História, nesse sentido, está diretamente vinculada à existência, nos PPG’s, de professores (agentes) que se disponham a orientá-las.
Uma pesquisa científica é, sempre, um trabalho intersubjetivo e, especialmente, dentro de um programa de pós-graduação, também um trabalho interpessoal que, no mínimo, envolve orientador e orientando. A fim de ilustrar esse aspecto interpessoal na produção das teses em Ensino de História, assim como a identidade dos agentes que têm atuado dentro dos programas de pós-graduação, nas últimas três décadas, construímos a Tabela 2.
Tabela 2. Quantidade de teses orientadas por cada orientador
| Orientador | Qtd de teses | IES |
|---|---|---|
| Ernesta Zamboni | 14 | Unicamp |
| Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt | 13 | UFPR |
| Selva Guimarães | 8 | UFU |
| Circe Maria Fernandes Bittencourt | 7 | USP, PUC-SP |
| Ana Maria Ferreira da Costa Monteiro | 7 | UFRJ |
| Kátia Maria Abud | 6 | USP |
| Maria Inês Sucupira Stamatto | 5 | UFRN |
| Kazumi Munakata | 4 | PUC-SP |
| Marcos Antonio da Silva | 4 | USP |
| Marlene Rosa Cainelli | 3 | UEL |
| Lana Mara Castro Siman | 3 | UFMG |
| Lucíola Licínio de Castro Paixão Santos | 3 | UFMG |
| Maria Ligia Coelho Prado | 3 | USP |
| Vera Maria Ferrão Candau | 3 | PUC_RJ |
| Carmen Teresa Gabriel Le Ravallec | 3 | UFRJ |
Fonte: Tabela formulada pelo autor, a partir dos dados coletados nos currículos lattes dos pesquisadores, mar. 2023.
Essa tabela identifica os professores que em suas trajetórias profissionais na pós-graduação fizeram três ou mais orientações de teses em Ensino de História, ou seja, professores para os quais esse tipo de orientação não foi um evento isolado ou acidental, mas, sim, regular e sistemático. Esse grupo restrito é formado por 15 professores que, juntos, orientaram 86 teses em Ensino de História até o ano de 2022. A autonomização do campo de pesquisa em Ensino de História, indubitavelmente, é tributária do trabalho desenvolvido por esses professores-orientadores nos programas de pós-graduação dentro das universidades. Eles também são os agentes do campo de pesquisa em Ensino de História.
No que diz respeito à produção de teses do campo, não há como ignorar aquelas agentes que possuem o maior número de orientações - Ernesta Zamboni, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt, Selva Guimarães, Circe Maria Fernandes Bittencourt e Ana Maria Ferreira da Costa Monteiro. Um dos pontos em comum entre todas essas agentes é o fato de elas terem defendido suas teses entre 1990 e 2002, ou seja, elas fizeram parte do primeiro grupo de doutores do campo, o que as torna, também, as agentes com maior tempo de atuação no campo. Além disso, exceptuando-se a profa. Maria Auxiliadora Schmidt, cuja tese abordou a História da Infância no Brasil, todas as demais abordaram algum aspecto do Ensino de História em suas pesquisas, contribuindo, assim, também de maneira conceitual para o campo por meio de suas próprias teses.
Algumas das posições mais importantes no campo - sobre literatura didática, o uso da História Oral e a especificidade do saber conformado pelos professores de História - foram estabelecidas em função dos trabalhos dessas professoras. A tese da professora Ernesta Zamboni, “Que História é essa? Uma proposta analítica dos livros paradidáticos de História”, defendida em 1991, foi a primeira a analisar a produção da literatura paradidática de História, que ganhou proeminência no cenário nacional a partir da década de 1970 (ZAMBONI, 1991, p.11-28).
A tese da professora Selva Guimarães, “Ser professor de história: vidas de mestres brasileiros”, defendida em 1993, foi a primeira a analisar, por meio da História Oral, a memória dos professores de História sobre sua formação e prática docente com o intuito de ressaltar historicidade, a complexidade e multiplicidade de fatores que intervém e/ou são acionados por ocasião da docência em sala de aula. O entendimento de que o ensino de História não consiste em uma mera reprodução ou simplificação do conhecimento histórico, mas, sim, significa a construção de um saber singular, e que, também, é historicamente situado, porque variável ao longo do tempo, começou a ser sistematizado a partir dessa tese.
A tese da professora Circe Bittencourt, “Livro didático e conhecimento histórico: uma história do saber escolar”, defendida em 1993, foi a primeira a analisar a trajetória do livro didático de História, desde o século XIX, a sua relação com a conformação do saber escolar e sua adequação/alinhamento aos propósitos estatais. A tese da professora Ana Maria Monteiro, “Ensino de História: entre saberes e práticas”, defendida em 2002, finalmente, foi a primeira a sistematizar o conceito de saber histórico escolar, conceito fundamental nas pesquisas posteriores sobre a especificidade, a complexidade e a legitimidade do saber conformado pelos professores de História em sala de aula.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Procuramos evidenciar, ao longo desse artigo, alguns dos elementos do processo de autonomização do campo de pesquisa em Ensino de História, consubstanciados em função da produção de teses sobre Ensino de História, a partir da década de 1990. Nesse afã, identificamos os principais agentes do campo, a identidade profissional desses agentes e a relação que os diferentes contextos políticos tiveram na estruturação do campo, a saber: o estabelecimento de alguns dos agentes mais atuantes do campo em espaços e postos de consagração dentro das Universidades, especialmente, nos programas de pós-graduação. Se, hoje, o campo se encontra plenamente estabelecido e autônomo, sem dúvida, é também devido à atuação desses agentes e à constituição de uma estrutura indutora e mediadora de sua produção específica no espaço universitário.














