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História da Educação

versão impressa ISSN 1414-3518versão On-line ISSN 2236-3459

Hist. Educ. vol.28  Santa Maria  2024  Epub 31-Dez-2024

https://doi.org/10.1590/2236-3459/137886 

Artigo

O segundo grupo escolar de Campinas/SP e sua abrangência social: análise do perfil de atendimento (1912-1920)

El grupo escuela segunda de Campinas/SP y su cobertura social: análisis del perfil de servicio (1912-1920)

The second school group of Campinas/SP and its social coverage: analysis of the service profile (1912-1920)

Le deuxieme groupe scolaire de Campinas/SP et sa couverture sociale: analyse du profil de service (1912-1920)

Géssica Priscila Ramos1 

GÉSSICA PRISCILA RAMOS é professora associada do Departamento de Educação e integrante do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação Brasileira e Paulista, atuando principalmente nos seguintes temas: política, gestão e história da educação.


http://orcid.org/0000-0002-1254-4510

1Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos/SP, Brasil.


Resumo

Este artigo aborda o perfil de atendimento do Segundo Grupo Escolar, Dr. Quirino dos Santos, e sua abrangência social. Por meio de análise documental, buscou-se identificar a profissão dos responsáveis pelas matrículas das crianças registrada nos Livros de Matrículas desse grupo até 1920. Foram localizadas 134 profissões que foram divididas em 4 categorias de análise: Trabalhadores Pobres; Trabalhadores das Camadas Médias; Elite; Indefinidas. Apesar de a presença das elites ter sido facilitada nesse espaço tendo em vista sua localização central no município, o Grupo Escolar foi predominantemente ocupado por filhos e filhas de trabalhadores pobres e das camadas médias - de domésticas à operários, de negociantes à lavradores e professores. Assim, ainda que oficialmente os resultados sejam irrisórios quanto ao papel dessa escola na democratização do ensino primário local, a atuação dos trabalhadores nessa direção foi simbolicamente significativa e importante com a persistente e contínua matrícula de suas crianças nesse Grupo.

Palavras-chave: História da educação; Instituições de ensino; Acesso à escola; Arquivo escolar

Resumen

Este artículo aborda el perfil de servicio del Segundo Grupo Escolar, Dr. Quirino dos Santos, y su alcance social. A través del análisis documental, se buscó identificar la profesión de los responsables de inscribir a los niños registrados en las Libretas de Matrícula de este grupo, hasta 1920. Se localizaron 134 profesiones y se dividieron en 4 categorías de análisis: Trabajadores Pobres; Trabajadores de Capa Media; Élite; Indefinido. Si bien la presencia de las élites se facilitó en este espacio dada su ubicación central en el municipio, el Grupo Escolar estaba compuesto predominantemente por hijos e hijas de trabajadores pobres y de clases medias: desde empleadas domésticas hasta trabajadores, desde comerciantes hasta agricultores y maestros. Así, aunque oficialmente los resultados son insignificantes respecto al papel de esta escuela en la democratización de la educación primaria local, las acciones de los trabajadores en esta dirección fueron simbólicamente significativas e importantes con la persistente y continua inscripción de sus hijos en este Grupo.

Palabras clave: Historia de la educación; Instituciones de enseñanza; Acceso a la escuela; Archivo escolar

Abstract

This article addresses the service profile of the Second School Group, Dr. Quirino dos Santos, and its social scope. Through documentary analysis, we sought to identify the profession of those responsible for enrolling children registered in the group Enrollment Books, until 1920. 134 professions were located and divided into 4 analysis categories: Poor Workers; Middle Layer Workers; Elite; Undefined. Although the presence of elites was facilitated in this space given its central location in the municipality, the School Group was predominantly made up of sons and daughters of poor workers and the middle classes - from maids to workers, from traders to farmers and teachers. Thus, even though officially the results are negligible regarding the role of this school in the democratization of local primary education, the workers' actions in this direction were symbolically significant and important with the persistent and continuous enrollment of their children in this Group.

Keywords: History of education; Educational institutions; Access to school; School archive

Résumé

Cet article aborde le profil de service du Deuxième Groupe Scolaire, Dr Quirino dos Santos, et sa portée sociale. A travers l'analyse documentaire, nous avons cherché à identifier la profession des responsables de l'inscription des enfants inscrits dans les Livres d'Inscription de ce groupe, jusqu'en 1920. 134 professions ont été repérées et réparties en 4 catégories d'analyse : Ouvriers Pauvres ; Travailleurs de la couche intermédiaire ; Élite; Indéfini. Même si la présence des élites était facilitée dans cet espace compte tenu de sa situation centrale dans la municipalité, le groupe scolaire était majoritairement composé de fils et de filles d'ouvriers pauvres et de classes moyennes - des servantes aux ouvriers, des commerçants aux agriculteurs et aux enseignants. Ainsi, même si officiellement les résultats sont négligeables quant au rôle de cette école dans la démocratisation de l'enseignement primaire local, les actions des travailleurs dans ce sens ont été symboliquement significatives et importantes avec l'inscription persistante et continue de leurs enfants dans ce Groupe.

Mots-clés: Histoire de l'éducation; Les établissements d'enseignement; Accès à l'école; Archives scolaires

Introdução

Este artigo1 aborda o perfil de atendimento do Segundo Grupo Escolar de Campinas e sua abrangência social. Esse Grupo foi instalado em 1900, com 10 salas divididas em duas seções: masculina e feminina. Em princípio, funcionava em prédio alugado pela Câmara Municipal na região central. Todavia, tendo em vista suas condições inadequadas de instalação, em 1907, suas aulas foram suspensas e ele foi transferido para o solar da Viscondessa de Campinas, também na região central, sendo chamado de Grupo Escolar “Dr. Quirino dos Santos” e, dois anos depois, foi desdobrado para 18 salas.

Destaca-se que o Solar da Viscondessa de Campinas ficava ao lado da Igreja Nossa Senhora da Conceição e de frente para a Escola Complementar de Campinas que, em 1911, foi transformada na Escola Normal Primária, seguindo o Decreto nº 2.025 (São Paulo, 1911), do mesmo ano, que converteu as escolas complementares do estado em escolas normais primárias. Assim, nesse ano, o citado Grupo se tornou Grupo Escolar Modelo anexo à Escola Normal Primária, facilitando o estágio das normalistas campineiras. Com a alteração do local de funcionamento da citada Escola Normal2, em 1924, para um prédio novo construído para esse fim, o Grupo Escolar recebeu do estado um espaço no local para ocupação e realização de suas atividades (Bispo, 2015).

Por meio de análise documental, buscou-se identificar a profissão dos responsáveis pelas matrículas das crianças registrada nos Livros de Matrículas desse Grupo até 1920. Para arrolamento dos Livros, foi feita uma consulta no Inventário Histórico Documental: Escola Normal de Campinas (Menezes et. al, 2009). Posteriormente, a busca foi realizada no Acervo Histórico físico da atual Escola Estadual Carlos Gomes, onde se encontra. Nele, foram consultados os Livros de Matrícula da seção masculina de 1914 a 1919 (6) e da seção feminina de 1912 a 1920 (9).

As nomeações identificadas nos Livros serão chamadas aqui de profissões, conforme termo utilizado no próprio documento, embora algumas versem apenas sobre a situação de posse do sujeito (Proprietário, por exemplo). Foram identificadas 134 profissões: 97 na seção masculina e 128 na seção feminina - sendo a grande maioria dessas as já constantes da outra seção. Algumas delas apareciam nomeadas ou abreviadas de diferentes formas, posto que as matrículas não eram feitas sempre pela mesma pessoa. Não foi possível identificar algumas poucas profissões por conta da letra ou da ausência do registro nos Livros. Por isso, essas não foram consideradas.

Apesar de o campo “Matrícula” dos Livros citar o pai como responsável pela ação, muitas vezes ela era feita por mães e outras raras, por tutores/as. A maioria foi realizada por homens. As mulheres que matriculavam as crianças apareciam principalmente classificadas como Serviço Doméstico/Doméstica. Algumas também eram identificadas como Cozinheira, Costureira, Bordadeira, Modista, Lavadeira. Poucas ou raras apareceram como Proprietária, Professora, Operária, Negociante e Viajante. O restante das profissões foi identificado como predominantemente masculina, salvo Cozinheiro e Doméstico/Serviço Doméstico, que também apareceram para classificação de raríssimos homens. O número de profissionais observados por ano, bem como o número total de profissionais, não equivale à quantidade de profissional existente no Livro, mas ao número de crianças matriculadas e que tinha pais, mães ou tutores/as com essas profissões, de modo que uma mesma profissão tenha aparecido algumas vezes de forma repetida no cálculo por conta de o sujeito ser responsável pela matrícula de mais de uma criança.

Tendo em vista o grande volume de profissões localizadas e a falta de dados sobre seus locais de efetivação e rendimentos, bem como levando em conta que a maior parte das pesquisas que as abordam é muito superficial acerca de suas conceituações, optou-se por reduzir as 134 profissões em 4 categorias de análise, segundo fundamentação teórica a seguir.

Arcabouço teórico analítico e metodológico

Para análise das profissões, foi definida a seguinte categorização: Trabalhadores Pobres; Trabalhadores das Camadas Médias; Elite; Indefinidas. Fundada em estudo teórico, ela teve como referência as considerações e ponderações abaixo.

Primeira. Havia na sociedade do período um considerável desprezo em relação aos que trabalhavam com as mãos, de modo que até mesmo os artesãos qualificados eram considerados inferiores (Hahner, 1993). De todo modo, estar inserido nesta sociedade por meio de trabalho era fator crucial para o pobre. Caso contrário, seria enquadrado como vagabundo, sujeito a sanções, sob a alegação de vadiagem e arruaça (Santos, 1998).

Segunda. Apesar do desprezo ao trabalho manual, havia uma clara divisão de status entre os próprios trabalhadores manuais: não especializados e especializados. O conjunto dos trabalhadores mais qualificados se esforçava para se manter com status superior ao dos demais trabalhadores manuais (Hahner, 1993). O próprio assalariamento de alguns especializados, mesmo quando precário, acabava representando um fator de cisão, visto como privilégio econômico e social (Fernandes, 1975). É importante se destacar que também havia subdivisões internas dentro desses grupos provenientes da raça, gênero, idade, nacionalidade e status comparativo com as demais profissões manuais. Mulheres, crianças e negros eram menos valorizados.

Terceira. Havia outro grupo composto por trabalhadores remunerados, mas que era mais prestigiado, enquadrando-se nas “camadas médias” da sociedade. Essa expressão designa um grupo bastante heterogêneo nas perspectivas social, cultural e ideológica, sendo, por isso, grafada no plural. Nela, destaca-se o “grupo dos destituídos”, formado por pequenos proprietários e produtores que foram “empobrecidos e expelidos para as cidades” com a elevação do preço do café. Muitos “passaram a ocupar os cargos mais elevados do aparelho burocrático e a desempenhar aqueles serviços mais qualificados”, tendo em vista sua “vinculação afetiva e valorativa aos grupos tradicionais ainda poderosos economicamente” (Saes, 1975, p. 34). Tanto o grupo tradicional, como o dos destituídos “viviam à sombra dos troncos oligárquicos”. Já as funções menos prestigiosas, mas de “colarinho e gravata” - como o baixo funcionalismo público, os agentes públicos, os serviços de escritório -, foram alcançadas especialmente por alguns brasileiros mais pobres como “alternativa urbana ao trabalho duro e mal remunerado na economia cafeeira” (Saes, 1975, p. 35). Assim, o grupo camadas médias também era integrado por profissionais não tão bem remunerados, mas que gozavam de algum prestígio social em razão da atividade desempenhada - usualmente em setores civis, públicos, burocráticos e administrativos da sociedade urbana e do Estado moderno - ou por terem pequenas posses. Entretanto, ainda que alguns apresentassem “um nível de rendimento e de consumo que mais os aproximava [da vivência] do proletariado urbano” (Saes, 1975, p. 40), buscavam se diferenciar dos demais trabalhadores, tendo como sua referência a imagem dos grupos mais abastados. Nada obstante, a base de sua sobrevivência estava igualmente no trabalho.

Quarta. A rotatividade de profissão era muito comum, revelando entre os “segmentos de trabalhadores um deslocamento ocupacional constante” (Barbosa, 2008, p. 100). Bispo (2015, p. 87), ao analisar o primeiro Grupo Escolar de Campinas, verificou que vários pais eram trabalhadores com profissões que “iam mudando e se adequando” num mesmo ano. Assim, considerou-se aqui a impossibilidade de se compreender a realidade estudada a partir das profissões em específico, posto que poderiam se alterar de um momento para o outro conforme as condições econômicas da sociedade e do trabalhador. Então, entender a realidade pelo enquadramento da profissão em uma categoria foi identificado como o caminho de análise mais promissor, dada sua maior estabilidade.

Quinta. No caso da elite, considerou-se que ela se compunha do conjunto dos proprietários dos meios de produção e que conseguia viver da renda proveniente de sua posse (Fernandes, 1975). Contudo, a escassez de informações sobre as profissões pode ter ocasionado falhas quanto ao não enquadramento de sujeitos nesse grupo - e em outros -, já que não estava clara a dependência do declarante em relação ao seu trabalho para sobreviver ou, ao volume de sua posse. Por essa razão, sugere-se que novas pesquisas sejam feitas para se precisar essas informações.

Apesar da ciência dos limites deste estudo e munida das referidas ponderações, foi realizada a análise dos Livros de Matrícula do Segundo Grupo Escolar, com ênfase no campo Profissão e a partir das categorias anteriormente indicadas: Trabalhadores Pobres; Trabalhadores das Camadas Médias; Elite; Indefinidas.

Como se nota, a palavra “trabalhadores” foi utilizada tanto nas categorias referentes aos pobres como nas relacionadas às camadas médias. Considerou-se que, para se referir aos trabalhadores, “subentende-se que sua composição abranja todo tipo de experiência adquirida com a venda da força de trabalho, tanto na produção fabril quanto na oferta de serviços, ou trabalho no comércio” (Nomelini, 2007, p. 37). Entendeu-se que, mesmo que o sujeito não vendesse seu trabalho no mercado, mas dependesse dele para viver, ele se enquadraria no conceito de trabalhador. Dessa forma, para realizar a categorização das profissões, levou-se em conta a forma como a pessoa declarou sua profissão na escola e que foi registrada nos Livros.

A partir daí, considerou-se que seria importante compreender um pouco sobre o que a literatura acerca do período dizia de cada profissão identificada. Para tanto, foi realizada uma busca no SciELO, no Banco de Teses e Dissertações da Capes, dentre outras bases, de textos científicos que expressavam de forma direta ou indireta o significado e a definição da profissão na época. A temporalidade pesquisada seguiu a delimitada neste trabalho, recorrendo algumas vezes ao histórico de pesquisas que abordavam outro período, mas que resgatavam tempos anteriores e que tratavam o tema de modo direto ou indireto. É importante explicar que todo esse material não foi lido integralmente, sendo selecionados para leitura, os capítulos pertinentes aos temas. Esse esforço resultou no Apêndice 4 da pesquisa de pós-doutorado que fundamentou este artigo. Observou-se que muitos estudos abordavam variadas profissões, mas que, quando não era específico sobre uma ou mais delas, tendiam apenas a citá-la, ficando a compreensão de seu significado a cargo do leitor. Por isso, ressalta-se sobre a necessidade de que as profissões sejam efetivamente investigadas pelas pesquisas futuras.

Além de apreciar as profissões, também se buscou ponderar um pouco sobre os espaços de trabalho de Campinas na época. Para tanto, considerou que, segundo Nomelini (2007, p. 37), o Almanaque de 1892 deixou pistas para se entender quais eram os produtos e os serviços produzidos e comercializados na localidade, bem como os empregos disponíveis. O comércio era o setor quantitativamente mais expressivo de oferta de trabalho na cidade. Nele, muitos dos trabalhadores estavam empregados, dedicando-se à “venda de produtos, organização das mercadorias, limpeza dos locais de trabalho e, no caso das padarias e botequins, preparo de alimentos”. No caso do setor industrial, a cidade também estava abastecida de fábricas e, especialmente, de oficinas de fundição, marcenaria, carpintaria”. O setor infraestrutural empregava muitos trabalhadores, em serviços como: iluminação pública a gás; linha de bondes a tração animal e depois elétrico; serviço de telefonia; serviço de água encanada e esgoto; cinematógrafo; serviço de organização urbana de emplacamento das ruas e numeração das casas e túmulos e calçamento das ruas; etc. Outro setor de geração de emprego era o das Companhias de trem, como a Companhia Paulista de Estradas de Ferro (Lanna, 2016) e as Companhias de Trem Mogiana, Bragantina e Sorocabana, dentre outras de menor porte, abrindo vagas para diferentes trabalhadores especializados.

Categorização e subcategorização dos dados

A categoria Trabalhadores Pobres envolveu as subcategorias: Trabalhadores Não Especializados; Trabalhadores Especializados e/ou Operários; Termo ou Grupo Impreciso. A base manual de suas atividades contribuía para o menor status social que gozavam (Hahner, 1993). Nela, a subcategoria Trabalhadores não Especializados abrangeu os sujeitos que trabalhavam como serviçais no lar, nas ruas, no comércio etc.

A subcategoria Trabalhadores Especializadas e/ou Operários comportou os sujeitos que realizavam atividades manuais, que exigiam algum conhecimento específico, por formação técnica ou ofício. Compreendeu-se que se tratavam de sujeitos que realizavam suas atividades em estabelecimentos ou espaços alheios ou em pequenos espaços próprios, vivendo da ação de trabalhar. Muitas dessas profissões já haviam sido incorporadas à indústria, tratando-se, uma grande parte, de operários.

Uma pesquisa sobre o município indica que havia evidências locais sobre o auto reconhecimento por parte de vários profissionais desse grupo, notadamente dos que trabalhavam nas indústrias, como “operários”, de modo que essa identidade que “os distinguia socialmente, era utilizada para diversos fins, resultando na formação de diversificadas associações que buscavam amenizar os problemas cotidianos”. Isso revela ainda que “os operários entendiam os seus interesses e objetivos como opostos aos de outras classes sociais, indicando a formação de um setor empresarial [integrante da elite] que se opunha ao bem-estar comum” (Nomelini, 2007, p. 40). O grande número de operários pode ser interpretado como resultado do próprio desenvolvimento industrial ocorrido na Primeira República, que permitiu “a transição de pequena produção e artesanato para a indústria e grande produção”, contribuindo para a formação de uma “maior concentração humana nas cidades e consequentemente desenvolvimento da consciência de classe dos operários” (Carone, 1970).

Dentro da categoria Trabalhadores Pobres, a subcategoria Termo ou Grupo Impreciso se referiu àqueles sujeitos que elencaram denominações genéricas e que poderiam ser enquadrados em qualquer uma das outras duas subcategorias, a depender das informações complementares da profissão. Também englobou sujeitos que não puderam ser classificados nas outras subcategorias, dada a particularidade da profissão.

Nesse caso, chegou-se à seguinte classificação na Categoria Trabalhadores Pobres: a) Subcategoria Trabalhadores não Especializados: Amolador, Carregador, Carroceiro, Cocheiro, Copeiro, Cozinheira, Empregado, Empregado do Comércio, Engraxate, Folheiro, Jornaleiro, Lavadeira, Serviços Domésticos e Trabalhador; b) Subcategoria Trabalhadores Especializados e/ou Operários: Ajustador, Alfaiate, Armador, Armeiro, Bordadeira, Caldeireiro, Carpinteiro, Chapeleiro, Chofer, Condutor, Conferente, Conferente E. Ferro, Costureira, Eletricista, Ferrador, Ferreiro, Fogueteiro, Foguista, Forneiro, Fotógrafo, Fundidor, Funileiro, Guarda trem, Impressor, Jardineiro, Maquinista, Marceneiro, Marmorista, Mecânico, Modista, Motorneiro, Operário, Padeiro, Pedreiro, Pintor, Sapateiro, Seleiro, Serrador, Sorveteiro, Tintureiro, Tipógrafo, Torneiro e Vidraceiro; c) Subcategoria Termo ou Grupo Impreciso: Artista, Bagageiro do Trem, Cobrador, Guarda, Guarda Noturno e Músico.

A categoria Trabalhadores das Camadas Médias comportou as subcategorias: Burocracia (pública e privada); Agente Público e Funcionalismo Púbico; Profissionais Liberais; Serviços; Comércio; Empresa (indústria ou serviço); Setor Rural; Termo ou Grupo Impreciso. Dentro desses diferentes subgrupos é possível se perceber que havia uma variação de status social e econômico. Ela abrangeu, ao mesmo tempo, trabalhadores das camadas médias baixas e altas.

No primeiro caso, ela trouxe profissionais liberais de menor status social, bem como trabalhadores com funções de reduzido destaque no espaço da prestação de serviços, do comércio ou da administração. Ainda, agrupou trabalhadores de maior prestígio social como empregados dos escritórios seja de fábricas, indústrias, ferrovias e de alguns setores públicos, apresentando “uma melhor regulamentação da jornada de trabalho e possibilidades para a obtenção de benefícios” - como caixas de aposentadoria, pensão e a possibilidade de pleitear outros benefícios diretamente com o empregador (Nomelini, 2007, p. 141).

Sobre o grupo dos trabalhadores das camadas médias altas, ele abrangeu profissionais liberais de maior status social e, usualmente, econômico, incluindo religiosos e alguns trabalhadores com funções de destaque no âmbito da alta administração civil ou de setores públicos. Essa categoria trouxe como seu distintivo a posse de um capital cultural diferenciado e diversificado, muitas vezes provenientes de uma formação superior - por vezes resultante do bacharelismo, traço marcante da oligarquia agrária do Brasil (Carone, 1970) -, e era preferida pela Elite para administrar os espaços do Estado e da sociedade, servindo para manutenção de sua força econômica e política. Essa categoria comportou ainda sujeitos que viviam da venda. Eles não foram considerados como integrantes da categoria Elite ao se autocaracterizarem como sujeitos ligados ao comércio de algo, enfatizando como profissão a ação de comerciar e não a posse de negócio como fonte de renda.

Observa-se também na subcategoria Setor Rural que, assim como no caso anterior, os sujeitos expressaram como identidade de sua fonte de renda o trabalho de lavrar e não a posse de uma propriedade rural. Nesse caso, é importante se considerar a influência da matriz portuguesa e suas influências no Brasil, que empregava a palavra lavrador para os estratos sociais inferiores do meio rural; e fazendeiro - antes chamado de senhor - para os estratos superiores (Severo, 2023).

O Aposentado também foi considerado como membro das camadas médias, ao se entender que a aposentadoria não era algo comum entre os Trabalhadores Pobres e entre a Elite. Informações sobre Campinas indicam que ela era mais fácil de ser concedida aos trabalhadores do poder público municipal por meio de requerimentos feitos pelo sujeito aos vereadores ou ao prefeito para cessão do benefício, considerando-se “a idade elevada, o longo tempo de serviço, o estado de saúde debilitado” e sendo tratada como uma “caridade do empregador em relação ao empregado” (Nomelini, 2007, p. 134).

Por fim, a subcategoria Termo ou Grupo Impreciso foi utilizada para classificar sujeitos que não puderam ser alocados nas subcategorias anteriores, pela particularidade da profissão e do limite das próprias subcategorias.

No caso da categoria Trabalhadores das Camadas Médias, chegou-se a seguinte divisão: a) Burocracia e Contabilidade (pública ou privada): Administrador, Contador, Escrevente, Escriturário, Guarda livros e Solicitador; b) Subcategoria Agente Público e Funcionalismo Público: Agente Correio, Agente Policial, Carteiro, Empregado do Correio, Empregado Federal, Empregado Municipal, Empregado Público, Empregado Telefônico, Oficial de Justiça e Telefonista; c) Subcategoria Profissionais Liberais: Advogado, Cirurgião Dentista, Dentista, Eclesiástico, Engenheiro, Farmacêutico, Jornalista, Lente do Ginásio, Magistrado, Médico, Militar, Professor, Professor de Música e Tabelião; d) Subcategoria Serviços: Agenciador, Agente Negócio, Ajudante de Engenheiro, Barbeiro, Boiadeiro, Cambista, Construtor, Leiloeiro e Parteira; e) Subcategoria Comércio: Açougueiro, Agente Comercial, Comerciante, Marchante, Negociante e Viajante; f) Subcategoria Empresa (indústria ou serviço): Chefe-Estação, Chefe de Tráfego, Empreiteiro, Feitor e Gerente de Banco; g) Subcategoria Setor Rural: Agricultor e Lavrador; h) Subcategoria Termo ou Grupo Impreciso: Agente Aposentado, Ourives e Relojoeiro.

A categoria Elite, por sua vez, comportou as subcategorias Elite Burguesa e Elite Rural. Ela abrangeu sujeitos que se declararam possuidores e que entendiam que sua fonte de renda não se localizava no seu trabalho, mas na posse de algo. Dentre outros, os Industriais foram considerados na subcategoria Elite Burguesa, posto que eram os chamados proprietários de indústrias (Pinheiro; Hall, 1981). Já a Elite Rural incluiu aqueles que se declararam possuidores de propriedade rural e que entendiam que viviam da sua posse e não do seu trabalho. Considerou-se, assim, que esses sujeitos se professaram como possuidores e não como profissionais de área.

Destarte, no que diz respeito à Categoria Elite, chegou-se à seguinte divisão: a) Subcategoria Elite Burguesa: Banqueiro, Capitalista, Hoteleiro, Industrial, Proprietário e Proprietário de Hotel; b) Subcategoria Elite Rural: fazendeiro.

Já a categoria Indefinidos foi composta por profissões registradas de forma imprecisa nos Livros, impossibilitando sua separação nas categorias anteriores. No caso de Ajudante, não foi possível compreender na colaboração de qual profissional trabalhava esse sujeito. No caso de Comércio, não ficou claro se se tratava do dono ou do funcionário do estabelecimento. No caso de Corretor, não ficou explícito se era referente ao corretor de imóveis ou ao corretor dos textos operados pelos tipógrafos, o que lhe colocaria em categorias distintas a depender do caso. No caso de Empleiteiro, não foi identificado um significado seguro sobre o termo. Cogita-se inclusive poder se tratar de um erro de pronúncia e grafia da palavra Empreiteiro (Medeiros, 2004; Simões, 2017). No caso de Empregado da Companhia de Bondes e da Companhia Singer não ficou evidente o tipo de trabalho desenvolvido pelos sujeitos. Além disso, sobre a Companhia Singer, foi difícil compreender de que se tratava, tendo em vista que a Fábrica Singer foi instalada em Campinas nos anos 1950 (Sepaul; Seixas, 2017). No caso dos Ferroviários, salvo as profissões claramente indicadas nos Livros de Matrícula, aquelas que foram apresentadas de modo genérico (Empregado Companhia Paulista, Mogiana, Estrada de Ferro ou Bragantina) não bastaram para distinguir os que integravam a categoria Trabalhadores Pobres dos que pertenciam à categoria Trabalhadores das Camadas Médias. Considerou-se que uma parcela dos trabalhadores das ferrovias atuava na esfera administrativa, gozando de maior status social e econômico, e a outra era responsável pelos trabalhos manuais especializados. A hipótese, entretanto - que não foi testada -, é que a maior parte desses trabalhadores era das oficinas, tendo em vista que a maioria dos estabelecimentos industriais do município ainda era de pequeno porte e contava com um reduzido número de operários.

Outro aspecto interessante a se ressaltar é que, segundo Lanna (2016), ao analisar a Companhia Paulista, foram encontrados como empregados de suas oficinas desde: operários, que realizavam “as funções hierarquicamente e salarialmente mais simples até marceneiros, carpinteiros, pintores, soldadores, ferreiros, ajustadores etc.”. Essas profissões, quando realizadas em pequenos estabelecimentos, não possuíam o mesmo status social e econômico do que quando realizadas dentro das Companhias, que simbolicamente representavam a chegada da modernidade na sociedade, sendo um dos primeiros estabelecimentos fabris que utilizou mão-de-obra assalariada na região de Campinas (Nomelini, 2007). Pode-se dizer ainda que um grande número de ferroviários campineiros gozava do benefício de pagar aluguel mais barato por casa construída pelas Companhias de trem dentro de bairros periféricos, sobretudo a Vila Industrial (Zambello, 2005), já que as Companhias viam essas construções como uma das principais “tentativas de convencer o operário a permanecer no emprego” (Guazzelli, 2014, p. 12).

Apesar disso e de certo status social que gozavam, a atividade dos ferroviários era intensa. Usualmente, trabalhavam 12h diárias, sem receber nenhuma remuneração como hora-extra e com a possibilidade de apenas uma folga semanal. Ainda, era comum que o trabalho dos ferroviários não fosse remunerado no início da carreira, sendo primeiramente enquadrados como aprendizes para apenas futuramente serem incorporados ao quadro de funcionários e, então, serem remunerados (Lanna, 2016, p. 525).

A despeito, portanto, de usufruírem do status social de ferroviários e de alguns benefícios provenientes do trabalho realizado nas Companhias, é fundamental se entender que havia uma grande diversidade de postos dentro desses espaços que legavam diferentes vivências para os ferroviários, sendo muitos destes, especialmente os operários das oficinas, também explorados e maltratados (Nomelini, 2007) como os demais Trabalhadores Pobres. O “crescente ordenamento e fragmentação das carreiras ferroviárias” fazia parte dos “diversos mecanismos de construção de uma identidade ferroviária”, como ação importante para a “constituição” e inclusive “controle da força de trabalho”. Nesse contexto, a rigidez de disciplina exigida no trabalho e as punições posta pelas Companhias representavam “o outro lado desse mesmo processo” (Lanna, 2016). Assim, interpreta-se que

[...] o rótulo “elite operária”, fartamente aplicado aos trabalhadores ferroviários [...], longe de ressaltar sua importância, obscurece sua trajetória, suas lutas e seus conflitos, ao homogeneizar a diversidade, a pluralidade e a riqueza de suas vivências. Igualmente, minimiza e empobrece os sentidos de suas vitórias e derrotas enquanto classe (Petuba, 2012, p. 99).

Fundamentada nesses argumentos, esta pesquisa optou por entender os operários ferroviários declarados (Guarda Trem, Foguista etc.) como Trabalhadores Pobres. No caso da Categoria Indefinidos, chegou-se à seguinte divisão: Ajudante, Comércio, Corretor, Empleiteiro, Empregado Companhia de Bondes, Empregado Companhia Singer e Ferroviários (Companhia de Estada de Ferro, Bragantina, Paulista ou Mogiana).

É sabido dos erros possíveis de serem cometidos na categorização das profissões entre o grupo dos Trabalhadores Pobres e o dos Trabalhadores das Camadas Médias, tendo em vista a falta de informações precisas sobre cada profissão. Também é sabido dos possíveis erros presentes na categoria Elite, que pode estar perdendo elementos para outros grupos, sobretudo das Camadas Médias. Mas, a categorização definida pretendeu gerar critérios sintéticos e gerais para diminuir tais distorções e dar indicativos sobre o tema. Ponderou-se que seria muito complexo para um sujeito se deslocar entre os grupos Trabalhadores Pobres e Trabalhadores das Camadas Médias, dada as dificuldades educacionais, culturais, sociais, materiais e de mobilidade social da sociedade observada. Contudo, outras pesquisas precisam ser realizadas sobre o tema e que contem com o cruzamento de novos dados para alcance de resultados mais precisos.

Análise dos dados

Seção masculina

Os dados verificados na seção masculina revelam sua configuração qualitativa e quantitativa de 1914 a 1919, levando-se em conta o total geral e por ano de meninos matriculados com base na profissão de seu responsável.

No caso da categoria Trabalhadores Pobres, 971 matrículas foram realizadas no período, sendo 240 referentes aos Trabalhadores não Especializados e 704 aos Trabalhadores Especializados e/ou Operários. Isso revela que a maior parte da seção masculina, nessa categoria, era constituída de meninos matriculados por sujeitos que contavam com alguma qualificação profissional, como mostra a Tabela 1.

Tabela 1.  Total geral e por ano de matriculados nas subcategorias da categoria Trabalhadores Pobres, seção masculina 

SUBCATEGORIA 1914 1915 1916 1917 1918 1919 Total
Trabalhadores não Especializados 44 40 39 41 34 42 240
Trabalhadores Especializados e/ou Operários 86 102 123 141 135 117 704
Termo ou Grupo Impreciso 10 1 3 5 4 4 27
TOTAL CATEGORIA 140 143 165 187 173 163 971

Fonte: Produzido pela autora com base nos Livros de Matrícula de Campinas - seção masculina (Segundo Grupo Escolar de Campinas, 1914b; 1915b; 1916b; 1917b; 1918b; 1919b)

No caso dos Trabalhadores não Especializados, das 240 matrículas, 119 foram feitas por Serviços Domésticos, 44 por Empregado do Comércio, 30 por Empregado e 15 por Cocheiro, concentrando-se assim entre trabalhadores do lar e empregados diversos. O restante se pulverizou entre: Amolador, 2; Carregador, 2; Carroceiro, 4; Cozinheira, 4; Engraxate, 4; Folheiro, 2; Lavadeira, 7; Trabalhador, 7.

Sobre os Trabalhadores Especializados e/ou Operários, das 704 matrículas, 183 foram feitas por Operário, 89 por Mecânico e 67 por Pedreiro, destacando-se os matriculados por trabalhadores de indústrias, fábricas e da construção civil. O restante se pulverizou entre: Ajustador,7; Alfaiate, 53; Bordadeira, 1; Caldeireiro, 6; Carpinteiro, 47; Chofer, 4; Condutor, 5; Conferente, 2; Costureira, 8; Eletricista, 5; Ferreiro, 15; Fogueteiro, 3; Foguista, 2; Forneiro, 1; Fotógrafo, 4; Fundidor, 8; Funileiro, 8; Impressor, 4; Jardineiro, 21; Maquinista, 7; Marceneiro, 53; Motorneiro, 4; Padeiro, 14; Pedreiro, 67; Pintor, 26; Sapateiro, 41; Seleiro, 1; Serrador, 4; Tintureiro, 7; Torneiro, 4.

No que diz respeito à subcategoria Termo ou Grupo Impreciso, destaque ficou para o grupo Artista, com 24 matrículas, quantidade baixa se considerados alguns números de matrícula da subcategoria Trabalhadores Especializados e/ou Operários. O outro integrante dessa subcategoria era o Guarda (3), com baixíssima representação.

Assim, destaca-se o papel importante do Operário (183) e do Serviço Doméstico (119) nas matrículas das crianças pobres. Esses dados parecem indicar que havia preocupação por parte dos Trabalhadores Pobres com a importância de se apropriar minimamente dos rudimentos da leitura, da escritura e do cálculo, como ferramental para alguma integração e participação na sociedade da República. A escolarização talvez fosse percebida como uma das únicas - ou a única - formas de melhoria de vida, pela possibilidade de acesso a empregos e salários mais dignos frente à diversidade de tipos de trabalhos provenientes da sociedade urbana e industrial (Souza, 1996).

Essa categoria representou uma quantidade de matrículas significativa, 40,11% do total. Isso indica que os pobres também se matricularam de forma bastante intensa nessa escola, embora não fossem os responsáveis pela ocupação da maior parte das vagas. Todavia, alguns anos foram mais significativos para essa categoria como 1917, quando atingiu 44,42% das vagas, e 1918, quando foi de 42,72%, estando, em ambos os casos, próximos da metade geral das matrículas. Ainda que esses dados não possibilitem que se faça afirmações sobre o papel democratizador dessa escola, notadamente por não estar aliado aos índices de eliminação, de conclusão do ano escolar ou do curso por esses estudantes - o que exigiria uma nova pesquisa, sobre aprovação anual, frequência e conclusão do curso, por exemplo -, revela o esforço e a luta por parte dos membros dessa categoria para integrarem seus filhos à República e às oportunidades que ela parecia poder propiciar aos que tivessem escolarização.

No caso dos Trabalhadores das Camadas Médias, das 1.021 matrículas totais do período, o destaque ficou para a subcategoria Comércio. A subcategoria Comércio contou com 541, sendo 462 apenas de Negociante. O restante era: Açougueiro, 8; Agente Comercial, 2; Comerciante, 5; Marchante, 18; Viajante, 36. Outra subcategoria importante foi Setor Rural, com 169 indicações, sendo a totalidade de Lavrador. Esse fato é interessante, pois revela que, a despeito de a escola estar localizada na área urbana central, grupos de classe média dos espaços rurais também buscavam vagas nela. Sobre isso, é importante recordar que, mais da metade da população ainda residia nos espaços rurais (Souza, 1996). Era notório o fato de que havia uma diferenciação entre a escola ofertada na área rural e a escola oferecida na área urbana, que se demostrava inclusive para quem não a conhecesse por dentro, nem o seu trabalho, nem o seu ensino etc. Bastava olhar a imponência dos prédios dos Grupos Escolares para intuir que se tratava de uma educação diferenciada e mais coerente com a modernidade e o progresso prometidos pela República.

Na sequência, podem ser destacadas subcategorias não tão expressivas: a) Profissionais Liberais, com 103 matrículas, especialmente Professor (34) e Dentista (20), sendo o restante: Advogado, 9; Dentista, 20; Eclesiástico, 3; Engenheiro, 7; Farmacêutico, 11; Magistrado, 2; Médico, 3; Militar, 5; Professor de Música, 4; Tabelião, 4; b) Burocracia e Contabilidade, com 85 matrículas, concentradas em Escriturário (43) e Guarda-Livros (30), dentre: Administrador, 11; Solicitador, 1; c) Agente Público e Funcionalismo Público, com 68 matrículas e ênfase no Empregado Público (53), entre: Agente Policial, 1; Carteiro, 1; Empregado Federal, 1; Empregado Municipal, 10; Oficial de Justiça, 2; d) Serviço, com 54 matrículas e ênfase no Barbeiro (31), entre: Agenciador, 4; Agente de Negócios, 2; Boiadeiro, 2; Cambista, 4; Construtor, 8; Parteira, 3. As subcategorias Empresas, com 3 (Chefe-Estação, 1; Empreiteiro, 2) e Termo ou Grupo Impreciso, com 8 (Agente, 2; Ourives, 6) não tiveram destaque.

Salienta-se nessa categoria, o papel importante do Negociante (462) e do Lavrador (169) nas matrículas das crianças. Como dito, entender o Lavrador nesse espaço significa considerar que mais da metade da população ainda era residente no espaço rural. Ainda, fazia parte dos interesses de muitos desses oferecer uma boa educação para seus filhos como diferencial social. No caso do Negociante, é importante lembrar que, apesar de ainda portar parte de um perfil rural, Campinas já se assentava muito no desenvolvimento urbano, o que impulsionava a proliferação do comércio que progressivamente se avolumava como nova estratégia de provimento das relações de consumo da cidade e, inclusive, do próprio campo (Lanna, 2016).

Destarte, essa categoria representou uma quantidade de matrículas muito significativa, 42,17% do total. Isso mostra que esse setor foi um dos mais expressivos, sendo o responsável pela ocupação da maior parte das vagas. Contudo, alguns anos foram mais significativos nesse sentido: 1914, com 50,26% (mais da metade das vagas) e 1915, com 47,51%. Dessa forma, a maior força das matrículas dessa categoria se concentrou nos primeiros dois anos pesquisados, passando depois a dividir força ou perder espaço para membros de outras categorias - mormente dos Trabalhadores Pobres.

No caso da Elite, houve uma participação bastante modesta. Com 75 matrículas no período, o destaque ficou para a subcategoria Elite Burguesa, com ênfase no Proprietário (41) e no Industrial (27), entre Capitalista (1) e Hoteleiro (6). A subcategoria Elite Rural não contou com nenhum sujeito matriculado. Destarte, a categoria Elite representou uma quantidade muito baixa de matrículas, apenas 3,10% das vagas, chegando ao mínimo de 2,09%, em 1914, e ao máximo de 3,95%, em 1918. A hipótese sobre essa baixa participação é a de que os meninos dessa categoria ainda estavam sendo educados em seus lares ou nos vários internatos (religiosos e leigos) e escolas particulares (Souza, 1996; 1999). Isso confirma que o Grupo Escolar, apesar da suntuosidade de suas formas físicas, não era a escolha preferida da Elite, até porque, como se observou pelos dados apresentados, isso ocasionaria que seus filhos convivessem diariamente e de forma muito próxima com filhos de Trabalhadores Pobres e das Camadas Médias.

No caso da categoria Indefinidos, chegou-se com seus integrantes à ocupação de 339 vagas das 2.421 matrículas do referido Grupo. Assim, essa categoria representava 14% do total no período. Os anos em que mais tiveram destaque foram 1919 (17,57%) e 1918 (16,05%). O grupo dos ferroviários foi responsável pela expressiva maioria das matrículas dessa categoria: se a categoria Indefinidos representava 14% do total, somente o grupo dos ferroviários representavam 12,72% da matrícula geral, mostrando que a ocupação do referido Grupo pelos filhos desses trabalhadores foi muito significativa. Acredita-se que muitos desses profissionais seriam, na verdade, trabalhadores operários dessas Companhias, tendo em vista que a maior parte dos postos de trabalho delas se situava nas oficinas e nas atividades operacionais com os trens. Nesse caso, isso aumentaria o número de matriculados por Trabalhadores Pobres. Contudo, essa é apenas uma hipótese que não foi testada aqui.

Desse modo, no caso de matriculados na seção masculina, verifica-se que a categoria que mais se destacou foi a dos Trabalhadores das Camadas Médias, responsável por 42,17% das matrículas gerais, enquanto que os Trabalhadores Pobres apresentaram valor próximo: 40,11%. Entretanto, essa informação não é estável se observado ano a ano. Nesse caso, constata-se que os Trabalhadores das Camadas Médias tiveram destaque em 1914 (50,26%), 1915 (47,51%) e 1916 (41,28%); enquanto que o grupo de Trabalhadores Pobres se ressaltou em 1917 (44,42%), 1918 (42,72%) e 1919 (40,35%). Na sequência, quem se sobressaiu foi a Categoria Indefinidos, com 14% das matrículas, tendo em vista que, dentro desse grupo, estavam os ferroviários que, como dito, representaram 12,72% do seu total, revelando a força do operariado na ocupação dessa escola. Se fosse confirmada a hipótese de que a maior parte desses sujeitos era de trabalhadores das oficinas das Companhias, isso implicaria que a categoria Trabalhadores Pobres passaria a ter mais da metade dos matriculados nesse Grupo. Entretanto, isso não pôde ser pesquisado aqui.

Como observação final, indica-se que novas pesquisas venham para mostrar o que ocorreu com a ocupação das vagas desse Grupo Escolar nos anos seguintes. Isso auxiliaria na compreensão desse contexto a longo prazo e do impacto ou não desse Grupo no processo de democratização do ensino primário de Campinas.

Seção feminina

Os dados a seguir mostram a configuração qualitativa e quantitativa da seção feminina, levando em conta o total geral e por ano das meninas matriculadas no Segundo Grupo Escolar, com base na profissão de seu responsável de 1912 a 1920.

No tocante à categoria Trabalhadores Pobres, foram feitas 1.258 matrículas, sendo 415 por Trabalhadores não Especializados e 782, por Trabalhadores Especializados e/ou Operários. Logo, a grande parte dessa categoria era constituída por meninas matriculadas por sujeitos que contavam com alguma qualificação profissional, como apresenta a Tabela 2.

Tabela 2.  Total geral e por ano de matriculadas por subcategorias da categoria Trabalhadores Pobres, seção feminina 

SUBCATEGORIAS 1912 1913 1914 1915 1916 1917 1918 1919 1920 Total
Trabalhadores não Especializados 56 43 41 35 38 34 49 62 57 415
Trabalhadores Especializados e/ou Operários 99 86 84 85 96 95 78 73 86 782
Termo ou Grupo Impreciso 12 14 8 1 4 8 2 8 4 61
TOTAL CATEGORIA 167 143 133 121 138 137 129 143 147 1.258

Fonte: Produzido pela autora com base nos Livros de Matrícula de Campinas - seção feminina (Segundo Grupo Escolar de Campinas, 1912;1913; 1914a 1915a; 1916a; 1917a; 1918a; 1919a; 1920).

No caso dos Trabalhadores não Especializados, das 415 matrículas, 269 foram feitas por Serviço Doméstico, 49 por Empregado do Comércio, 49 por Empregado e 25 por Cocheiro, concentrando-se, portanto, entre trabalhadores do lar e empregados diversos. O restante se dividiu entre: Amolador, 1; Carregador, 6; Carroceiro, 6; Copeiro, 2; Cozinheira, 1; Folheiro, 1; Jornaleiro, 4; Lavadeira, 1; Trabalhador, 8.

Sobre os Trabalhadores Especializados e/ou Operários, das 782 matrículas verificadas, 209 foram realizadas por Operário, 84 por Mecânico e 82 por Sapateiro, destacando-se as crianças matriculadas por trabalhadores de indústrias, fábricas ou oficinas. As demais matrículas foram feitas por: Ajustador, 8; Alfaiate, 72; Armador, 1; Armeiro, 9; Caldeireiro, 2; Carpinteiro, 48; Chapeleiro, 4; Chofer, 2; Condutor, 4; Conferente, 2; Conferente E. Ferro, 1; Costureira, 17; Eletricista, 12; Ferrador, 1; Ferreiro, 11; Foguista, 1; Fotógrafo, 4; Fundidor, 11; Funileiro, 13; Guarda trem, 1; Impressor, 3; Jardineiro, 5; Maquinista, 12; Marceneiro, 57; Marmorista, 3; Modista, 3; Motorneiro, 4; Padeiro, 5; Pedreiro, 28; Pintor, 39; Seleiro, 9; Serrador, 3; Sorveteiro, 1; Tintureiro, 6; Tipógrafo, 3; Torneiro, 1; Vidraceiro, 1.

No que diz respeito à subcategoria Termo ou Grupo Impreciso, foram verificadas 61 matrículas. O destaque ficou para o grupo Artista, com 48 vagas. O restante era: Bagageiro de Trem, 1; Cobrador, 7; Guarda, 2; Guarda-noturno, 2; Músico, 1.

Sob essas conformações, nota-se que a categoria Trabalhadores Pobres apresentou uma quantidade de matrículas importante, ainda que tenha ficado com valor abaixo do verificado na seção masculina, que chegou a 44,42% em 1917. As matriculadas realizadas por Trabalhadores Pobres representaram 33,48% do total no período. Isso demonstra que os pobres também matricularam suas filhas de maneira considerável, ainda que essas não tenham sido as responsáveis pela ocupação da maior parte das vagas. Os anos de matrícula mais significativos da categoria foram: 1912 (39,95%) e 1913 (35,31%). O ano com menos matrículas foi 1918, com 30,07%.

Também nessa seção, é importante destacar que mesmo que essas informações não permitam fazer alusões quanto à democratização do ensino propiciada por essa escola, revela a atuação e luta por parte dos membros dessa categoria para incorporarem suas filhas à República e às oportunidades esperadas dela para quem tivesse escolarização. Isso é muito significativo de se perceber, notadamente na seção feminina, indicando o reconhecimento da importância da educação da mulher nessa sociedade, para além das prendas domésticas e dos espaços rurais, mas se voltando também para a sociedade urbana, para o conhecimento letrado e para os valores republicanos, até porque essa mulher estava sendo progressivamente integrada ao trabalho fora do lar, dentro de fábricas e indústrias locais (Souza, 1996).

No caso dos Trabalhadores das Camadas Médias, há uma atuação mais intensa por seus membros do que os da categoria anterior. De 1.801 matrículas no período, o maior destaque ficou para a subcategoria Comércio, com 824, sendo a quase totalidade de Negociante (736), revelando a propagação dessa profissão no contexto do desenvolvimento urbano de Campinas. O restante era: Açougueiro, 3; Agente Comercial, 2; Comerciante, 22; Marchante, 10; Viajante, 51. Outra subcategoria importante na matrícula da seção feminina foi Setor Rural, com 251 delas, quase todas feitas por Lavrador (248), indicando a forte presença do perfil rural em Campinas, nada obstante seu desenvolvimento urbano e industrial. Assim como ocorreu na seção masculina, tal fato revela que, a despeito de a escola estar localizada na área urbana central, grupos de camadas média dos espaços rurais também procuravam vagas nessa unidade para as meninas. O restante dessa subcategoria era Agricultor (3).

A subcategoria Profissionais Liberais também se destacou com 232 matrículas, tendo ênfase Professor (83), Dentista (38), Advogado (26), Farmacêutico (26) e Engenheiro (25), entre: Cirurgião Dentista, 2; Eclesiástico, 1; Engenheiro, 25; Farmacêutico, 26; Jornalista, 9; Lente do Ginásio, 1; Médico, 14; Militar, 3; Professor de Música, 1; Tabelião, 3. Outras subcategorias importantes foram: a) Burocracia e Contabilidade, com 189 matrículas e destaque para o Escriturário (106) e o Guarda-Livros (68), entre Administrador, 6; Contador, 2; Escrevente, 1; Solicitador, 6; b) Agente Público e Funcionalismo Público, com 159 vagas e atuação expressiva do Empregado Público (133), entre: Agente Correio, 1; Carteiro, 1; Empregado do Correio, 3; Empregado Federal, 2; Empregado Municipal, 13; Empregado Telefônico, 1; Telefonista, 5; c) Serviços, com 125 vagas e ênfase no Barbeiro (81) e no Construtor (26), além de: Agenciador, 5; Ajudante de Engenheiro, 3; Boiadeiro, 1; Cambista, 5; Construtor, 26; Leiloeiro, 4. As outras subcategorias não se destacaram: Empresa, 5 vagas (Chefe-Estação, 1; Chefe E. Trafego, 1; Empreiteiro, 1; Feitor, 1; Gerente de Banco, 1) e Termo ou Grupo Impreciso, 16 vagas (Agente, 5; Aposentado, 5; Ourives, 3; Relojoeiro, 3).

Essa categoria apresentou, dessa forma, uma quantidade de matrículas muito significativa, representando 47,94% do total. Tal fato demonstra que esse público foi o mais expressivo nas matrículas dessa seção, responsabilizando-se pela ocupação de quase 50% das vagas, ultrapassando esse valor em 1913 (50,12%), e se aproximando muito dele em 1918 (49,88%), em 1920 (49,35%) e em 1915 (49,10%). Embora a oscilação das matrículas dessa categoria tenha ficado entre 44,49% e 50,12%, não houve um ano em que não tenha sido a predominante na ocupação das vagas, diferentemente do observado na seção masculina.

No tocante à categoria Elite, vê-se uma participação bastante acanhada, tal como na seção masculina. De 191 matrículas totais, a subcategoria Elite Burguesa se destacou com a participação do Proprietário (100) e do Industrial (65), entre: Banqueiro, 1; Capitalista, 6; Hoteleiro, 15; Proprietário Hotel, 2. A subcategoria Elite Rural apareceu nessa seção, mas com apenas 2 vagas (Fazendeiro). Acredita-se que, também nesse caso, as filhas desse público estavam sendo educadas, em sua maioria, dentro dos seus lares ou dos vários internatos (religiosos e leigos) e escolas particulares do município (Souza, 1996). Assim, a categoria Elite apresentou uma quantidade muito baixa de matrículas, representando a ocupação de apenas 5,08% das vagas do Segundo Grupo, chegando ao mínimo e 4,31%, em 1912, e ao máximo de 6,29%, em 1919.

Já a categoria Indefinidos mostrou uma participação expressiva de alguns de seus integrantes. Ela correspondeu a ocupação de 479 vagas, das 3.757 matrículas totais, representando 12,75%. Os anos com mais ênfase desse público foram 1919 (16,63%) e 1915 (14,47%). O ano menos expressivo foi 1913 (9,63%). Dentro dessa subcategoria, o grupo dos ferroviários acabou sendo responsável pela participação massiva nas matrículas. Cabe frisar que, se as matrículas da categoria Indefinidos representavam 12,75% do total, somente os ferroviários representavam 12,22% das matrículas gerais, indicando que a ocupação dessa escola por matriculadas desse grupo era muito considerável. Como dito, tem-se a hipótese de que muitos desses profissionais eram trabalhadores operários das Companhias, posto que a maior parte de seus postos de trabalho estavam localizados nas oficinas e nas atividades operacionais com os trens. Isso ocasionaria aumento do número de matriculados por Trabalhadores Pobres a quase metade. Contudo, essa é uma hipótese que não foi testada.

Desse modo, verifica-se um cenário interessante no tocante às matrículas em relação à profissão do/a responsável nessa seção. Como se percebe, a categoria que mais se destacou foi a dos Trabalhadores das Camadas Médias, responsável por 47,94% das matrículas, sendo também o grupo com maior número de matriculadas em todos os anos observados. De forma não pouco expressiva, a categoria Trabalhadores Pobres apresentou 33,48% das matrículas, indicando atuação, ainda que menor, na matrícula das meninas nessa escola. Já a categoria Indefinidos representou 12,75% das vagas, lembrando que a quase totalidade dessas matrículas foi feita por funcionários das Companhias de trem. Por fim, a categoria Elite foi a menos expressiva, computando somente 5,08% do total analisado.

Ressalta-se, outra vez, que seria muito importante que outras pesquisas se voltassem a essa temática e buscassem revelar o que aconteceu posteriormente no que se refere à ocupação das vagas do referido Grupo Escolar, contribuindo para o desvelamento da temática a longo prazo.

Meninos e Meninas

Para se estabelecer um comparativo das matrículas das seções masculina e feminina, delimitou-se para análise os anos em que foram localizados Livros de Matrículas das duas seções, sendo 1914 a 1919.

Do que se observa, a seção feminina recebeu na totalidade 51 matrículas a mais que a seção masculina. Todavia, essa diferença não foi estável: a seção feminina recebeu mais matrículas nos anos de 1914 (26), 1918 (24) e 1919 (41) e a seção masculina, em 1915 (15), 1916 (7) e 1918 (18). A categoria Trabalhadores Pobres apresentou matrícula superior na seção masculina durante todo o período, contando com 170 vagas a mais que a feminina, com destaque para os anos de 1916 (27), 1917 (50) e 1918 (44).

No caso da categoria Trabalhadores das Camadas Médias, a situação foi inversa. Foram observadas 159 matrículas a mais na seção feminina. Em 1914 e 1915, a seção masculina teve singelas matrículas a mais que a seção feminina: uma a mais em cada ano. Entretanto, em 1916 (22), 1917 (31), 1918 (66) e 1919 (42) a diferença de matrículas da seção feminina foi muito superior à da masculina.

No que diz respeito à categoria Elite, a seção feminina também teve destaque com 53 vagas a mais no período. Foi a seção feminina que igualmente recebeu matrículas a mais nessa categoria em todos os anos, com destaque para 1914 (12) e 1919 (18).

No caso da categoria Indefinidos, a seção feminina se sobressaiu igualmente com 8 matrículas a mais no intervalo pesquisado. Porém, o aumento anual oscilou entre as duas seções, recebendo destaque a seção feminina em 1914 (20) e 1919 (3) e a seção masculina em 1915 (2), 1916 (6), 1917 (4) e 1918 (7).

O que se constata é que os dois grupos profissionais que mais matricularam crianças na referida escola, em ambas as seções, foram Negociante e Empregado da Estrada de Ferro. Na seção feminina, foram 490 e 259 matrículas, respectivamente. Já na seção masculina foram 462 e 231 matrículas, nessa ordem. Depois, a sequência se alterou na terceira posição de forma bastante simbólica. Na seção feminina, apareceu o Serviço Doméstico (161), revelando a doméstica muito ativa nas matrículas das meninas; enquanto isso, na seção masculina, foi o Operário (183), que se destacou na matrícula dos meninos. A quarta posição se igualou novamente com o Lavrador, sendo: 161 na seção feminina e 169 na seção masculina. Interessante perceber que, estando o Lavrador na quarta posição de crianças matriculadas em ambas as seções, ficou nítido o interesse de grupos de classe média rural pela escola urbana, sob o formato de Grupo Escolar. Na quinta posição, novamente, Operário (140) e Serviço Doméstico (119) se emparelharam, sendo agora o primeiro referente à seção feminina e o segundo, à masculina.

A partir do sexto lugar, as matrículas se diferiram quanto aos seus responsáveis, sendo na seção masculina e feminina, respectivamente: 6º) Mecânico (89) e Empregado Público (84); 7º) Pedreiro (67) e Proprietário (67); 8º) Alfaiate, Empregado Público e Marceneiro (53 cada) e Escriturário, Professor e Sapateiro (61); 9º) Carpinteiro (47) e Empregado Companhia Mogiana (55); 10º) Empregado do Comércio (44) e Barbeiro (54). É interessante se perceber que, se considerado o grupo de ferroviário da categoria Indefinidos, juntando Empregado Companhia de Ferro e Empregado Companhia Mogiana detectados entre os 10 primeiros colocados dessa contagem, ao menos 314 crianças da seção feminina e 231 crianças da seção masculina, restritas a esses filtros, foram matriculadas por ferroviários - ainda que se desconheça se se tratavam de Trabalhadores Pobres ou de Trabalhadores das Camadas Médias, apesar da hipótese anunciada.

O que se percebe por esses dados é que o cenário se difere entre seção masculina e seção feminina no que diz respeito aos sujeitos que realizaram mais matrículas. No caso da seção masculina: 685 deles eram de Trabalhadores de Camadas Médias, 655 de Trabalhadores Pobres e 231 de perfil econômico-social Indefinido - ainda que se saiba que a maioria destes era de ferroviários. Nessa seção, destaca-se que foram muito equilibradas as matrículas feitas por Trabalhadores Pobres e por Trabalhadores de Camadas Médias. Interessante observar que, no caso da matrícula dos meninos, os sujeitos da Elite não se encontraram entre os mais presentes em sua execução. Eles não foram identificados entre os 10 colocados.

Porém, verifica-se um contexto diferente na seção feminina. A grande maioria das matrículas das meninas veio de Trabalhadores das Camadas Médias (911), havendo ainda uma atuação um pouco melhor da Elite nesse processo, com 53 inscrições a mais. O grupo de ferroviários da categoria Indefinidos também foi muito atuante, contando com 314 matrículas. Já os Trabalhadores Pobres foram responsáveis por 362, possuindo 549 menos matrículas que os sujeitos da categoria Trabalhadores das Camadas Médias, desequilíbrio não observado na seção masculina.

É importante frisar que esses dados corroboram com o que foi visto na contagem geral comparativa, que revelou que: a categoria Trabalhadores Pobres apresentou matrícula superior na seção masculina; e as categorias Trabalhadores das Camadas Médias, Elite e Indefinidos (com os ferroviários) tiveram mais matrículas na seção feminina.

Avançar nesses estudos, buscando compreender a questão de gênero por trás desses dados, é uma ação necessária, mas infelizmente não comportada nesta pesquisa dado os seus recortes.

Conclusão

A educação primária na Primeira República embora fosse anunciada como uma promessa republicana para o povo, desenhou-se como um grande drama na realidade. Em Campinas, acessar os grupos escolares, localizados predominantemente nos espaços urbanos centrais da cidade, mostrava-se como um grande desafio para a maior parte da população, sobretudo para a população rural, que constituía quase a metade da localidade e que acabava se enquadrando na oferta de ensino dos precários espaços das escolas isoladas, sob a égide uma política de segregação educacional e socioespacial da classe popular.

A presença das elites nesses locais, por sua vez, foi facilitada não apenas pela comunhão de interesses, mas ainda pela comodidade de acesso que tinham a eles graças a geografia privilegiada de suas instalações, os grandes centros: locais imobiliários mais caros dos municípios e que se tornaram mais valorizados, inclusive pela nobre imagem desses grupos em sua paisagem. Apesar disso, o Grupo Escolar estudado revela uma escola ocupada predominantemente por filhos e filhas de trabalhadores pobres e das camadas médias - de domésticas à operários, de negociantes à lavradores e professores -, ocasionando uma alta demanda por vagas.

A despeito do limitado número de vagas nessa escola, é sabido que os rudimentos da leitura, escritura e cálculo eram cada vez mais importantes para a participação de todos nos espaços da sociedade, maiormente em sua crescente face urbana. Assim, enquanto a elite preferiu deixar seus filhos e filhas provavelmente nos internatos e colégios particulares de Campinas, como costume dessa classe, foram os trabalhadores pobres e das camadas médias que passaram a ocupar predominantemente as carteiras desse Grupo Escolar. Foi o que se constatou nos Livros de Matrícula do Segundo Grupo Escolar de Campinas, que revelaram que essa escola se construiu majoritariamente com os filhos e filhas de negociantes, empregadas domésticas, operários, empregados do comércio, lavradores, ferroviários etc. num movimento contínuo de se fazer pertencer à República.

Por isso, ainda que oficialmente os resultados sejam irrisórios quanto ao papel dessa escola na democratização do ensino primário campineiro da época, a atuação dos trabalhadores nessa direção foi simbolicamente significativa e importante com a persistente e contínua matrícula de suas crianças nesse Grupo.

Referências

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1Trata-se de um recorte da pesquisa intitulada “As Escolas da República: a expansão da educação primária em Campinas a partir de seus primeiros grupos escolares (1897-1920)” (Ramos, 2023), desenvolvida durante o estágio de pós-doutorado, realizado no Programa Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), no ano de 2023, sob a supervisão da Profa. Dra. Maria Cristina Menezes - coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação, Cultura Escolar e Cidadania (CIVILIS). A referida pesquisa teve como objetivo geral analisar o processo de expansão da educação primária em Campinas, com base na atuação de seus primeiros grupos escolares, identificando o perfil de acesso e permanência destes, mais precisamente até 1920.

2Renomeada Escola Normal de Campinas.

Recebido: 08 de Janeiro de 2024; Aceito: 03 de Maio de 2024

E-mail: gessicaramos@ufscar.br

Editora Responsável:

Natália Gil

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