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Revista Exitus

versão On-line ISSN 2237-9460

Rev. Exitus vol.8 no.2 Santarém maio/ago 2018  Epub 29-Maio-2019

https://doi.org/10.24065/2237-9460.2018v8n2id538 

Resenha

EXCLUSÃO OU INCLUSÃO MARGINAL?

Ronaldo Marcos de Lima Araujo1 

Sandy Caroline Seabra Coelho2 

1Professor do Núcleo de Estudos Transdisciplinares em Educação Básica da Universidade Federal do Pará. Bolsista produtividade do CNPq. E-mail: rlima@ufpa.br

2Graduanda de Pedagogia da Universidade Federal do Pará. Bolsista PIBIC-CNPq. E-mail: sandycoelho3@gmail.com

MARTINS, J. de S.. Exclusão social e a nova desigualdade. São Paulo: Paulus, 1997.


José de Souza Martins é sociólogo brasileiro, formado em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP) e é doutor em Sociologia pela USP. Sua produção bibliográfica é ampla, tratando principalmente da questão agrária e do comportamento coletivo. Atualmente é professor titular aposentado da mesma universidade em que se titulou mas continua ativo em sua militância acadêmico-política.

O livro Exclusão Social e a Nova Desigualdade, publicado em 1997, traz uma coletânea de textos dirigidos aos educadores populares que têm lidado em particular com as questões da exclusão social e da vida no campo. Trata-se de um livro que traz de forma central o tema atualíssimo da exclusão, ainda mais relevante quando se verifica um novo crescimento da concentração de rendas no Brasil e, consequentemente, a agudização das desigualdades.

O livro está organizado em seis capítulos tratando de temáticas ligadas à exclusão ou à questão agrária. No capítulo 1 o autor demonstra a imprecisão do conceito de “exclusão” que tem sido utilizado como forma de escamotear os “processos de exclusão” e de produção de um novo tipo de desigualdade na qual a existência de uma sub-humanidade passa a constituir-se como regra. Nos capítulos 2 e 3 o autor propõe a inversão do tratamento dado a duas questões que têm sido vistas na perspectiva das classes dominantes e que devem ser entendidas sob a ótica do trabalhador, as migrações do trabalhador do campo e a questão agrária. Neles discute o falso problema das migrações temporárias de camponeses, colocado pela ótica das classes dominantes como o problema do “êxodo rural”. Martins defende que as migrações têm efeito devastador sobre as relações sociais originais do trabalhador. Sobre a questão agrária identifica que para o trabalhador esta significa a interdição dos pobres do acesso à terra.

Motivado pelo assassinato dos trabalhadores rurais sem terra no Pará, ocorrido em abril de 1996, no capítulo 4 o autor trata do conflito entre o arcaico e o moderno no Brasil. Demostra como o arcaico, representado pelas oligarquias rurais tradicionais, por meio da “política de modernização do campo”, expulsou da terra os “efetivos agentes da modernização do país”, os trabalhadores sem-terra.

O capítulo 5 traz uma entrevista concedida por Martins ao Jornal do Trabalhadores Rurais Sem Terra na qual o autor, ao tratar da questão agrária, revela os mecanismos de exclusão social do trabalhador do campo, destacando a função que a propriedade da terra assume ao instrumentalizar a sujeição do trabalhador livre ao capital proprietário da terra. Nessa entrevista o autor destaca a reforma agrária como uma possibilidade de solução para o problema agrário no Brasil.

No último capítulo o autor aborda o significado político da criação da CPT – Comissão Pastoral da Terra no Brasil, nos anos 1970, em meio a ditadura militar, instituindo-se como “uma nova mediação na expressão da vontade política desse novo agente do processo de transformação social no Brasil, desse novo sujeito da nossa história” (p. 139), os movimentos camponeses.

Destacamos, entre os textos, aqueles em que o autor desconstrói teoricamente o conceito de exclusão, entendido como a expressão de um falso problema. Na Introdução e no capítulo 1 o autor identifica que o verdadeiro problema que deve estar no centro das discussões são as formas marginais, deficientes e escassas pelas quais a sociedade pretende gerar inclusão. Ao se debater a exclusão, segundo ele, se caí na armadilha de discutir o que não acontece da maneira como é proposto, impedindo, com isso, que seja discutido o que de fato acontece.

No capítulo 1 Martins faz um breve histórico acerca das marcas da desigualdade no Brasil, consequência do modelo econômico capitalista, e aborda que elas são provenientes da dualidade de classes a qual tem raízes na formação histórica brasileira, marcada pelo processo tardio de colonização, pouco investimento de diversas ordens, relações coronelistas, pouca participação popular, crescimento desajustado e exploração excessiva dos recursos naturais e humanos.

Com o objetivo de construir um diálogo crítico-reflexivo acerca da ideia de exclusão social e suas repercussões em todas as esferas da sociedade, o autor defende que a noção de exclusão tem sido tratada de forma fantasiosa e, a rigor, equivocada para referir-se as segregações sociais contemporâneas.

Para ele há uma coisificação conceitual da exclusão, produzida por meio de uma teologia sustentada em uma sociologia Althusseriana, importada pelo pensamento católico, que dialoga com a economia e que tem sustentado práticas de formação do educador popular. Tal teologia deforma a realidade, pois trabalha com rótulos, em particular quando transforma a palavra “exclusão” em algo sem sentido, ao invés de expressar uma prática.

Assim a noção de exclusão tornou-se apenas um “rótulo”. “Ao invés de a palavra expressar uma prática, rica aliás, ela acaba induzindo a uma prática, pobre aliás” (p. 11). Cita ele um exemplo dessa prática pobre induzida pela teologia da exclusão: “Os casos já conhecidos de ‘economia alternativa’ no nível de comunidades e pequenos grupos são casos que indicam um ajustamento eficaz, do ponto de vista estritamente econômico, à lógica atual da economia dominante” (p. 13). Para Martins a ideia de exclusão é na verdade um conjunto de processos de exclusão social pois:

Rigorosamente falando, não existe exclusão: existe contradição, existem vítimas de processos sociais, políticos e econômicos excludentes; existe o conflito pelo qual a vítima dos processos excludentes proclama seu inconformismo, seu mal-estar, sua revolta, sua esperança, sua força reivindicativa e sua reivindicação corrosiva (p. 14).

Assim, ao invés de exclusões o autor observa reações que fazem parte da realidade, ocorrendo não de fora para dentro, mas no interior da realidade problemática, dentro da realidade que produziu os problemas que causam.

A questão central que deve ser problematizada e não escamoteada, portanto, é a inclusão feita de forma marginal, insuficiente e limitada e que produz processos excludentes e que configuram uma “nova” desigualdade. Nesse sentido, a maneira pela qual algumas sociedades produzem inclusão se apresenta de modo insatisfatório, uma vez que a exclusão se tornou um modelo de vida dessas sociedades.

Sustenta o autor que o que se chama de exclusão na verdade “constitui o conjunto das dificuldades, dos modos e dos problemas de uma inclusão precária e instável, marginal”. Trata-se da forma de inclusão “daqueles que estão sendo alcançados pela nova desigualdade social produzida pelas grandes transformações econômicas e para os quais não há, senão, na sociedade, lugares residuais” (p. 26).

Argumenta que sociologicamente, não existe exclusão e que, portanto, esse conceito é “‘inconceitual’, impróprio, e distorce o próprio problema que pretende explicar” (p.27). Explica ainda que o problema da exclusão nasce com a sociedade capitalista pois é esta que desenraiza e brutaliza a todos, excluí a todos. Para ele

[...] é próprio dessa lógica de exclusão a inclusão. A sociedade capitalista desenraiza, exclui, para incluir, incluir de outro modo, segundo suas próprias regras, segundo sua própria lógica. O problema está justamente nesta inclusão (p. 32 – grifos do autor).

Historicizando a questão o autor demonstra que o problema da exclusão começou a se colocar quando foi se consolidando no mundo um “modo de vida do excluído”, ou seja, quando deixou de ser transitório o desemprego em razão dos processos de reestruturação da produção e formas precárias de vida foram se tornando comum em sociedades que já tinham experimentados alguns ganhos do Estado de Bem Estar. Esse processo, que alguns chamam de exclusão, não cria mais os pobres, segundo o autor, “ele cria uma sociedade paralela que é includente do ponto de vista econômico e excludente do ponto de vista social, moral e até político” (p.34).

Para Martins a nossa sociedade está se transformando numa sociedade dupla, fazendo coexistir duas “humanidades”. De um lado uma humanidade constituída de integrados (ricos e pobres), na qual “todos estão inseridos de algum modo, decente ou não, no circuito reprodutivo das atividades econômicas: todos têm o que vender e o que comprar”. De outro lado uma outra humanidade, na verdade uma sub-humanidade em todos os sentidos, que “se baseia em insuficiências e privações que se desdobram para fora do econômico. [...] São tratados como cidadãos de segunda categoria e sabem disso” (p. 36).

As análises de Martins referenciam a produção crítica da área de educação que observa esta na sua relação com os processos de “inclusão excludente”. Autores da área ratificam a tese de Martins afirmando que a concepção de exclusão é escassa e insuficiente para referir-se aos processos discriminatórios sofridos atualmente por uma camada pobre da população e, em particular, no que se refere aos direitos à educação3.

O livro não traz uma conclusão ou texto conclusivo, mas dele se pode concluir, com base no autor, que as soluções que se atualmente apresentam para as exclusões são todas neoliberais, a partir das quais a sociedade civil tem que resolver os “seus problemas”. Apontando para o futuro e para a superação da sociedade capitalista, recusa Martins a sociedade que produz duas “humanidades”, uma constituída de ricos e pobres e outra, que é crescente no Brasil, constituída de pessoas que vivem do trabalho precário e do trambique, os escusos. Trata-se, na verdade, de uma sub-humanidade. Essa é a nova desigualdade que ele denuncia nesse atual, profundo e necessário texto, de leitura importante a todos que se ocupam das questões sociais no Brasil.

3Sobre isso recomendamos a leitura de dois textos: FRIGOTTO, Gaudêncio. Exclusão e/ou Desigualdade Social? Questões teóricas e político-práticas. Cadernos de Educação. FaE/PPGE/UFPEl. Pelotas. set/dez, 2010. p. 417 – 442. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/caduc/article/view/1593/1479. Acesso em 17/01/2018. KUENZER, Acácia. Exclusão Includente e Inclusão Excludente: a nova forma de dualidade estrutural que objetiva as novas relações entre educação e trabalho. In: http://forumeja.org.br/go/files/13%20Exclusao%20Includente%20Acacia%20Kuenzer_1.pdf. Acesso em 09/04/2018.

REFERÊNCIAS

MARTINS, J. de S. Exclusão social e a nova desigualdade. São Paulo: Paulus, 1997 [ Links ]

Recebido: Janeiro de 2018; Aceito: Março de 2018

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