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Revista Exitus

versão On-line ISSN 2237-9460

Rev. Exitus vol.11  Santarém  2021  Epub 10-Maio-2022

https://doi.org/10.24065/2237-9460.2021v11n1id1537 

Artigos

EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA: desafios e perspectivas na formação docente

PROFESSIONAL AND TECHNOLOGICAL EDUCATION: challenges and perspectives in teaching education

EDUCACIÓN PROFESIONAL Y TECNOLÓGICA: retos y perspectivas en la formación docente

Fernanda Reolon Baldiati Dornelles1 
http://orcid.org/0000-0002-7153-2069

Ana Sara Castaman2 
http://orcid.org/0000-0002-5285-0694

Josimar de Aparecido Vieira3 
http://orcid.org/0000-0003-3156-8590

1Mestranda em Educação Profissional e Tecnológica no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha (IFFAR), Jaguari, Rio Grande do Sul, Brasil

2Doutorado em Educação. Professora no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS), Sertão, Rio Grande do Sul, Brasil

3Doutorado em Educação. Professor no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS), Sertão, Rio Grande do Sul, Brasil


RESUMO

O presente ensaio tem por objetivo refletir a partir de uma contextualização histórica e legal da Educação Profissional e Tecnológica (EPT), sobre os desafios e as perspectivas na formação de seus profissionais. A metodologia empregada pautouse em uma pesquisa de abordagem qualitativa, ancorada no método do materialismo histórico dialético e nos objetivos exploratórios e descritivos. Também utilizou-se da técnica bibliográfica narrativa, por meio de obras de autores e comentadores que examinam acerca da formação docente para atuar na EPT. Este ensaio apresenta uma estrutura que pode ser assim descrita: a) trata de uma breve contextualização histórica e legal da EPT no Brasil; b) reflete sobre os desafios e as perspectivas da formação de professores para a EPT; c) apresenta as considerações finais. Conclui-se que a EPT exige uma formação docente constituinte, sistemática e capaz de permitir a articulação e o desenvolvimento equilibrado de saberes gerais e técnicos, estes específicos de um campo da ciência.

Palavras-chave: Educação profissional; Formação de professores; Desafios na formação docente

ABSTRACT

This essay aims to reflect from a historical and legal contextualization of Professional and Technological Education (PTE), on the challenges and perspectives in the educating of its professionals. The methodology employed was based on a research with a qualitative approach, anchored in the method of historical dialectical materialism and in the exploratory and descriptive objectives. The narrative bibliographic technique was also used based on the works of authors and commentators who examine the teacher educating to work at PTE. This essay presents a structure that can be described as follows: a) it deals with a brief historical and legal contextualization of PTE in Brazil; b) reflects on the challenges and perspectives of teacher educating for PTE; c) presents the final considerations. It is concluded that the PTE requires a constitutive teacher educating, systematic and capable of allowing the articulation and balanced development of general and technical knowledge, these specific to a field of science.

Keywords: Professional education; Teacher education; Challenges in teacher education

RESUMEN

Este ensayo pretende reflexionar desde una contextualización histórica y jurídica de la Educación Tecnológica y Profesional (EPT), los retos y perspectivas en la formación de sus profesionales. La metodología empleada se basó en una investigación cualitativa, basada en el método del materialismo dialéctico histórico y en objetivos exploratorios y descriptivos. También se utilizó la técnica bibliográfica narrativa, basada en los trabajos de autores y comentaristas que examinan la formación docente para trabajar en la EPT. Este ensayo presenta una estructura que se puede describir de la siguiente manera: a) una breve contextualización histórica y jurídica de la EPT en Brasil; b) reflexión sobre los desafíos y perspectivas de la formación del profesorado para la EPT; c) presenta las consideraciones finales. Se concluye que la EPT requiere de una formación docente constitutiva, sistemática y capaz de permitir la articulación y desarrollo equilibrado de conocimientos generales y técnicos, estos propios de un campo de la ciencia.

Palabras clave: Educación Profesional y Tecnológica; Formación de professores; Retos en la formación del professorado

INTRODUÇÃO

A Educação Profissional e Tecnológica (EPT) “[...] integra-se aos diferentes níveis e modalidades de educação e às dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia” (BRASIL, 2008a). Caracteriza-se enquanto uma modalidade educacional que abrange cursos: de formação inicial e continuada ou qualificação profissional; de educação profissional técnica de nível médio; de educação profissional tecnológica de graduação e pósgraduação (BRASIL, 1996).

De acordo com Marcilio (1998), a trajetória histórica da EPT foi pensada, em sua maioria, para atender às classes menos favorecidas. Para aqueles que tinham maior poder aquisitivo, a oferta era do ensino propedêutico, o qual permitia prosseguir com os estudos para acesso à universidade (MANFREDI, 2002). Contudo, autores como Vieira J. e Vieira M. (2014) pontuam que, na atualidade, é preciso ressignificar a EPT para além da preparação dos jovens para o mercado de trabalho, ou seja, esta deve contribuir para uma formação crítica dos sujeitos, sendo norteada pelos princípios de uma educação emancipadora.

A Educação Profissional e Tecnológica, enquanto modalidade de ensino exige a construção de conhecimentos que habilitem os estudantes a analisar, questionar e compreender o contexto em que estão inseridos. Além disso, é imperioso que estes desenvolvam capacidade investigativa diante da vida, de modo criativo e crítico; que identifiquem necessidades e oportunidades de melhorias para si, suas famílias e a sociedade na qual vivem e atuam como cidadãos (INOCENTE; TOMMASINI; CASTAMAN, 2018, p. 05).

Nessa perspectiva, a formação de professores para a EPT é decisiva para que a atual política de expansão, interiorização e democratização dessa modalidade educacional se efetive com qualidade social, produção de conhecimentos, valorização docente e desenvolvimento local, integrado e sustentável que se almeja. A partir do momento em que a Lei nº 11.892 (BRASIL, 2008b) criou 38 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IF), olhares mais atentos foram voltados para a temática da formação do docente da EPT brasileira. Com a fundação dos IF, surge, também, uma nova (ou nem tanto assim) perspectiva da atuação docente para o exercício na referida modalidade.

Assim, o atual cenário histórico apresenta desafios ainda maiores para a formação inicial e continuada desses docentes em função da expansão da oferta da EPT, das especificidades desta modalidade e das exigências que estas impõem ao professor porque, muitas vezes, nela se insere sem uma base pedagógica que oriente as suas práticas. Castaman e Vieira (2013, p. 08) lecionam que “[...] atualmente não basta ter competência técnica, domínio de conteúdo e a titulação compatível com a função ou ser um profissional de renome no mercado de trabalho para legitimar-se como professor”. Desse modo, pretende-se refletir a partir de uma contextualização histórica e legal da EPT, sobre os desafios e as perspectivas na formação de seus profissionais.

A metodologia empregada pautou-se em uma pesquisa de abordagem qualitativa, ancorada no método do materialismo histórico dialético e nos objetivos exploratórios e descritivos. Também utilizou-se da técnica bibliográfica narrativa, a partir de obras de autores e comentadores que examinam acerca da formação docente para atuar na EPT. Este ensaio apresenta uma estrutura que pode ser assim descrita: a) trata de uma breve contextualização histórica e legal da EPT no Brasil; b) reflete sobre os desafios e as perspectivas da formação de professores para a EPT; c) apresenta as considerações finais.

PERCURSO METODOLÓGICO

A presente investigação caracteriza-se pela abordagem qualitativa. A partir desta modalidade é possível compreender o universo simbólico e particular das experiências, dos comportamentos, das emoções e dos sentimentos vividos. Ainda, é cabível entender o funcionamento organizacional, os movimentos sociais, os fenômenos culturais e as interações entre as pessoas, seus grupos sociais e as instituições (MINAYO, 2008).

Para tanto, o objetivo desta produção científica classificou-se como exploratório e descritivo. Exploratório, na tentativa de se obter uma “[...] maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses” (GIL, 2002, p. 41) e, descritivo na exposição das características de determinada população ou fenômeno, estabelecendo correlações entre variáveis e definindo sua natureza (VERGARA, 2000).

Ancora-se na técnica bibliográfica narrativa, com base em material já elaborado, composto de livros e artigos científicos (GIL, 2008). Assim, para abordar a conjuntura histórica e legal da EPT no Brasil, pauta-se em Kuenzer (2000), Ciavatta (2005), Cunha (2005), Moura (2007), Lima e Silva (2011), Pacheco (2011) e Ramos (2014). Ainda, apresenta documentos legais que abordam a memória e a organização da EPT no Brasil: Brasil (1909, 1937, 2008a, 2008b, 2008c, 2009).

Para discutir os desafios e as perspectivas da formação de professores para a EPT, baseia-se em Leffa (2001), Pereira (2004), Araújo (2008), Machado (2008), Oliveira Junior (2008), Abreu (2009), Moura (2008, 2014), Castaman e De Bortoli (2020), Castaman e Rodrigues (2020), Figueiredo, Castaman e Vieira (2020), entre outros. Ressalta-se que a análise dos dados ocorreu pela análise de conteúdo (BARDIN, 2016), incidindo em três (03) etapas: a) leitura flutuante do conteúdo registrado, verificando a presença de pontos de vistas que se repetiam por meio de vocábulos com o mesmo sentido; b) exploração do material, agrupando as respostas que continham ideias semelhantes, procedendo-se à codificação de unidades de registro em categorias de análise; c) tratamento dos resultados, inferência e interpretação registrados nas categorias centrais, quais sejam: contexto histórico da EPT no Brasil e desafios e perspectivas da formação de professores para a EPT.

BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E LEGAL DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA NO BRASIL

A relação entre educação básica e profissional no Brasil está marcada historicamente pela dualidade. De um lado uma educação propedêutica voltada às elites, para a formação de futuros dirigentes e de outro a de caráter assistencialista, destinada a dar amparo às crianças órfãs e abandonadas, possibilitando instrução teórico-prática para atuação na indústria (MOURA, 2007).

Segundo Kuenzer (2000), a formação profissional inicia a partir de 1909 com a criação das escolas de artes e ofícios. Essas escolas não tinham o objetivo direto de atender as demandas do desenvolvimento industrial, praticamente inexistente no período, mas, surgiram, sobretudo com uma finalidade moral, retirando das ruas jovens que não possuíam lugar estabelecido na sociedade, ou seja, com um propósito assistencialista. A abertura das Escolas de Aprendizes Artífices foi estabelecida pelo Decreto nº 7.566 (BRASIL, 1909), que ofertava Ensino Primário com o propósito de transmitir conhecimentos de leitura, escrita e cálculo, além da formação técnica em desenho. Esse é um marco importante na construção da rede pública de Educação Profissional (EP) no Brasil, pois define a EPT marcada pela divisão das classes sociais.

Para Cunha (2005), o início dessas escolas não significou nenhuma inovação ideológica ou pedagógica, mas introduziu uma novidade na estrutura de ensino: o primeiro sistema educacional de abrangência nacional. Conforme o autor,

[...] tratava-se de um agregado de estabelecimentos de ensino, dotados de propósitos comuns, cujo funcionamento se regulava por uma mesma legislação, além de estarem afetos à mesma autoridade administrativa e pedagógica. Só muito mais tarde é que surgiram no país outros sistemas educacionais dotados de características semelhantes (CUNHA, 2005, p. 66).

Em 1937, por meio da Lei nº 378, as Escolas de Aprendizes e Artífices se tornaram Liceus destinados a ofertar EP em todo o país.

Art. 37. A Escola Normal de Artes e Ofícios Wenceslau Braz e as escolas de aprendizes artífices, mantidas pela União, serão transformadas em liceus, destinados ao ensino profissional, de todos os ramos e grãos.

Parágrafo único. Novos liceus serão instituídos, para propagação do ensino profissional, dos vários ramos e grãos, por todo o território do País (BRASIL, 1937).

O Brasil, nesta época, passava por profundas transformações que aos poucos inseriram o país no capitalismo com o fortalecimento da indústria e do emprego. Por isso, tornou-se fundamental o investimento na formação profissional da população, já que as indústrias necessitavam de mão de obra qualificada, deixando a EP de atender a formação básica das crianças para iniciar sua atuação com o Ensino Médio. Em 1941 vigoram uma série de leis conhecidas como a “Reforma Capanema” que remodelou todo o ensino no país, e tinha como principais pontos: a) o ensino profissional passou a ser considerado de nível médio; b) o ingresso nas escolas industriais passou a depender de exames de admissão; c) os cursos foram divididos em dois níveis, correspondentes a dois ciclos do novo ensino médio: o primeiro compreendia os cursos básico industrial, artesanal, de aprendizagem e de mestria. O segundo ciclo correspondia ao curso técnico industrial, com três (03) anos de duração e um (01) estágio supervisionado na indústria, o qual compreendia várias especialidades (BRASIL, 2009).

A Reforma de Capanema, em 1942, criou as escolas industriais e técnicas com cursos médios que davam acesso ao ensino superior, e a formação profissional, que não oferecia essa oportunidade. Enfatizou-se e fortaleceu-se a visão de que a formação para o trabalho é separada da formação profissional clássica, evidenciando a dualidade educacional (RAMOS, 2014).

Por conseguinte, no ano de 1959, as Escolas Industriais e Técnicas são transformadas em autarquias com o nome de Escolas Técnicas Federais. As instituições ganham autonomia didática e de gestão. Com isso, intensificam a formação de técnicos, mão de obra indispensável diante da aceleração do processo de industrialização (BRASIL, 2009). Os cursos ofertados por essas escolas deveriam adaptar-se às necessidades da vida econômica, das diversas profissões e do progresso da técnica, articulando-se à indústria e atendendo às exigências do mercado de trabalho da região a que está instalada a escola.

Com uma política de incentivo nacional e internacional, a rede de Escolas Técnicas Federais consolidou-se em 1959 e ocupou um lugar estratégico na composição da força de trabalho industrial brasileira, de tal modo que em 1971 se configurou um projeto mais ousado, tal como a transformação de algumas delas em Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET). Os CEFET foram criados em junho de 1978 para substituir algumas Escolas Técnicas Federais e/ou Escolas Agrotécnicas Federais existentes no Brasil, com a autonomia administrativa, patrimonial, financeira, didático-pedagógica e disciplinar, ou seja, sendo transformados em autarquias federais, como respostas às demandas por formação profissional ao desenvolvimento econômico estabelecido no país. Esta mudança confere àquelas instituições mais uma atribuição, qual seja, formar engenheiros de operação e tecnólogos, processo esse que se estende às outras instituições mais tarde (RAMOS, 2014).

Havia uma elevada preocupação com a formação qualificada de trabalhadores e isso se justifica pela possibilidade de expansão de empregos. Mantinha-se, no entanto, dois (02) eixos de atuação: a formação acelerada de operários para realização do trabalho simples, e a formação de técnicos de nível intermediário, em menor número, para realizar a função de prepostos nas multinacionais, em paralelo com a formação propedêutica destinada às classes mais favorecidas (RAMOS, 2014).

Em 1994, a Lei nº 8.948, de 8 de dezembro dispõe sobre a instituição do Sistema Nacional de Educação Tecnológica, transformando, gradativamente, as Escolas Técnicas Federais e as Escolas Agrotécnicas Federais em CEFET. Mediante decreto específico para cada instituição e em função de critérios estabelecidos pelo Ministério da Educação e da Cultura (MEC), esse processo levou em conta as instalações físicas, os laboratórios e equipamentos adequados, às condições técnico-pedagógicas e administrativas, e os recursos humanos e financeiros necessários ao funcionamento de cada centro (BRASIL, 2009).

Em 1996, foi sancionada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), nº 9.394, que dispõe sobre a EP em um capítulo separado da Educação Básica, superando enfoques de assistencialismo e preconceito social contidos nas primeiras legislações do país. Ainda, faz uma intervenção social crítica e qualificada para tornar-se um mecanismo para favorecer a inclusão social e democratização dos bens sociais de uma sociedade. Além disso, define o sistema de certificação profissional que permite o reconhecimento das competências adquiridas fora do sistema escolar (BRASIL, 2009). Este regulamento compreende a importância da EP e estabelece a integração dessa modalidade com o trabalho, a ciência e a tecnologia.

A LDB incorporou a EP como processo educacional específico, não vinculado necessariamente a etapas de escolaridade, voltado para o permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva. Apresentou três (03) marcos conceituais para a estrutura educacional brasileira: a) o alargamento do significado da educação para além da escola; b) uma concepção também mais ampliada de educação básica, nela incluindo o ensino médio; c) como consequência do anterior, a caracterização do ensino médio como etapa final da educação básica, responsável por consolidar e aprofundar os conhecimentos adquiridos pelo educando no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos, a inserção no mundo do trabalho, bem como o exercício da cidadania (RAMOS, 2014).

A EP de acordo com o conteúdo do Art. 39 da LDB tem a seguinte redação dada pela Lei nº 11.741: “A educação profissional e tecnológica, no cumprimento dos objetivos da educação nacional, integra-se aos diferentes níveis e modalidades de educação e às dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia” (BRASIL, 2008a). O mesmo artigo em seu inciso 1° esclarece que os cursos poderão ser organizados por eixos tecnológicos com diferentes itinerários, o 2° inciso expressa que esta modalidade de educação contemplará os seguintes cursos: a) De formação inicial e continuada ou qualificação profissional (acrescentado pela Lei nº 11.741/08); b) De educação profissional técnica de nível médio (incluído pela mesma Lei); c) De educação profissional de graduação e pós-graduação (incluído pela mesma Lei), sendo que estes deverão ser organizados de acordo com as diretrizes curriculares nacionais (BRASIL, 2008a).

Em 29 de dezembro de 2008, após muitos debates, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 11.892 (BRASIL, 2008b), que no âmbito do MEC criou os IF, os quais apresentam um novo modelo de EP, estruturado a partir dos CEFET, das escolas técnicas e agrotécnicas federais e das escolas vinculadas às universidades federais, com o compromisso de promover um ensino integral voltado à construção de conhecimentos e à quebra da hierarquização dos saberes, rompendo com uma lógica mercadológica da formação de mão de obra qualificada para suprir as necessidades do capital (BRASIL, 2008b). Em seu artigo 2º, define:

Art. 2º: Os Institutos Federais são instituições de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino, com base na conjugação de conhecimentos técnicos e tecnológicos com as suas práticas pedagógicas, nos termos desta Lei (BRASIL, 2008b).

Os IF vêm a ser uma síntese do que a Rede Federal de Educação Profissional Científica e Tecnológica (RFEPCT) construiu ao longo de uma história amparada pelas leis e políticas da EPT do governo federal. Conforme Pacheco (2011, p. 12), os IF têm características de inovação e ousadia, qualificações estas que são necessárias, e visam a atender a “[...] uma política é um conceito que buscam antecipar aqui e agora as bases de uma escola contemporânea do futuro e comprometida com uma sociedade radicalmente democrática e socialmente justa”. Quanto às características dos IF, importa destacar alguns incisos do artigo 6º:

Art. 6º: Os Institutos Federais têm por finalidades e características:

I - Ofertar educação profissional e tecnológica, em todos os seus Níveis e modalidades, formando e qualificando cidadãos com vistas na atuação profissional nos diversos setores da economia, com ênfase no desenvolvimento socioeconômico local, regional e nacional;

II - Desenvolver a educação profissional e tecnológica como processo educativo e investigativo de geração e adaptação de soluções técnicas e tecnológicas às demandas sociais e peculiaridades regionais;

III - Promover a integração e a verticalização da educação básica à educação profissional e educação superior, otimizando a infraestrutura física, os quadros de pessoal e os recursos de gestão;

[...]

V - Constituir-se em centro de excelência na oferta do ensino de ciências, em geral, e de ciências aplicadas, em particular, estimulando o desenvolvimento de espírito crítico, voltado à investigação empírica (BRASIL, 2008b).

Estas instituições têm como objetivo fortalecer a educação brasileira, baseadas em uma proposta humanístico-técnico-científica, se constituindo como um espaço fundamental na construção dos caminhos com vistas ao desenvolvimento local e regional e com a formação dos saberes dos cidadãos, levando em consideração as demandas sociais em prol de uma sociedade mais justa e igualitária. Para isso, buscam a transformação da sociedade por meio de uma proposta crítica, reflexiva e emancipatória, promovendo a educação integral (CIAVATTA, 2005) dos sujeitos que até então não tinham a oportunidade de estudar.

A proposta dos IF é agregar a formação acadêmica à preparação para o trabalho (compreendendo-o em seu sentido histórico, mas sem deixar de firmar o seu sentido ontológico) e discutir os princípios das tecnologias a ele concernentes dando luz a elementos essenciais para a definição de um propósito específico para a estrutura curricular da EPT. O que se propõe é uma formação contextualizada, banhada de conhecimentos, princípios e valores que potencializam a ação humana na busca de trajetórias mais dignas de vida (BRASIL, 2009). Representa, assim, um modelo de instituição que, em razão da sua organização vertical, tem o objetivo de superar “[...] dicotomias entre ciência e tecnologia, entre teoria e prática, visam ultrapassar a visão compartimentalizada de saberes; buscam a apropriação com maior profundidade do conhecimento” (BRASIL, 2008c, p. 31).

A RFEPCT está fundamentada em uma história de construção de 100 anos, cujas atividades iniciais eram instrumento de uma política voltada para as “classes desprovidas” e hoje configura-se como uma estrutura fundamental para que todas as pessoas tenham efetivo acesso às conquistas científicas e tecnológicas. Esse é o elemento diferencial que está na gênese da constituição de uma identidade social particular para os agentes e as instituições envolvidas neste contexto, cujo fenômeno é decorrente da história, do papel e das relações que a EPT estabelece com a ciência e a tecnologia, o desenvolvimento regional e local e com o mundo do trabalho e dos desejos de transformação dos atores nela envolvidos (BRASIL, 2009). Portanto, a EPT, integrada às diferentes formas de educação, trabalho, ciência e tecnologia, intenta garantir aos cidadãos o direito à emancipação e autonomia.

Como princípio em sua proposta político-pedagógica, os IF deverão ofertar educação básica, principalmente em cursos de ensino médio integrado à educação profissional técnica de nível médio; ensino técnico em geral; graduações tecnológicas, licenciatura e bacharelado em áreas em que a ciência e a tecnologia são componentes determinantes, em particular as engenharias, bem como, programas de pós-graduação Lato e Stricto Sensu, sem deixar de assegurar a formação inicial e continuada de trabalhadores (BRASIL, 2008b).

De forma a endossar essa política, há a prerrogativa de que os IF devem ofertar “[...] cursos de licenciatura, bem como programas especiais de formação pedagógica, com vistas na formação de professores para a educação básica, sobretudo nas áreas de ciências e matemática, e para a educação profissional” (BRASIL, 2008b). Sobre os motivos que levam a obrigatoriedade da formação de professores para os IF, Lima e Silva (2011) indicam que a principal razão defendida para essa iniciativa se relaciona à escassez de professores no Brasil. Diante do exposto, a próxima seção discutirá acerca dos desafios e das perspectivas da formação de professores para a EPT.

DESAFIOS E PERSPECTIVAS DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA

A falta de concepções teóricas consistentes e de políticas públicas amplas e contínuas tem caracterizado, historicamente, as iniciativas de formação de docentes especificamente para a EPT, no Brasil. Historicamente, as iniciativas em prol da formação de professores para a EPT, no país, foram poucas, efêmeras e descontínuas (MACHADO, 2008).

Conforme alude Oliveira Junior (2008), o assunto formação de professores para a EPT teve origem no ano de 1961, com o advento da LDB e a Lei nº 5.692, pois, foi o regulamento que mencionou que a EPT passaria a tornar-se parte do currículo do segundo grau (assim intitulado). Desta forma, de acordo com o autor, a LDB de 1961 apresentava que o docente em serviço de ensino técnico deveria ter formação específica, por meio de cursos especiais de formação técnica.

O início da história da EPT e da formação dos docentes foi marcado inicialmente pela ação de professores leigos no assunto. Pereira (2004, p. 03) expõe que por muito tempo o ensino técnico no Brasil fora marcado por “um forte contingente de profissionais de áreas diversas, sem a qualificação pedagógica”. Com o advento da LDB e da Lei nº 5.692/61 é que se registrou a preocupação em mudar a realidade que se manifestava. Observa-se com isso o interesse em capacitar docentes hábeis a atuarem nessa modalidade de ensino. A LDB de 1961 apresentava que o docente em serviço de ensino técnico deveria ter formação específica, por meio de cursos especiais de formação técnica. Sobre esse assunto, Oliveira Junior (2008, p. 72) aponta que:

Um dos maiores problemas relacionado com a formação de professores em geral e que ficou mais evidenciado nas tentativas de formação de professores para o ensino técnico é que as Universidades têm dificuldades intrínsecas para lidar com essa questão. Nas licenciaturas o que se ensina basicamente é a História da Educação [...] poucas vezes se discute o aqui e o agora. Poucas vezes se discute o real e o concreto, a escola da realidade e o que o professor irá encontrar.

A questão problemática sobre a formação docente para o exercício na EPT não é distinta dos problemas que acarretam os demais professores da educação básica brasileira; existe uma distância entre o que a universidade media e a realidade que espera o futuro professor (ABREU, 2009). No entanto, há um ponto diferencial que é agravante no que tange a formação do professor para atuar na EPT. De acordo com Abreu (2009), a universidade não o prepara para o ofício como professor na modalidade da EPT.

É perceptível que atualmente há uma leva enorme de professores que têm mestrado e doutorado, mas, muitos deles nunca tiveram uma atuação profissional na docência. Para a maioria, essa é a primeira vez que estão iniciando profissionalmente e, vejam a contradição, muitos exercem a docência nos IF ministrando aulas na EP. Ainda, conforme dados do INEP (2019), 42,31% dos professores graduados que atuam na EPT não possuem licenciatura ou mesmo formação pedagógica.

Moura (2014) salienta que o currículo clássico não forma professores para atuar na docência na EPT. Assim, verifica-se, pelo menos, três (03) perfis atuando na EPT: profissionais bacharéis e tecnólogos que não possuem licenciatura; profissionais bacharéis e tecnólogos que realizaram o curso de formação pedagógica para graduados não licenciados; e professores licenciados. Diante desse panorama, acredita-se que a maioria dos professores que atuam nessa modalidade, não entendem o sentido particular e específico do projeto da EPT. Castaman e Rodrigues (2020, p. 02) aludem que:

[...] a tendência natural dos docentes nas diferentes áreas, mesmo atuando em EPT, é de adesão ao conteudismo, de reprodução da ideia de meritocracia acadêmica, de reducionismo metodológico e da promoção de um ensino ou centrado no professor ou no conteúdo. Esta prática educativa não apenas deixa de promover a autonomia e autodeterminação nos/com os estudantes, mas as inviabiliza por completo.

Com isso, os desafios na formação de professores para a EPT manifestam-se de vários modos, principalmente quando se pensa nas novas necessidades e demandas político-pedagógicas dirigidas a eles: mais diálogos com o mundo do trabalho e a educação geral; práticas pedagógicas interdisciplinares e interculturais; enlaces fortes e fecundos entre tecnologia, ciência e cultura; processos de contextualização abrangentes; compreensão radical do que representa tomar o trabalho como princípio educativo; perspectiva de emancipação do educando, porquanto sujeito de direitos e da palavra. Na maneira de compreender a proposta de ensino médio integrado à educação profissional, por exemplo, muitos professores se valem, erroneamente, da concepção da antiga Lei nº 5.492 (BRASIL, 1971) de composição curricular por justaposição da parte propedêutica do ensino médio com alguma habilitação profissional.

Atualmente, as exigências relativas ao perfil para a docência na EPT estão mais elevadas, considerando-se que o professor dessa modalidade:

[...] não pode moldar-se à feição de transmissor de conteúdos definidos por especialistas externos, mas compor-se por características em que seu papel de professor se combine com as posturas de: a) Intelectual; b) Problematizador; c) Mediador do processo ensino-aprendizagem; d) Promotor do exercício de liderança intelectual; e) Orientador sobre o compromisso social que a ideia de cidadania plena contém; f) Orientador sobre o comportamento técnico dentro de sua área de conhecimento (ARAÚJO, 2008, p. 59).

Portanto, não há espaço para o modelo artesanal do mestre da oficina-escola, o das séries metódicas, a ideia de que para ensinar é necessário apenas o domínio da prática, ou seja, saber fazer. Leffa (2001) aponta que um dos grandes desafios recorrentes nas estruturas curriculares de preparação de professores é saber distinguir o que é formação do que é treinamento. Para o autor, a formação é tudo aquilo que busca a reflexão e os motivos do desenvolvimento da ação. Há uma preocupação com o embasamento teórico que subjaz à atividade do professor. Enquanto que o treinamento limita-se ao “ensino de técnicas e estratégias de ensino que o professor deve dominar e reproduzir mecanicamente, sem qualquer preocupação com sua fundamentação teórica” (LEFFA, 2001, p. 02). Assim, ao professor não basta conhecer, mas saber integrar no ensino as dimensões da formação geral e técnica. É necessário concepções teórico-práticas que possibilitem migrar de um modelo convencional de ensino e problematizar o mesmo na EPT (CASTAMAN; RODRIGUES, 2020).

Ademais, todo candidato a docente deveria, além da formação específica em determinada área do conhecimento, cursar uma formação pedagógica ou um curso de pedagogia, ou ainda um curso de mestrado para atuar em toda a educação básica, visto que apenas os saberes específicos em determinada área do conhecimento, não capacita os profissionais para atuarem na formação integral dos alunos, a qual vai muito além de conteúdos de disciplinas (FIGUEIREDO; CASTAMAN; VIEIRA, 2020, p. 1335).

Destarte, é premissa que o docente da EPT paute-se na reflexão e na pesquisa, bem como esteja “[...] aberto ao trabalho coletivo e à ação crítica e cooperativa, comprometido com sua atualização permanente na área de formação específica e pedagógica” (MACHADO, 2008, p. 17). Ainda, que as práticas educativas “[...] permitam a mediação de conteúdos sedimentados à realidade do educando” (CASTAMAN; DE BORTOLI, 2020, p. 33), possibilitando aos mesmos, a compreensão, de forma reflexiva e crítica, do mundo do trabalho, dos objetos e dos sistemas tecnológicos dentro dos quais estes evoluem. Por isso, o trabalho desse docente deve ser forjado a partir de uma formação que permita aos estudantes o desenvolvimento da criatividade, do pensamento crítico, do trabalho intelectual. Sua formação deve ser crítica, reflexiva e dotada de responsabilidade social (MOURA, 2008).

Diante destas considerações sobre os desafios da formação de professores para a EPT e das características necessárias ao ofício do professor nesta modalidade de ensino, entende-se que uma das perspectivas e um dos lampejos de esperanças de formação seja o Programa de PósGraduação em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT) - Curso de Mestrado em Educação Profissional e Tecnológica oferecido em rede nacional. O ProfEPT tem por propósito formar profissionais capazes de elaborar e desenvolver pesquisas aplicadas ligadas ao ensino, de espaços formais e não formais na EPT. Ainda, elaborar produtos que gerem conhecimentos no que concerne aos saberes peculiares do mundo do trabalho. Conforme Castaman e Rodrigues (2020, p. 11):

[...] o próprio ProfEPT vai aos poucos configurando a possibilidade de um processo de formação permanente dos docentes que trabalham ou podem vir a atuar em EPT, refundando o seu próprio processo formativo, atualizando sua identidade e oportunizando novas perspectivas de saberes e fazeres pedagógicos que atendam a natureza complexa de um ensino contextualizado, crítico e criativo. Formar formadores significa repensar e reavaliar constantemente o processo formativo, no sentido de aperfeiçoá-lo.

Outrossim, sabe-se que há outras iniciativas da RFEPCT no sentido da formação dos professores tanto para a Educação Básica quanto para a EPT especificamente, tais como: o Programa de Formação Inicial e Continuada, Presencial e à Distância, de Professores para a Educação Básica (PARFOR), Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), Projeto Gestor, o Programa de Pós-Graduação em Educação Agrícola (PPGEA), Programa Institucional de Qualificação Docente para a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (PIQDTEC) e Programa Educação em Agroecologia e Sistemas Orgânicos de Produção. Porém, ainda incipientes e em estágio embrionário.

Outrossim, entende-se que é uma premissa o papel formativo contínuo e que as matrizes curriculares dos espaços privilegiados de formação de professores como as licenciaturas considerem a modalidade da EPT. Também que implementem políticas públicas consistentes e que atendam a conjuntura contextual da EPT e os seus fundamentos na produção de saberes e fazeres comprometidos com uma formação humana integral.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste texto foi apresentar reflexões teóricas que contribuam para o esclarecimento dos desafios e das perspectivas do processo de constituição da formação de professores na EPT enquanto um fenômeno histórico. A EPT exige uma formação docente constituinte, sistemática e capaz de permitir a articulação e o desenvolvimento equilibrado de saberes gerais e técnicos, estes específicos de um campo da ciência. Ou seja, necessita de uma formação que se construa e fundamente na contribuição das diversas áreas e campos do conhecimento, que devem se articular possibilitando um movimento dialético entre teoria e prática. Logo, esse professor deve estar consciente do papel que desempenha na formação de técnicos que se insiram no mundo do trabalho como um profissional cidadão e não como um mero executor de tarefas exigidas pelo mercado.

Assim, formar professores para a EPT não é algo que se faz apenas com decretos, ajustes na lei ou criação de cursos aligeirados. Ao contrário, essa formação deve se dar por meio de uma política adotada pelo poder público e assumida pelos profissionais diretamente envolvidos com essa modalidade. Portanto, uma política definida para a formação de professores que atenda a tais necessidades será certamente um grande estímulo para a superação da atual debilidade teórica e prática deste campo educacional com relação aos aspectos pedagógicos e didáticos. Pois, o papel social que desempenha um professor para formar cidadãos qualificados para o exercício de suas atribuições profissionais no mercado de trabalho é de suma importância.

É pressuposto básico que o docente da EPT seja, essencialmente, um sujeito da reflexão e da pesquisa, aberto ao trabalho coletivo e à ação crítica e cooperativa, comprometido com sua atualização permanente na área de formação específica e pedagógica. Ainda, que tenha plena compreensão do mundo do trabalho e das redes de relações que envolvem as modalidades, níveis e instâncias educacionais, conhecimento da sua profissão, de suas técnicas, bases tecnológicas e valores do trabalho, bem como dos limites e possibilidades do trabalho docente que realiza e precisa desempenhar.

Sabe-se que a docência nessa modalidade precisa ser reconhecida, evidenciando o ensino de acordo com a sistematização do saber de sua área. Além disso, é necessário superar a carência de políticas de formação fragmentadas e emergenciais. Perante as considerações proferidas sobre a conjuntura histórica da EPT e dada a importância do tema, espera-se que o presente trabalho, por suas limitações, estimule novas investigações, dando continuidade ao presente estudo, o que pode incluir produções sobre o processo de formação de professores em outros períodos históricos da educação brasileira, abordando aspectos relacionados à construção da profissionalização e identidade docente.

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Recebido: 20 de Janeiro de 2021; Aceito: 10 de Março de 2021; Publicado: 25 de Março de 2021

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