INTRODUÇÃO
Na presente investigação objetivamos analisar a diversidade cultural decorrente da imigração nas escolas municipais de Boa Vista/RR. Para chegar a essa proposta, buscamos uma contextualização passando pela história da ducação e os processos migratórios do estado de Roraima, dando real enfoque à cidade de Boa Vista, sua capital.
Para adentrar nessas discussões, objetivamos apresentar dados da imigração nas escolas municipais de Boa Vista/RR e a diversidade cultural presente no ambiente escolar. Como o estado de Roraima tem uma característica muito forte de imigração, este cenário faz com que o município de Boa Vista busque adotar distintas estratégias para atender a situação econômica, política, social, cultural e nesse caso a ser ponderado, o educacional.
Os educadores têm um papel importante neste processo, uma vez que seu trabalho é primordial para a aprendizagem destas crianças e jovens que estão instalados no país e, assim como os brasileiros, precisam estar ligados ao conhecimento para que possam alavancar o estado, a cidade e o país, porque somente através da educação é possível haver transformações significativas em qualquer nação.
Nos últimos anos, evidenciamos que os processos migratórios para o Brasil trazem outras demandas educativas. O que cabe é trabalhar com as diferenças destes imigrantes e inseri-las nos planejamentos didáticos. Para isso, não podemos esquecer que o profissional da educação precisa de apoio e constante acompanhamento para conseguir desenvolver suas práticas da melhor forma possível. A formação dos professores precisa ser contínua para que possam desenvolver práticas inovadoras a partir de situações adversas que possam surgir em suas rotinas de trabalho.
Depois de formados os professores, em sua práxis educativa, passam a estabelecer ações formativas a fim de proporcionar aos seus discentes e a todos os envolvidos no seu entorno de trabalho cotidiano, as melhores ações de ensino e aprendizagem dentro de suas condições de formação e atuação. Isso se torna relevante para o aprimoramento da profissão e o desenvolvimento de saberes a partir de trabalhos de pesquisa e de sua prática pedagógica diária, que deve ser sempre um fazer inovador em suas rotinas, principalmente quando existem questões distintas, como o crescente número de imigrantes nas escolas, uma vez que este é um fenômeno que ocorre sem que possamos gerir.
O que resta é entender este fato e torná-lo um motivador para o exercício da prática, criando modelos a partir dessa realidade, evitando discriminações e fazendo com que todos os discentes e atores, protagonistas ou não, da prática pedagógica, caminhem sem que ninguém possa ser abandonado neste processo.
O que percebemos é que, em Boa Vista/RR, as escolas municipais estão enfrentando uma série de dificuldades decorrentes de vários fatores, mas principalmente, pela intensificação do processo migratório venezuelano, desde 2015. Questões como diferenças culturais, idioma, falta de documentação dos imigrantes para realizarem suas matrículas e serem inseridas em séries adequadas ao seu grau de escolaridade, diferenças curriculares, dificuldade em integrar a família das crianças à escola, falta de recursos didáticos e metodológicos para lidar com esta nova realidade, despreparo dos professores para lidarem com os imigrantes, enfim, uma série de questões que precisam ser discutidas e estudadas.
METODOLOGIA
Para a presente pesquisa propomos um procedimento metodológico de abordagem qualitativa a fim de aprofundarmos os achados. Destacamos ainda que a investigação se caracteriza como uma pesquisa documental tendo em vista que foi realizada a partir de discussões teóricas decorrentes de periódicos sobre o assunto e, com a análise dos dados documentais disponibilizados pela Secretaria Municipal de Educação do Município de Boa Vista/RR, no ano de 2020.
Para Severino (2007, p. 122), no caso da pesquisa documental, tem-se como fonte documentos no sentido amplo, ou seja, não somente documentos impressos, mas, sobretudo outros tipos de documentos, tais como jornais, fotos, filmes, gravações, leis e decretos. Ainda afirma Severino (2007, p. 123) “nestes casos, os conteúdos dos textos ainda não tiveram nenhum tratamento analítico, são ainda matéria-prima, a partir da qual o pesquisador vai desenvolver sua investigação e análise.” Logo, destacamos que a pesquisa documental foi realizada por meio dos dados fornecidos pela Secretaria Municipal de Educação de Boa Vista-RR e discutidos a partir dos referenciais teóricos.
Destacamos, como processo de contextualização do cenário investigado, que o município de Boa Vista possui 124 escolas municipais, onde 107 encontram-se na zona urbana e 17 na zona rural. A proposta que ponderamos trabalhou com um olhar para todas as escolas municipais de Boa Vista, a fim de observar o fluxo de alunos migrantes matriculados no período de 2015 até setembro de 2020. A organização da análise para verificação dos resultados obtidos segue a proposta de uma análise descritiva dos dados. Este tipo de análise nos possibilitou um panorama da diversidade cultural, a partir de dados das escolas municipais de Boa Vista/RR.
DIVERSIDADE CULTURAL E O CONTEXTO ESCOLAR
Vivemos em um mundo onde a mistura de etnias, culturas, religiões, línguas e costumes estão em pleno crescimento. As barreiras de línguas e fronteiras já não limitam o andar entre nações. A nossa sociedade, hoje imensamente moderna e em pleno uso tecnológico, encontra menos barreiras para o avanço na aproximação entre os indivíduos das sociedades, mas, nem sempre foi assim.
Percebemos que os movimentos migratórios internacionais estabelecem um importante intermediário de transformação social no mundo moderno. Muitas pessoas enxergam, na imigração, uma possibilidade de sobreviver. Essa ideia é reforçada pelos meios de comunicação, quando apresentam os estilos de vida americanos e europeus, que seriam modelos de sucesso quanto a oferta de melhores condições de vida para aqueles indivíduos que, de alguma forma, sofrem em sua pátria. Entendendo esses fluxos migratórios, vários países no mundo precisam se adequar para essa realidade e isso significa aprendermos a viver em uma sociedade plural, onde o mais importante é respeitar esses diversos grupos e culturas que passam a constituir e fazer parte destas nações, como o Brasil.
Nossa sociedade é formada não só por diferentes etnias, mas também por migrantes de diferentes países. Ademais, as migrações colocam em contato vários grupos distintos. Sabemos que as próprias regiões brasileiras possuem características culturais bastante diversas e que a coexistência entre grupos diferenciados nos planos social e cultural é marcada por aprendizado, mas também pela discriminação. Logo, se a cultura é um conjunto de práticas e relações de atividades e atributos construídas pelos grupos (THOMPSON, 1998), vale destacar que havendo em uma mesma territorialidade diferentes grupos culturais, o processo educativo vai ser permeado pelas diversidades culturais de cada um desses grupos. Assim, no ambiente escolar deveriam ocorrer diferentes estratégias pedagógicas e diferentes reações a sua organização.
Desta forma, precisamos entender que a educação é vista como um processo sócio-histórico, ela não pode ser compreendida de forma isolada das relações sociais; a aprendizagem do educando se realiza à medida que ele se insere na realidade de uma forma crítica. Freire (2003) defende a necessidade de um sistema completamente novo de educação, que concentre suas maiores energias no desenvolvimento dos poderes intelectuais, onde a educação seja descentralizada, feita sob medida para a cultura local, regional, diversificada nos seus meios e recursos, objetivos e aspirações comuns.
Sendo assim, a escola precisa ser um local de aprendizagem, onde as regras do espaço público possibilitem a coexistência. Para isso, os processos de conhecimento cultural e as estratégias de comunicação articuladas para o processo de aprendizagem passam a ser fundamentais. O trabalho com a diversidade cultural ocorre a todo momento e reivindica que a escola alimente uma cultura baseada no respeito aos direitos humanos, a tolerância e a valorização da cidadania como direito a todos e que deve ser compartilhada sem distinções. O conhecimento não realizar-se-á por meros discursos, mas sim nas práticas de conhecimento e compartilhamento dos saberes culturais.
Neste contexto, precisamos ficar atentos para o grande desafio da escola que é o de identificar e reconhecer a diversidade como parte inseparável da identidade nacional e a apreciar a riqueza caracterizada por essa diversidade étnica e cultural que compõe o patrimônio sociocultural brasileiro, avançando para a valorização dos distintos grupos que compõem a sociedade.
Num mundo cada vez mais complexo, sente-se a enorme tentação de simplificar os fenômenos que ocorrem nas nossas sociedades, com o risco de considerar as diferenças como uma ameaça (SCHMECKIES, 2000). A escola está inserida numa dimensão cultural e apresenta-se como um lugar onde surgem relações de construção de conhecimento, mas também relações conflitantes. Este espaço físico representa um lugar de construção de conhecimentos e de valores, costumes e crenças relacionadas ao pertencimento das distintas culturas. Precisamos entender o termo cultura na perspectiva histórica pois se torna fundamental para identificar como essas relações afetam o processo de ensino e aprendizagem. Para Thompson (1998) o termo cultura reúne muitas atividades e atributos: ritos, modos simbólicos, os atributos culturais de hegemonia, a transmissão do costume de geração para geração.
Cultura é um termo emaranhado, que, ao reunir tantas atividades e atributos em um só feixe, pode na verdade confundir ou ocultar distinções que precisam ser feitas. Será necessário desfazer o feixe e examinar com mais cuidado os seus componentes: ritos, modos simbólicos, os atributos culturais da hegemonia, a transmissão do costume de geração para geração (THOMPSON, 1998, p. 22).
Esta consciência do multicultural provoca mudanças organizacionais, institucionais, curriculares e sociais. Neste contexto, a educação desempenha um papel primordial nessas mudanças, particularmente ao realizar e disseminar entre as crianças, jovens e adultos uma cultura de convivência baseada na consciência do direito à igualdade de oportunidades de todos os cidadãos. De acordo com Leite (2002, p. 136) “é na institucionalização de um discurso que defende o direito de todos à educação e à igualdade de oportunidades que se enraízam as ações educativas de resposta à multiculturalidade”.
Na perspectiva de Banks (1994) definir educação multicultural é uma tarefa abundante e intrincada, uma vez que hoje em dia, a educação multicultural, é fundamentalmente entendida com um conceito que engloba toda a formação sistemática que apresentará como objetivos: educação para todos; educação para a liberdade; desenvolvimento de competências de interação cultural; reflexão sobre a interdependência e coesão social; reformas educativas. Banks (1994) ainda se refere às dimensões da educação multicultural, indicando formas e caminhos que conduzem à concretização desta forma de viver em sociedade: uma pedagogia para a igualdade; a integração de conteúdos; o processo de construção do conhecimento; a redução de preconceitos e estereótipos; a promoção de uma estrutura escolar e social, valorizadas.
O professor multicultural e todos os atores envolvidos nos processos educacionais, precisam enxergar os alunos como pessoas únicas e diferentes, mas que estão ali, naquele ambiente, para se relacionarem e interagirem entre si de forma saudável e que possam trazer crescimento para todos, sem distinções. O professor, enquanto agente direto com seus alunos, deve estar atento em incentivar a troca de conhecimentos com os demais professores, através de materiais de aprendizagem e às próprias finalidades educativas. É importante que o professor saiba que os modelos e estratégias de ensino disponíveis para alcançar metas de aprendizagem multicultural, incluem a aprendizagem cooperativa e a resolução de problemas na comunidade e que o sucesso da sua atuação depende da sua capacidade de comunicação, reflexão e construção de conhecimentos.
Em síntese, não poderíamos dizer que se a atividade escolar for desenvolvida na linha de preocupações que anteriormente se referiram, os professores não poderão se limitar a ser apenas tradutores do conhecimento produzido por outros pois, na especificidade do seu campo de trabalho, produzem, com os dispositivos de especificação pedagógica, dois tipos de conhecimento: conhecimento etnográfico sobre os alunos, conhecimento de tipo pedagógico para e com os alunos.
Não podemos deixar de colocar que uma vez que mencionamos a figura da escola, estamos falando também de personagens importantíssimos neste contexto, como o coordenador pedagógico e o gestor escolar. Sem estas figuras ímpares o papel do professor pode ficar fragilizado e isolado. Logo, devemos pensar em todo este conjunto de atores, entendendo a educação como um espaço diversificado e rico que busca sempre, em conjunto, a primazia no processo de ensino e aprendizagem.
PROCESSOS MIGRATÓRIOS E AS PRÁTICAS EDUCATIVAS ESCOLARES EM BOA VISTA-RR
O surgimento de atividades institucionalizadas no campo da educação no Brasil esteve associado à presença de ordens religiosas que, com o propósito de catequizar e “capturar” almas, realizavam ações de educação formal em seus espaços de ação. Em Roraima temos também o registro de atividades desta natureza. Há, no entanto, um diferencial expressivo em relação ao papel das ordens religiosas no processo de desenvolvimento da educação roraimense. Em nosso Estado, a presença de ordens religiosas se deu de maneira descontínua com a predominância de diferentes grupos em diferentes momentos, sem uma relação de progressão ao longo do tempo.
Os textos que tratam dos primeiros movimentos no campo da Educação reportam-se às atividades desenvolvidas por missionários de diferentes ordens, como os Carmelitas, Beneditinos e Missionários da Consolata. No destaque de Purceno (1999, p. 59) “a participação de instituições religiosas estende-se ainda hoje na educação das mais antigas escolas de Boa Vista e de algumas comunidades indígenas”.
Desde o início de sua construção o Território Federal de Roraima passou por várias transformações, uma delas foi o desmembramento do Estado do Amazonas, considerando que na época as políticas administrativas do Território eram controladas pelo Estado do Amazonas. Portanto, depois dessa separação logo
[...] nos primeiros anos do Território Federal do Rio Branco - 1943 a 1964 -, o modelo administrativo estabelecido oficialmente permitia que os governadores fossem nomeados pelo presidente da República e indicados por políticos. O senador Vitorino Freire, do Partido Social Democrático (PSD) do Maranhão, foi o responsável pelas indicações durante parte dos anos 40 e 50. Depois dele, a influência foi exercida pelo único deputado federal que o Território elegia para a Câmara Federal. Diante das divergências políticas entre o “político” e o governador, esse era, quase sempre, exonerado e um outro indicado para o posto. Os governadores nomeados eram, em sua maioria, estranhos à região e com poucas experiências administrativas (MACEDO, 2004, p. 29).
A norma da organização de ensino no Território começou, oficialmente, “quando ocorre a criação do Território Federal do Rio Branco, que passou a denominar-se Território Federal de Roraima” (OLIVEIRA, 2016, p. 49). Apesar dessa informação relacionado ao início da organização do ensino no Território Federal de Roraima, de acordo com Oliveira (2016), a literatura que aborda a organização do ensino educacional roraimense não dispõe de documentação suficiente para essa informação. Deste modo, para obtenção dessa informação, utilizamos os escritos de Oliveira (2016) onde encontramos referência ao relatório do professor João Chrisóstomo de Oliveira apresentado ao governador do Amazonas,
No qual o professor relata o trabalho realizado no primeiro ano de funcionamento de Divisão de Ensino. Como primeiro chefe do órgão ele faz sugestões para a melhoria das escolas e agilização dos trabalhos na área educacional. Assim, boa parte da trajetória histórica e de organização do sistema de ensino roraimense tem esse relatório como referência(...) o Território Federal do Rio Branco foi criado em 13 de setembro de 1943, mas somente em 1945 começou a organização do sistema educacional com a criação da divisão de Educação, cujo objetivo era organizar e formalizar as bases das políticas educacionais e criar escolas (OLIVEIRA, 2016, p. 49).
A partir desse momento foram construídas várias escolas públicas no Território, deste modo, “Entre os anos de 1945 e 1949, temos a implantação oficial de várias das escolas que até hoje são representativas do sistema estadual de educação, na rede pública de ensino do Território Federal” (MARCONDES, 2017, p. 254).
Por outro lado, ao verificar o movimento de desenvolvimento do Território Federal, que apresenta nos anos de 1950 e 1970, um “crescimento pouco acentuado, não há registro do surgimento de escolas novas de grande porte na área urbana, apenas a criação, na década de 1960, de Escolas Indígenas e em localidades do interior” (MARCONDES, 2017, p. 255). Mas com a chegada dos militares no poder, o Território federal de Roraima ganhou uma atenção especial ao controle do regime, principalmente em relação as políticas educacionais, pois “assumiram os registros militares em cargos ministeriais e dirigentes, assim como em conselhos e comissões” (KAUFMAN; MARTINS, 2009, p. 258).
Deste modo a educação foi desenvolvida através de política pedagógica baseada na manutenção da segurança nacional o qual era o pilar da ideologia de um regime ditatorial. Assim foram criadas algumas escolas nesse período para mostrar para a população que educação escolar estava em pleno desenvolvimento. Outro ponto importante era a dificuldade encontrada ao desenvolvimento da educação na região, onde existiu a facilidade da construção de prédios escolares, “mas seu funcionamento eficaz ressente-se, no entanto, com a limitação de profissionais de educação com qualificação mínima requerida para a realização de uma docência e gestão escolar qualificadas” (MARCONDES, 2017, p. 260).
Com a transformação do Território Federal em Estado, ocorre um investimento de recursos expressivos que seriam destinados à criação de uma infraestrutura que assegurasse condições para sua sustentabilidade econômica autônoma, com menor dependência de recursos do governo federal e neste período, o investimento na realização de obras de base, como a construção de escolas, foi a tônica. O processo de criação de escolas de educação sinaliza a tentativa de resposta às necessidades educacionais da população que aqui se instalava.
Eram imensas as dificuldades de contratação de professores e demais profissionais com formação em nível superior, considerando-se a inexistência de instituições que ofereciam formação em nível superior até a década de 1990, o que interferiu diretamente no processo migratório de profissionais de outras regiões do país para Roraima a fim de ocupar esses postos de trabalho. Esta realidade histórica vai mudando ao longo dos próximos anos. No período de 2013 a 2020, a demanda na rede aumentou em 60%. Em 2013 eram 29 mil alunos matriculados, em 2020 são mais de 44 mil estudantes. Para suprir a crescente demanda, a prefitura de Boa Vista inaugurou 37 novas escolas e creches, reformou e ampliou mais 52, criando mais de 16 mil vagas na cidade (Prefeitura Municipal de Boa Vista, 2020).
Este aumento no número de alunos necessitando de vagas nas escolas municipais deveu-se a entrada e permanência de imigrantes, principalmente venezuelanos em Boa Vista. Por isso, vale ressaltar que as ações desenvolvidas no âmbito da educação básica requerem a presença de profissionais aptos à docência e atividades de gestão do sistema e de apoio aos educandos e professores que, para seu desenvolvimento, demandariam a formação destes profissionais em nível superior, ponto nevrálgico no processo de instalação do Estado.
Outro dado importante é que de acordo com dados oficiais do Censo Escolar de 2018, as escolas de Roraima, principalmente de sua capital, Boa Vista, têm recebido uma mescla de alunos, que vai desde discentes de diferentes classes sociais, credos, culturas, com necessidades especiais, indígenas, campesinos, imigrantes de outros estados brasileiros, imigrantes da República Federativa da Venezuela, da República Federativa da Guiana e da República do Haiti.
É preciso lembrar que a escola é um espaço social agregador de várias raças e culturas que precisam ter uma atenção diferenciada para tamanha diversidade. Ela tem um papel importante na inclusão destes alunos a fim de que todos possam gozar dos direitos a educação com igualdade e serem respeitados e reconhecidos quanto as suas diferenças.
Movimentos migratórios já ocorrem no Brasil desde sua colonização até seu estabelecimento como Estado-Nação. Entretanto, o país tem passado por um constante processo migratório principalmente por parte de seus países vizinhos que intensificaram sua vinda ao território brasileiro desde meados de 2015. Nos últimos anos 2016 e 2017, com a sanção da nova Lei de Migração no Brasil pautada pela defesa dos direitos humanos, pelo repúdio a discriminação e pelo tratamento igualitário, o fluxo migratório cresceu principalmente com a desordenada migração venezuelana para o estado de Roraima (SEABRA, 2017).
Diversas áreas da cidade estão passando pelo processo de recepção dos venezuelanos, assim se faz necessário avaliar e destacar quais os impactos que essa migração traz para a sociedade roraimense e apontar alternativas para o acolhimento dessas pessoas propiciando a inserção no meio social de forma a reconhecer e respeitar as diferenças para que haja uma verdadeira interação entre os povos. Estas áreas passam a ter implicação, inclusive a educação municipal, objeto deste estudo, que vem alterando suas rotinas escolares.
Temos clareza que Roraima é um estado marcado por processos migratórios nacionais e internacionais. Em virtude da tríplice fronteira BrasilVenezuela-Guiana, o trânsito entre os países é intenso. A situação econômica dos vizinhos (Venezuela e Guiana) motiva cada vez mais a vinda de imigrantes e refugiados em busca de melhores condições de vida, ou seja, educação, saúde e trabalho. Muitas famílias de imigrantes e refugiados desconheciam/desconhecem o direito de acesso ao sistema público brasileiro de saúde e educação e acabavam/acabam sendo excluídas.
A Organização Internacional para as Migrações registra que um milhão de venezuelanos deixou o país desde 2015 (SANTORO, 2018). O Brasil atualmente recebe um número cada vez maior de pessoas originárias de países como o Haiti, Bolívia e Congo além de pedidos de refúgio de pessoas que escapam de conflitos armados em países do Oriente Médio, África e Ásia (BÓGUS; FABIANO, 2015), e se tornou uma das principais escolhas dos refugiados venezuelanos especialmente em virtude de seu posicionamento fronteiriço, bem como suas políticas nacionais de imigração que facilitam ingresso e permanência no país.
A situação venezuelana provocou uma forte onda migratória para os países vizinhos da América Latina, principalmente o Brasil (VASCONCELOS, 2018). Enquanto na Colômbia e no Brasil existe um perfil concentrado de migrantes venezuelanos com estratificação social mais baixa, ligada à pobreza, os mais ricos migraram para os Estados Unidos da América, Europa, Peru, Argentina ou Equador.
É difícil ou quase impossível confirmar, exatamente, o número de venezuelanos que entraram no Brasil, no entanto, podemos dizer que na cidade de Boa Vista, enquanto principal reduto desta população, por ser a capital, onde se concentra a renda e o maior número de oportunidades procuradas pelos venezuelanos, os impactos são maiores. Em que pese os dados serem desencontrados, a Polícia Federal estima que foram cerca de 45 mil, e a quantidade cresceu rapidamente, ocasionando uma crise regional em Roraima, estado com infraestrutura frágil que tem sido sua principal porta de entrada no país (SANTORO, 2018).
Devido à crise econômica e política vivida na Venezuela, os venezuelanos passaram a migrar para o Estado de Roraima, aonde muitos chegam a andar 218 km a pé até chegarem a Capital Boa Vista (G1 RORAIMA, 2018). Desde 2015, o estado de Roraima vive uma experiência de chegada, em quantidade expressiva, de imigrantes e refugiados venezuelanos. Alguns vêm como imigrantes devidamente legalizados junto à Polícia Federal e outros fazem pedido de refúgio devido à crise econômica enfrentada pela República Bolivariana da Venezuela, alojando-se nas ruas de Pacaraima (cidade mais próxima da fronteira) e depois se deslocam para a capital Boa Vista (a aproximadamente 220 km de Pacaraima). A visibilidade e a quantidade de venezuelanos levam à adoção de medidas como a construção de abrigos e interiorização de imigrantes e refugiados para outras cidades do país.
Este fato visível é noticiado, inclusive, na imprensa nacional e internacional, revelando o que há muito tempo vem acontecendo em Roraima, na tríplice fronteira (Brasil-Venezuela-Guiana), tanto com venezuelanos quanto com guianenses e pessoas de outras nacionalidades, principalmente cubanos, haitianos, hondurenhos, peruanos, bolivianos e colombianos.
REALIDADE IMIGRATÓRIA NAS ESCOLAS MUNICIPAIS DE BOA VISTA-RR
Com o objetivo de analisar a diversidade cultural decorrente da imigração nas escolas municipais de Boa Vista/RR partimos para uma investigação junto a Secretaria Municipal de Educação de Boa Vista/RR, através do Observatório da Prefeitura Municipal, acerca do número de alunos imigrantes matriculados nas escolas no período de 2015 a setembro de 2020.
Esses dados foram absorvidos e pesquisados a partir do Censo Escolar - INEP - coletado em 18/09/2020 o qual subsidiou as referências e reflexões sobre o tema deste estudo e nos trouxe dados importantes da grande diversidade cultural em Boa Vista. Com isso, podemos pensar em como trabalhar as práticas pedagógicas em meio a esta realidade, que não é nova, mas se intensificou com a imigração venezuelana que aumentou muito de 2015 até os dias atuais devido à crise econômica e humanitária que assola aquele país.
Logo, temos um campo de análises vasto acerca da diversidade cultural e como os processos educacionais e pedagógicos se processam nestas escolas e como sua equipe pedagógica pode desenvolver os processos educacionais com tamanha diversidade, que vai desde o idioma até questões ligadas a conteúdo prévio de conhecimentos dos alunos, relações familiares e muitas outras questões.
No Gráfico 01 apresentamos a diversidade cultural presente nas escolas de Boa Vista/RR e, com isso, podemos visualizar a amplitude de ações que passam a ser pensadas pelos professores e gestores das escolas.
Este quadro nos mostra como a cidade de Boa Vista é margeada por diversas culturas. Com um dado significativo, vemos o aumento dos alunos venezuelano chegando a 5.938 no ano de 2020. Contudo, países como Guiana Inglesa, Haiti, Cuba, Guiana Francesa, Bolívia e Colômbia, também apresentam um percentual significativo de alunos estudando na rede municipal de ensino em Boa Vista/RR. O gráfico não apresenta os dados dos alunos indígenas, mas sabemos que também apresentam um percentual significativo e ampliam a diversidade cultural no ambiente escolar.
No que cabe a imigração venezuelana e os dados significativos de crianças venezuelanas nas escolas, temos que entre 2015 e maio de 2019, o Brasil registrou mais de 178 mil solicitações de refúgio e de residência temporária. Dessas solicitações, um percentual significativo entra no país pela fronteira norte do Brasil, no Estado de Roraima, e se concentra nos municípios de Pacaraima e Boa Vista, capital do Estado.
A partir de dados do Unicef Brasil de 2019, para acolher parte dessa população, 11 abrigos oficiais foram criados em Boa Vista e dois em Pacaraima. Eles são administrados pelas Forças Armadas e pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR). Mais de 6,3 mil pessoas, das quais 2,5 mil são crianças e adolescentes, vivem nos locais. Estima-se que quase 32 mil venezuelanos moram em Boa Vista/RR. Projeções das autoridades locais e agências humanitárias apontam que 1,5 mil venezuelanos estão em situação de rua na capital, entre eles, quase 500 têm menos de 18 anos de idade. Estima-se que 8.306 crianças estejam em idade escolar.
A partir desta realidade podemos verificar uma situação importante do ponto de vista pedagógico para as escolas de Boa Vista, especificamente, no que diz respeito a diversidade cultural. Trazemos à tona desafios para a atividade de ensino e aprendizagem nas escolas municipais, principalmente dentro das salas de aula, por parte dos professores. Em uma primeira escala, verificamos os desafios da língua materna haja visto que os professores não falam espanhol, inglês ou as línguas indígenas e precisam buscar métodos de compreender e serem compreendidos pelos alunos, uma vez que em suas salas de aulas aumentou o número de alunos daquela nacionalidade, a ponto de ser, em algumas escolas, mais de cinquenta por cento das turmas.
Em 27 de novembro de 2017, no site da Prefeitura Municipal de Boa Vista, a notícia destacava que uma das medidas tomadas, quanto à educação, foi colocada pela representante do Poder Executivo da Capital Boa Vista, que teve a iniciativa de propor a língua espanhola na grade curricular de todas as escolas municipais de ensino fundamental, contratar professores e assistentes venezuelanos para prestarem assessoria nas escolas com os alunos venezuelanos. E ainda elaborou um plano para que ocorressem capacitações em espanhol aos professores da rede pública para assim interagirem melhor com os alunos estrangeiros.
O município, em sua Proposta Curricular Municipal para Educação Infantil (2018, p.26) ressalta a questão da imigração vivenciada em Boa Vista nos últimos anos, enfatizando que essas crianças passam por uma rotina de integração social, se apropriando de novas aprendizagens e conhecimentos pré-estabelecidos. A cultura venezuelana apresenta sua influência na Rede Municipal de Boa Vista, com crianças falantes da língua espanhola. Em outra colocação da Proposta Curricular (2018, p.85) há o objetivo de explorar a sonoridade entre as línguas latino-americanas (espanhol e português), especialmente em locais com a presença de imigrantes latinos.
Barreto (2011) destaca que se de um lado os alunos estrangeiros e brasileiros necessitam criar ferramentas de integração, despojando-se de sentimentos de timidez e preconceito, buscando maior proximidade, cabe aos professores, coordenadores e diretores, no papel de dirigentes escolares, estar atentos a este novo cenário de diversidade étnica na sala de aula e ofertar estratégias para proporcionar essa integração.
Assim para os alunos imigrantes, aprender o idioma local é um dos passos necessários para a sua inclusão no ambiente escolar, contudo, a solidariedade e o espírito colaborativo da sociedade que o recebe é o que vai garantir que este se sinta atuante no grupo, podendo assim, além de se comunicar, interagir de forma efetiva, indagando, questionando, criticando e sugerindo, exercendo assim, o seu papel como qualquer aluno.
Outra forma de estreitar as relações entre os alunos imigrantes e brasileiros é a troca de cultura entre eles. Em muitas atividades realizadas em sala de aula pede-se aos alunos venezuelanos que compartilhem alguma brincadeira ou atividade da sua cultura, para que todos da turma tenham uma vivência de outra atividade cultural esta mesma atividade é desenvolvida com os brasileiros para que os alunos venezuelanos também possam conhecer melhor a sua cultura.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a proposta de analisar a diversidade cultural decorrente da imigração nas escolas municipais de Boa Vista/RR, a pesquisa evidencia o aumento significativo de alunos imigrantes, principalmente, entre os anos de 2015-2020 no município de Boa Vista/RR. O destaque fica para o expressivo aumento do número de matrículas de alunos venezuelanos ocasionado pela imigração maciça. Contudo, temos claro que decorrente de diferentes fatores (habitação, garimpo, crise social), Boa Vista/RR foi historicamente constituída por imigrantes e, consequentemente essa situação repercute nas práticas educativas ligadas a diversidade cultural das rotinas escolares.
Se faz necessário aqui demonstrar a grande importância da abordagem da diversidade cultural nas escolas, uma vez que é imprescindível desenvolver um ensino que procure atender a diversidade cultural de seus discentes. Incentivar e respeitar as diferenças e dar significados a elas, oportuniza e produz saberes em diversos níveis de aprendizagens - pois elas fazem parte de um processo social e cultural da nossa sociedade.
O enfoque parte das questões relacionadas a diversidade cultural e imigrantes que se veem, muitas vezes, obrigados a ocultar suas identidades e origens por não serem enxergados em suas peculiaridades e riquezas de conhecimentos já preexistentes de suas culturas maternas. A análise sobre estes aspectos permeia questões ligadas às políticas públicas, com principal enfoque as educacionais e os imigrantes. O Brasil é multicultural e estamos inseridos em um contexto global onde os processos migratórios estão cada vez mais presentes e em grande expansão por diversas questões.
A grande diversidade de alunos imigrantes, principalmente venezuelanos, nas escolas municipais de Boa Vista-RR, nos traz uma grande reflexão: As escolas estão preparadas para recebê-los, os professores e todos os atores envolvidos no processo educativo estão cientes dos seus papéis e estão capacitados para atender a esta demanda, que apesar de não ser nova, se mostra cada vez mais presente e exige mais das instituições educacionais? Longe de concluir, os dados aqui analisados nos direcionam para a investigação das práticas educativas culturais que impulsionam as propostas das diversidades nesta realidade imigratória.