Introdução
No transcurso de 1885 ocorreram os primeiros movimentos para a emergência da colônia de Antônio Prado, na serra gaúcha, Rio Grande do Sul (RS). Após quatro anos, duas aulas1 eram ministradas no barracão dos imigrantes na sede daquela colônia, sendo que a do professor Sérgio I. de Oliveira contava com 47 alunos e era ministrada em português para meninos (Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami [AHMJSA], 1890b). Posteriormente ocorreu a nomeação do professor e essa aula constitui o primeiro indício de uma escola pública na localidade.
Na política colonizatória entre o final do Império e início da República, em contexto gaúcho, é que se insere a proposta de investigação do presente artigo que buscou mapear a constituição da docência nos processos de escolarização que foram instituídos na colônia e posterior município de Antônio Prado no Rio Grande do Sul, em especial dos professores2 que atuaram nas aulas públicas. Compreender quem foram, como se tornaram docentes, o tempo que permaneceram na função e se exerciam outras atividades além da docência são pontos que nos mobilizaram. Rastros das relações e sociabilidades dos sujeitos que se dedicaram à atividade docente, de modo a participarem da história da educação de Antônio Prado - RS foram investigados. Assim sendo, o objetivo foi analisar os itinerários de professores das escolas públicas de Antônio Prado/RS em suas múltiplas relações: formação, nomeação, atuação, funções e redes de sociabilidade no recorte temporal de 1885, início da colônia até 1920, quando foi realizada a instalação3 do Colégio Marista.
Os documentos que compõem a empiria são constituídos por correspondências e relatórios da intendência de Antônio Prado arquivados no Arquivo Histórico Municipal de Antônio Prado [AHMAP]e ofícios emitidos pela Comissão de Terras e Medição de Lotes da ex-colônia de Caxias, arquivados no Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami [AHMJSA], além de jornais disponíveis na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. O ofício do historiador da educação envolve o “[...] ordenamento e racionalização do vivido, a história nasce como este trabalho artesanal, paciente, diuturno, solitário, infindável que se faz sobre os restos, os rastros, sobre os monumentos que nos legaram [...] pedem deciframento, solicitam compreensão e sentido” (Albuquerque, 2019, p. 30). São rastros dispersos, nuances de existências de professores, de suas presenças em aulas em diferentes condições que buscamos mapear e dar sentido.
Tecer olhares sobre os sujeitos requer um nível de interpretação diferente, mirá-los com lupa. O fazemos pelo viés da micro-história pensada como “[...] uma prática e, em especial, uma aposta, uma discussão: é uma tentativa de trabalhar mudando a escala de leitura da realidade [...]” como afirma Levi (2017, p. 166), pois para além de nomear ou listar professores atuantes de 1885 a 1920, as minúcias são investigadas para compreender, se não quem foram individualmente, mas aspectos e pontos de contato de seus itinerários de vida. Ao mirar com a lupa ou microscópio percebemos que “[...] se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas - sinais, indícios - que permitem decrifrá-la” (Ginzburg, 2003, p. 177). A partir dos diversos documentos perscrutamos os sinais, os indícios para compor a análise e a narrativa que apesentamos a seguir.
O artigo está organizado em dois momentos: no primeiro, contextualizamos o local pesquisado - Antônio Prado - e seu deslocamento de núcleo colonial para a constituição como município; no segundo, os itinerários de professores que atuaram, em especial, nas aulas públicas. Ao final, algumas considerações, a modo de conclusão.
Do núcleo colonial ao município, uma breve contextualização
Transcorria o ano de 1885 e a colonização da Região Colonial Italiana (RCI) recebia um fluxo migratório elevado, evidenciando demanda por novas terras. O território de Antônio Prado pertencia então a Vacaria/Rio Grande do Sul (Barbosa, 1980) e se tornou um núcleo colonial. Quanto à denominação, o nome foi justificado de forma elogiosa, afirmando que “[...] o novo núcleo recebeu o nome de ‘Antônio Prado’4 como merecida homenagem aos serviços prestados à colonização da província pelo honrado estadista que tem a seu cargo presentemente a pasta da agricultura, comércio e vias públicas” (Relatório da Inspetoria..., 1887, p. 23, grifo do autor).
O mesmo relatório apresentava o resultado do trabalho da Comissão de Terras que entre 1885 e 1886 havia realizado a medição de 391 lotes, aberto caminhos vicinais e picadas, bem como estabelecido cerca de 400 imigrantes. A mão-de-obra dos imigrantes foi empregada para abertura das estradas e o pagamento os ajudava no sustento dos primeiros tempos, enquanto construíam suas casas e realizavam as primeiras plantações. O relatório informava que “[...] nas linhas dos lotes foram construídos 13 ranchos de madeira onde se abrigam os imigrantes até que tenham concluído a construção de suas moradas provisórias” (Relatório da Inspetoria..., 1887, p. 24).E ainda expunha que “[...] foi mister fundar um novo núcleo dotado com os necessários elementos para o bem estar e prosperidade dos imigrantes que ali se estabelecerem, os quais já não encontram fácil colocação nos antigos territórios que se acham quase inteiramente ocupados” (Relatório da Inspetoria..., 1887, p. 23).
A ocupação da colônia Antônio Prado, na serra gaúcha, aconteceu com sucessivas levas de imigrantes recém-chegados, em sua maioria, da península itálica, que eram assentados em lotes mensurados e distribuídos pela Comissão de Terras. Em 1890, foi possível verificar um aumento de registros produzidos pela Comissão de Terras e Lotes de Antônio Prado concernentes ao assentamento de imigrantes, nestes movimentos aparecem os primeiros indícios deum professor e uma professora que atuaram no local, ainda no barracão dos imigrantes. Assim, existiu a emergência da colônia simultaneamente com as primeiras formas de escolarização e de atuação dos docentes.
O crescimento do núcleo colonial e da ocupação dos lotes resultou, em 11 de fevereiro de 1899, na autonomia administrativa do local, tendo sido emancipado do município de Vacaria. A partir de então, foram estabelecidas as bases do sistema político-administrativo local e o intendente5Innocencio de Mattos Miller assumiu a administração (Biavaschi, 2011). As primeiras décadas do município foram marcadas pela presença de republicanos e Innocencio6 administrou Antônio Prado por 24 anos, licenciando-se apenas entre 1907 e 1910, em favor do seu vice Cristiano Ziegler (Barbosa, 1980).
Em meados do século XX, o pequeno município caracterizado pela presença de imigrantes e descendentes de italianos7, católicos e, em maioria, agricultores estabelecidos em áreas rurais. A população contabilizava, em média, 10.000 habitantes (A Federação, 1909). Com o passar dos anos, ocorreram melhorias nas vias de acesso e escoamento da produção agrícola para a capital, uma das demandas mais recorrentes dos moradores.
Em 1911 foi fundada a Cooperativa Agrícola, Clube União e Sociedade de Mútuo Socorro. Em fins de 1912, Giuseppe Antoniuti criou um cinema familiar. Em 1915 a linha telefônica passou a ligar distritos e municípios limítrofes (Bernardi, 2020). Um ano depois inicia o jornal O Pradense. O predomínio de atividades agrícolas e serrarias multiplicaram-se (Barbosa, 1980). Merece destaque a emergência de cinco agências bancárias e de dez hotéis na sede, estes, em 1914, tiveram um movimento de 1.139 pessoas (Barbosa, 1980).
Assim, é possível observar mudanças, mas a análise detalhada mostra que, por exemplo, mesmo no auge da Cooperativa, após 1914, o Cooperativismo foi pouco desenvolvido no município (Antônio Prado: como ele..., 1972), o que caracterizou o período por certa estagnação. A possibilidade de reemigrar para o noroeste do Rio Grande do Sul, assim como as novas colônias particulares no oeste de Santa Catarina e Paraná, tornou-se uma opção atrativa para muitas famílias. O êxodo, entre 1900 e 1915, foi de, aproximadamente, 30% da população (Bernardi &Luchese, 2020). O intendente evidencia o período como uma “[...] crise apavorante cujos efeitos malignos se estendem por toda a parte” (Arquivo Histórico Municipal de Antônio Prado [AHMAP], 1915, p. 3). Ao longo da década de 1920, mesmo que lentamente, o município retomou o crescimento8.
A sede do município, apesar de relativamente pequena, tinha um fluxo maior de pessoas e de serviços, com predomínio de atividades administrativas, comerciais e financeiras. O interior, com exceção das sedes das capelas9, seria caracterizado por minifúndios policultores e mão de obra familiar.
Itinerários de professores públicos em Antônio Prado
O barracão dos imigrantes da sede foi finalizado em dezembro de 1886 (Bertaso & Lima, 1950). Sabe-se que por, no mínimo, uma década abrigou imigrantes que, após, eram destinados aos lotes para estabelecimento definitivo. No barracão, de forma provisória, as famílias moravam e outras atividades eram desenvolvidas, a exemplo das missas (Cinquantenario..., 2000), além do cuidado com os enfermos, conforme registros do Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami (AHMJSA, 1889). E ali, da mesma forma, iniciam as aulas no barracão, antes mesmo da criação ou construção de espaços específicos.
Em 1890, os Inspetores10 registraram um ofício explicando que no barracão havia uma aula do sexo feminino regida pela professora italiana Genoveva e uma aula masculina11, por um ‘professor brasileiro’ (AHMJSA, 1890a). Percebemos que o movimento da criação de ambas, ocorre concomitantemente às primeiras iniciativas, evidenciando a importância das aulas na vida dos residentes, ainda mais por cederem o espaço do barracão que já era dividido, por outras ações, para o andamento das tais atividades de ensino.
A família do professor Sérgio I. de Oliveira permaneceu um longo período em Antônio Prado. Ele tinha filhos de até dez anos, frequentando suas aulas no barracão (Barbosa, 1980), que posteriormente casaram e permaneceram no local. Barbosa (1980) explica que a aula de Sérgio em 1890 seria pública, porém se percebe que essa informação parece distorcida por um ano de diferença, já que os indícios levam a crer em uma aula inicialmente particular. A Comissão declarou em ofício de maio de 1890 que ignorava conhecer aulas públicas no núcleo (AHMJSA, 1890c), em julho existiu a sugestão de nomeação de um professor (AHMJSA, 1890a), e só em 1º de fevereiro de 1891, Sérgio foi designado12 para a regência da aula de sexo masculino em Antônio Prado (A Federação, 1891). Dos alunos do professor Sérgio, a lista localizada (AHMJSA, 1890b) indica a frequência de estudantes com idades entre sete e 12 anos. Da trajetória profissional do professor Sérgio nada foi localizado anterior a 1890.
Chama atenção a intensa circulação do professor. De 1898 a 1901, Sérgio ministrava aula em Bom Jesus (Relatório..., 1898; A Federação, 1901), de 1903 a 1906 atuou em Mato Perso (A Federação, 1903, 1906), em 1907 em São Francisco de Paula e em 1908 em Criúva (A Federação, 1908a). Lebrun (1935) informa que Sérgio foi jubilado como professor público estadual. Apesar de pouco sabermos sobre o período total de atuação de Sérgio, ele e Genoveva foram considerados os primeiros professores de Antônio Prado (Barbosa, 1980).
Genoveva De Nale, em 1890, tinha 13 anos13 quando ministrava as aulas em italiano para as meninas no barracão. Nascida em 1877 em Arsiè, província de Belluno, ela emigrou junto com seus pais e alguns de seus irmãos por volta de 188614. A família teria se estabelecido na Linha Almeida, lote 28, distante da sede, na data de 15 de dezembro de 1886 (Costa, 2007). A família De Nale possivelmente não passou pelo barracão, já que o término de sua construção ocorreu em 1887 (Bertaso& Lima, 1950). Apesar do lote longe da sede, é possível ver deslocamentos frequentes, alguns dos irmãos de Genoveva nasceram e, em 1892, sua irmã Cecília faleceu e foi enterrada na sede15. Em 1896 Genoveva já estava casada e com filhos. Como professora, Genoveva nos faz pensar sobre sua própria formação. Tendo iniciado a docência com 13 anos, imigrado com nove anos, questionamos que processo escolar viveu para legitimá-la como professora e, neste sentido, parece ser interessante lembrar o que Luchese e Grazziotin identificaram.
Professoras leigas, algumas com poucos anos de escolarização, que, pela ligação com o espaço comunitário, pela necessidade e oportunidade surgida, fizeram-se professoras. No decorrer da carreira, encontraram assento nos cursos de aperfeiçoamento, nos colégios de formação docente ou pelo autodidatismo, construindo oportunidades complementares de profissionalização. Trata-se de experiências docentes ligadas ao espaço comunitário, com sentido social valorizado por eles a ponto do professor ser catequista, conselheiro, líder comunitário (Luchese & Grazziotin, 2015, p. 354).
A professora Genoveva permaneceu por muitos anos atuando como docente particular no que denominamos de escola italiana. Quando se tratam de escolas em Antônio Prado e na região, é possível identificar, como mencionado por Luchese (2015) e Rech e Luchese (2018), diferentes tipologias. Existiam as denominadas escolas italianas com diferenças marcantes entre aquelas urbanas e rurais, entre as mantidas por Associações laicas ou de mútuo socorro, as vinculadas a Congregações religiosas caso de salesianas e scalabrianas e, por fim, as escolas étnico-comunitárias mantidas pelas famílias de uma comunidade. Em 1908, constam duas escolas italianas mistas em Antônio Prado, frequentadas por 129 estudantes, sendo 79 meninos e 50 meninas (Ministero..., 1908, p. 14).
Além disso, merecem destaque as escolas públicas que também eram diversificadas. Escolas públicas estaduais poderiam ter professor nomeado ou subsidiado16. No período em estudo, as escolas estaduais funcionavam em espaços alugados, cedidos pelo município ou comunidade. Segundo Werle (2005), as subvenções concedidas pela instância estadual aos municípios tinham o intuito de difundir o ensino público e eram pagas trimestralmente a partir da apresentação de atestados de exercício (efetividades), com o ciente do subintendente ou inspetor de ensino.
Como escolas públicas, eram consideradas ainda aquelas criadas e mantidas pelo município e as subvenções municipais, que também foram identificadas. A seguir, na tabela 1, apresentamos as escolas públicas estaduais de Antônio Prado - em três anos diferentes - 1901, 1903 e 1906. É possível verificar as mudanças de localização das escolas, bem como a permanência ou não dos professores. Destacamos outra questão interessante para o período - aulas criadas e não providas. Caso da 11ª aula que entre 1903 e 1906 não foi provida por professor estadual. O não provimento das aulas foi recorrente em todo o RS.
Nome da aula | Masculina ou feminina ou mista | Localização | Professor(a) | ||
---|---|---|---|---|---|
Ano | |||||
1901 | 1903 | 1906 | |||
1ª aula | Masculino | Vila | João Carneiro de Mesquita | José Victor de Castro | José Victor de Castro |
2ª aula | Feminina | Vila | Delphina Maeffer | Delphina Maeffer | Delphina Maeffer |
3ª aula | Masculino | Nova Treviso | Francisco Bussato | Francisco Bussato | Francisco Bussato |
4ª aula | Masculino | Linha Castro Alves | Florencio José da Silva | Florencio José da Silva | Florencio José da Silva |
5ª aula | Mista | Linha 10 de Julho17 | Natalina Maeffer | Natalina Maeffer | Natalina Maeffer |
6ª aula | Mista | Nova Roma18 | Georgina Leitão Neves19 | Maria Antonieta de Almeida e Silva | Vaga |
7ª aula | Mista | 25 de abril (subúrbio da vila) | Julieta Leitão Neves | Luiza Prestes | Virgínia Barbosa de Oliveira |
8ª aula | Masculino | Linha Almeida20 | vaga | Caetano Saretta | Luiz Facchini |
9ª aula | Masculino | Linha Carvalho21 | João Brolhi | João Brolhi | Magdalena Meneguzzo |
10ª aula | Masculino | Linha Trajano | inexistente | Vaga | Joaquim Borges de Castilhos |
11ª aula | Masculino | Linha Candida | inexistente | Vaga | vaga |
Fonte: elaborado pelas autoras a partir do decreto nº 366 (1901), decreto nº 591 (1903) e decreto nº 911 (1906).
Na tabela 1, além de remoções e transferências relativamente constantes, chamamos atenção para a nomeação, por exemplo, das irmãs Natalina e Delphina, ambas formadas na escola normal de Porto Alegre. Também eram irmãs Georgina e Julieta. Mas foi possível estabelecer outras redes de sociabilidade e parentesco, como esclarecemos adiante. Na tabela 2, após o levantamento de diversos documentos mobilizados22, apresentamos os professores que atuaram em Antônio Prado entre 1890 e 1910. Para leitura das tabelas 2 e 3, a seguir, ano-ano significa que há registros do professor atuando no período datado, já ano, ano significa que no primeiro e segundo ano referenciados foram encontrados registros da atuação. Para ‘Após 1920’ não precisamos o término da atuação. Quanto ao uso das siglas: EMS = Escola municipal subvencionada; EPE = Escola pública estadual; EES = Escola estadual subvencionada; EMES= Escola municipal e estadual subvencionada, pois não era fixo o subsídio, variando no período em estudo.
Nome do professor (a) | Tipologia Escolar | Anos que há registro do professor atuando | Nome do professor (a) | Tipologia Escolar | Anos que há registro do professor atuando |
---|---|---|---|---|---|
Sérgio Ignácio de Oliveira | Escola pública estadual | 1890, 1891 | José Victor de Castro | EPE | 1898-1903, 1907 |
Genoveva De NaleScotti | Particular | 1890-1913 | Virgínia Barbosa de Oliveira | 1905, 1906 | |
Florencio José da Silva | EPE | 1899, 1901, 1903, 1905, 1906 1909 e após 1920 | Gaetano Boscato | Particular | Primeira década de 1900 |
João Carneiro de Mesquita | EPE | 1899-1901 | Antonio Breda | Primeira década de 1900 | |
Georgina Leitão Neves | EPE | 1901 | Julieta Leitão Neves | EPE | 1901 |
Delfina Maeffer | EPE | 1898-1903 | Adélia de Figueiredo Menezes | 1905, 1907 | |
José Henrique Pereira Porto | Até 1898 | Dorvalino da Silva Cruz | 1907 | ||
Natalina Maeffer23 | EPE | 1900, 1901, 1903, 1905, 1906-1910 | Licinio Oliveira Mendes Sobrinho | 1907 | |
Maddalena Meneguzzo24 | EES | 1902-1903, 1917 e após 1920 | Luiz Machado Rosa | 1907 | |
Maria Antonietta de Almeida | EPE | 1903 | João Pereira da Rosa | 1908-1910 | |
Luiza Prestes | EPE | 1903 | Manoel Cardoso de Oliveira Sobrinho | 1909 | |
Caetano Saretta | EPE | 1903 | Claudino Antonio da Ventura Homem | 1909 | |
João Brolhi | EPE | 1901, 1903, 1904 | Luiz Facchini | 1906 | |
Joaquim Borges de Castilhos | 1904, 1909 | Alcides de Mattos Miller | EMS | 1910-1914 | |
Francisco Busatto | EPE | 1899, 1900, 1901, 1903, 1905, 1906 |
Fonte: elaborado pelas autoras, em sua maioria, pelos documentos localizados no AHMAP e demais documentações investigadas e referenciadas neste trabalho.
Pela lista é possível verificar um total de 29 professores. No que se refere à quantidade de aulas públicas, Antônio Prado - RS passou por uma impermanência. Até 1899 funcionavam três aulas. Depois disso, de três a nove aulas até 1910, sendo que a impermanência está atrelada à rotatividade de professores, verificada pelos anos de registros do professor atuando no município. Alguns atuaram por um curto período em uma escola interiorana, deslocando-se de municípios distantes para lecionarem em Antônio Prado. Mesmo assim chama a atenção o número elevado no quadro docente para uma localidade pequena e pouco populosa, principalmente em se tratando de questões burocráticas (contratação e designação do profissional).
O intendente Innocêncio pedia auxílio financeiro e humano ao Estado, sendo atendido muitas vezes. Deve ser considerado, como exposto por Biavaschi (2011) que o intendente seria um dos que mais recorria ao governo, com práticas de clientelismo e coronelismo25. Certamente este não é um fato restrito a Antônio Prado, pois o RS se caracterizou pela expansão da rede escolar do Estado, difundido por meio de subvenções em áreas colonais (Rech & Luchese, 2018).
Com relação à proveniência, percebemos que a maioria dos professores não era de Antônio Prado, sendo oriundos de Porto Alegre ou de outros municípios, habilitados em exames de suficiência e destinados às diversas regiões do Estado, o que explica em parte a circulação, as remoções e os pedidos de transferência. Merece atenção a questão do processo de ensino e aprendizagem ocorrido no interior das aulas com professores falantes de português e estudantes que eram imigrantes ou filhos deles, o que exigia adaptações e táticas para ensinar e aprender.
Referente à seleção de docente, localizamos uma lista como o nome e a marcação de exames orais. Vários professores atuantes em Antônio Prado prestaram os exames orais para a seleção em julho de 1905 realizado na Secretaria da Inspetoria Geral da Instrução Pública em Porto Alegre. Foi o caso do dia 09 de julho em que Francisco Busatto, Florêncio José da Silva, Joaquim Borges de Castilhos e João Pereira da Rosa participaram. Já Maddalena Meneguzzo e Adélia do Figueiredo Menezes realizaram o exame no dia 10 e João Evangelista Andrade Saraiva, no dia 14 (A Federação, 1905a). Depois, foi registrado um chamado para “[...] o provimento das escolas rurais do Estado” (A Federação, 1905b, p. 2). Quatro dos professores que realizaram o exame estavam atuando em Antônio Prado em 1905, conforme tabela 1.
Com a emancipação houve incremento de professores e escolas. Chama atenção a predominância de professores de origem lusa e, também, o caso de Claudino Antonio da Ventura Homem, residente em 1909 em Antônio Prado. Em 1900 ele era professor de uma aula em Pinheiral, Santa Cruz (A Federação, 1900), depois foi deslocado para Soledade, solicitou mudança para Taquara em 1907 tendo sido indeferido (A Federação, 1907) e após um ano foi concedida a remoção para Antônio Prado (A Federação, 1908c).O exemplo de Claudino não foi isolado e as dificuldades de adaptação, ou mesmo de estabelecer-se em municípios distantes, gerou constante movimento de docentes, bem como muitas aulas que deixavam de ser providas por anos. Na próxima tabela, apresentamos os professores que atuaram entre os anos de 1911 a 1920. A leitura das datas e das siglas segue a explicação da tabela anterior.
Nome do professor (a) | Tipologia da escola | Anos que há registro do professor atuando | Nome do professor (a) | Tipologia da escola | Anos que há registro do professor atuando |
---|---|---|---|---|---|
Jacob Fernando Callegari | EMS | 1911 e 1º semestre de 1912 | Amabilia De Luchi | EMS | 1914, 1915 |
Miguel Frigotto | EMS | 1912, 1915, 1917 e após 1920 | AntonioTondello | EMS | 1914, 1915, 1919 e após 1920 |
Caetano Reginatto | EMS | 1912-1917 | Verginia De Boni | EMS | 1914, 1915 |
João Tavares de Carvalho | EPE | 1910-1912 | Thereza Antoniutti | EMS | 1914 e após 1920 |
Affonsina Villas Boas | EPE | 1912-1913 | Attilio Camozatto | EMS | 1915, 1917 |
Maria Lunardi | EMS | 1913, 1915, 1917 e após 1920 | João Tondello | EMS | 1916 e após 1920 |
Albano Donadel | EMS | 1913, 1915-1917 e após 1920 | Isidoro Menegat | EMS | 1916 |
Antonio Camozatto | EMS | 1913, 1915, 1917 | Ercilia Meneguzzo | EMS | 1917, 1919 |
Josephina Sega | EMS | 1913, 1915-1917 | Lysippo Lisboa | EMS | 1910-1917 |
Angelo Fantinelli | EMS | 1913, 1915, 1917 | Emilio Mondadori | EMS | 1917 |
Armando Pinheiro da Costa | 1913 | Rosário Frigotto | EMES | 1918 | |
Orozimbo Zanetti | EMS | 1913, 1915, 1918 | Aires Meneguzzo | EMS | 1918 |
Guido Andreoni | EMS | 1913, 1915, 1919 e após 1920 | Stanislao Polesso | 1918 | |
Marcelo Fianco | EMS | 1913, 1915, 1917 | Castorina Albernaz | EMES | 1918, 1919 e após 1920 |
Pascoal Meneguzzi | EMS | 1914, 1915, 1917 e após 1920 | Erina Dal Molin | EMES | 1919 |
Arthur Bogoni | EMS | 1914, 1915 e após 1920 | Dosolina Zatti | EMES | 1919 |
Inez Mondadori | EMS | 1914, 1915, 1917 | Josephina Bernardi | EMES | 1919 e após 1920 |
Carolina Pansera | EMS | 1914, 1915 e após 1920 | Angelina Mondadori | EMES | 1919 |
Normelia Amorim Saraiva | EMS | 1914, 1915 | José Bogoni | EMES | 1919 |
José Fialho de Vargas | EPE | 1910-1913, 1916 | Rosa Andreoni | EMES | 1919 e após 1920 |
João Evangelista Andrade Saraiva | EPE | 1912, 1915 - 1917 | Teresa Donadel | EMES | 1919 e após 1920 |
Carlos Mantovani | EPE | 1915 - 1917 | Justino Vieira Albernaz | EES | 1917 e após 1920 |
João Baptista Marchesan | 1915 | Corona Frigotto | EMES | 1920 | |
Marcos Baptistin | EMS | 1914-1917, 1919 e após 1920 | Bertha Hornos | EMES | 1920 e após |
Fonte: elaborado pelas autoras, principalmente pelos documentos localizados no AHMAP e demais documentações investigadas e referenciadas neste trabalho.
Os 48 professores supracitados iniciaram as atividades entre 1911 e 1920 em Antônio Prado - RS. Assim, o período ficou caracterizado pela inserção de imigrantes e filhos que moravam em Antônio Prado. Com o decreto nº 1895 (1912)26 ocorreu a expansão da escolarização em virtude dos subsídios fornecidos pelo Estado. E em virtude do art. 2, a municipalidade passou a realizar os exames de seleção aumentando a possibilidade de um residente assumir, o que gerou novas dinâmicas no ambiente escolar.
A expansão após 1912 possibilitou a inserção demais professoras. Aragão e Kreutz (2010, p. 110) afirmam que “[...] lecionar traduziu-se na saída para as mulheres que desejavam se dedicar a outras atividades, sem precisar abandonar o lar e os filhos, já que era possível trabalhar somente meio período [...]”, o que paulatinamente afastou os homens que acabaram buscando outras profissões (Jacques, 2015). Os sujeitos, como propõe Hall (2006, p. 11, grifo do autor), podem ser vistos como seres sociais, pois cada qual será “[...] formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais ‘exteriores’ e as identidades que esses mundos oferecem”.
A construção de uma rede de relações como um grupo ‘professores’ mostraram narrativas produzidas pelo coletivo e ao mesmo tempo com especificidades próprias de cada sujeito, atreladas aos pertencimentos e processos (des)construídos. Pelas tabelas anteriores, chama atenção o curto período de atuação dos professores e, para uma análise mais detalhada, produzimos a figura 1 que segue.
A figura 1 reafirma a impermanência do período investigado. É possível verificar que a maioria dos professores atuou por curtos períodos, de um a três anos, em Antonio Prado. Um número menor permaneceu de cinco a sete anos e somente alguns deles lecionaram dez ou mais anos no local. Dentre aqueles que permaneceram por mais anos, elencamos Florêncio José da Silva, Maddalena Meneguzzi e Genoveva Scotti por mais de duas décadas; já Miguel Frigotto entrou antes do decreto nº 1895 (1912) e permaneceu ao menos mais de uma década, seguido de Maria Lunardi, Albano Donadel, Guido Andreoni, Pascoal Meneguzzi, Arthur Bogoni, Carolina Pansera, Marcos Baptistin, Antonio Tondello e Thereza Antoniutti que entraram logo após o decreto e constam em registros atuando no ensino após 1920 (Almanak Laemmert, 1926)28.
Para explicar a impermanência podemos pensar nos salários, todavia em Antônio Prado não identificamos diferenças de valor que independem da localização ou de ser aula masculina, feminina ou mista. Entre os anos de 1912 e 1920, o professor recebia 600$000 réis anuais, mesma quantia de um inspetor municipal (AHMAP, 1914-1923) mensais, sendo o salário era pago de forma trimestral. Em 1914, para efeito de comparação29, o intendente Innocencio recebeu 3:000$000 anuais e o secretário do Conselho 420$000 (AHMAP, 1915).
Além dos salários, uma das práticas comuns foi a gratificação, que iniciou ainda em 1899 e era distribuída aos professores que remediassem a falta de outros em aulas que não estavam preenchidas (AHMAP, 1912). Até 1912 elas correspondiam a 30$000 mensais, momento que passaram a 50$000, mesmo valor de outros locais que também a praticavam no Estado (A Federação, 1913a). Esta última quantia era equivalente a outro contrato, apesar de o professor não poder contar com o valor de forma fixa. É possível ver que os salários dos professores primários do Estado eram baixos (Corsetti, 1998) e em Antônio Prado era comum o atraso e mesmo a falta de pagamentos30 (AHMAP, 1899-1913). Além da questão salarial, a distância com relação à família, ao local para residir, aos materiais escolares disponíveis e todo um conjunto de variáveis que constituem a aula, os estudantes e as famílias, bem como outras condições, podem ter interferido na decisão de permanecer ou não em Antônio Prado e mesmo na docência.
Os professores, para além da docência, possuíam vínculos e criaram relações com as comunidades. Ademais da função educativa, é importante compreender as dinâmicas e as complexas relações que estabeleceram (Bensa, 1998). Valorizar as relações desses sujeitos com o meio social trazendo a história deles e suas experiências nesse ambiente (Burke, 1992), pois como Revel (1998, p. 25) explica “[...] não basta que o historiador retome a linguagem dos atores que estuda, mas que faça dela um indício de um trabalho ao mesmo tempo mais amplo e mais profundo: o de construção de identidades sociais plurais e plásticas que se opera por meio de uma rede cerrada de relações”.
A redução de escala de observação pensando nos professores permite “[...] compreender como se constituem configurações e processos sociais, mediante o estudo intensivo e aproximado de seus movimentos, seus agentes e suas fontes” (Aquino, 2019, p. 28). Os vínculos encontrados entre os sujeitos e situações políticas locais é um dos pontos. O professor Caetano Reginatto, por exemplo, atuou em Nova Roma na década de 1910, além disso, foi agente do correio (Almanak Laemmert, 1917), passou a delegado (Relatório..., 1920), foi vice-intendente de Innocencio de Mattos Miller, para então assumir como intendente (Biavaschi, 2011). Caetano foi o 2º intendente de Antônio Prado. Reginatto integrava família numerosa com boas condições financeiras. Era um dos filhos mais novos de Antonio Reginato II e Lucia Gazzola. Nascido em 1885 na Itália, imigrou na infância. No Brasil, casou-se com Edviges Araldi em 1913 (Antônio Prado (RS), 1913). Na Revolução Federalista de 1893, o pai foi assassinado (Barbosa, 1980) e a maioria dos filhos era jovens. Uma possível motivação pessoal para a posição que Caetano assumiu com relação à política.
Ele ainda participou de ações externas às das escolas, marcando presença e atuação em diferentes frentes, caso de eventos religiosos (Barbosa, 1980) e organização de comemorações políticas no distrito de Nova Roma. Alcançou notoriedade e tornou-se orador de eventos políticos e foi inserido em definitivo em cargos públicos. Como intendente de Antonio Prado, houve indicação de especial atenção à escola, com a criação, por exemplo, do Grupo Escolar Professor Ulisses Cabral (Barbosa, 1980).
Além de Caetano, outros docentes se vincularam à política. Joaquim Borges de Castilhos padeceu por brigas políticas (O Brazil, 1910), das quais o vice-intendente de Innocencio, na época intendente Cristiano Ziegler, também saiu com ferimentos31.José Victor de Castro foi outra presença em registros, ele escrevia ao governo contando a situação política do município e, assim como Caetano, estava presente em eventos da Intendência. Ele exerceu o cargo de professor de 1898 a 1907, passando a ser inspetor, no ano seguinte. Por fim, pediu exoneração por ser nomeado serventuário de justiça (A Federação, 1908b), função que exerceu ao menos por quase uma década (Almanak Laemmert, 1917),e pode-se pensar que o trânsito em diferentes funções significou melhor remuneração. Seu elo e permanência com o município, também, pode ser justificado por seus filhos permanecerem em Antonio Prado.
No caso do professor José Fialho de Vargas, ele foi secretário da Intendência concomitantemente coma docência. Casou-se com uma residente e após 1920 assumiu a direção do Grupo Escolar da localidade, grupo apoiado pelo intendente e ex-professor Caetano Reginato. Dessa forma, é possível ver uma rede dinâmica de sociabilidades em que sujeitos possuem algumas funções e se deslocam, tendo algumas das ações justificadas ou apoiadas em virtude das nuances ao olharmos o seu passado ou os seus laços com a comunidade e com o meio.
Percebe-se que “[...] existe uma relação intrínseca entre os grandes fatos e acontecimentos cotidianos, muitas vezes desconsiderados pelas análises históricas. Ou que assim o foram por muito tempo” (Santos, 2018, p. 28), e por isso o mesmo autor explica que “[...] a análise das construções políticas e sociais não pode ficar restrita apenas ao plano dos grandes acontecimentos [...]”, reforçamos o olhar aos fatos menores e uma interpretação crítica diferenciada para poder entender os sujeitos escolares.
Procurando estabelecer redes de relações entre os professores, pensamos no que Santos (2018) denomina em seu trabalho de ‘modalidades constitutivas’, a fim de entender as redes sociais. Ele sustenta a existência de quatro modalidades: relações partidárias, relações confessionais religiosas, econômicas e familiares, e deles, dentro do grupo, ao menos uma uniria os indivíduos para o pertencimento. Debruçamo-nos na análise das relações familiares, uma das modalidades que ficam evidenciadas para pensar os professores e a constituição dessa rede.
Sabe-se que a “[...] inserção da rede familiar dentro da grande rede social se configura uma forma de respaldar de forma mais segura a busca de interesses e necessidades, tanto individuais, quanto de um grupo” (Santos, 2018, p. 90). Independente da ordem de influência, importa-nos o estabelecimento de conexões que irão criar um elo. Assim, identificamos que o professor Antonio Tondello casou com a ex-aluna Josephina Bernardi, posteriormente também professora. Antonio era irmão do professor João Tondello, que casou com Tereza Antoniutti, ela também se tornou professora. Tereza Antoniutti era irmã de João Antoniutti, que se casou com Maria José, filha do professor José Victor de Castro.
Outras redes podem ser pensadas. O sobrinho de Genoveva De Nale Scotti, Angelo Scotti, era cunhado de Edviges Araldi, esposa de Caetano Reginato, já outra sobrinha de Genoveva, Giuseppina, era casada com Antonio Citton, irmão de Pelegrina, esta casada com José Fialho de Vargas, além de João Carneiro de Mesquita que era casado com a professora com Delfina Maeffer (A Federação, 1910). Essa rede de relações permanecerá ligando a localidade não só pelo período investigado, pois ela se ramifica. Os casos discutidos servem como exemplo para entendermos a dinâmica do meio social.
Em Antonio Prado fica evidente a docência como herança, ou seja, diferentes gerações seguindo na função de professor. Os filhos do professor Michele, Rosário e Corona seguiram a profissão. Da mesma forma Maddalena Meneguzzo (nascida Canale) e seus filhos Ercilia e Aires também se tornaram professores, Castorina Albernaz (nascida Vieira) e seu filho Justino Vieira Albernaz também foram professores.
Outro aspecto constitutivo foi a proximidade entre docência e catolicismo. A maioria dos professores tinha funções como catequista, acólitos32, ministros da Eucaristia ou outras funções como fabriqueiros33. A título de exemplo, no âmbito da festa religiosa em honra ao Sagrado Coração de Jesus, uma das principais atividades foi coordenada por uma das docentes. O jornal noticiava que “[...] nos dias 14 e 15 foi representado o teatro dirigido pela artista interina senhora D. Genoveffa Scotti que coadjuvada por voluntários e hábeis diletantes que interpretaram o maravilhoso drama ‘Heróis católicos S. Clotilde e a conversão de Clodoveo’” (Il Colono Italiano..., 1912, p.2, grifo do autor, tradução nossa)34. A docência e a prática do catolicismo, de ser ‘devoto’ foi uma das representações do bom professor, que era considerada importante e esperada pela comunidade. Outro exemplo que foi estampado nas páginas do jornal Il Colono Itailano foi a notícia que “[...] além de ser um professor diligente, o professor [Michele] Frigotto também é um católico prático em todos os sentidos; e não vou dizer o quão apreciável este dote é hoje, especialmente para um professor” (Il Colono Italiano..., 1913, p. 2, tradução nossa)35.
Outro vínculo que identificamos de diversos professores de Antônio Prado foi com os jornais. Alguns desempenharam a função de correspondentes, como ‘portadores de informações’ do meio social, alguns enviavam cartas, manifestos. No jornal O Pradense, fundado em 1916 em Antônio Prado, escreviam os professores José Fialho de Vargas e João Evangelista Saraiva, este último descrito por Barbosa (1980, p. 105) como “[...] o comedido pregador de bons costumes e assuntos escolares”36. Antônio Tondello foi propagandista e distribuidor do Correio Riograndense na Capela São Roque, onde residia e disponibilizava a residência às famílias para a leitura pelos seus filhos, de artigos do jornal (Correio Riograndense, 1964). Muitas vezes, jornaiscomo A Federação ou o Il Colono com notícias de Antônio Prado, advinham de correspondências trocadas com professores do local. Como identificado por Luchese (2015, p. 416, grifo do autor),
A grande maioria dos primeiros professores da Região Colonial Italiana não possuía formação pedagógica. Muitos dos que atuaram [...] possuíam apenas estudos primários. No entanto, eram, em sua maioria, os mais instruídos da comunidade, e essa condição, somada a de serem ‘mestres’, gerava prestígio, respeito e liderança comunitária. Muitos foram os professores que assumiram, dentro do meio social em que viviam, papel central nas questões religiosas, reivindicatórias e de organização, tornando-se representantes daquele grupo, quando não lideranças locais. Essas eram as representações produzidas acerca do ser professor.
Das várias representações e funções assumidas pelos docentes nas comunidades onde atuavam, para além daquelas já mencionadas, era esperado que tivessem comportamento ilibado, presentificado em atitudes e modos de ser, de vestir e de se comportar. A docência como vocação, o professor como “[...] mediador com missão sagrada recebida de Deus e que deveria ser posta a serviço da comunidade” (Kreutz, 2004, p. 160), educando as crianças no ler, escrever, contar e rezar, o que foi esperado e desejado pelas famílias de Antônio Prado.
Considerações finais
Sobre os itinerários e os processos de constituição de ser professor público percebemos que, a maioria daqueles que foram subsidiados pelo Estado ou município, assumiram a docência pela oportunidade surgida. Dentre aqueles nomeados, vários foram identificados com formação na capital e estiveram por períodos relativamente curtos em Antônio Prado.
A intensa circulação - por meio de transferências, remoções - dos professores nos permite pensar sobre as negociações culturais e diferentes realidades de ensinar e aprender para as quais os docentes precisaram se adaptar. Aos poucos, as subvenções permitiram que o município e ou o Estado oferecessem um valor trimestral para que lecionassem, sendo que a maioria dos que assumiram eram pessoas que moravam em Antônio Prado. Há também evidências, a serem melhor investigadas, de que diversos professores exerciam, além da docência, outras funções de trabalho.
No caso de Antônio Prado evidenciamos que duas escolas entraram em funcionamento no espaço do barracão que acolhia os imigrantes. Algumas das trajetórias de docentes, por conta da documentação disponível, permitiram-nos traçar detalhamentos, caso de Sérgio Ignácio de Oliveira, Genoveva De Nale Scotti, Caetano Reginatto, José Victor de Castro e José Fialho de Vargas. Reconhecemos que “trilha-se uma leitura em meio a fraturas e dispersão, forjam-se perguntas a partir de silêncios e de balbucios” (Farge, 2009, p. 91) e a complexidade da vida e da experiência docente aparece reduzida a alguns indícios daqueles tempos pretéritos, em que aulas rurais foram improvisadas, tanto quanto muitos de seus professores.
Algumas outras evidências dos itinerários do docente, do tempo de permanência nas diferentes funções que exerciam, algumas das relações familiares e sociais, questões salariais, representações do ser professor de um núcleo colonial e seus primeiros anos como município no interior da serra gaúcha são trajetórias que incluem similaridades com tantas outras do contexto gaúcho e mesmo brasileiro, mas há singularidades. Por fim, para um pequeno município do interior, chama atenção o número de professores, muitos oriundos de outras localidades, além da impermanência no tempo de atuação, que foi uma característica marcante desse período da escolarização em Antônio Prado (Bernardi, 2020). Percebemos redes de relações e jogos de poder que, possivelmente, impactaram na inserção deles nas atividades docentes. Ademais, vários professores foram muito ativos na vida política e religiosa. Ainda, ser professora representava, para as mulheres, a possibilidade de ascender a uma profissão aceita e conhecida.
Finalizamos pensando que os professores estiveram vinculados ao meio em que atuaram, sendo representados como sujeitos importantes, portadores de saberes e modos de ser que se exigiam exemplares, sujeitos valorizados por serem docentes, mas também por assumirem outras funções em dimensão religiosa, política ou cultural significativa para aqueles grupos humanos.