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Revista Brasileira de História da Educação

versão impressa ISSN 1519-5902versão On-line ISSN 2238-0094

Rev. Bras. Hist. Educ vol.23  Maringá  2023  Epub 15-Jan-2023

https://doi.org/10.4025/rbhe.v23.2023.e249 

Artigo Original

Educação, hereditariedade e eugenia: o projeto educacional de Octavio Domingues (1926-1932)

Education, heredity, and eugenics: the educational project of Octavio Domingues (1926-1932)

Educación, herencia y eugenesia: el proyecto educativo de Octavio Domingues (1926-1932)

Guilherme Prado Roitberg1  * 
http://orcid.org/0000-0003-0338-2270

Luiz Roberto Gomes1 
http://orcid.org/0000-0002-8867-7897

1Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil.


Resumo:

Octavio Domingues (1897-1972), professor, geneticista e diretor do periódico Boletim de Eugenia, é um intelectual ainda pouco estudado no campo da Educação, embora tenha publicado dezenas de artigos e livros sobre o tema. A partir de uma pesquisa documental em diálogo com a bibliografia especializada, o presente artigo analisa as publicações de Domingues na Revista de Agricultura, de 1926 a 1930, bem como no Boletim de Eugenia, de 1930 a 1932, explicitando a relação entre educação, hereditariedade e eugenia desenvolvida nesses periódicos. Conclui-se que Domingues considerou a educação como o meio mais profícuo para a formação da consciência eugênica, estruturando um projeto educacional elitista e autoritário, a despeito dos argumentos pró-miscigenação e ‘humanistas’ presentes em sua obra

Palavras-chave: eugenia; educação eugênica; Octavio Domingues; história da educação

Abstract:

The professor, geneticist, and director of the periodical Boletim de Eugenia Octavio Domingues (1897-1972) is an intellectual little studied in the field of Education, despite the publication of dozens of articles and books on the subject. From documentary research in dialogue with the specialized bibliography, this article analyzes the publications of Domingues in the Revista de Agriculturafrom 1926 to 1930, and in the Boletim de Eugenia from 1930 to 1932, explaining the relationship between education, heredity, and eugenics developed in these journals. We conclude that Domingues considered education as the most fruitful means for the formation of eugenics consciousness, structuring an elitist and authoritarian educational project, despite the pro-miscegenation and ‘humanist’ arguments present in his work..

Keywords: eugenics; eugenics education; Octavio Domingues; history of education

Resumen:

El profesor, genetista y director del periódico Boletim de Eugenia Octavio Domingues (1897-1972) es un intelectual aún poco estudiado en el campo de la Educación, a pesar de haber publicado decenas de artículos y libros sobre el tema. A partir de una investigación documental en diálogo con la bibliografía especializada, este artículo analiza las publicaciones de Domingues en la Revista de Agricultura de 1926 a 1930, y en el Boletim de Eugenia de 1930 a 1932, explicando la relación entre educación, herencia y eugenesia desarrollada en estos periodicos. Concluimos que Domingues consideró la educación como el medio más fecundo para la formación de la conciencia eugenésica, estructurando un proyecto educativo elitista y autoritario, a pesar de los argumentos pro-mestizaje y ‘humanistas’ presentes en su obra.

Palabras clave: eugenesia; educación eugenésica; Octavio Domingues; historia de la educación

Introdução

Estruturada cientificamente pelo polímata inglês Sir Francis Galton (1822-1911), a eugenia, ou ciência do melhoramento racial, passou a ser divulgada no Brasil no contexto posterior à Primeira Guerra Mundial (1914-1918), momento marcado pela urbanização, industrialização, imigração, expansão do nacionalismo e ascensão das ideias reformistas que concebiam que a modernização do país só ocorreria mediante transformações na educação, na saúde pública e na composição racial da população. Nesse período, a eugenia se desenvolveu no seio das elites brasileiras como sinônimo de evolução, progresso e civilização, a ‘nova religião da humanidade’ ou a ‘ciência do futuro’, que poderia viabilizar a regeneração física e mental do povo brasileiro, a partir do controle da hereditariedade (Wegner & Souza, 2013). De acordo com Souza (2016), o Brasil foi o primeiro país latino-americano a desenvolver um movimento eugenista, o que teve mais adeptos e o que mais teve sucesso na institucionalização da ciência do melhoramento racial1.

Inicialmente, o movimento eugenista apresentou uma interpretação otimista da realidade brasileira, estruturada a partir da tradição neolamarckista, que, sob a lógica ‘sanear é eugenizar’, viabilizou a aproximação entre higienismo, sanitarismo e eugenia (Habib & Wegner, 2014). Nesse primeiro momento, a ciência do melhoramento racial foi assimilada pelo discurso médico-sanitarista, o qual contrapôs a interpretação determinista sobre os problemas sociais decorrentes da miscigenação à possibilidade de regeneração da população nacional desde o conhecimento científico e a promoção da saúde pública (Souza, 2006). Entretanto, conforme Stepan (2005), sob influência da Rassenhygiene alemã e do modelo estadunidense, a eugenia racista circulou com mais intensidade na América Latina entre o final da década de 1920 e o início da década de 1930, contexto marcado pela crise política, pelo declínio do liberalismo e pela depressão econômica.

O movimento eugenista brasileiro possuía a heterogeneidade como uma de suas principais características, pois aglutinou tanto posicionamentos mais ‘brandos’, que concebiam o melhoramento racial a partir da educação e da higiene, quanto propostas radicais alinhadas ao racismo científico, que incluíam a proibição da reprodução de indivíduos ‘degenerados’ e a esterilização compulsória. O médico e farmacêutico Renato Ferraz Kehl (1889-1974) capitaneou a ala radical do movimento e publicou dezenas de livros e artigos, fundando e dirigindo, entre 1929 e 1931, o Boletim de Eugenia, o maior periódico especializado na ciência do melhoramento racial no país. Como diretor da Indústria Química e Farmacêutica Bayer do Brasil, Kehl viajou para a Europa em 1928, momento de efervescência do movimento eugênico na Alemanha e nos países do norte europeu, radicalizando a sua compreensão sobre a eugenia e rompendo definitivamente com a ideia de ‘miscigenação racial construtiva’ (Stepan, 2005).

O campo da Educação constituiu, para as diversas vertentes desse movimento, um meio prolífico para a disseminação dos ideais eugênicos. Segundo Dávila (2006), o projeto de branqueamento da nação foi respaldado pelas políticas educacionais do Brasil na primeira metade do século XX, contexto no qual os intelectuais conceberam a escola como meio de regeneração racial. Assim, a negritude foi associada à degeneração, a qual poderia ser mitigada por intermédio da mestiçagem, e as reformas no sistema de ensino foram conduzidas a partir de uma perspectiva nacionalista e eugênica (Dávila, 2006). Pioneiros da Escola Nova, como Fernando de Azevedo (1894-1974) e Manuel (Bergström) Lourenço Filho (1897-1970), adentraram às fileiras da eugenia no Brasil a partir de posicionamentos distintos. Membro da Sociedade Eugênica de São Paulo e orientado pela tradição neolamarckista, Azevedo considerou a mestiçagem como degeneração e concebeu a educação física como meio de regeneração racial (Vechia & Lorenz, 2009). Admirador da eugenia mendeliana do professor e geneticista Octavio Domingues (1897-1972), Lourenço Filho (1929) defendeu o melhoramento genético do homem através da eugenia e o aperfeiçoamento do caráter através da educação.

Por considerar essa diversidade de ideias presente no seio do movimento eugenista e a sua influência sobre a educação brasileira na primeira metade do século XX, o presente artigo analisa criticamente o projeto de educação eugênica desenvolvido por Octavio Domingues na Revista de Agricultura2, de 1926 a 1930, e no Boletim de Eugenia, de 1930 a 1932. A partir de uma pesquisa documental em diálogo com a bibliografia especializada, este trabalho investiga documentos até então inexplorados no campo da Educação, explicitando os argumentos elaborados pelo professor da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ) para a defesa de um projeto educacional elitista e autoritário. Para que essa proposta se viabilize, primeiramente serão analisados os textos publicados por Domingues no Boletim de Eugenia, periódico especializado na ciência do melhoramento racial, para que, posteriormente, seja identificada a gênese de seu projeto educacional na Revista de Agricultura, periódico sem relação aparente com a eugenia.

Octavio Domingues e o movimento eugenista brasileiro

Nascido em Xapuri - AC no ano de 1897, Domingues se formou como engenheiro agrônomo pela ESALQ em 1917 e fez pós-graduação nos Estados Unidos da América. Depois desse período, voltou para o Acre para trabalhar na Divisão de Fomento do Ministério da Agricultura. Ele ainda lecionou na Escola de Agronomia da Amazônia e, em 1918, se tornou o primeiro professor de Zootecnia da Escola Superior de Agricultura do Pará. Retornou à ESALQ, em 1924, na posição de ajudante da 5ª cátedra (Zootecnia General, Zootecnia Especial, Exterior e Raças, Bromatologia Animal, Laticínios, Noções de Higiene e Veterinaria), sob supervisão do professor búlgaro Nicolau Athanassof (1878-1955). Em 1925, substituiu Odilon Ribeiro Nogueira como professor auxiliar na ESALQ, compôs o quadro docente na Faculdade de Pharmacia e Odontologia de Piracicaba, foi pioneiro no ensino de genética no Brasil ao lado de Carlos Teixeira Mendes (1888-1950) e lecionou no interior paulista até 1935, quando se transferiu para o Rio de Janeiro para trabalhar como professor catedrático na Escola Nacional de Agronomia, atual Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), onde ficou até a sua aposentadoria (Habib, 2010; Conselho Federal de Medicina Veterinária, 2018; Conferencia..., 1929).

Segundo Habib (2010, p. 33-34), Domingues “[...] entendia a zootecnia como uma ciência aplicada da genética e, sem fazer debates extensos sobre a teoria, procurou aplicar as Leis de Mendel para o melhoramento do rebanho nacional”. Em comparação com o professor e geneticista Salvador de Toledo Piza Júnior (1898-1988), colega de trabalho na ESALQ e na direção do Boletim de Eugenia, seus textos eram mais simples e diretos e a sua abordagem científica mais ‘combativa’, porque discutia questões políticas e sociais (Habib, 2010). Além de uma vasta produção nas áreas de Agronomia e Zootecnia3, Domingues foi um nome de destaque no campo da Educação, publicando três livros em coleções especializadas4 e sendo considerado referência na área por intelectuais renomados, como o médico Arthur Ramos (de Araújo Pereira) (1903-1949) (cf. Ramos, 1939) e o educador Manuel Lourenço Filho (cf. Lourenço Filho, 1929).

De acordo com Stepan (2004, p. 363), a trilogia de Domingues (1929a, 1936, 1942) consistiu em uma das primeiras tentativas de “[...]rever sistematicamente e de forma atualizada as genéticas norte-americana, britânica e européia para leitura dos cientistas e do público em geral”. No livro A hereditariedade em face da educação, Domingues (1929a) postulou que educação conseguiria ‘adestrar’ os indivíduos ‘inferiores’, para que esses deixassem de ser um ‘peso morto’ para a humanidade. Entretanto, esse ‘adestramento’ não atacaria o problema da degeneração em sua raiz. Dito de outro modo, a educação eugênica desenvolvida por Domingues (1929a) não significava educar os ‘degenerados’, mas sim fomentar a consciência eugênica para garantir a reprodução de uma prole sã e socialmente útil.

O papel da educação, para Domingues (1929a), era o de convencer sobre aquilo que não poderia ser imposto. Uma vez que os eugenistas não podiam interferir na liberdade de escolha dos casais, era pela educação, com papel de destaque para os educadores, que podiam convencer as pessoas sobre a viabilidade e a necessidade da realização de casamentos eugênicos, bem como a respeito da inviabilidade da perpetuação da degeneração. Domingues (1929a) ponderava, no entanto, que a educação eugênica não era aquilo que os ‘pseudo-eugenistas’ consideravam, acreditando cegamente que o melhoramento das condições de higiene e a instrução escolar seriam capazes de fazer desaparecer os ‘males’ hereditários. Para o esalqueano, essa concepção neolamarckista não se sustentava cientificamente, uma vez que os efeitos da educação não alteravam o patrimônio hereditário.

Apesar de extrapolar o recorte deste artigo, o segundo livro sobre eugenia publicado por Domingues (1936), sob o título Hereditariedade e eugenia, será mencionado brevemente. Nessa obra, o professor expôs a versão mais amadurecida de seu conceito de consciência eugênica e de seu projeto educacional esboçado uma década antes na Revista de Agricultura, conforme se verá adiante. Para Domingues (1936), era necessário formar um ‘estado mental’ no cidadão consciente de sua responsabilidade procriadora, denotando que essa consciência seria mais efetiva para as causas da eugenia do que leis que, sem aplicação prática, se tornariam letra morta. O professor considerou que, se por um lado a educação não modificava as características hereditárias, por outro, apenas ela seria capaz de gerar a consciência eugênica, começando pela elite esclarecida para depois se vulgarizar entre as classes baixas. Educar para a consciência eugênica seria, de acordo com Domingues (1936), o único meio de impedir os indivíduos ‘degenerados’ de deixarem sua ‘mancha’ na constituição hereditária das gerações porvindouras.

A expressão “[...] as leis não criam costumes” (Domingues, 1936, p. 19) desvela um ponto de inflexão entre o pensamento de Octavio Domingues e o de Renato Kehl. Apesar de também compartilhar da necessidade da formação da consciência eugênica entre a elite letrada, Kehl (1935) insistia na necessidade de institucionalizar a eugenia através de uma política biológica. Domingues (1936), pelo contrário, dedicou seus esforços intelectuais à defesa da educação, pois acreditava que a legislação por si só não seria capaz de garantir o melhoramento de uma população inconsciente sobre o seu papel preponderante no processo reprodutivo. Entretanto, apesar das divergências teóricas - sobretudo no que tange ao papel da miscigenação no processo de melhoramento racial -, esses dois intelectuais iniciaram, ao final da década de 1920, uma longa e profícua parceria em prol da campanha eugênica no país.

O primeiro contato estabelecido por carta entre Domingues e Kehl ocorreu no dia 19 de julho de 1929. Conforme Habib (2010, p. 285), “[...] esse foi início de uma relação de trocas não apenas de livros e artigos, agradecimentos e respeito, mas também, o início de trocas acadêmicas e ideológicas baseadas na eugenia [...]”, objetivando o melhoramento físico e moral da população brasileira. A partir de então, Domingues passou a receber exemplares do Boletim de Eugenia e a enviar informações sobre suas palestras realizadas em Piracicaba e textos para serem publicados no periódico fundado e dirigido por Kehl. Em decorrência da nova viagem de Kehl para os institutos de eugenia europeus, o Boletim de Eugenia passou a ser dirigido e editado em Piracicaba por Domingues e Piza Júnior entre os anos de 1932 e 1933 (Habib, 2010).

A educação eugênica de Octavio Domingues no Boletim de Eugenia (1930-1932)

O diagnóstico que denunciava a ausência de uma intelectualidade esclarecida no Brasil foi apresentado por Domingues (1930b) no texto ‘Os programmas de ensino e a genetica’, publicado em janeiro de 1930. O artigo marcou a primeira contribuição do geneticista para o Boletim de Eugenia, periódico criado por Renato Kehl em 1929 objetivando difundir e vulgarizar a eugenia com base mendeliana entre a elite letrada do país. Domingues (1930b) afirmou que não era possível disseminar a eugenia e convencer a população das vantagens da aplicação das medidas eugênicas em uma sociedade cuja maioria dos membros sequer conhecia as bases científicas da hereditariedade. Para fazer frente a essa situação, propôs a obrigatoriedade do ensino de genética em todos os níveis da educação, estratégia considerada fundamental para a propagação da eugenia. Seria essa, segundo Domingues (1930b, p. 2-3), a única forma de “[...] tirar da nossa população essas crendices, verdadeiros dogmas que a tradição oral conserva e solidifica”. Para isso, o primeiro passo seria desenvolver a consciência eugênica entre a elite intelectual do país, elevando seu nível e tornando-a mais receptiva às ideias fundamentais da eugenia.

Na edição de janeiro de 1931 foi publicado o texto ‘Da eugenia’, assinado pelo naturalista francês Henry Crosnier de Varigny (1855-1934), com tradução e comentários críticos de Octavio Domingues. Na nota n° 4, o professor definiu as 5 mil esterilizações realizadas pelos eugenistas estadunidenses no Estado da Califórnia como “[...] realizações magníficas” (Domingues, 1931a, p. 5). Esse texto explicitou que, mesmo não sendo adepto ao racismo científico de Kehl (1935) e Piza Júnior (1933), Domingues não foi um eugenista ‘brando’ (cf. Stefano, 2009), pois defendeu publicamente as medidas mais radicais da eugenia ‘negativa’. O mesmo posicionamento foi registrado no artigo ‘Poderemos ser melhores?’, publicado em fevereiro de 1931, no qual Domingues (1931b, p. 1), parafraseando o escritor português Júlio Dantas (1876-1962), afirmou: “Reconheço ao amor o direito esplendido de perpetuar a força, a belleza e a inteligencia, mas não lhe reconheço o direito funesto de gerar deliberadamente a miséria, o aleijão, a dor”.

Ao citar o filósofo e pedagogo estadunidense John Dewey (1859-1952), Domingues (1931b) considerou que as duas falhas da sociedade moderna eram a concepção biológica da criança e os erros na educação, postulando que a construção de uma sociedade melhor passaria necessariamente por essas duas frentes. Assim, concebeu a eugenia e a educação como campos indissociáveis. Domingues (1931b) reiterou a importância tanto do estudo da hereditariedade quanto da educação como adaptação social, tomando como base a sociologia da educação de Émile Durkheim (1858-1917). O professor destacou que existia uma má compreensão da eugenia, alegando que a sua finalidade não era transformar a humanidade em ‘super-homens’, um ideal o qual considerava inalcançável e prejudicial; o progresso, para ele, consistia na moderação e na normalização, não na exacerbação do ‘super-homem’, ou do ‘sub-homem’. Entre esses dois extremos, concluiu Domingues (1931b), a eugenia buscava justamente a média.

O texto mais radical do professor foi publicado na edição de junho de 1931, do Boletim de Eugenia, na qual Domingues (1931c) assinou como membro da Comissão Central Brasileira de Eugenia, criada por Renato Kehl no dia 1º de abril do mesmo ano como um centro de estudos e de propaganda da eugenia (Kehl, 1931). Intitulado ‘Birth-Control, esterilização e pena de morte’, o esalqueano considerou a pena de morte dos ‘tarados mentais’ como uma demonstração do instinto conservação do homem. Todavia, ponderou que a pena de morte não era uma medida eugênica, ao contrário do birth-control e da esterilização. Domingues (1931c) afirmou que as três medidas que davam título ao artigo poderiam contribuir para a ‘desanimalização’ do homem e para preparar melhor a humanidade para a vida ‘civilizada’. Ou seja, para o professor, o processo inconcluso de civilização mantinha a humanidade mais próxima ao animal do que ao homem.

Nem a filosofia, nem a religião e nem ciência teriam impedido, conforme Domingues (1931c, p. 4), o despertar da ‘maldade’, “[...] coberta por uma capa de puritanismo, moralidade, espirito caridoso [...]”, que os homens modernos vestiam ao sair à rua. Como possibilidade de mitigação do problema, ele discorreu sobre a natureza, os limites e a viabilidade de cada uma das três medidas, bem como a respeito de suas aproximações e de seus distanciamentos para com as bases epistemológicas da eugenia (Domingues, 1931c). O birth-control consistia na regulação do nascimento para evitar o foco de famílias numerosas, sem condições de subsistência e acesso à educação. Por compartilhar do preconceito de classe de Kehl (1935), Domingues (1931c) considerou os pobres e miseráveis como ‘peso morto’ para a sociedade, alegando que a origem do problema era a falta de controle reprodutivo. Na concepção domingueana, o problema da pobreza era reduzido à falta de consciência eugênica dos indivíduos e, portanto, estava desvinculado das desigualdades socioeconômicas do país.

Domingues (1931c, p. 4), dando sequência à sua análise sobre as três medidas, considerou que esterilização compulsória deveria ser aplicada aos ‘delinquentes’ e ‘tarados mentais’, enquanto a esterilização não-compulsória era indicada aos portadores de ‘taras’ hereditárias. O professor argumentou que a esterilização eugênica diminuiria os “[...] criminosos natos, da casta dos tarados mentaes, da casta dos transmissores das más heranças e dos males fataes que o homem recebe do berço e dissemina por outros berços indefinidamente”. Em contrapartida, Domingues (1931c) afirmou que, apesar de ser ‘desejável’, por proporcionar o extermínio imediato dos ‘agentes de perturbação da vida social’ e a extinção dos disseminadores do mal hereditário, a pena de morte não era uma medida eugênica e nem ‘humanista’, ao contrário do birth-control e da esterilização.

O ‘humanismo’5 dessas medidas foi apresentado por Domingues (1931c) nos parágrafos subsequentes. Segundo o professor, o birth-control possibilitava a diminuição da pobreza, enquanto a esterilização evitava a disseminação das ‘taras’ hereditárias. Eugenizar era, na concepção domingueana, viabilizar a humanização do homem ‘civilizado’ por meio do melhoramento biológico de uma ‘raça’ sofredora. Domingues (1931c) concluiu seu artigo afirmando que o bom-senso e a razão apontavam para a defesa do birth-control e da esterilização, mas rechaçavam a pena de morte. Não permitir a concepção de um ‘tarado’ seria, de acordo com Domingues (1931c), um ato mais ‘humano’ do que matar aquele que nasceu assim, sem o direito de escolha e sem o poder de alterar a sua própria natureza.

A partir de 1932, Domingues passou a assinar seus artigos como professor da ESALQ, membro da Comissão Central Brasileira de Eugenia, além de diretor e editor do Boletim de Eugenia em Piracicaba juntamente com o professor Piza Júnior. Para acompanhar a mudança de formato do periódico operada pelos esalqueanos, os quais transformaram um jornal de propaganda mensal em uma revista científica trimestral, Domingues aprofundou teoricamente e intensificou a sua discussão sobre eugenia e hereditariedade, mantendo seu estilo didático por visar a vulgarização da ciência do melhoramento racial no campo intelectual brasileiro. Publicado na edição de janeiro-março de 1932, a primeira editada nas prensas do Jornal de Piracicaba, o texto ‘A eugenia e os esportes’ reforçou a demarcação do campo científico da eugenia sobre as bases da genética mendeliana (Domingues, 1932a) nas páginas do periódico.

Domingues (1932a) compartilhou do mesmo determinismo biológico que Renato Kehl (1935) e de seu posicionamento autoritário favorável à esterilização de ‘retardados’ e ‘tarados mentais’, indivíduos incapazes de serem curados ou regenerados pela medicina, esportes ou educação. Ele ainda ponderou que os esportes eram importantes para a manutenção da saúde, mas que eles apenas desenvolviam e não criavam as características necessárias à prática esportiva. Assim, reproduzindo a máxima eugenista “[...] quem é bom já nasce feito” (Kehl, 1929a, p. 1), Domingues (1931a, p. 6) postulou que “[...] o atleta já nasce feito [...]”, definindo como irracional a vertente neolamarckista que ignorava que as características como o vigor e a robustez eram inatas, podendo ser manifestadas, mas jamais criadas, a partir da educação física.

Domingues (1932a) esclareceu que os indivíduos que não herdaram qualidades atléticas poderiam desenvolver músculos e força física através dos esportes, mas essas características adquiridas não seriam transmitidas à prole. Do mesmo modo, afirmou que a regeneração de um ‘tarado mental’ era incapaz de garantir o melhoramento de seus descendentes. Ao fazer referência à lei do uso e desuso de Jean Baptiste (Pierre Antoine de Monet) Lamarck (1744-1829) a partir do exemplo do pescoço da girafa, Domingues (1932a) ponderou que essa explicação era ‘banal’ e ‘pueril’ para aqueles que nasceram depois de Charles (Robert) Darwin (1809-1882), mas que ainda era largamente reproduzida pelos intelectuais que acreditavam que a educação física seria capaz de levar ao melhoramento eugênico da espécie (Domingues, 1932a).

A edição de abril-junho de 1932 do Boletim de Eugenia iniciou com uma pequena nota assinada por Domingues (1932b, p. 21), transcrita na sequência:

Apezar do progresso humano ininterrupto, o homem cada vez mais multiplica suas taras, suas dores, e se infelicita. Num verdadeiro trabalho de Sísifo ele recebe a criança no mais formoso berço; põe-na a crescer no melhor dos mundos físicos; salva-a da morte quantas vezes o organismo dela tenta falir; ameniza-lhe o sofrimento, se ela sofre; multiplica sua alegria, se ela sorri; educa-a, desperta-lhe as inclinações melhores, e procura coibir todas as tendencias malevolas - e, no entretanto, os manicomios infantis continuam a povoar-se, acolhendo carinhosamente as flores residuarias das heranças infelizes [...]

O trecho, apesar de curto, muito revela sobre a concepção eugênica de Domingues, que considerava que o progresso civilizatório não-planejado levou ao aumento quantitativo, mas não qualitativo, da humanidade. Denotou também que o professor, autointitulado ‘humanista’, se referia às crianças ‘indesejáveis’ como ‘flores residuarias das heranças infelizes’. Seu ‘humanismo eugenista’ residia, portanto, no argumento de que a eugenia, ao evitar o nascimento de crianças ‘inferiores’, consistia em uma medida misericordiosa capaz de encerrar a dor e o sofrimento. Ademais, a nota apontou para o estilo ‘poético’ de Domingues (1932b) em comparação ao estilo acadêmico ‘duro’ de seu colega Piza Júnior (1931), ou ao estilo ‘direto’ de Renato Kehl (1935), que não hesitava em elogiar publicamente a política de esterilização compulsória estadunidense, ou a Rassenhygiene do Terceiro Reich (1933-1945).

O estilo ‘poético’ do professor esalqueano também pôde ser notado na primeira parte da série de artigos intitulada ‘Limalhas de um eugenista’, na qual Domingues (1932c) afirmou que, ao evitar a mortificação humana, a eugenia diminuía os gemidos de dor e sofrimento ‘neste imenso vale de lágrimas’. Na sequência, Domingues (1932c) discorreu sobre como a eugenia deveria ser ministrada na educação infantil. Para ele, desde as escolas primárias, as crianças deveriam ser orientadas a discernir e selecionar as ‘melhores’ e as ‘piores’ plantas, permitindo a iniciação aos fundamentos básicos da hereditariedade. Dessa maneira, as crianças compreenderiam desde cedo a ‘genese das flores mais lindas, dos frutos mais doces, dos animais mais formosos e mais úteis’. Esses fundamentos deveriam ser complementados na juventude e no serviço militar através da educação sexual obrigatória e de uma educação eugênica capaz de promover o entendimento da necessidade de aplicar aos seres humanos os mesmos conhecimentos genéticos utilizados na Agronomia e na Zootecnia (Domingues, 1932c).

Publicada na edição de julho-setembro de 1932, a segunda parte da série de artigos ‘Limalhas de um eugenista’ oferece importantes indicativos da recepção da eugenia no meio político brasileiro. Domingues (1932d) enalteceu o Partido Republicano Paulista (PRP) e o Partido Democrático de São Paulo (PD) por defenderem ideais pró-eugenia. O professor da ESALQ elogiou especificamente o item ‘Organização educacional’ do programa do PRP, que previa a ‘Organização de um plano geral para o desenvolvimento da eugenia no Brasil’, e o item ‘Exame pré-nupcial’, incluído no subtítulo ‘Higiene social’, do programa do PD. Após apresentar os trechos dos programas partidários, Domingues (1932d, p. 67) indicou que, apesar de não mais se discutir a excelência da eugenia, se fazia urgente a ação do poder público em sua implementação através das “[...] varias esferas em que este se põe em contacto direto com a massa da população”. O professor reiterou o elogio ao programa do PRP, mas alertou para que essa medida não ficasse apenas no plano do discurso (Domingues, 1932d).

Em contrapartida, Domingues (1932d) apresentou uma leitura pouco entusiasmada sobre o exame pré-nupcial defendido pelo PD. Contrariando Kehl (1935), que insistia na necessidade da implementação de exames pré-nupciais obrigatórios, o esalqueano considerava que a ação educativa que objetivava a formação da consciência eugênica era muito mais importante do que as medidas isoladas da eugenia ‘negativa’. Nesse ponto, é interessante cruzar as observações de Domingues (1932d) com as informações encontradas por Habib (2010) na carta enviada pelo professor a Kehl, no dia 13 junho de 1932. Domingues (1932 apud Habib, 2010, p. 303) comemorou o anteprojeto do PRP e o considerou como uma ‘vitória estupenda’ do movimento eugenista no Brasil e um grande salto para a campanha, pois se tratava do mais antigo e poderoso partido político do país, concluindo: ‘A consciência eugênica parece ter se firmado no espírito da nossa elite política’. Essa correspondência, analisada por Habib (2010), reitera a tese sobre a centralidade da educação para a consciência eugênica na campanha de Octavio Domingues defendida neste estudo.

Ainda na segunda parte da série ‘Limalhas de um eugenista’, Domingues (1932d) explicitou sua interpretação sobre o papel da miscigenação no aperfeiçoamento da ‘raça’, tema que constituiu sua principal divergência com relação a Kehl e Piza Júnior. Ao contrariar o racismo científico de seus colegas de Boletim de Eugenia, o esalqueano afirmou que o mestiçamento das ‘raças’ humanas não era sinônimo de degeneração. Apesar de defender a necessidade de uma intervenção biológica para viabilizar a construção de uma civilização nos trópicos, Domingues (1932d) ponderou que a mestiçagem originava novos biotipos capazes de melhor se adaptar ao meio brasileiro. Dito de outro modo, além de não representar a degeneração racial, a mistura de ‘raças’ era o melhor meio para a realização efetiva do projeto eugenista no Brasil.

Eugenizar, na concepção domingueana, envolvia educar a população, sobretudo a elite letrada, a distinguir entre casais dignos/aptos e indignos/inaptos à procriação. Essa instrução foi apresentada por Domingues (1932d, p. 69-70) através do argumento ‘humanista’ e do estilo ‘poético’ que lhe era característico, considerando a eugenia como a possibilidade real de findar ou diminuir o sofrimento da espécie humana e ponderando que os casais ‘indignos’ à procriação seriam mais felizes caso não se reproduzissem: “Bem sei que a dôr é humana. Que sempre existirá na Terra a lagrima. Mas será erro, será pecado procurar e indicar meios de diminuir as lagrimas humanas, de amortecer a dôr da especie?”. Domingues (1932d) concluiu seu artigo afirmando que, respeitando todas as crenças filosóficas e religiosas, a eugenia não impunha os meios de evitar a degeneração da ‘raça’; mas era ela a guia-mestre para indicar o caminho a ser seguido.

A terceira e última parte da série de artigos ‘Limalhas de um eugenista’ foi publicada na edição de outubro-dezembro de 1932, na qual Domingues (1932e) assinou como professor, membro da Eugenics Society de Londres e membro da American Genetics Association. Ao analisar especificamente a educação sob o ponto de vista eugênico, o professor culpou a teoria de Lamarck pela ideia infundada de que a educação tudo podia. Ele considerou que a explicação de que educar sucessivamente as gerações poderia melhorar a qualidade genética da espécie era uma ideia sedutora, porém simplista e cientificamente insustentável. Domingues (1932e) afirmou que a ciência, até aquele momento, não tinha demonstrado que caracteres adquiridos poderiam ser hereditários, tomando como exemplo a experiência realizada em 1923 por Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936), na qual o fisiologista russo tentou demonstrar a hereditariedade adquirida em ratos, tese refutada por Mac Dowell e Vicari em 1924.

Domingues (1932e) postulou que a premissa de Pavlov não era totalmente falsa: era possível obter progressos escolhendo os melhores genótipos adaptados à determinada aprendizagem. Entretanto, ressaltou que o papel da educação no aperfeiçoamento intelectual dos ratos era meramente ‘reativo’, ou seja, um ‘filtro’, que permitia selecionar os mais adequados para se reproduzirem. O professor ponderou que a educação era fundamental e insubstituível nesse processo, no entanto alertou que isso não significava acreditar ingenuamente que os efeitos fenotípicos fossem capazes de ser transmitidos hereditariamente. Domingues (1932e) apontou ainda que, embora o exame médico pré-nupcial fosse importante como medida eugênica, ele estava longe de conseguir, sozinho, atingir os objetivos da eugenia. O meio mais profícuo para a efetivação do projeto eugênico no Brasil, repetiu o professor, era educar a população para a formação da consciência eugênica. Sem a educação, concluiu Domingues (1932e), as medidas eugênicas não seriam apenas insuficientes, mas também contraproducentes para o movimento.

Com essa longa série de artigos, Octavio Domingues encerrou as suas publicações no Boletim de Eugenia. As duas edições do ano de 1933, editadas em Piracicaba por Piza Júnior, não possuem textos de Domingues, provavelmente em decorrência de seus compromissos com o Ministério da Agricultura no Rio de Janeiro (Habib, 2010). A sua atuação como colaborador e diretor do periódico não significou, no entanto, a existência de um consenso entre Kehl, Domingues e Piza Júnior. Essa diversidade de ideias no seio de um núcleo aparentemente homogêneo do movimento eugenista brasileiro reforça a importância da pesquisa documental, permitindo a elucidação dos consensos, dissensos, bem como de mecanismos criados por seus intelectuais para a fundamentação das bases epistemológicas da educação eugênica.

A gênese do projeto educacional de Octavio Domingues na Revista de Agricultura (1926-1930)

Verificou-se que o Boletim de Eugenia permitiu a Domingues estruturar na genética mendeliana seu projeto de educação para a consciência eugênica, visando o melhoramento racial a partir do controle da hereditariedade. Entretanto, antes de suas publicações no maior periódico especializado em eugenia no país, Domingues já havia iniciado seu projeto por intermédio da Revista de Agricultura em Piracicaba. Esse periódico científico, do qual também foi diretor e colaborador, será analisado pormenorizadamente nesta última parte deste artigo. A investigação sobre os textos de Domingues publicados no período anterior ao Boletim de Eugenia se justifica não apenas por revelarem os primeiros esboços do projeto educacional do esalqueano na posição de eugenista-educador, mas também por terem sido publicados em um periódico não especializado em eugenia e, portanto, sem qualquer relação aparente com a ciência do melhoramento racial.

O primeiro artigo de Domingues relacionado ao tema da eugenia e da hereditariedade na Revista de Agricultura foi publicado na segunda edição do ano 1926 sob o título ‘Mecanismo de hereditariedade patologica’. Domingues (1926) condenou as uniões consanguíneas entre indivíduos pertencentes a linhagens com ‘taras’ recessivas, denunciando que a reprodução humana operava sem nenhum tipo de seleção, perpetuando as linhagens ‘taradas’, ao contrário do que se fazia com animais. O texto explicitou que, quatro anos antes da criação do Boletim de Eugenia por Renato Kehl e da publicação de seu primeiro livro sobre o tema, Domingues (1926) utilizou as páginas da Revista de Agricultura para defender duas das principais teses da eugenia, quais sejam: o controle da hereditariedade e a regulação do sexo pela ciência. A data de publicação do artigo permite afirmar que esse texto constitui o marco inicial da campanha eugênica domingueana.

Publicado na edição de 1928 da Revista de Agricultura, o artigo ‘A escola rural bem intencionada’ constitui o registro mais explícito do caráter elitista e autoritário do projeto educacional de Octavio Domingues. Não surpreende que o texto tenha sido assinado como ‘João André Antonil’, pseudônimo utilizado diversas vezes por Domingues na Revista de Agricultura6. Esta pesquisa documental, fundamentada nas publicações na Revista de Agricultura e no Boletim de Eugenia, revelou que o recurso do pseudônimo e do anonimato foi amplamente empregado pelos adeptos do movimento eugenista para defender posicionamentos racistas, misóginos e promover medidas radicais no combate à ‘degeneração’ racial, incluindo a esterilização compulsória e a proibição de casamentos ‘disgênicos’7. Nesse texto, o ‘Antonil’ de Domingues evidenciou a sua preocupação com o campo da Educação, escamoteando, através do pseudônimo, um posicionamento permeado pelo autoritarismo e pelo preconceito de classe.

Antonil’ (1928) afirmou que a instrução agrícola era função dos municípios; contudo lamentou que essa tese não fosse colocada em prática. Além disso, postulou que a instrução no campo deveria ser restrita ao ensino do trabalho na lavoura e que esses trabalhadores deveriam permanecer analfabetos, alegando que a alfabetização culminava no êxodo rural. Nas palavras de ‘Antonil’ (1928, p. 2):

Que cousa mais estúpida, que contrasenso mais vasto do que ensinar a lêr, escrever e contar, ao filho do homem rural! Para que? Não será isso o mesmo que lhes abrirmos portas ao êxodo para as capitais? Que fiquem analfabetos; seria mais sensato do que lhes ensinar a lêr sem ao lado disso instrui-los na sua profissão de agricultor. Como aperfeiçoar a lavoura, como melhorar a criação ensinando a lêr, tão somente a lêr?

O texto revelou que o mesmo professor, que anos mais tarde defenderia, em sua trilogia de livros e no Boletim de Eugenia, o ensino de biologia e dos fundamentos da genética de Gregor (Johann) Mendel (1822-1884), do ensino básico ao superior, propôs, através de um pseudônimo, que os trabalhadores do campo não deveriam ter acesso à educação, para que pudessem ser explorados como mão de obra barata. Ademais, ressalta-se que esse argumento elitista e autoritário foi elaborado e defendido por um intelectual autointitulado ‘humanista’, que ocupou o cargo de geneticista e foi professor de uma das maiores instituições de ensino superior do país, incorporada pela Universidade de São Paulo (USP) em 1934.

Na primeira edição de 1929 da Revista de Agricultura, Domingues (1929b) publicou o artigo ‘As teorias da hereditariedade’, no qual afirmou que os intelectuais brasileiros conheciam pouco ou nada sobre as teorias da hereditariedade, ignorando referências básicas como Darwin e Galton. Domingues (1929b) estabeleceu que a cultura biológica do país era defasada, atribuindo esse problema à falta de livros e de revistas idôneas de caráter técnico e científico. O texto desvelou que a preocupação de Domingues (1929b) com a educação estava atrelada ao entendimento de que o campo intelectual brasileiro não possuía sequer os requisitos mínimos para compreender e, consequentemente, assimilar os fundamentos da eugenia. Para o autor, sem a compreensão das premissas básicas da hereditariedade, que envolviam a tríade Darwin - Galton - Mendel, não haveria qualquer possibilidade de formação da consciência eugênica no Brasil.

Os preconceitos de classe de ‘João André Antonil’ retornaram às páginas da Revista de Agricultura em 1929, no artigo ‘Literatura de vulgarização’, no qual ‘Antonil’ (1929), citando o sociólogo francês Paul Fauconnet (1874-1938), considerado como figura de destaque no campo da didática moderna, afirmou que era melhor vulgarizar a ciência do que somente alfabetizar a população. Para tanto, era necessária a criação de uma literatura de divulgação científica que viabilizasse a formação da consciência eugênica entre a elite letrada. ‘Antonil’ (1929), repetindo os posicionamentos autoritários e elitistas do artigo de 1926, constatou que o problema educacional no Brasil não era o analfabetismo, mas sim a falta de uma literatura vulgarizadora da ciência compatível com a civilização brasileira. ‘Antonil’ (1929) defendeu a tese de que o país possuía bons cientistas e boa ciência, mas não uma boa divulgação científica, enaltecendo intelectuais como Ruy Barbosa (de Oliveira) (1849-1923), (Joaquim Maria) Machado de Assis (1839-1908), Edmundo Navarro de Andrade (1881-1941) e a ‘prole’ de Manguinhos.

Outro problema da educação brasileira era, conforme ‘Antonil’ (1929), o fato de que a ciência nacional era mais conhecida no exterior do que dentro do país. Isso ocorria não pelo fato de o país ser majoritariamente analfabeto, mas porque a sua ciência não foi vulgarizada, ou seja, não se tornou popular e não se democratizou. O autor considerava esse processo como necessário para a elevação da cultura nacional e para que essa cultura fosse um reflexo da civilização tropical inconclusa. Ao citar Fauconnet, ‘Antonil’ (1929) postulou que o caminho mais profícuo seria a incorporação de mais ‘homens do povo’ na ‘civilização intelectual’. Em suma, a democratização que o país carecia não envolveria o combate ao analfabetismo, mas o fomento à divulgação científica e à formação de novos quadros intelectuais no seio da elite nacional.

Para que essa mudança se operasse, ele ponderou que era mister modificar a linguagem da divulgação científica, tornando-a mais clara e prazerosa, aproximando-a de uma linguagem artístico-literária. Para ‘Antonil’ (1929, p. 272), a ciência precisava descer “[...] dos altares dos deuses para o seio do seu povo [...]”, para, depois, simplificada sob a forma de literatura, se tornar “[...] tragavel pelo cerebro plebeu”. Essa constatação ajuda a compreender o estilo ‘poético’ de Domingues, que recorria a romances e a poesias em seus textos sobre hereditariedade e eugenia, contrastando com o estilo ‘duro’ dos demais diretores do Boletim de Eugenia. No caso de seu colega de instituição, mesmo se aventurado no campo das artes literárias ao escrever a Ode à ESALQ (cf. Piza Júnior, 1921), seu estilo de divulgação científica no Boletim de Eugenia era profundamente técnico, com linguagem de difícil acesso a leigos, mais próximo aos termos utilizados no campo da genética do que propriamente da eugenia. Domingues, pelo contrário, assumiu para si a posição de eugenista-educador de modo a viabilizar, em linguagem acessível, a formação da consciência eugênica no país.

Publicada em 1929, na Revista de Agricultura, a nota ‘Conferencia sobre eugenia’ detalhou o evento ocorrido na ESALQ no mês outubro, ministrado por Domingues a convite do presidente da faculdade piracicabana. O público foi composto por ‘academicos das Escolas Agricola, de Pharmacia e Odontologia, e Normal, e professores’. Com duração de duas horas, os temas abordados por Domingues foram: Eugenia e Agronomia; Histórico das ideias eugênicas na humanidade; Galton, o pai espiritual da eugenia; Renato Kehl e a eugenia no Brasil; definição de eugenia; pontos nos ‘ii’; eugenia e religião; eugenia e materialismo. Por fim, os seus livros foram apresentados ao Centro Agrícola, dentre eles A hereditariedade em face da educação (Conferencia..., 1929). As informações sobre essa conferência foram publicadas mais de uma vez no Boletim de Eugenia por Renato Kehl (1929b, 1929c), enaltecendo a campanha eugênica de Domingues nas instituições de ensino no interior paulista.

O pseudônimo adotado por Domingues reapareceu na Revista de Agricultura, através do texto ‘Coroneis da agricultura...’, publicado na edição de março-abril de 1930. Antonil (1930) apontou que durante muito tempo indivíduos que faliam em suas carreiras passavam a se dedicar à agricultura. Esses indivíduos não capacitados - denominados por ele como ‘coronéis’ - dominaram o campo por muito tempo, até o advento das Escolas de Agronomia. Os intelectuais, surgidos nessas escolas, foram, segundo a metáfora de Antonil (1930), flores crescidas em meio ao esterco. Ele ainda considerou que, no início, essas escolas foram aplaudidas pelos ‘coronéis’; mas que cedo esses voltaram atrás, pois desejavam ter agrônomos-práticos, ou seja, trabalhadores braçais, e não agrônomos-intelectuais (Antonil, 1930).

Os coronéis almejavam se manter na liderança da agricultura nacional, entretanto, conforme Antonil (1930), os agrônomos floresceram, se qualificaram e chegaram a fazer cursos nos Estados Unidos da América e na Europa (em uma clara referência a si mesmo e aos seus colegas esalqueanos). Antonil (1930) encerrou o artigo constatando que, apesar da insistência dos coronéis pela formação de agrônomos-práticos, os agrônomos-intelectuais vieram para ficar. O texto não versou sobre o tema da eugenia, mas desvelou a concepção de Domingues acerca do papel das instituições de ensino superior, especificamente a ESALQ, para o desenvolvimento nacional e a posição de liderança a qual os intelectuais deveriam ocupar em uma sociedade brasileira considerada arcaica e resistente ao progresso científico.

A educação para a consciência eugênica na Revista de Agricultura

Ainda no ano de 1930, Domingues (1930a) publicou, na Revista de Agricultura, o texto ‘A saude’, assinando como docente da Escola Superior de Agricultura e da Faculdade de Pharmacia e Odontologia, ambas sediadas em Piracicaba. Em nota, o autor registrou que se tratava de uma palestra proferida no mês de maio na Faculdade de Pharmacia e Odontologia de Piracicaba por ocasião da Semana de Educação. Além de expor a campanha pela formação da consciência eugênica de Domingues no interior paulista, o texto revelou que o professor também era docente de outra instituição de ensino superior piracicabana e, logo, estendia a sua influência como eugenista-educador para além dos muros da ESALQ.

Domingues (1930a) discorreu sobre o conceito de saúde e a sua relação com a produtividade. Introduziu, de forma didática, o vocabulário eugênico para o público leigo presente na Semana de Educação em Piracicaba e para o público leitor da Revista de Agricultura. Explicou a dicotomia entre o homem saudável/eficiente/produtivo e o homem doente/ineficaz/improdutivo e, reproduzindo, ao se referir a esse último, termos pejorativos utilizados em outros textos, como ‘peso morto’, ‘resíduo’ e ‘parasita’ (Domingues, 1930a). A partir das bases mendelianas da eugenia, o autor explicou que as doenças poderiam ser decorrentes de fatores externos, bem como de fatores de ordem hereditária, esclarecendo que alguns indivíduos eram mais saudáveis porque herdaram de berço a resistência aos fatores externos causadores de doenças. Domingues (1930a) ponderou que aqueles que não possuíam essa ‘feliz herança’ ainda poderiam ter uma boa vida se cuidassem da higiene, no entanto essa saúde era mais precária em comparação com o ‘typo ideal do homem geneticamente robusto’.

Após a introdução, Domingues (1930a) apresentou o conceito de Eugenia, distinguindo-a da Hygiene (ambas grafadas com letras maiúsculas), afirmando que a última, paradoxalmente, trabalhava contra as conquistas da primeira. Segundo o professor, a higiene fazia com que indivíduos que herdaram uma má constituição orgânica se tornassem mais robustos e que essa conquista era efêmera e não transmissível hereditariamente. Ainda, repetiu o argumento apresentado em outros textos (cf. Domingues, 1929a, 1932b), de que esse era um verdadeiro trabalho de Sísifo. Domingues (1930a) também explanou que, sem a higiene, ocorreria o que Darwin chamou de seleção natural, ou seja, o desaparecimento das linhagens ‘más’ e a permanência dos seres mais adaptados e saudáveis. Ponderou que os recursos de prolongamento da vida dos ‘organicamente inviáveis’ eram decorrentes dos avanços da ciência, mas contrariavam a seleção natural e contribuíam para uma ‘seleção às avessas’. Apesar de admitir seus efeitos disgênicos, o professor esclareceu que não defendia a tese absurda e desumana de que a higiene era mais um mal do que um bem (Domingues, 1930a).

Domingues (1930a, p. 226-227) postulou que a ‘filha espiritual’ de Galton prometia uma multiplicação profusa de humanos sadios de corpo e alma, “[...] desde que obedeçamos ás suas prescripções, tiradas da theoria e da biologia applicada”. Na sequência, ele apresentou o conceito de consciência eugênica ao público presente na Semana de Educação da Faculdade de Pharmacia e Odontologia de Piracicaba, afirmando que era necessário que os indivíduos fossem orientados na escolha matrimonial em nome da felicidade pessoal e das futuras gerações, considerando que as uniões eugenicamente bem constituídas compreendiam a parte mais importante da eugenia (Domingues, 1930a).

Ao tomar Renato Kehl como referência na área, Domingues (1930a) definiu a eugenia ‘negativa’ como o conjunto de medidas de caráter proibitivo, consideradas draconianas, porém que, em vários pontos, se tornaram uma necessidade frente ao processo degenerativo no qual a humanidade se encontrava. Ele alegou que, como ela não era possível na maioria das vezes, o recurso essencial se tornava a educação para a consciência eugênica. Essa educação tinha como objetivo divulgar os ensinamentos da eugenia “[...] na massa da população das Escolas Superiores [...]” e conscientizar para o matrimônio eugenicamente orientado (Domingues, 1930a, p. 228). Na prática, era exatamente o que o esalqueano estava intentando ao proferir essa conferência na faculdade piracicabana com a sua devida transcrição na Revista de Agricultura. De acordo com Domingues (1930a, p. 228, grifo do autor):

Creio que um homem culto, moralmente bem formado, em sentido instruido do mal que praticará, gerando uma descendencia tarada, não duvidará um momento em abster-se. E o numero delles, fiquemos certos, crescerá se divulgados sufficientemente os ensinamentos da Eugenia na massa da população das Escolas Superiores, como esta, onde não se deve ensinar apenas a sciencia ou arte applicada, mas tambem o que possa servir de guia ao aperfeiçoamento da nossa especie. ‘A prohibição do matrimonio aos portadores de qualquer mal hereditario reconhecido - escrevi em algures - e que os impossibilita de bem exercer o seu papel social, é uma medida eugenica que deve merecer acatamento até daquelles sobre os quaes attinge a medida, em bem da sua propria prole’. ‘É preciso que se proclame [...] que ha circunstancias, nas quaes a propagação da vida humana constitue um crime tão grande como o de supprimir uma vida’.

No encerramento de sua conferência, Domingues (1930a) denunciou que, na Alemanha e nos Estados Unidos da América, existiam milhares de ‘degenerados’ casados e com liberdade de ter filhos e ponderou que esses números demonstravam que as medidas ‘eutécnicas’ eram pouco eficazes e que a medicina, em nome da misericórdia, agia de forma contrária ao bem da espécie, privilegiando o indivíduo em detrimento da comunidade. Domingues (1930a) concluiu afirmando que a lição oferecida por ele ao seu público era dedicada à deusa Hygia, dos gregos, ou Salus, dos romanos, alertando que era preciso cuidar da saúde, todavia que esses cuidados jamais poderiam ser dissociados dos fundamentos da hereditariedade.

Não foi encontrado nenhum artigo sobre eugenia assinado por Domingues ou ‘Antonil’ nas edições da Revista de Agricultura a partir da década de 1940. A sua última publicação no Boletim de Eugenia data de 1932 e o seu último livro sobre o tema foi reeditado em 1942. Este estudo considera que esse ‘silenciamento’ se relaciona com a reconfiguração da eugenia no contexto pós-1945, sinalizada por Stepan (2005) e discutida por Carvalho e Souza (2017), que visou a sua dissociação do modelo genocida da Rassenhygiene alemã, reestruturando-se a partir da forma supostamente ‘científica’, ‘neutra’, ‘humanista’ e liberal da engenharia genética. A Nota de falecimento... (1972, p. 139) publicada na Revista de Agricultura não fez qualquer menção ao envolvimento de Domingues com o movimento eugenista ou às suas diversas publicações sobre o tema, que incluem o Boletim de Eugenia do qual foi colaborador (1930-1932) e diretor (1932-1933), a sua trilogia, publicada entre 1929 e 1942, ou seus artigos na Revista de Agricultura, analisados ao longo deste trabalho.

Considerações finais

Domingues não compartilhou do racismo científico de Kehl (1935) e Piza Júnior (1933); todavia, se aproximou de seus colegas de Boletim de Eugenia ao conceber a educação para a consciência eugênica como o meio mais adequado para viabilizar o melhoramento qualitativo da ‘raça’ no Brasil, país cuja população era majoritariamente mestiça, católica, analfabeta e cujos intelectuais eram considerados pelos diretores do periódico como ignorantes no que tange às bases científicas da eugenia e da hereditariedade. Contrariamente à interpretação de Stefano (2009), que definiu a eugenia domingueana como ‘branda’ e ‘menos preconceituosa’ por seu caráter pró-miscigenação, as publicações do geneticista revelam a defesa de posicionamentos radicais alinhados à eugenia ‘negativa’, como a proibição da reprodução de indivíduos portadores de doenças hereditárias e a esterilização compulsória dos ‘degenerados’ (Domingues, 1931c), também denominados ‘pesos mortos’, ‘resíduos’ e ‘parasitas’ (Domingues, 1930a) pelo autor. Se por um lado são inegáveis as semelhanças com a eugenia mendeliana do antropólogo Edgar Roquette-Pinto (1884-1954) no tocante ao papel positivo da mestiçagem (cf. Roquette-Pinto, 1927); por outro, a defesa das medidas draconianas da eugenia também se fez presente na obra de Domingues.

Ao assumir a posição de eugenista-educador, Domingues considerou que a educação para a consciência eugênica era necessária para a efetivação de um processo civilizatório inconcluso. Eugenizar significava, sobretudo, viabilizar a construção de uma civilização tropical mediada pelo progresso científico. Paradoxalmente, o professor defendeu a melhoria nas condições de ensino e pesquisa no país, uma vez que compreendia o ensino das bases da hereditariedade, fundamentada na genética mendeliana, um dos eixos norteadores da campanha eugênica.

Este estudo considera, portanto, que a dialética da educação eugênica reside neste ponto: ao defender a formação da consciência eugênica, Domingues defendeu a melhoria na educação básica e superior no Brasil. Modernizar o ensino básico e superior e elevar o nível intelectual da população significava criar as condições necessárias para que a eugenia se disseminasse no país e superasse os obstáculos impostos, seja a resistência no campo intelectual ou religioso, seja a falta de fundamentos no tocante às suas bases científicas.

Verificou-se ainda que mais do que institucionalizada sob a forma de leis ou medidas impositivas, o professor da ESALQ almejava ver a eugenia naturalizada como um costume, uma prática cotidiana entre a população brasileira, uma consciência incrustrada no espírito nacional, das elites letradas à classe trabalhadora. A análise crítica dos textos publicados na Revista de Agricultura, entre 1926 e 1930, permitiu identificar os primeiros esboços do projeto educacional domingueano, posteriormente ampliado e aprofundado em sua trilogia de livros e em seus artigos no Boletim de Eugenia.

Conclui-se que, apesar de o campo da Educação constituir o carro-chefe em sua trajetória intelectual, a educação eugênica vislumbrada por Domingues não era ‘moderada’, a despeito dos argumentos pró-miscigenação e ‘humanistas’ presentes em sua obra. A frase “Que fiquem analfabetos” (Antonil, 1928, p. 2) constitui a melhor representação do caráter elitista e autoritário de seu projeto educacional, pensado pela e para as elites do país.

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1Apesar do desenvolvimento simultâneo do movimento eugenista em diversos países da América Latina nas primeiras décadas do século XX, o argumento de Souza (2016) está em consonância com a obra de Stepan (2004), que definiu o Brasil como o primeiro país latino-americano a ter um movimento eugênico organizado, bem como com a obra de López Guazo (2005), que considerou a Sociedade Eugênica de São Paulo (1918) como a primeira sociedade eugenista latino-americana, antecipando o Instituto de Medicina Social de Perú (1927), a Sociedad Mexicana de Eugenesia para el Mejoramiento de la Raza (1931) e a Asociación Argentina de Biotipología, Eugenesia y Medicina Social (1932).

2Conforme Habib (2010), a Revista de Agricultura é um periódico científico criado em 1926 pelos intelectuais da ESALQ, cujas publicações seguem ininterruptamente até os dias atuais. Ela aglutina pesquisadores dos campos da agricultura e da genética animal e vegetal. Esse periódico acompanhou o processo de transformação da escola de agricultura piracicabana em uma das maiores instituições de ensino e pesquisa do país, incorporada como unidade fundadora da Universidade de São Paulo (USP) em 1934.

3Conforme informações do portal do Conselho Federal de Medicina Veterinária (2018), Octavio Domingues foi um nome de destaque no campo da Zootecnia e Agropecuária no Brasil, tendo sido o fundador e professor do primeiro curso de Zootecnia no país. Desde 2008, a Comissão de Avaliação e Julgamento, constituída por conselheiros do Conselho Federal de Medicina Veterinária, gratifica anualmente os zootecnistas brasileiros que se destacam no ramo da agropecuária com o Prêmio Professor Octávio Domingues.

4O livro A hereditariedade em face da educação (1929a) foi publicado pela editora Melhoramentos como parte da Coleção Bibliotheca de Educação organizada por Lourenço Filho. O livro Hereditariedade e eugenia (1936) foi publicado como o quinto volume da Bibliotheca de Divulgação Científica dirigida pelo Prof. Dr. Arthur Ramos. O seu último livro foi a segunda edição reformulada de Eugenia: seus propósitos, suas bases, seus meios (em cinco lições) (1942), originalmente lançado em 1933 pela editora Contexto, como parte da série Bibliotheca Pedagogica Brasileira.

5Optou-se por manter entre aspas o termo ‘humanismo’, uma vez que o conceito foi instrumentalizado por Domingues na defesa das medidas eugênicas mais radicais, especialmente a esterilização. Esse ‘humanismo eugenista’ não foi, contudo, exclusividade de Domingues, estando presente, tanto nos primeiros textos de Francis Galton sobre o tema, como Hereditary genius (1869) e Inquiries into human faculty and its development (1883) (cf. Galton, 2000, 2004), quanto em obras de outros eugenistas brasileiros, como Lições de eugenia (1935) de Renato Kehl. Ademais, as correspondências entre os intelectuais mexicanos e brasileiros na década de 1960 revelam que a reconfiguração da ciência do melhoramento racial como uma ‘filosofia humanista’ consistiu em uma das principais estratégias dos eugenistas no contexto pós-1945 (cf. Eusnarrízar & Saavedra, 1960; Echeverría & Saavedra, 1966). Para uma análise aprofundada sobre a apropriação do conceito de humanismo pelos intelectuais eugenistas, ver Miranda (2022).

6'Era seu o pseudônimo J. A. Antonil”, revelou a Nota de falecimento do professor Octavio Domingues (1972, p. 139) publicada na Revista de Agricultura.

7A utilização de abreviaturas e pseudônimos era uma prática recorrente no Boletim de Eugenia, incentivada pelo próprio diretor Renato Kehl (cf. Kehl, 1930). Ao longo de seus quatro anos e meio de existência, o periódico contou com textos assinados por ‘Um pae’ (1929), ‘João do Norte’ (1929), ‘Macrobio’ (1931), ‘João Sem Nome’ (1931), e traduções de ‘W.F.K.’ (cf. Lundborg, 1930, 1931). As abreviaturas mais frequentes eram as de ‘C.C.’, responsável por quatro traduções (cf. Perondi, 1931a, 1931b; Recasens, 1929; Schraenen, 1930), e ‘E.R.’, autor de cinco artigos (cf. E.R., 1930a, 1930b, 1930c, 1930d, 1931) e duas traduções (cf. Darwin, 1931; Schopenhauer, 1932). Dentre os textos mais racistas e autoritários publicados no Boletim de Eugenia, destaca-se o artigo ‘O Brasil e a raça’, assinado por ‘João do Norte’ (1929), pseudônimo de Gustavo Barroso (1888-1959), membro da Academia Brasileira de Letras, primeiro diretor do Museu Histórico Nacional (1922-1930), líder da Ação Integralista Brasileira (AIB) e, conforme Maio (1992), o maior teórico do antissemitismo no Brasil.

11Rodadas de avaliação: R1: três convites; uma avaliação recebida. R1: dois convites; uma avaliação recebida.

12Como citar este artigo: Roitberg, G. P., & Gomes, L. R. Educação, hereditariedade e eugenia: o projeto educacional de Octavio Domingues (1926-1932). Revista Brasileira de História da Educação, 23. DOI: http://doi.org/10.4025/rbhe.v23.2023.e249

13Financiamento: A RBHE conta com apoio da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE) e do Programa Editorial (Chamada Nº 12/2022) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)

14Esta pesquisa foi parcialmente financiada pela CAPES: processos n° 88887.569968/2020-00 e nº 88887.644568/2021-00.

15Este artigo é publicado na modalidade Acesso Aberto sob a licença Creative Commons Atribuição 4.0 (CC-BY 4).

Recebido: 30 de Abril de 2022; Aceito: 14 de Outubro de 2022; Publicado: 15 de Janeiro de 2023

*Autor para correspondência. E-mail: guilhermeroitberg@gmail.com.

Guilherme Prado Roitberg é Doutorando em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e pesquisador visitante na University of Groningen (RUG, Países Baixos). Mestre em Educação e graduado em História pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). E-mail: guilhermeroitberg@gmail.com https://orcid.org/0000-0003-0338-2270

Luiz Roberto Gomes é Doutor em Filosofia da Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com estágio pós-doutoral em Ciências da Educação pela Goethe Universität - Frankfurt am Main. Professor Associado do Departamento de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSCar. Líder do Grupo de Pesquisa Teoria Crítica e Formação Ético-política (UFSCar-CNPq). E-mail: luizrgomes@ufscar.br https://orcid.org/0000-0002-8867-7897

Editor-associado responsável: Alicia Civera Cerecedo (Cinvestav - México) E-mail: malixa44@hotmail.com https://orcid.org/0000-0003-0021-2911

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