Introdução
Inúmeros estudos internacionais têm mostrado a influência do clima escolar para as aprendizagens e as relações sociais que acontecem na escola. Contudo, esse tema é pouco pesquisado no Brasil, ainda mais quando se estuda a visão dos alunos, destacando-se ainda o fato de que, em extensa revisão bibliográfica efetuada, não foram encontrados instrumentos validados e adaptados à realidade de nossas escolas para avaliá-lo. Considerando que as escolas públicas brasileiras frequentadas pela maioria da população, em geral, exibem resultados insatisfatórios e dificuldades de melhoria substantiva, no que se refere à qualidade da convivência e de aprendizagem dos alunos, e que as investigações sobre o clima escolar podem cooperar para identificar aspectos fundamentais da dinâmica educativa, a partir da análise das perspectivas dos diferentes atores do processo pedagógico, este estudo teve como objetivos conhecer a percepção dos alunos de Ensino Fundamental II sobre o clima escolar de instituições públicas, investigar se há diferenças entre as escolas pesquisadas e identificar quais dimensões do clima escolar são percebidas por esses estudantes como geralmente positivas, negativas ou neutras. Para tanto, foi construído e aplicado um questionário destinado a avaliar o clima escolar em alunos do 7º ao 9º ano do Ensino Fundamental de quatro escolas municipais do interior paulista, e realizadas sessões de observações em duas dessas instituições. Os resultados nos permitiram conhecer melhor como esses adolescentes percebem o clima de suas escolas e quais são as dimensões consideradas por eles como mais positivas e/ou negativas.
Podemos encontrar conceitos distintos a respeito do clima. Entretanto, a literatura nos aponta uma ideia comum, a qual o concebe como a percepção que os indivíduos têm a respeito do ambiente no qual estão inseridos (CUNHA; COSTA, 2009;GAZIEL, 1987; JANOSZ, 1998; LOUKAS, 2007; THIÉBAUD, 2005). Compreendemos o clima escolar como o conjunto de percepções e expectativas compartilhadas pelos integrantes da comunidade escolar, decorrente das experiências vividas nesse contexto com relação aos seguintes fatores inter-relacionados: normas, objetivos, valores, relações humanas, organização e estruturas física, pedagógica e administrativa que estão presentes na instituição educativa. O clima corresponde às percepções dos docentes, discentes, equipe gestora, funcionários e famílias, a partir de um contexto real comum, portanto, constitui-se por avaliações subjetivas. Refere-se à atmosfera psicossocial de uma escola, sendo que cada uma possui o seu clima próprio. Ele influencia a dinâmica escolar e, por sua vez, é influenciado por ela. Desse modo, interfere na qualidade de vida e do processo de ensino e com a aprendizagem.1
Assim como o conceito, as dimensões que constituem o clima escolar podem variar (CUNHA; COSTA, 2009; GOMES, 2005; LOUKAS, 2007), entre os pesquisadores. Estudioso há anos desse tema, Janosz (1998) compreende o ambiente escolar como sendo composto por cinco dimensões inter-relacionadas: a primeira delas é a educativa, que traduz o valor atribuído à educação. O clima educativo de qualidade se assenta na percepção da escola como um lugar de verdadeira educação, o qual investe no sucesso e bem-estar dos alunos e no desenvolvimento de uma boa educação, de forma a promover o valor da escolarização e dar sentido às aprendizagens.
A segunda é a dimensão relacional, que se refere às relações estabelecidas entre os membros de uma organização e seu entorno. “A qualidade do clima relacional é tributária de três fatores, designadamente a intensidade das relações interpessoais, o respeito entre os indivíduos e a garantia do apoio dos outros.” (JANOSZ, 1998, p. 2).
A segurança é a terceira dimensão, concernente à ordem, à tranquilidade e à confiança entre os atores da escola. De acordo com o autor, a justiça é a quarta dimensão, à qual os alunos são bastante sensíveis, servindo-se dela quanto a suas atitudes e a seus comportamentos, permitindo-lhes desenvolver uma justa apreciação e o reconhecimento dos direitos e dos deveres de cada um. O autor considera que a dimensão da justiça é reconhecida pela legitimidade e equidade na aplicação das regras e sanções.
E a última, a dimensão do pertencimento, transcende qualquer uma das outras, na medida em que se constrói a partir de todas as demais. O sentimento de pertencimento a uma escola e de ser parte integrante de um grupo é percebido, quando cada um e todos, na relação humana e com o ambiente físico, encontram sentido, segurança, proteção, apoio e reconhecimento dos seus direitos, dos seus esforços e, perante as transgressões às normas, encontram sanções justas. Janosz (1998) acredita que esse sentimento promove o respeito pela instituição, pelas pessoas que nela interagem e facilita a adesão às normas estabelecidas.
A forma como os indivíduos sentem coletivamente essa atmosfera traz significativas influências sobre o comportamento dos grupos. Janosz (1998) e Thiébaud (2005) salientam que o clima escolar influencia na qualidade da vida escolar dos alunos em três aspectos: na formação da identidade; na aprendizagem/escolarização, por meio da motivação, da disciplina, da aprendizagem e do rendimento escolar; e na convivência e antecipação das expectativas recíprocas, estando-lhe associados problemas diversos, como os conflitos, a violência, o vandalismo, o roubo, o consumo e venda de drogas e outros comportamentos de risco.
Grande parte dos estudos relaciona a qualidade do clima com o desempenho dos alunos. Um deles foi realizado por Casassus (2008), em uma pesquisa feita em 14 países, incluindo o Brasil, o qual investigou fatores que favorecem o bom desempenho dos estudantes. O autor concluiu que o clima emocional (dimensão relacional) tem uma importância muito grande, maior do que os demais fatores. Ele constatou que, nas instituições em que os alunos se dão bem com os colegas, nas quais não há brigas, em que o relacionamento harmonioso predomina e não há interrupções nas aulas, os estudantes apresentam um desempenho melhor.
Segundo estudo da OCDE (2013), a partir de dados do PISA e do LLECE/UNESCO, o clima escolar foi o elemento que mais explicou a variação dos resultados de desempenho entre escolas. Estudos feitos no Brasil também apontam a influência do clima escolar, além de outros fatores, no desempenho e na desigualdade intraescolar (ALVES; FRANCO, 2008; BRASIL, 2014; FRANCO et al., 2007; OLIVEIRA, 2013).
Perkins (2006,2007), em suas pesquisas, mostra que o clima escolar é fator de forte influência sobre a aprendizagem dos alunos, tão importante quanto o ensino em si. Ele afirma que características como estrutura física, relações entre pessoas e contexto psicológico podem alterar negativa ou positivamente o clima e terem como resultado maior ou menor desenvolvimento dos alunos.
Dirigindo o olhar às percepções dos estudantes, o texto traz uma investigação realizada por Forgette-Giroux,Richard Ichaud e Michaud (1995), a qual identificou seis dimensões do clima psicossocial na escola, com base na perspectiva dos alunos: expectativas, valor da amizade, sucesso escolar, valor pessoal, normas e exigências do meio e dos professores. Os resultados dessa pesquisa demonstraram que o clima psicossocial da escola tem um impacto sobre o conceito de si, sobre a autoconfiança e sobre o desempenho escolar. Resultado semelhante foi encontrado por Loukas (2007), o qual defende que uma boa percepção do clima escolar e um senso de pertencimento à escola compensariam as dificuldades de aprendizagem dos estudantes com perfil de menor desempenho, no que concerne a seus problemas comportamentais e emocionais.
Thiébaud (2005) ao realizar uma revisão da literatura na área, afirmou que os esultados de diversos estudos indicaram que os alunos são sensíveis ao clima da escola, podendo influenciar o seu comportamento e adaptação. O autor entende que o clima
escolar está relacionado com o grau de eficácia geral de uma instituição, mas, especialmente, com o nível de incivilidades, violência e estresse vivenciados. É o que também evidenciam Blaya et al. (2004) em suas pesquisas, nas quais relacionam o clima das escolas e a vitimização entre os alunos. Os autores concluem que o clima escolar é um elemento essencial do bom funcionamento da escola; quando é negativo, pode representar um fator de risco da qualidade de vida escolar, colaborando para o sentimento de mal-estar e para o surgimento da violência.
Nesse sentido, os estudos de Debarbieux (2006) ressaltam que a qualidade do clima escolar é uma variável muito importante para prevenir a violência. Segundo o autor, as instituições que apresentaram êxito em programas de prevenção da violência tinham um clima escolar positivo. A qualidade do clima escolar, portanto, prenuncia o sucesso ou fracasso da implementação de programas de intervenção.
As pesquisas anteriormente mencionadas revelam que o clima exerce uma forte influência na qualidade de vida escolar e está diretamente associado ao sentimento de bem-estar geral e de autoconfiança para realizar o trabalho escolar, à motivação, às aprendizagens e rendimento escolar, à atitude face à utilidade dos estudos, à identificação com a escola, ao desenvolvimento emocional e social dos alunos e professores, aos comportamentos, ao estresse, às interações com os pares e com os outros atores da instituição. As instituições que possuem clima escolar positivo exibem bons relacionamentos interpessoais, qualidade no processo de aprendizagem com decisões compartilhadas, senso de justiça (há participação na elaboração das regras que estão presentes e são obedecidas, e as sanções são justas), os indivíduos se sentem seguros, envolvidos, respeitosamente desafiados e pertencentes.
Raramente as escolas discutem o que já fazem bem e o que podem melhorar, a partir de diagnósticos mais precisos, como por meio de coleta de dados com questionários ou entrevistas abordando variadas dimensões e dirigidos aos diferentes atores da comunidade escolar. Geralmente embasam a identificação dos problemas internos em percepções de um único grupo, não raro docentes e especialistas, pautando as decisões e atitudes principalmente em bom senso ou experiências que pensam ser positivas e aprendidas de gerações anteriores.
As escolas podem avaliar o clima escolar de várias maneiras, por exemplo, usando grupos focais, métodos de observação, entrevistas, pesquisas com estudantes, funcionários e familiares etc. Todavia, o clima escolar é mais bem avaliado com investigações desenvolvidas com rigor metodológico e que, além de possibilitarem o reconhecimento da voz dos atores da comunidade escolar, avaliam todas as dimensões que dizem respeito às relações sociais, ao processo de ensino e aprendizagem e às experiências dos educadores e alunos na instituição (COHEN, 2010).
As investigações sobre o clima escolar trazem contribuições no sentido de analisar padrões de interações sociais presentes no contexto escolar, os quais podem facilitar ou dificultar o trabalho coletivo e o diálogo entre os diferentes atores do processo pedagógico, aspectos fundamentais na dinâmica educativa (BRITO; COSTA, 2010). Contudo, apesar da relevância desse conhecimento, ainda não identificamos no país instrumentos validados e adaptados à realidade das escolas brasileiras, capazes de mensurar o clima escolar e, consequentemente, a partir de um diagnóstico mais preciso, possibilitar conhecer o que vai bem em uma escola e o que precisa ser melhorado, para o planejamento de propostas de intervenção mais eficazes.
Diante do exposto, este artigo tem como objetivos apresentar a percepção dos alunos de Ensino Fundamental II sobre o clima escolar de instituições públicas, investigando se há diferenças entre as escolas e identificando quais dimensões do clima escolar são percebidas por esses estudantes, como geralmente positivas, negativas ou neutras.
Procedimentos metodológicos
A pesquisa que realizamos teve como objetivo, inicialmente, elaborar e testar instrumentos para avaliar o clima escolar em alunos do 7º ao 9º ano, docentes e gestores. Para a construção dos questionários, foram promovidas consultas em bancos de dados nacionais e internacionais, buscando-se pesquisas que investigassem o clima escolar, assim como instrumentos utilizados para avaliá-lo. Com a revisão da literatura na área e a análise de vários instrumentos de diversos paises, construiram-se2 questionários direcionados aos alunos do 7º ao 9º ano, professores e gestores. Inicialmente, foi elaborada uma matriz formada por oito dimensões inter-relacionadas, consideradas constituintes do Clima Escolar e apresentadas no Quadro 1.
QUADRO 1 Clima Escolar
Clima Escolar – Matriz | ||
Dimensão | Conceito | Grupo |
1) As relações com o ensino e com a aprendizagem | A boa qualidade dessa dimensão se assenta na percepção da escola como um lugar de trabalho efetivo com o conhecimento, que investe no êxito, motivação, participação e bem-estar dos alunos, promove o valor da escolarização e o sentido dado às aprendizagens. Implica também na atuação eficaz de um corpo docente estável e na presença de estratégias diferenciadas que favoreçam a aprendizagem de todos e o acompanhamento contínuo, de forma que nenhum aluno fique para trás. | Aluno Professor Gestor |
2) As relações sociais e os conflitos na escola | Refere-se às relações e aos conflitos entre os membros da escola. A boa qualidade do clima relacional é resultante das relações positivas que ocorrem nesse espaço, das oportunidades de participação efetiva, da garantia do bem-estar, respeito e apoio entre as pessoas, promovendo continuamente o sentimento de pertencimento. | Aluno Professor Gestor |
3) As regras, as sanções e a segurança na escola | Essa dimensão diz respeito a como gestores, professores e alunos intervêm nos conflitos interpessoais na escola. Abrange, também, a elaboração, o conteúdo, a legitimidade e a equidade na aplicação das regras e sanções. Compreende, ainda, a ordem, a justiça, a tranquilidade e a segurança no ambiente escolar. | Aluno Professor Gestor |
4) As situações de intimidação entre alunos | Essa dimensão trata da identificação das situações de intimidação e maus tratos vivenciadas nas relações entre pares e de bullying, dos locais em que ocorrem, assim como a quem e com que frequência o alvo recorre solicitando auxílio. | Aluno Professor Gestor |
5) A família, a escola e a comunidade | Refere-se à qualidade das relações entre escola, família e comunidade, compreendendo o respeito, a confiança e o apoio entre essas pessoas. Envolve o sentimento de ser parte integrante de um grupo que compartilha objetivos comuns. | Aluno Professor Gestor |
6) A infraestrutura e a rede física da escola | Trata-se da qualidade da infraestrutura e do espaço físico das escolas, do seu uso, adequação e cuidado. Refere-se a como os equipamentos, mobiliários, livros e materiais estão preparados e organizados para favorecer a acolhida, o livre acesso, a segurança, o convívio e o bem estar nesses espaços. | Aluno Professor Gestor |
7) As relações com o trabalho | Trata-se dos sentimentos dos gestores e professores com seu ambiente de trabalho e as instituições de ensino. Abrange as percepções vinculadas à formação e qualificação profissional, às práticas de estudos e às reflexões sobre as ações, à valorização, satisfação e motivação para a função que desempenham e ao apoio que recebem dos gestores e demais profissionais. | Professor Gestor |
8) A gestão e a participação | Abrange a qualidade dos processos empregados para identificação das necessidades da escola, intervenção e avaliação dos resultados. Inclui também a organização e articulação entre os diversos setores e atores que integram a comunidade escolar, no sentido de promover espaços de participação e cooperação na busca de objetivos comuns. | Professor Gestor |
Quadro 1 – Matriz com as dimensões, conceitos e público-alvo respondente acerca do clima escolarFonte: Elaboração dos autores
A matriz foi utilizada como base para a construção dos instrumentos, considerandose oito dimensões presentes destinadas aos professores e gestores (dimensões 1 a 8) e seis relativas aos alunos (1 a 6). Os questionários foram compostos por seções, contendo itens que medem e avaliam as percepções dos sujeitos a respeito dessas dimensões.
Para cada item, existem quatro possibilidades de resposta, apresentadas numa escala do tipo Likert de quatro pontos. A opção por quatro possibilidades é justamente para que não haja uma alternativa intermediária que direcione as respostas. No final, há questões que visam a coletar informações sobre o perfil socioeconômico e educacional do participante. Para a validação de conteúdo, os instrumentos foram submetidos à apreciação de especialistas na área que não conheciam os itens, os quais foram aperfeiçoados após suas análises. Em seguida, foram realizadas pré-testagens com cada tipo de público-alvo e efetuadas as alterações pertinentes para o alcance dos objetivos definidos. Em média, o tempo para resposta foi de 40 minutos.
As questões que permearam as análises foram: qual a percepção dos alunos sobre o clima escolar? Há diferenças nas percepções dos estudantes sobre o clima escolar entre as escolas investigadas? Quais dimensões do clima escolar são percebidas pelos alunos como geralmente positivas, negativas ou neutras?
Os participantes foram alunos de quatro escolas municipais de Ensino Fundamental de uma cidade do interior paulista. O Quadro 2 reúne as características das escolas.
São instituições3 situadas em bairros periféricos da cidade. Participaram desta pesquisa 566 estudantes do 7º ao 9º ano, distribuídos conforme indica o Quadro 3.
Quadro 3 Alunos participantes da pesquisa
Participantes | Escola 1 | Escola 2 | Escola 3 | Escola 4 | Total |
Alunos do 7º ano | 74 | 29 | 62 | 45 | 210 |
Alunos do 8º ano | 56 | 36 | 50 | 62 | 204 |
Alunos do 9º ano | 46 | 23 | 50 | 33 | 152 |
Total de alunos | 176 | 88 | 162 | 140 | 566 |
Quadro 3 – Alunos participantes da pesquisaFonte: Elaboração dos autores
A maioria dos participantes tinha entre 12 a 15 anos (92%), sendo 52% meninas e 48% meninos. Desses, 44% se declararam pardos, 31% brancos e 10% pretos. Quanto à série que cursavam, 37% estavam no 7º ano, 34% no 8º e 28% no 9º. Apesar de 15% já terem sido reprovados uma vez e 3%, duas vezes ou mais, a maior parte desses adolescentes acreditava estar muito bem com relação aos estudos (66%) e 1/3 nem tão bem, nem tão mal (32%). Ademais, 78% dos jovens assinalaram que a mãe era o adulto responsável pela casa, apenas 16% responderam que era o pai, enquanto 12% desses estudantes já trabalhavam.
Os questionários impressos foram aplicados4durante o horário de aula pelos integrantes da equipe de pesquisa e, em seguida, digitalizados. Além da aplicação dos questionários em duas dessas escolas (2 e 4), foram realizadas sessões de observações assistemáticas nas classes e nos demais momentos da rotina dos alunos e professores, totalizando 16 horas de observação em cada escola. As observações almejaram conhecer melhor a realidade cotidiana dessas instituições. A coleta de dados aconteceu no período de maio a agosto de 2014.
Os dados foram analisados quantitativamente, empregando-se os programas The Statistical Analysis System (SAS) e IBM© SPSS© Statistics. A partir do cálculo da pontuação média obtida em cada dimensão e no total das dimensões, doravante denominado clima escolar geral, foi feita a codificação dos escores numéricos para dados categóricos, ou seja, foram atribuídos às alternativas de quatro pontos os níveis negativo, neutro e positivo. Para isso, dividiram-se os quatro pontos da escala Likert em tercis. Ao primeiro tercil, foi atribuída a pontuação de 1 a 2,24: nível negativo; ao segundo tercil, de 2,25 a 2,75: nível neutro; e ao terceiro tercil, de 2,75 até 4: nível positivo. Assim, foram extraídas as frequências de avaliação positiva, neutra e negativa do clima geral, procedendo-se à análise comparativa entre as escolas pesquisadas. Em acréscimo também foram apresentadas as avaliações no conjunto dos alunos das quatro instituições participantes, quanto a cada dimensão do clima escolar.
Os resultados foram igualmente analisados qualitativamente, procedendo-se à apresentação de algumas das respostas aos itens do questionário, os quais representam as diferentes dimensões que compõem o clima escolar, de modo a complementar e contextualizar sua compreensão com os dados colhidos nas sessões de observações realizadas nas escolas 2 e 4.
No referente à confiabilidade do questionário de clima escolar, aplicado na amostra participante (n=566), o coeficiente de consistência interna, calculado pelo alfa de Cronbach, alcançou índice satisfatório na maioria de suas dimensões, variando de 0,80 a 0,90, o que é considerado um valor muito adequado para estimar a precisão de um instrumento (STREINER, 2003).
Apresentação e discussão dos resultados
O aluno, foco deste estudo, continuamente interage com experiências na instituição escolar, construindo e compartilhando significados. Sua percepção sobre o clima não se trata de simples impressão individual, pois, como esclarece Debarbieux (2006), repousa sobre uma experiência subjetiva da vida escolar que leva em conta não apenas o indivíduo, mas também a escola, enquanto um grande grupo, e os diferentes grupos sociais que lá interagem. Tendo em vista essa perspectiva, apresentamos, no Gráfico 1, uma análise do clima escolar geral, percebido pelos estudantes, como um todo, e em cada uma das quatro instituições participantes da pesquisa, classificando-o em níveis negativos, neutros ou positivos.
![](/img/revistas/reeduc/v15n40//2238-1279-reeduc-15-40-09-gf1.jpg)
Fonte: Elaboração dos autores
Gráfico 1: Gráfico 1 – Distribuição dos percentuais referentes às percepções sobre o clima escolar: geral e por escolas
Verifica-se que, no geral, as percepções dos alunos sobre o clima escolar se dividem entre as posições neutra e positiva. Apenas 4,3% consideram o clima escolar negativo. No que diz respeito aos percentuais por instituição, as escolas 2 e 3 seguem a mesma tendência dos dados gerais. A escola 1 apresenta o menor percentual na percepção positiva (17,1%) e, a despeito de a posição neutra predominar, com 75,3%, essa instituição se destacou em relação ao clima negativo (7,6%). Em contraponto, destacamos a escola 4, com o percentual predominantemente positivo (87,7%), revelando, ainda, o menor percentual nas posições negativa e neutra (1,4% e 10,8%), respectivamente. Notamos considerável diferença de percepção do clima entre os alunos de diferentes escolas. O teste de significância, processado nas análises dos dados, atesta essa informação, ou seja, aponta que há diferenças estatisticamente significantes no conjunto das escolas, quanto às percepções do clima escolar (x² =153,9; p > 0,01).
Em todas as quatro instituições, há aspectos que vão bem e outros que precisam ser analisados e aperfeiçoados, os quais variam em cada uma. É interessante ressaltar a escola 4, pois revela um clima altamente positivo, embora se trate da única escola de Ensino Fundamental de um bairro periférico em que há violência, com algumas evidências de pouca atuação do poder público, além de possuir uma infraestrutura bastante precária. Foram exatamente essas condições, associadas às respostas altamente positivas, que nos levaram a conhecer melhor essa instituição, como ainda veremos.
Depois de constatar que o percentual de percepção negativa é baixo nos dados gerais e por instituição e que a avaliação neutra está próxima da positiva na maioria das escolas, passou-se a analisar a distribuição dos percentuais em cada dimensão do clima na percepção do conjunto de alunos. O Gráfico 2 apresenta os percentuais de cada dimensão, aprofundando sua análise.
![](/img/revistas/reeduc/v15n40//2238-1279-reeduc-15-40-09-gf2.jpg)
Fonte: Elaboração dos autores
Gráfico 2: Gráfico 2 – Distribuição dos percentuais nas posições negativas, neutras e positivas pelos alunos para cada dimensão do clima escolar
Podemos constatar, no Gráfico 2, que a dimensão 4 (intimidação) tem o maior percentual de percepção positiva para os estudantes (87,9%), seguida pelas dimensões 3 (regras), 2 (relações sociais) e 1 (ensino), com 66,7%, 61,5% e 58,0%, respectivamente. Como indicado anteriormente, ainda que nos dados agrupados por escola o percentual de percepções negativas tenha sido baixo, duas dimensões merecem destaque por se contrapor a esse dado: a dimensão 5 (família), com 23,5% de avaliações negativas, e a 6 (infraestrutura), com mais da metade dos alunos (52%) evidenciando essa dimensão como negativa.
Será discutida, a seguir, cada uma das dimensões. Para tanto, serão utilizadas as análises das respostas aos itens da dimensão e os registros das observações feitas nas escolas. Como anteriormente mencionado, para os adolescentes, a dimensão mais positiva é ligada às “situações de intimidação entre os alunos” (87,9%). A leitura das respostas mostra que, nas escolas, havia pouca ocorrência de agressões físicas. Na percepção deles, o que mais acontecia eram gozações (irritar, provocar, fazer brincadeiras que chateiam) e a colocação de apelidos que incomodavam. São, na verdade, incivilidades5 , as quais precisam ser consideradas pela escola como formas de desrespeito e não apenas “brincadeiras da idade”, como alguns professores creem (CAMACHO, 2001; LATERMAN, 2002; LEME, 2006; LUCATTO, 2012; RAMOS, 2013).
Uma parte dos alunos aludiu ao uso de celulares e internet para insultar e ameaçar. Algumas vezes, também havia furtos e pertences quebrados. As respostas dos discentes indicaram que existiam situações de ameaças, insultos e agressões, mas que não eram frequentes, a ponto de serem caracterizadas como ambientes violentos. Percebe-se, contudo, a presença do sentimento de medo e de agressões recorrentes direcionadas a poucos alunos, o que pode indicar o bullying. 6 Embora com baixa ocorrência, tais situações precisam ser consideradas, planejando-se propostas de diagnóstico e de intervenções que sejam promotoras de uma convivência mais respeitosa entre os alunos.
Em geral, os dados dessa dimensão são coerentes com o que os estudos têm apontado, no sentido de que, com exceção de algumas escolas, não há aumento da incidência de violências “duras”7 entre os alunos, porém, tem havido particularmente o crescimento de pequenas infrações, insultos e desobediência às normas, ou seja, principalmente incivilidades. Com base em suas pesquisas, Blaya et al. (2004) afirmaram que o mundo escolar é mais frequentemente palco de pequenas desordens, de tumultos, de recusas em cooperar, de insolência, de indelicadezas e de palavras ofensivas do que de delitos qualificáveis em termos penais. No entanto, a frequência e a intensidade dessas incivilidades podem colaborar para degradar o clima da escola.
“As regras, as sanções e a segurança na escola” foi a segunda dimensão reconhecida como mais positiva pelos estudantes (67,7%). Constata-se que, na opinião de grande parte dos discentes, alguns e a maioria dos professores trata os alunos de maneira justa e que raras são as vezes em que sentem medo dos docentes. Há o predomínio de uma percepção neutra com relação à participação dos alunos na elaboração e mudanças de regras. Consideram que algumas vezes fazem assembleias ou encontros para discutir as normas e os problemas da escola. Apesar de a maior parte concordar que os alunos cumprem as regras da escola, há uma tendência negativa quanto ao conhecimento e compreensão dessas normas e de sua justiça, pois nem sempre concordam que valem para todos. Essa estrutura dificulta aos estudantes compreender as razões das regras, sendo promotoras da obediência acrítica, visto que a mensagem subjacente é a de que obedecer e pensar são atitudes contraditórias (LA TAILLE, 1998).
As principais sanções utilizadas pelas escolas, quando há agressões entre alunos, são: advertências, suspensão e convocação da família. Na escola 4 que apresentou o clima mais positivo, houve uma maior ocorrência de alunos que indicaram que as sanções eram justas e que os envolvidos eram ouvidos e convidados a reparar seus erros. Por outro lado, nas demais escolas, mais do que na escola 4, quando ocorriam infrações na sala de aula, as atitudes mais comuns dos professores eram: informar a família do ocorrido, encaminhar para a direção, censurar, ameaçar, fingir que não percebiam e impedir o aluno de fazer algo de que gostava. A maioria dos discentes discordou que as punições eram impostas sem o aluno ser ouvido, contudo, grande parte considerou os castigos injustos e ineficazes para resolver os problemas. Muitos afirmaram que os estudantes não podiam contar com os adultos para ajudar a resolver os conflitos. Assim, para muitos, a escola não era vista como um espaço em que a justiça predomina.
Verificamos que algumas das respostas dadas pelos alunos aos itens do questionário de avaliação do clima vão ao encontro dos dados recolhidos por meio das observações, embora, no cálculo geral dessa dimensão, esta ter sido avaliada como predominantemente positiva. As observações realizadas nas escolas mostraram que as regras eram elaboradas e impostas pelos adultos, os quais aplicavam as sanções e resolviam os conflitos mais evidentes. Não havia, de forma sistematizada e frequente, espaços institucionais de diálogo com e para os alunos como, por exemplo, os círculos restaurativos e as assembleias, que visam a mediar os conflitos, melhorar o convívio escolar e prevenir a violência. Também não havia clareza sobre os princípios, nem sobre os diferentes tipos de regras, de problemas de convivência ou de sanções. As intervenções não eram preventivas, mas reativas, ou seja, os adultos agiam quando se deparavam com o problema. Destaca-se, contudo, que havia uma preocupação dos profissionais com o cuidado e a segurança dos estudantes, com a manutenção da ordem, em impedir agressões e em agir com justiça.
Vale a pena frisar também que, mesmo bem pouco frequente, alguns alunos afirmaram que havia colegas que traficavam drogas na escola, os quais compareciam embriagados ou drogados e levavam armas, canivetes etc., denotando que, ainda que pequena, há incidência dessas situações que merece maior atenção.
Diretamente relacionada com as dimensões anteriores, a terceira percebida como mais positiva pelos estudantes foi “As relações sociais e os conflitos na escola” (61,5%). A análise dos itens dessa dimensão revela que os alunos, em geral, estão satisfeitos com as relações que têm com os colegas e com os professores. Em sua maioria, acreditavam que muitos de seus professores escutavam os estudantes, demonstravam interesse por eles e os tratavam bem. Todavia, para eles, a maior parte dos docentes gritava e implicava com alguns alunos. A despeito de serem poucos, os alunos indicaram ainda haver professores que ameaçavam e ridicularizavam. Quanto aos conflitos, os estudantes consideraram que os desentendimentos entre professores e alunos ocorriam às vezes, mas que eram bem mais frequentes os conflitos entre os alunos.
“As relações com o ensino e com a aprendizagem” foi igualmente uma dimensão tida como positiva pela maioria dos jovens (58%), aparecendo em quarto lugar. Essa percepção ocorreu fortemente com relação à utilidade das aprendizagens escolares para a vida, a não concordância em mudar de escola, mesmo se tivessem tal oportunidade, e a crença dos alunos no êxito que teriam no ingresso em cursos superiores ou técnicos e em provas externas. Essa percepção positiva, embora não tão alta, foi mantida com relação ao trabalho com os conteúdos. Esses adolescentes sublinharam que a maioria dos professores explicava de forma clara, dava aulas interessantes, valorizava as produções dos alunos e os incentivava a perguntarem várias vezes até entender, mesmo sendo baixa a ocorrência dos estudantes que concordaram que o faziam, quando não compreendiam algo. Os alunos afirmaram que, em muitas aulas, a maior parte dos discentes prestava atenção no que o professor falava e se esforçava para realizar as atividades.
Contudo, em duas escolas (1 e 3), mais da metade dos alunos reconheceram que a desmotivação acontecia em algumas e em todas as matérias, que a maior parte dos estudantes atrapalhava em algumas e em todas as aulas, que alguns professores não conseguiam manter a ordem e que o comportamento valia nota. Quanto à lição de casa, os alunos apontaram que, em geral, a escola não passava muitas tarefas e que a distribuição das lições entre as matérias não era equilibrada. Muitos confessaram não as fazerem com frequência.
Chama a atenção, nas escolas de modo geral, a forte discordância dos estudantes quanto à utilização com frequência da biblioteca, de computadores e da internet, no ambiente escolar. Outro aspecto que merece um olhar mais atento é que não é incomum a falta de alguns professores e atrasos de alunos.
Vale a pena ressaltar que foi constatado, por meio das observações em salas de aulas, que grande parte dos professores usava métodos empiristas de ensino (BECKER, 2001, 2011): durante as aulas, os alunos se revezavam na leitura em voz alta dos conteúdos dos livros, o docente explicava o trecho da leitura, solicitava a realização individual dos exercícios e corrigia na lousa as respostas. Havia muita cópia de pontos da lousa e eram dadas as mesmas atividades para todos. O emprego de filmes, as buscas na internet e outras atividades diversificadas ou em grupo eram raros. Quase não se percebia o planejamento ou a elaboração de propostas interdisciplinares ou mais desafiadoras que fossem além do livro didático. Ressalta-se que quase não havia debates ou levantamento dos conhecimentos prévios dos alunos. Alguns professores não conseguiam organizar a classe e o tempo adequadamente. Os estudantes ficavam parte do tempo ociosos, esperando o término de uma correção, a conclusão de uma atividade pelos colegas etc. Eram evidentes o tédio e o desinteresse. O que foi observado vai ao encontro do identificado no TALIS (OCDE, 2013), quanto à alta ocorrência de alunos que chegam atrasados, ao tempo mal aproveitado, em que ficam sem fazer nada, à demora para dar início a aula, à desordem e às interrupções durante as aulas.
Ressalta-se que essas características também foram notadas na escola 4, apesar de a dimensão do processo ensino-aprendizagem ter sido considerada como fortemente positiva pelos alunos dessa instituição (87,9%). Nessa escola, ficaram evidentes o cuidado e a sensibilidade que os educadores tinham com os alunos, a preocupação em atender às necessidades e oferecer um ambiente de convivência harmonioso. Contudo, não se identificam, nas observações e em entrevistas com professores e gestores, práticas que também poderiam auxiliar a melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem dos alunos, como, por exemplo, as relatadas no estudo com escolas públicas denominado “Excelência com equidade” (FUNDAÇÃO LEMANN, 2013): a definição de metas e a clareza do que se quer alcançar, o acompanhamento de perto e continuamente do processo de aprendizagem dos alunos, o uso dos dados sobre o aprendizado para embasar ações pedagógicas e fazer da escola um ambiente propício ao aprendizado.
Não raro, os resultados negativos quanto à aprendizagem e ao rendimento são justificados pelos evidentes problemas presentes na deterioração das relações interpessoais, no descumprimento das regras, na persistente indisciplina e constantes conflitos. De fato, estudos (ALVES; FRANCO, 2008; CASASSUS, 2008; FRANCO et al., 2007; OCDE, 2013; OLIVEIRA, 2013; SOARES et al., 2012) atestam que a melhoria do clima escolar (nas dimensões socioafetivas) tem efeito positivo sobre o desempenho dos alunos. Tem-se como tese que isso ocorre quando a escola realiza um trabalho competente com o conhecimento. Todavia, ao se melhorar as dimensões relacionais (conflitos, indisciplina, incivilidades), pode ser desvelado um ensino empobrecido e mecanicista, comprovando que os problemas de indisciplina e conflitos contribuíam para, mas não justificavam tais resultados. Assim, as relações melhoram, mas não o desempenho ou a aprendizagem. São abertas, entretanto, possibilidades de novas avaliações, reflexões e revisões na dimensão do ensino e da aprendizagem.
As duas dimensões consideradas menos positivas pelos alunos foram a “A infraestrutura e a rede física da escola” e “A família, a escola e a comunidade”. A primeira teve o maior índice de insatisfação (52%). Os aspectos dessa dimensão avaliados como melhores pelos alunos foram a segurança dos espaços escolares, o acervo de livros das bibliotecas e a adequação do local empregado para as atividades físicas.
Por outro lado, chama a atenção o grande número de respostas discordando da boa qualidade dos banheiros usados pelos estudantes, seguidas, ainda que não tão intensamente, do conforto e adequação das salas de aula. As observações constatam que a infraestrutura variava entre as escolas, mas, normalmente, além das salas de aula, as instituições tinham biblioteca, laboratório de informática, quadra esportiva, sala dosprofessores, refeitório e pátio. Contudo, notou-se que os banheiros, apesar de limpos, não estavam, de fato, em bom estado de conservação. Alguns possuíam vasos sanitários sem assentos e não foram encontrados no local papel higiênico, sabonetes e toalhas. Muitas salas de aula eram quentes e pouco ventiladas, com ruídos altos e, como no período matutino funcionava o Ensino Fundamental I, os jovens se sentavam em carteiras que eram, não raro, pequenas e apertadas. Havia grades e o acesso a alguns espaços era restrito. A estrutura física não era atrativa para os alunos, de maneira que se sentissem confortáveis para desenvolver suas atividades socioeducativas. Talvez esses motivos possam ter contribuído para que essa dimensão não tenha sido tão bem avaliada. Os alunos também concordaram fortemente que nem sempre tomavam cuidado com os equipamentos, móveis e materiais. A análise de nossos dados mostrou que, de maneira geral, havia uma incompatibilidade entre o espaço físico oferecido nas escolas e as suas necessidades.
A dimensão relacionada à família se apresenta como predominantemente neutra (46%) e como a segunda mais negativa (23%). Ao analisar as respostas dessa dimensão, percebe-se que os jovens em geral avaliaram a satisfação da família com a escola de forma predominantemente positiva, porém, apontaram a ausência de uma boa comunicação entre os professores e a família e de projetos ou trabalhos de ajuda à comunidade. Entenderam que havia pouca participação dos responsáveis nas reuniões e eventos organizados pela escola. As respostas dos alunos sobre as sanções aplicadas pela escola, assim como os dados das observações, mostraram que as famílias eram frequentemente informadas das infrações dos alunos, para que tomassem providências.
Esses resultados indicam como a tão discutida e necessária parceria entre escola e família está ainda longe de ser concretizada. Parecem apontar a presença de uma concepção “unilateral de parceria”, isto é, a família é considerada parceira, quando ajuda a resolver os problemas de comportamento, auxilia na organização de eventos, comparece às reuniões e acompanha o filho na realização das lições de casa e nos estudos para as provas. Alguns autores (CHIAROTTO, 2013; DEDESCHI, 2011) identificaram que a presença de uma parceria eficaz pode ser encontrada nos discursos e nas propostas das escolas, de um modo geral; entretanto, na prática, tanto a família como a escola demonstram certa insatisfação de uma com relação à outra. Sem dúvida, é preciso mais do que promover eventos e convocá-las para reuniões. Santos (2007, p. 13) salienta que organizar o trabalho na escola, abrindo espaços para a participação das famílias, não é apenas uma reestruturação da forma de trabalho, mas uma mudança de paradigma na “[...] vigência da escola, das relações de poder e distribuição de tarefas, trata-se realmente de reinventar a escola, numa perspectiva de corresponsabilidade, de participação efetiva, não apenas no fazer, mas no processo de refletir e decidir, o quê e como fazer.”
Considerações finais
Thiébaud (2005) defende que a avaliação do clima escolar fornece uma “fotografia” do ambiente socioeducativo, a partir do conjunto de percepções de todos os atores, sem particularizar; promove um reconhecimento do que está acontecendo (tanto dos pontos fortes quanto dos vulneráveis); revela que a opinião de todos é importante, incentivandoos a expressá-la; facilita a escolha das áreas em que a escola quer direcionar ações futuras; mobiliza as pessoas para desenvolver os projetos no estabelecimento e proporciona uma avaliação, durante ou após um processo de transformação na instituição.
O recorte da pesquisa apresentado neste artigo evidencia que, apesar de predominantemente positivo e neutro, em menor proporção, houve diferenças significativas na percepção do clima escolar pelos alunos entre as instituições, o que é corroborado pela literatura da área. Ou seja, a despeito de pertencerem à mesma rede de ensino, com estrutura e currículo semelhantes, e estarem situadas em bairros periféricos da cidade, cada instituição apresentou um clima próprio. Essa “personalidade coletiva” de cada centro reflete a influência dos valores institucionalizados subjacentes e dos sistemas de crenças, normas, ideologias, rituais e tradições que constituem a cultura da escola.
Os resultados encontrados em nosso estudo realçam a defesa de que a avaliação do clima traz, sem dúvida, informações muito importantes para a escola, com relação à percepção dos integrantes sobre aquilo que está indo bem e não tão bem assim, permitindo a identificação de aspectos a serem aperfeiçoados. No entanto, também mostram que o diagnóstico dos problemas e dificuldades, assim como o planejamento das intervenções e propostas a serem desenvolvidas, não podem se restringir apenas aos resultados obtidos a partir da avaliação do clima escolar. A percepção do aluno ou ator da escola é circunscrita às suas vivências, cultura, conhecimento. Isso fica muito evidente na análise da dimensão relacionada ao ensino e à aprendizagem. Os alunos, em sua maioria, percebiam como positivas ou neutras as práticas pedagógicas ainda pautadas na ideia de transmissão e reprodução do conteúdo. Por não conhecerem outras possibilidades de trabalho com o conhecimento, houve o predomínio de um paradigma tradicional de ensino (BECKER, 2001, 2011). Apesar de fornecer informações bastante importantes para a instituição, pautar-se apenas na avaliação do clima pode, portanto, dificultar a identificação de áreas que precisam ser aprimoradas.
Encontramos ainda que o clima dessas escolas, embora percebido como predominantemente positivo, desvela questões significativas que podem reorientar o trabalho nas instituições. Mesmo quando não é majoritária a quantidade de alunos percebendo como negativos determinados aspectos, é preciso investigar e atuar para melhorá-los, posto que, para eles, a escola pode estar representando medo, fracasso, exclusão e humilhações. Evidencia-se a necessidade de, nessas instituições, investir na construção de relações de confiança, cooperação e respeito mútuo (senso de comunidade), de se propiciar possibilidades de participação ativa no conhecimento (aprendizagem cooperativa) e de serem oferecidos espaços de participação efetivos (construção coletiva da organização da convivência) (GARCIA, 2012).
Freiberg (1998) defende que o feedback sobre o clima pode desempenhar um papel importante na reforma escolar e na melhoria das intervenções. Para o autor, sem fontes contínuas e variadas de feedback, as reformas podem perder o senso de direção, sofrendo com a falta de conhecimento sobre os esforços da instituição – e das salas de aula – e sobre as percepções daqueles que são parceiros fundamentais no ambiente de aprendizagem (alunos, funcionários e famílias). Em concordância com essa orientação, o Conselho Nacional do Clima Escolar, situado em Nova York (NATIONAL SCHOOL CLIMATE COUNCIL, 2007), recomenda que as avaliações do clima escolar ocorram periodicamente e se concentrem em quatro dimensões: segurança, relações, ensino e aprendizagem e ambiente institucional. Sugere ainda que sejam discutidos os dados encontrados com os envolvidos no processo educacional visando, desse modo, a elaborar programas de intervenção que atuem sobre as dificuldades identificadas, sempre observando e considerando as particularidades da comunidade em que a escola está inserida.
Apesar de esse tema ser extensamente estudado em outros países, há décadas, pesquisas sobre o clima escolar ainda são recentes no Brasil. Professores e gestores desconhecem as dimensões que compreendem o clima e sua influência na escola. É imperativo, como nos alertam Fan, Williams e Corkin (2011), que se compreenda e se analise o clima escolar, dada a quantidade significativa de pesquisas que sugerem sua associação à qualidade da aprendizagem e das relações interpessoais na escola. Recomenda-se, em termos de políticas públicas, que sejam inseridas tais discussões na formação de nossos professores e que as escolas sejam orientadas em como podem fazer investigações sobre seu clima, analisar os dados e construir propostas coletivas de intervenção. Urge, também, que possam ser incentivadas novas pesquisas para promover, sistematizar e difundir a avaliação do clima escolar como parte importante da transformação de nossas escolas, visando à melhoria e/ou à manutenção da qualidade educacional.