Introdução
Recentemente, em março de 2018, foi lançado no Brasil o Programa de Residência Pedagógica do Ministério da Educação (MEC), descrito no Edital 6/2018 da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Estando na pauta da atual Política Nacional de Formação de Professores da Educação Básica, esse edital objetivou selecionar Instituições do Ensino Superior (IES) públicas, privadas sem fins lucrativos ou privadas com fins lucrativos que possuam cursos de Licenciatura participantes do Programa Universidade para Todos, para “implementação de projetos inovadores que estimulem articulação entre teoria e prática nos cursos de licenciatura, conduzidos em parceria com as redes públicas de educação básica.” (CAPES, 2018, p. 1).
Será que a residência pedagógica é uma novidade no Brasil? Qual terá sido a inspiração desse programa lançado pelo MEC? Há pesquisas que tratam dessa temática no campo da educação? Há experiências de formação de professores já realizadas com essa mesma denominação?
O presente artigo tem o propósito de apresentar resultados de um estudo (FARIA, 2018) que buscou compreender a temática da residência pedagógica no atual cenário educacional brasileiro, tomando por base um levantamento de pesquisas, projetos de lei e experiências envolvendo algum tipo de formação prática de professores que, no Brasil, tenha sido (ou seja) inspirada por alguma ideia de residência pedagógica. Entre os materiais consultados no período de realização da pesquisa (2014 a 2018), estiveram: anais de eventos acadêmicos, artigos de periódicos, projetos de lei, livros, editais e documentos institucionais. Esses materiais foram encontrados tomando por base a consulta pelas palavras-chave residência, residência pedagógica, residência educacional e residência docente no Portal de Periódicos da CAPES, em Bancos de Teses e Dissertações de universidades brasileiras e em links sugeridos pelo Google Acadêmico.
De acordo com a referida pesquisa, a residência pedagógica, de modo geral, toma emprestado alguns pressupostos da, ou simplesmente faz analogia à residência médica na formação complementar (pós-graduação) dos cursos de Medicina. No cenário educacional brasileiro, essa ideia também pôde ser encontrada no uso de expressões como residência educacional, residência docente e imersão docente, aplicando-se tanto à formação continuada quanto à formação inicial de professores. Conforme se verá ao longo deste artigo, ao tomarmos os diferentes tipos de materiais consultados como um conjunto de referências que nos auxiliariam a compreender a temática da residência pedagógica no Brasil, verificamos uma imprecisão ou dispersão de significados no uso da palavra residência - e das expressões dela derivadas ou nela inspiradas - para caracterizar as experiências educativas, projetos de lei e/ou pesquisas educacionais encontradas.
A residência na formação continuada de professores
Entre os materiais consultados, no que se refere à formação continuada de professores, a residência educacional foi a primeira expressão utilizada (cronologicamente anterior às demais). Precisamente, no texto do Projeto de Lei do Senado n.° 227/2007 (BRASIL, 2007), propunha-se instituir a residência educacional como obrigatoriedade aos professores habilitados para a docência na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, considerando-a como “etapa ulterior de formação, com o mínimo de oitocentas horas de duração, e bolsa de estudo, na forma da lei” (Art. 65°). Afirma-se que a formação de professores para atuar na educação básica tem passado por uma intensa crise nos últimos anos:
Os resultados estão aí, há mais de duas décadas: os estudantes aprendendo cada vez menos e os professores cada vez mais inseguros, quer os preparados em nível médio, quer os que frequentaram os cursos “normais superiores” ou cursos de pedagogia, muitos em período noturno, muitos em regime modular como “escolas de fins de semana”, todos sem a necessária articulação entre teoria e prática (BRASIL, 2007, p. 2, grifos do autor).
De acordo com o texto do referido projeto, a residência educacional foi inspirada na residência médica, dado que é reconhecida a importância de que os médicos tenham, no período imediatamente seguinte ao da diplomação, uma “intensa prática junto a profissionais já experientes, em hospitais e outras instituições de saúde, quando não somente são testados os conhecimentos adquiridos como se assimilam novas habilidades exigidas pelos problemas do cotidiano e pelos avanços contínuos da ciência.” (BRASIL, 2007, p. 3).
Sobreira (2010), uma das poucas pesquisas encontradas com a temática da residência na formação de professores, analisou o texto da primeira versão desse projeto, apontando uma série de preocupações relativas ao significado de sua aprovação para a formação e a carreira docentes. Entre os aspectos apontados, destaca-se a possibilidade de que haja um retrocesso ou uma compreensão equivocada do modo como se deveria estabelecer a relação entre teoria e prática no curso de Pedagogia, deixando-se a prática para o período posterior à graduação. Outra preocupação refere-se à obrigatoriedade de se cumprir mais 800 horas de trabalho prático dentro da escola, sem que esse período seja considerado parte de uma pós-graduação. Ou seja, o modelo é inspirado na residência médica, mas não considera que a residência seja mais um degrau na carreira do professor.
A autora entrevistou pesquisadoras, coordenadoras, professoras supervisoras de estágio e estudantes do curso de Pedagogia de três instituições públicas de ensino superior, buscando avaliar, a partir da análise das opiniões desses sujeitos, a viabilidade da implementação da residência pedagógica3 tal como se propunha no referido Projeto de Lei. A residência pedagógica foi vista com muitas ressalvas pelos sujeitos da pesquisa, especialmente pelo fato de ela ser proposta como uma etapa da formação posterior ao curso e, portanto, não garantir necessariamente a responsabilidade das universidades com essa formação. Além disso, os sujeitos de sua pesquisa demonstraram preocupação com as condições econômicas que seriam obrigatoriamente colocadas para o início de sua carreira e com a excessiva culpabilização dos professores pelas deficiências no sistema educacional, apontando a necessidade de que outras medidas sejam adotadas para a melhoria da qualidade do ensino no país. Concluiu-se que, de um modo geral, os sujeitos apontam para a importância de se priorizar a carreira do professor e de melhor qualificar a articulação entre teoria e prática no interior dos próprios cursos de Pedagogia, especialmente a partir de melhorias nas propostas de estágio supervisionado.
O Projeto de Lei n.° 227/2007 chegou a ser discutido em audiência pública, em 2009, no âmbito da Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE), mas não foi votado, sendo arquivado em 2011. Em 2012, o Projeto de Lei n.° 284/2012 (BRASIL, 2012) foi apresentado, propondo-se ao resgate do projeto anterior, porém, com duas adaptações:
Em primeiro lugar, substituímos o termo “residência educacional”, utilizado no PLS nº 227, de 2007, por “residência pedagógica”, que nos parece mais adequado para descrever o propósito da iniciativa. Além disso, não incluímos a previsão de que a residência se transforme em pré-requisito para a atuação docente nessas etapas da educação básica, com vistas a assegurar os direitos dos docentes em exercício que não tiveram acesso a essa modalidade formativa. (BRASIL, 2012, p. 3, aspas do autor, grifo nosso).
Esse novo projeto defendeu, ainda, que o certificado de aprovação na residência pedagógica pudesse ser utilizado nos processos seletivos das redes de ensino (prova de títulos) e como estratégia de atualização profissional para os professores em exercício. De acordo com o Diário do Senado Federal n.° 61 (BRASIL, 2014a), publicado em 8 de maio de 2014, o projeto foi aprovado terminativamente pela CE, com alteração do texto original para instituir a residência pedagógica para todos os professores da educação básica, uma vez que essa foi uma das reivindicações apresentadas e debatidas em audiência pública realizada em agosto de 2013 por especialistas e representantes de várias entidades do campo da Educação. O texto final da Lei acresce ao artigo 65 da Lei n.° 9.394/1996 (BRASIL, 2006) o parágrafo único: “Aos professores habilitados para a docência na educação básica será oferecida a residência pedagógica, etapa ulterior de formação inicial, com o mínimo de 1.600 (mil e seiscentas) horas de duração, e bolsa de estudo, na forma da lei.” (BRASIL, 2014a). O Parecer n.° 336/2014 (BRASIL, 2014b) esclarece o cálculo que resultou nessas 1.600 horas:
[...] com esteio na residência educacional em fase de experiência no âmbito do Colégio Pedro II, o Ministério da Educação (MEC) defende um modelo que conjugue atividades de engajamento docente em escolas de educação básica e atividades complementares em instituições formadoras para reflexão sobre as práticas. Por essa sistemática, a residência demanda jornada integral de 8 horas diárias, das quais pelo menos 4 horas para as atividades de magistério e mais 4 horas para estudos. Assim, considerando-se os 200 dias letivos que a LDB exige para a educação básica, uma vez feita no curso de um ano, a residência demandará, no mínimo, 1.600 horas. (BRASIL, 2014b, p. 4).
Observamos, desse modo, que a ideia da residência foi utilizada nesses projetos de lei para denotar uma formação complementar destinada a professores habilitados para a docência na educação básica. Essa ideia está presente também em modelos de formação continuada de professores em andamento ou em reelaboração, como ocorre no Programa Residência Docente, que teve início, em caráter experimental, no Colégio Pedro II, sendo oficialmente instituída pela CAPES por meio da Portaria n.° 206, de 21 de outubro de 2011 (CAPES, 2011).
De acordo com essa Portaria, o público-alvo do Programa são professores da rede pública “com diploma de Licenciatura Plena, e que atuem em qualquer das áreas/disciplinas oferecidas na Educação Básica, do 1º ano do Ensino Fundamental à 3ª série do Ensino Médio.” (CAPES, 2011, Art. 6°, §1°). Esses professores, assim como os professores doutores ou mestres do Colégio Pedro II que os orientam, recebem bolsa com duração máxima de nove meses, devendo cumprir o mínimo de 500 horas de atividades. Ao final do curso, o residente-docente que atende a todos os requisitos recebe o título de Especialista em Docência do Ensino Básico em sua área específica de atuação (Pós-Graduação Lato Sensu).
A organização, a orientação e a avaliação dessas atividades, bem como o processo seletivo dos participantes do Programa são regulamentados por Editais Públicos da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação do Colégio Pedro II. No Edital 03/2013 (COLÉGIO PEDRO II, 2013), da seleção de residentes para 2014, foram oferecidas 180 vagas, sendo que a prioridade foi dada para o professor que tivesse concluído há menos tempo seu curso de Licenciatura (ou alguma formação específica de habilitação para o magistério) e para o professor de menor idade. O professor deve disponibilizar um a dois turnos semanais para desenvolver atividades docentes e administrativo-pedagógicas em dia de aula de sua disciplina no campus do Colégio Pedro II, um turno semanal para desenvolvimento de atividades em formação continuada e 70 horas no ano letivo de sua instituição de origem, para aplicação de projetos desenvolvidos no âmbito do Programa.
Nos mesmos moldes propostos por essa Portaria da CAPES que instituiu o Programa Residência Docente do Colégio Pedro II, desenvolveu-se também o Projeto Residência Docente do Centro Pedagógico da Universidade Federal de Minas Gerais (CP/UFMG). Esse projeto foi aprovado pela CAPES ao final de 2013 e passou a funcionar no CP/UFMG em 2014, atendendo inicialmente a 56 professores da rede municipal de ensino de Contagem, devido a um acordo estabelecido com a Secretaria de Educação desse município4. Para a CAPES, a Residência Docente desses dois colégios de aplicação foi considerada um projeto-piloto de aprimoramento da formação do professor da educação básica com até três anos de formado, cuja demanda de ampliação tem sido cada vez mais forte por parte dos Colégios de Aplicação e de professores em exercício (Cf. CAPES [2014?]).
Outra proposta de formação continuada envolvendo a ideia de residência foi encontrada em trabalhos (FONTOURA, 2011a, 2011b; BRAGANÇA, 2011; GASPARELLO, 2011; FERNANDES et al., 2011), que relatam a experiência e/ou apresentam resultados de uma investigação-ação com professores egressos da Faculdade de Formação de Professores (FFP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em São Gonçalo, cujo objetivo foi “investigar os percursos formativos e os processos de inserção profissional de um grupo de egressos formados em Pedagogia na FFP/UERJ, que chamamos residência pedagógica.” (FONTOURA, 2011a, p. 11). Nesse caso, a expressão residência pedagógica refere-se ao processo de formação continuada que foi promovido pelas pesquisadoras mediante encontros mensais realizados no período de dezembro de 2009 a dezembro de 2010, como parte do próprio processo da pesquisa e também com o objetivo de constituir uma rede de apoio (FONTOURA, 2011b) aos professores em início de carreira. Os egressos que aceitaram participar da pesquisa se propuseram a
[...] pensar o que fazem, discutir questões relativas às suas escolhas profissionais e trocar com o grupo formado com vistas a fortalecer processos e percursos de trabalho e de vida. Deste modo, a residência pedagógica é um espaço-tempo de formação continuada de professores egressos da FFP onde a prática pedagógica é partilhada, discutida e ressignificada a partir dos encontros. A palavra residência está intensamente associada à medicina, já que é nesse espaço-tempo de formação que encontramos a residência médica. Partindo da área de saúde podemos pensar na construção de um conceito que ocorra dentro da perspectiva da educação, ou seja, em uma residência pedagógica. O que seria? Como ocorre? Para quem ocorre? São esses pilares de questionamentos que nos fazem pensar na residência pedagógica e seu papel na formação em serviço dos docentes. (FERNANDES et al. 2011, p. 109).
Como se pode notar, as experiências, pesquisas e projetos de lei mencionados até aqui se referem a diferentes modelos de residência aplicados à formação continuada de professores. Na seção a seguir, passamos a abordar as experiências brasileiras de residência que se relacionam diretamente à formação inicial docente.
A residência na formação inicial de professores
A primeira experiência de residência na formação inicial de professores encontrada (cronologicamente anterior às demais) foi o Programa de Residência Pedagógica (PRP), implementado desde 2009, no curso de Pedagogia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)5. De acordo com trabalhos6 que relatam essa experiência, o PRP é um modelo de estágio supervisionado obrigatório que articula a formação inicial à formação continuada de professores que atuam nas escolas públicas da cidade de Guarulhos que estabeleceram Acordos de Cooperação Técnica com a UNIFESP. Para cumprir a carga horária mínima de estágio obrigatório (300 horas) estabelecida pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Licenciatura em Pedagogia (BRASIL, 2006), os estudantes vivenciam, a partir da segunda metade do curso de licenciatura, quatro modalidades de residência pedagógica: docência em Educação Infantil (105 horas), docência nos anos iniciais do Ensino Fundamental (105 horas), docência em Educação de Jovens e Adultos (45 horas) e Gestão Educacional (45 horas). A carga horária de cada modalidade distribui-se entre os encontros com o professor orientador do estágio na universidade (denominado Preceptor) e as atividades do período de imersão, que deve ser cumprido de maneira contínua e ininterrupta (um mês para o estágio de 105 horas e uma quinzena para o estágio de 45 horas).
[A imersão] Caracteriza-se como um período em que o aluno tem a oportunidade de conhecer com mais profundidade o contexto em que ocorre a docência, identificando e reconhecendo aspectos da cultura escolar; acompanhando e analisando os processos de aprendizagem pelos quais passam os alunos e levantando características da organização do trabalho pedagógico do professor formador e da escola. (SILVESTRE; VALENTE, 2014, p. 46).
Ao longo desse período, os residentes elaboram intervenções pedagógicas sob a orientação do Preceptor e com o apoio do professor formador da escola-campo em que se realiza a residência pedagógica. Eles desenvolvem Planos de Ação Pedagógica, que “se constituem em ações pontuais, planejadas de forma colaborativa com base na problematização e teorização de questões advindas das observações e registros elaborados pelos Residentes sobre o cotidiano das escolas-campo no período de imersão.” (PANIZOLLO et al. 2012, p. 225). De acordo com Martins (2012), o Plano de Ação Pedagógica de cada residente é executado ao longo da sua última semana de estágio na escola.
Giglio e Lugli (2013, p. 65) afirmam que o “princípio da imersão” foi retirado da “experiência da tradição de formação médica”. As autoras dão o nome de imersão ao “vínculo do residente com as escolas-campo de forma intensa, sistemática e por um período limitado” (p. 65). Em outra publicação (GIGLIO et al., 2011), é esclarecido em que medida o PRP se aproxima e se distancia da residência médica na sua concepção.
O PRP guarda proximidades e distanciamentos em relação à Residência da área da Medicina. A diferença central ou o ponto de distanciamento encontra-se na finalidade: o PRP é parte da formação inicial dos estudantes (em nível de graduação), é essencialmente aprendizagem situada que acompanha a graduação. Nesse sentido, distancia-se da Residência Médica, que ocorre após a graduação e tem um sentido de especialização profissional. A proximidade está na imersão do estudante, no processo de contato sistemático e temporário com as práticas de um professor (formador) que atua no contexto de uma escola pública. Nesse caso, o PRP permite uma aproximação ao exercício profissional pleno. A mediação de um preceptor da universidade que atua ao mesmo tempo na formação teórica do Residente e na supervisão das atividades na escola-campo dá qualidade a essa experiência, que não conta necessariamente com “modelos de excelência profissional”, mas aposta na capacidade da universidade e das escolas de compartilhar seus desafios e saberes, qualificando-se mutuamente para a formação inicial e contínua dos profissionais da educação. (GIGLIO et al., 2011, p. 15, grifos e aspas dos autores).
Outra experiência de residência pensada como uma proposta de imersão de licenciandos no contexto de uma escola é aquela desenvolvida pelo Centro Pedagógico (CP) da Escola de Educação Básica e Profissional da UFMG: o Projeto Imersão Docente (PID). Diferente do modelo adotado pela UNIFESP, a imersão dos licenciandos se idealiza e se realiza integralmente na própria escola-campo, não estando, portanto, atrelada ao modelo de estágio curricular obrigatório proposto para todos os estudantes das licenciaturas da UFMG. Na vivência da imersão docente no CP/UFMG, os licenciandos têm a oportunidade de efetivo exercício da docência, de forma orientada e situada em determinadas condições de formação que se mesclam às próprias condições de trabalho e formação dessa escola (FARIA, 2018).
O CP/UFMG é um colégio de aplicação da Universidade, por isso, o PID está vinculado à Pró-Reitoria de Graduação da UFMG e tem sua gestão feita por docentes que atuam no colégio com as crianças e adolescentes do ensino fundamental. O projeto conta, desde fevereiro de 2011, com 30 bolsas de monitoria que se distribuem entre estudantes de diferentes cursos de Licenciatura da UFMG, conforme seleção realizada anualmente7: Arte, Ciências Biológicas, Geografia, História, Letras, Matemática e Pedagogia.
Cada licenciando participante do PID acompanha cotidianamente uma turma de alunos ao longo de diferentes aulas (não somente em aulas da disciplina referente à sua área de formação) e em diferentes espaços da escola. Sua carga horária de 25 horas semanais é distribuída em várias atividades: acompanhamento de aulas de uma turma, acompanhamento dos estudantes da mesma turma no horário de almoço8 e/ou intervalos, encontros de orientação e encontros de formação geral com coordenadores do projeto, participação em algumas reuniões pedagógicas, preparação de material, planejamento de aulas e o próprio exercício da docência, ofertando a disciplina Grupo de Trabalho Diferenciado (GTD)9. Para ofertá-la, o licenciando elabora, com seu orientador no CP/UFMG , um plano de trabalho, em que explicita a ementa, os objetivos, os conteúdos, a metodologia e os critérios de avaliação. As aulas são planejadas e/ou validadas continuamente nos encontros de orientação (FARIA, 2018).
Os licenciandos também se dedicam à elaboração de relatórios ou diários, nos quais há grande variedade de enfoques e assuntos abordados. Além disso, uma de suas atribuições é produzir, se possível, em parceria com seu orientador, um texto acadêmico decorrente da análise de alguma experiência ou fenômeno observado no projeto. De um modo geral, esses textos são relatos de experiência (Cf. RICCI; FRANÇA 2011; RICCI et al., 2015).
A terceira experiência de residência na formação inicial de professores consistiu no Programa Residência Educacional da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SÃO PAULO, 2013), que foi fruto de uma política pública visando aprimorar a qualidade do ensino em escolas estaduais consideradas prioritárias, devido aos baixos índices de desempenho escolar atestados no Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP). Para tanto, estudantes de cursos de licenciatura realizavam o estágio curricular obrigatório nos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio nessas escolas, com concessão de bolsa-estágio e auxílio-transporte. A jornada de atividades de estágio era organizada de modo a contemplar o limite diário de 6 horas e o limite semanal de 15 horas de estágio em uma única unidade escolar, com duração de 12 meses. A residência educacional teve como principal finalidade o atendimento das necessidades de aprendizagem dos alunos da escola em que o residente (estagiário) atuava. Esse programa de estágio curricular era uma das experiências mencionadas em outro Projeto de Lei do Senado n.° 6/2014 (BRASIL, 2014c), do qual trataremos adiante, como parte da justificativa da necessidade de uma lei da residência docente na educação básica.
A última proposta de residência relacionada à formação inicial, ainda anterior ao atual Programa de Residência Pedagógica do MEC, foi encontrada em dois trabalhos (NOGUEIRA et al., 2011, 2013) que apresentam resultados de uma pesquisa envolvendo um grupo de 20 professores iniciantes na docência em Educação Infantil que foram acompanhados por graduandos de cursos de Pedagogia de universidades públicas e privadas. Esses graduandos foram denominados pelas pesquisadoras de acadêmicos residentes e o processo de residência pedagógica vivido por eles consistiu no acompanhamento das práticas desses professores durante uma semana por mês, ao longo de 18 meses consecutivos, e na participação em encontros mensais da pesquisa. Tais encontros reuniram os professores iniciantes, os acadêmicos residentes e os professores pesquisadores das universidades. Para as autoras, a expressão residência pedagógica foi utilizada no projeto da pesquisa “seguindo o modelo de programa da formação de médicos, mas voltado para o universo da Pedagogia, significando assim um envolvimento real com o cotidiano escolar, a sala de aula e os entornos que compõem a complexidade da formação docente.” (NOGUEIRA et al., 2011, p. 38).
Residência médica: modelo para a formação de professores?
As iniciativas de residência até aqui mencionadas, quer tenham nascido nos cursos de Licenciatura das Universidades ou dos Colégios de Aplicação, quer sejam propostas por redes públicas de ensino, buscam criar programas de formação docente que, em algum aspecto, se assemelhem à residência médica ou façam alguma menção ao modelo da residência médica como inspiração ou motivação para sua proposição. Diante desse cenário, buscamos algum estudo que nos auxiliasse a compreender por que razão a formação médica poderia ou deveria ser tomada como um modelo para a formação de professores.
Pacca e Horii (2012) estudaram um programa de Residência Médica em Neurologia de uma universidade brasileira. Elas buscaram caracterizar o processo pedagógico vivenciado por residentes, preceptores e assistentes médicos, a partir da análise de representações desses sujeitos acerca do próprio programa. Segundo as autoras, a intenção da pesquisa foi buscar subsídios para “caracterizar o que seria transferível e desejável numa FC [formação continuada] para professores de física do ensino médio, entendendo esta formação como o que seria uma Residência Pedagógica.” (PACCA; HORII, 2012, p. 737). Elas concluíram que os discursos dos residentes e dos formadores sobre o desenvolvimento profissional propiciado pela residência médica fazem eco com os discursos do campo da formação docente.
A acessibilidade dos residentes aos especialistas mais experientes; a conquista do olhar do paciente com confiança no profissional que o assiste; a aprendizagem a partir do exemplo de um profissional mais graduado, na ação com o paciente; a segurança do profissional em formação se construindo paulatinamente na prática até chegar a autonomia responsável; a postura que passa do apoio exclusivo na racionalidade técnica para outra mais humana e focalizada no paciente; uma concepção mais investigativa e menos definitiva das “verdades” já estabelecidas; a aceitação de possíveis diferentes visões a serem consideradas e discutidas; além de algumas outras ainda a serem exploradas no conjunto de dados gerados com as entrevistas. Transpondo para a Formação Continuada de professores estaríamos falando da condição do professor reflexivo da sua prática que, para Schön, seria o professor talentoso equiparado ao artista, ao músico, original e criativo. (PACCA; HORII, 2012, p. 746).
Esse artigo das autoras trata de resultados parciais de uma pesquisa de mestrado que foi concluída posteriormente (HORII, 2013). Na dissertação, Horii (2013) traçou uma espécie de paralelo entre duas experiências específicas: o programa de Residência Médica por ela investigado e um programa de Formação Continuada de professores que havia sido investigado por outra pesquisadora (Cf. SCARINCI, 2010), apontando algumas proximidades entre a residência médica e o modo de conduzir a formação dos professores em serviço. Horii (2013, p. 92) concluiu que “o programa de FC [Formação Continuada] estudado e sua relação com um programa de RM [residência médica], bem sucedido e reconhecido pelos profissionais da medicina, parece trazer exemplos concretos de atividades e condução da aprendizagem”, o que poderá fornecer subsídios para o planejamento de futuras “residências pedagógicas”.
A presença da ideia de uma residência na formação docente denota, assim, a preocupação em se promover uma espécie de formação prática para os (futuros) professores, possibilitando a eles vivenciar processos formativos diretamente vinculados aos contextos escolares reais em que atuam (ou atuarão). Tal preocupação certamente encontra legitimidade em estudos (SCHÖN, 1983, 1987; ZEICHNER, 1993; TARDIF, 2012) do campo da formação docente que apresentam críticas ao modelo da racionalidade técnica (SCHÖN, 1983) na formação dos professores. É importante, entretanto, tecer algumas considerações a respeito do modo como o discurso da formação prática pode ser apropriado pela sociedade e pelas diferentes instâncias político-educativas.
Críticas ao discurso da formação prática de professores
Conforme aponta o trabalho de Garcia (2009), nas investigações e estudos sobre a formação inicial, de uma maneira geral,
[...] nota-se uma grande insatisfação, tanto por parte das instâncias políticas como da classe docente em exercício, acerca da capacidade de resposta das actuais instituições de formação às necessidades da profissão docente. As críticas que as consideram como tendo uma organização burocratizada, em que se assiste a um divórcio entre a teoria e a prática, uma excessiva fragmentação do conhecimento ensinado, um vínculo tênue com as escolas, estão a fazer com que algumas vozes proponham a redução temporal da formação inicial e o incremento da atenção dada ao período de inserção profissional dos professores. (GARCIA, 2009, p. 13).
Essas vozes encontram eco em discursos que parecem ignorar a complexidade do processo de formação docente e reduzem a importância das universidades nesse processo. Zeichner (2013) apresenta um preocupante panorama dos programas de formação docente que são acriticamente apoiados pela mídia e pelos formuladores norte-americanos de políticas públicas, no sentido de desmantelar a formação docente universitária nos Estados Unidos. Discursos que questionam a eficiência das faculdades e das universidades em formar bons professores, atribuindo o baixo desempenho dos alunos da educação básica ao fracasso dos professores e instituições formadoras, têm sido enfaticamente utilizados em defesa da desregulamentação da formação docente, da criação de um mercado competitivo, em que os investimentos públicos e privados tem sido substancialmente aplicados em “programas mais curtos, mais ‘práticos’ e baseados em uma formação clínica” (ZEICHNER, 2013, p. 32, aspas do autor).
O autor relata a existência de uma série de “programas de empreendedorismo” de formação docente que “objetivam reduzir ou eliminar a supervisão pública sobre a preparação dos professores e criar uma economia de mercado na formação docente nos Estados Unidos, em vez de investir nas faculdades de educação já existentes.” (p. 72). Nesse contexto, Zeichner ressalta a crescente desigualdade entre os tipos de formação docente oferecidos para professores que irão trabalhar em diferentes comunidades.
[...] a maioria dos professores que entra no magistério por meio de um programa de ‘via rápida’ ou ‘imersão’ - em que a maior parte da formação acontece enquanto os professores iniciantes trabalham como designados e são plenamente responsáveis por uma sala de aula - leciona em comunidades urbanas e rurais pobres e ‘de cor’. Esses mesmos professores ‘despreparados’ não são encontrados nas escolas públicas de classe média e média alta. (ZEICHNER, 2013, p. 42, aspas do autor).
Em muitos programas de “imersão”10 norte-americanos, tem sido utilizado um modelo de responsabilização em que os (futuros) professores são avaliados a partir de sua capacidade em melhorar o desempenho dos alunos em testes padronizados. Ou seja, há, segundo Zeichner, uma “visão extremamente técnica sobre o papel dos professores” (p. 35) e uma crença de que a lógica da concorrência de livre mercado reduzirá a desigualdade educacional.
Essa narrativa ignora a esmagadora evidência que associa as desigualdades na educação às desigualdades na sociedade em geral, como a falta de acesso à habitação, à nutrição, aos empregos que pagam um salário decente, à saúde, aos cuidados da primeira infância e assim por diante. (ZEICHNER, 2013, p. 40).
Os discursos da eficiência e da inovação de programas desse tipo têm sido largamente apoiados pela mídia e por instituições privadas, e fundamentaram a elaboração de um projeto de lei11 em tramitação no Senado e na Câmara dos Deputados norte-americanos, com a defesa de políticos tanto republicanos quanto democratas. O propósito desse projeto é possibilitar a abertura de editais públicos para a criação de programas do tipo charter12 nos estados. Esses programas poderão formar professores e diretores sem que eles estejam sujeitos às mesmas regulamentações que monitoram a qualidade dos programas convencionais (universitários) de formação nos Estados Unidos.
Caso esses projetos de lei sejam aprovados no Congresso, os programas de formação docente do tipo charter preparariam os professores para atuar em áreas de ‘altas necessidades’ e consideradas ‘difíceis’ e teriam as seguintes características: (a) ‘seleção rigorosa’ com base no potencial do candidato para ser um professor ‘eficiente’; (b) treinamento prático de preparação dos professores para serem eficazes desde seu primeiro dia de trabalho; e (c) capacidade de melhorar o desempenho acadêmico de seus alunos, que os candidatos devem demonstrar na conclusão do programa. (ZEICHNER, 2013, p. 67, aspas do autor).
Zeichner (2013) evidencia, em tom de alerta para a sociedade e para a comunidade acadêmica, os pressupostos e as condições em que se propõem e se realizam as rotas alternativas de formação, as quais, no caso dos Estados Unidos, em sua maioria são baseadas em uma visão tecnicista de formação docente, com evidentes esforços para minar a autonomia dos professores e para destituir as universidades de sua autoridade.
Elas incluem a mercantilização da formação de professores e sua sujeição às forças de mercado, as exigências de responsabilização excessivamente prescritivas por parte dos órgãos governamentais e agências de certificação que buscam controlar a essência dos currículos de formação de professores, os cortes consistentes e dolorosos nos orçamentos das instituições públicas, incluindo aquelas responsáveis pela formação docente, e os ataques aos esforços para formar professores que lecionem orientados por princípios da educação para a justiça social, por exemplo, preparando-os para se engajarem na educação multicultural e antirracista. (ZEICHNER, 2013, p. 100).
A formação docente para a educação básica também está fortemente presente na agenda política do Brasil (GATTI et al., 2011; NACARATO, 2013; CAPES, 2012). Como afirmam Carvalho et al. (2015), a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica, instituída pelo Decreto n.° 6.755/2009 (BRASIL, 2009), inaugurou na história brasileira “a possibilidade de se organizar, sob regime de colaboração entre os entes federados, a formação inicial e continuada do magistério da Educação Básica para as redes públicas de ensino.” (CARVALHO et al., 2015, p. 15). Isso significou, nas últimas décadas, o estabelecimento de vínculos mais estreitos entre as instituições formadoras e as escolas públicas, por meio de diferentes programas (entre eles, os autores destacam o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID).
No entanto, nos projetos brasileiros de lei aqui mencionados, as justificativas apresentadas pelos senadores proponentes vão ao encontro do que nos aponta Zeichner (2013), na medida em que ressaltam, sobretudo, a qualidade discutível ou as fragilidades dos cursos de formação dos professores e sinalizam para o investimento na formação do professor como o passo mais decisivo para melhorar a qualidade da educação básica.
A redação vigente da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) prevê o estágio supervisionado obrigatório de 300 horas na formação docente inicial. Entretanto, são inúmeros os relatos de que o estágio não vem sendo implementado de forma adequada. (...) Essa situação acarreta diversas fragilidades na formação de professores para a educação básica, entre as quais: universidades e faculdades de educação desconectadas das redes de educação básica; prevalência de cursos que valorizam apenas o conhecimento teórico, em detrimento da vivência no ambiente escolar; redes de educação básica por sua vez descomprometidas com a melhoria da formação docente; desconhecimento de novas tecnologias e metodologias inovadoras, já presentes na realidade de alguns estabelecimentos de ensino; dificuldades para lidar com um corpo discente diversificado e marcado pela desigualdade social; pouca interação com as famílias e com o entorno dos estabelecimentos de ensino. (BRASIL, 2014c, p. 3).
Essa citação foi extraída do Projeto de Lei do Senado n.° 6/2014, que visava acrescer à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional o art. 65-A, de modo a instituir a residência docente na educação básica: “A formação docente para a educação básica incluirá a residência docente como etapa ulterior à formação inicial, de 2.000 (duas mil) horas, divididas em dois períodos com duração mínima de 1.000 (mil) horas.” Além disso, propunha acrescer o Inciso IX ao art. 70: “ao financiamento de programa de residência docente, através da concessão de bolsas aos alunos residentes e aos professores supervisores e coordenadores.” (BRASIL, 2014c). O parecer do relator do projeto, apresentado em junho do mesmo ano, concluiu pela declaração de sua prejudicialidade, em razão das então recentes discussões em torno do já mencionado Projeto de Lei n.° 284/2012 (BRASIL, 2012).
No âmbito das ações do governo federal, é importante destacar que foi a partir do Decreto n.° 8.752/2016 que a residência pedagógica e a residência docente passaram a ser consideradas ações possíveis para a Política Nacional de Formação dos Profissionais da Educação Básica.
Art. 3°. São objetivos da Política Nacional de Formação dos Profissionais da Educação Básica: [...] VIII - assegurar que os cursos de licenciatura contemplem carga horária de formação geral, formação na área do saber e formação pedagógica específica, de forma a garantir o campo de prática inclusive por meio de residência pedagógica. [...] Art. 8°. O Planejamento Estratégico Nacional, elaborado pelo Ministério da Educação e aprovado pelo Comitê Gestor Nacional, terá duração quadrienal e revisões anuais, ouvidos os Fóruns Estaduais Permanentes de Apoio à Formação dos Profissionais da Educação Básica, e deverá: [...] IV - promover, em associação com governos estaduais, municipais e distrital, a formação continuada de professores da educação básica mediante integração ensino-serviço, inclusive por meio de residência pedagógica. [...] Art. 12. O Planejamento Estratégico Nacional deverá prever programas e ações integrados e complementares relacionados às seguintes iniciativas: [...] VIII - residência docente, que estimulem a integração entre teoria e prática em escolas de comprovada qualidade educativa. (BRASIL, 2016).
As decisões mais recentes do MEC, no entanto, têm colocado em evidência uma concepção da formação de professores e uma abordagem dos problemas educacionais do país que encontra forte resistência de entidades do setor educacional, o que consideramos importante trazer a este texto, dada a atualidade da temática em questão.
Como mencionado na introdução deste artigo, o Programa de Residência Pedagógica do MEC foi lançado em março de 2018, em edital que definiu a residência pedagógica como “uma atividade de formação realizada por um discente regularmente matriculado em curso de licenciatura e desenvolvida numa escola pública de educação básica, denominada escola-campo.” (CAPES, 2018, p. 1). Ela deverá ser reconhecida pela IES para efeito de cumprimento do estágio curricular obrigatório de cursos de licenciatura oferecidos em modalidade presencial ou cadastrados no Sistema Universidade Aberta do Brasil. O edital prevê que ela terá um total de 440 horas distribuídas entre: ambientação na escola (60 horas), imersão (320 horas) e elaboração de relatório final, avaliação e socialização de atividades. As horas destinadas à imersão devem ser distribuídas entre a regência (100 horas) e o planejamento e execução de pelo menos uma intervenção pedagógica. Na escola-campo, o residente será acompanhando por um professor (preceptor) da educação básica. Na instituição de origem, o residente terá um professor orientador. As IES se inscreveram no programa com um Projeto Institucional de Residência Pedagógica de 18 meses de duração, o qual deverá ter um docente coordenador institucional. Tanto o residente quanto os professores envolvidos (preceptor, orientador e coordenador) receberão bolsas, em quatro distintas modalidades. Os objetivos da residência pedagógica foram apresentados da seguinte maneira:
I. Aperfeiçoar a formação dos discentes de cursos de licenciatura, por meio do desenvolvimento de projetos que fortaleçam o campo da prática e conduzam o licenciando a exercitar de forma ativa a relação entre teoria e prática profissional docente, utilizando coleta de dados e diagnóstico sobre o ensino e a aprendizagem escolar, entre outras didáticas e metodologias; II. Induzir a reformulação do estágio supervisionado nos cursos de licenciatura, tendo por base a experiência da residência pedagógica; III. Fortalecer, ampliar e consolidar a relação entre a IES e a escola, promovendo sinergia entre a entidade que forma e a que recebe o egresso da licenciatura e estimulando o protagonismo das redes de ensino na formação de professores. IV. Promover a adequação dos currículos e propostas pedagógicas dos cursos de formação inicial de professores da educação básica às orientações da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). (CAPES, 2018, p. 1, grifo nosso).
O quarto objetivo do programa vinculou a residência pedagógica à Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Nos Referenciais para a Elaboração do Projeto Institucional de Residência Pedagógica (CAPES, 2018, Anexo III), na seção que trata do material que deverá ser utilizado pela IES para “inovar o estágio curricular de seus cursos de licenciatura”, a BNCC é tomada como referência central na subseção que trata das “abordagens e ações obrigatórias” da residência:
a) A apropriação analítica e crítica da BNCC nos seus princípios e fundamentos; b) No escopo da BNCC o projeto deverá priorizar o domínio do conhecimento pedagógico do conteúdo curricular ou o conhecimento das ações pedagógicas que permitem transformar os objetos de estudo em objetos de ensino e aprendizagem; c) Atividades que envolvam as competências, os conteúdos das áreas e dos componentes, unidades temáticas e objetos de estudo previstos na BNCC, criando e executando sequências didáticas, planos de aula, avaliações e outras ações pedagógicas de ensino e aprendizagem. (CAPES, 2018, Anexo III).
A “adequação dos currículos e propostas pedagógicas dos cursos de formação inicial de professores da educação básica às orientações da BNCC” tem sido o principal alvo das críticas realizadas à atual Política Nacional de Formação de Professores da Educação Básica. Em nota13 publicada pelo site da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), foram contestados o conteúdo desse edital e o conteúdo do Edital 7/2018, também lançado pela CAPES em março de 2018, e que trata do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID). A seguir, destacamos dois trechos da referida nota.
Nosso repúdio e preocupação se dão por diversas razões, das quais destacamos primeiramente duas: a imediata vinculação da BNCC com as avaliações em larga escala, haja vista a estrutura codificada que marca a escrita desse documento, já voltada para a quantificação e padronização dos futuros testes; e a indução, no caso do Ensino Médio, ao privilegiamento de apenas duas disciplinas, conforme anunciado recentemente, com vistas à adequação da BNCC a exames como o PISA. [...] Sublinhamos que a vinculação do Programa de Residência Pedagógica à BNCC fere a autonomia universitária, ao induzir nas IES projetos institucionais de formação que destoam das concepções de formação docente presentes nos seus próprios projetos pedagógicos, violando o preconizado no Parecer e na Resolução CNE/CP n. 2/2015, que definem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada de Professores no Brasil.
Os resultados de nosso levantamento, bem como as reflexões aqui apontadas, atestam a atualidade, a relevância e a necessidade de se produzirem pesquisas sobre a residência pedagógica no Brasil. Longe de negligenciar as diferenças entre o contexto educacional brasileiro e o contexto norte-americano, as reflexões inspiradas por Zeichner (2013) são relevantes para a discussão sobre a formação docente em nosso país, especialmente em relação ao processo de mercantilização da formação de professores deflagrado pelas políticas neoliberais adotadas nos anos 90 do século passado (FREITAS, 2002; SADER, 2008) e cujo ideário permanece vivo em nossa sociedade.
Considerações Finais
Nosso estudo evidencia que a residência pedagógica é uma ideia que já vem sendo explorada no Brasil há aproximadamente dez anos, sendo colocada em prática de distintas maneiras e em diferentes contextos. Percebemos uma tendência, especialmente nas instâncias políticas, de defesa da ampliação do tempo - e de uma mudança nas condições de realização - da formação prática dos professores, porém, nem sempre acompanhada de uma discussão aprofundada no que diz respeito às condições do trabalho docente, à sua carreira e remuneração. É também possível perceber que, nas experiências de residência ou imersão, aqui descritas como estágios supervisionados ou como procedimentos de pesquisa, em geral, diferentemente do que aponta Zeichner (2013) para o caso dos Estados Unidos, pressupõe-se um forte e importante papel das universidades e instituições de ensino superior, tanto no estabelecimento de um maior diálogo com os professores e a realidade da escola básica quanto na orientação e na avaliação da formação dos (futuros) professores envolvidos. Entretanto, não podemos dizer que há uma unidade ou integração entre as diferentes experiências implementadas por essas instituições, tampouco continuidade dos processos de formação docente que se realizam como parte de projetos de pesquisa desenvolvidos por elas.
Dessa maneira, podemos concluir que qualquer escolha de terminologia, ou mesmo de uma definição para o que seria a residência no contexto educacional brasileiro, se mostraria frágil neste momento. Por fim, cabe destacar que, em meados de 2014, quando iniciávamos o processo investigativo que deu origem a este artigo, buscávamos compreender a temática da residência pedagógica movidos por algumas inquietudes no sentido de defini-la, conceituá-la, buscar suas origens e desdobramentos na pesquisa educacional, nas práticas pedagógicas de formação de professores e nos projetos de lei do país. Ao concluir nossa investigação, em meados de 2018, outras inquietudes nos mobilizam a continuar pensando sobre essa temática: aquelas que dizem respeito a uma preocupação com a atual Política Nacional de Formação de Professores da Educação Básica do governo federal. Para além do que pode ser e significar a residência pedagógica, é preciso questionar o comprometimento do Estado Brasileiro com melhores condições de trabalho, carreira e remuneração para profissionais que já estão atuando em nossas escolas, com o fortalecimento das instituições de educação pública e gratuita, com a justiça social e com os princípios democráticos e humanitários de nossa ação.