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Revista de Educação Pública

versão impressa ISSN 0104-5962versão On-line ISSN 2238-2097

R. Educ. Públ. vol.31  Cuiabá jan./dez 2022  Epub 13-Out-2022

https://doi.org/10.29286/rep.v31ijan/dez.12074 

Artigos

História da Educação em imagens: Representações de infâncias em São Leopoldo/RS no início do Séc. XX

History of Education in images: Representations of children in São Leopoldo /RS in the Early Century XX

Eduardo Cristiano Hass da SILVA1 
http://orcid.org/0000-0002-3906-5448

Estela Denise Schütz BRITO2 
http://orcid.org/0000-0003-3311-9975

Rodrigo Luis dos SANTOS3 
http://orcid.org/0000-0003-3447-6026

1Doutor em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Professor da Faculdade de Engenharia, Letras e Ciências Sociais do Seridó (FELCS) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Integrante do Grupo de Pesquisa Turismo, Sociedade & Território.

2Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Integrante do grupo de pesquisa EBRAMIC (Educação no Brasil: memórias, instituições e cultura escolar). Pesquisa assuntos voltados à História da Educação: Instituições de ensino; Cultura Escolar; Memória e História Oral.

3Doutor em História. Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Membro do Instituto Histórico de São Leopoldo. Temas: imigração e sua contextualização social e política; Brasil e Rio Grande do Sul republicano (Primeira República) entre outros.


Resumo

O texto tem como objetivo refletir sobre as representações de infância no início do Século XX, em São Leopoldo/RS, a partir de imagens salvaguardadas no acervo do Museu Histórico Visconde de São Leopoldo. As fotografias foram organizadas e analisadas à luz de referenciais teóricos da História Cultural. Foram selecionadas duas categorias para analisar as imagens: representações de infância na escola e representações de infância na sociedade. Identificou-se representações coletivas e individuais, diferenciações por sexo, elementos da cultura material da escola e da cultura regional, bem como a ausência de outras infâncias que não fossem representadas por crianças de origem germânica.

Palavras-chave História da Educação; História da Infância; Imagens; Representação

Abstract

This text aiming to reflect on the representations of childhood at the beginning of the 20th century, in the São Leopoldo/RS, from safeguarded in the collection of the Visconde de São Leopoldo Historical Museum. The photographs were organized and analyzed from theoretical references in Cultural History. We observed images of children in different spaces, and two categories were selected to present them: representations of childhood at school and representations of childhood in society. We identified collective and individual representations, differentiation by sex, as well as elements of the school's material culture absence of other childhoods that were not represented by children of Germanic origin.

Keywords History of Education; Childhood History; Images; Representation

Considerações iniciais

Ao mirarmos para a História da Criança e da Infância, podemos perceber que este sentimento de infância, nem sempre existiu. Ele emergiu com a modernidade, conforme apontam as pesquisas desenvolvidas pelo historiador Philippe Ariès (1981), sobre a família e a infância. A História da Educação, a partir dos avanços da História Cultural, preocupou-se também em ampliar os estudos sobre a História da Infância. Desta forma, um dos propósitos deste estudo é contribuir com as pesquisas realizadas nestas áreas de conhecimento.

No ano de 2019, realizamos uma visita ao Museu Histórico Visconde de São Leopoldo, localizado na cidade de São Leopoldo/RS, para a produção de materiais empíricos. Dentro da exposição permanente do museu, nos deparamos com um espaço relativamente grande destinado à História da Infância na cidade, fato que nos chamou a atenção. Sendo assim, após a visita ao espaço, organizamos o material e começamos a observar as vastas possibilidades de pesquisa sobre a História da Infância possíveis a partir daquelas fontes. Desta forma, este texto é fruto desta visitação que, além deste, originou outras produções.

O objetivo deste artigo é analisar e refletir sobre as representações de infância das primeiras décadas do século XX, construídas a partir das fotografias expostas e salvaguardadas no acervo do Museu Histórico Visconde de São Leopoldo. Para tanto, o texto encontra-se organizado em cinco momentos. Neste primeiro, entendido como considerações iniciais, apresentamos nosso contato com o tema e com as fontes. Na sequência, oferecemos uma contextualização histórica da cidade de São Leopoldo/RS, aproximando o leitor ao tema da investigação. No terceiro, procuramos discutir teoricamente a História da Educação, a Infância e os Estudos Visuais. No quarto tópico, procuramos realizar algumas análises possíveis das imagens das crianças presentes na exposição do Museu, divididas em duas categorias: representações de infância na escola e na sociedade. Para finalizar, nas considerações finais, destacamos alguns elementos que perpassam as categorias analisadas.

Da Colônia à Cidade de São Leopoldo: imigração, sociedade e organização educacional

A criação da Colônia Alemã de São Leopoldo, em julho de 1824 – elevada à categoria de município em 1864 –, estava intrinsecamente vinculada com demandas do nascente Império do Brasil, recém emancipado do domínio português. Conforme Tramontini (2003), a estruturação colonial, na então Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, se alicerçava em três eixos principais: a) colonização e povoamento da região próxima à Porto Alegre, capital da província; b) articulação de um modelo agrícola baseado na pequena propriedade e na pluricultura de gêneros cultivados, confrontando com a predominância das grandes estâncias e criação de gado; c) apoio ao Exército na defesa do Sul imperial, marcado por disputas territoriais com Argentina e Uruguai.

Doravante, somam-se a estes critérios dois outros elementos importantes, que faziam parte do ideário de figuras como a Imperatriz Leopoldina, José Bonifácio e José Feliciano Fernandes Pinheiro, então presidente da província em 1824, responsável pela implantação do projeto colonial imigrantista – que lhe rendeu, posteriormente, o título de Visconde de São Leopoldo1. Para estes, além de finalidades práticas, como no âmbito econômico e militar, aspectos socioculturais deveriam ser contemplados. Com isso, a vida de imigrantes das regiões que hoje formam a Alemanha, colaboraria para o branqueamento da população e incorporação de uma mentalidade cultural europeia no país, além de promover, ao longo do tempo, o fim da escravidão negra e a substituição por mão de obra livre. A primeira fase da colonização alemã em São Leopoldo, densamente abordada por Tramontini (2003), foi marcada por uma série de conflitos – entre os próprios imigrantes e destes com a sociedade receptora –, mas também por um processo de organização social, buscando articular-se diante de necessidades e não atendimento de promessas feitas e reinvindicações. De forma geral, a localização do município pode ser observada no mapa a seguir:

Fonte: MapsOfWorld

Imagem 1 Mapa da Localização de São Leopoldo/RS 

Em relação aos imigrantes que vieram para a região de São Leopoldo, embora a intenção inicial fosse de que atuassem na agricultura, muitos não exerciam este ofício originalmente. Nas regiões de onde provinham, ocupavam-se como artesãos e profissionais liberais, atuando como marceneiros, moleiros, alfaiates, sapateiros, curtidores, entre outras profissões. Com o decorrer do tempo, diante das necessidades do cotidiano colonial – que surgiram já nos primeiros tempos da colonização –, muitos colonos passaram a exercer também em solo brasileiro seu ofício, ainda de forma bastante artesanal. Pequenos curtumes, selarias, moinhos, olarias e outras formas de empreendimentos foram abertos. Isso fez com que São Leopoldo, alguns anos após sua fundação, assumisse um perfil socioeconômico diferente daquele planejado.

A estrutura cultural leopoldense também possuía suas especificidades. Como forma de rememorar na terra que os recebia suas tradições, os imigrantes alemães e descendentes se articularam em torno de vereins (sociedades). Foi o caso das Schützenvereins (sociedades de tiro), Gesangvereins (sociedades de canto) e Turnvereins (sociedades de ginástica). Em São Leopoldo, por exemplo, um grupo de oito imigrantes fundou em 20 de janeiro de 1858 a Sociedade Mannergesang Orpheus, espaço que além de promover a prática do canto coral, se tornou importante espaço de sociabilidade e recreação para comunidade local. Estes aspectos culturais também eram vivenciados no ambiente escolar, com a adoção de aulas de canto, música, teatro e outras formas de Arte, conforme apontaremos nas imagens analisadas.

Neste tocante, o processo educacional foi marcado por iniciativas particulares e comunitárias advindas dos próprios colonos, cuja maior parte professava a religião protestante – evangélico-luterana –, em um país predominantemente católico. De um lado, havia a realidade estrutural e política da Colônia e posterior Município de São Leopoldo, marcada por adversidades; do outro, a implementação de elementos socioculturais trazidos pelos imigrantes, adaptados e ressignificados na terra que os recebia.

A primeira escola fundada pelos imigrantes evangélico-luteranos em São Leopoldo data de 1826. Foi uma iniciativa do pastor Johann Georg Ehlers, que atendia à comunidade luterana da área inicial de colonização – correspondente ao centro da atual cidade de São Leopoldo. Na área de expansão norte da Colônia Alemã, o atendimento era feito pelo pastor Friedrich Christian Klingelhöfer, residente na localidade de Campo Bom, onde além de fundar a Comunidade Evangélico-luterana em 1828, fundou uma escola para atender aquele grupo de colonos – inclusive crianças de famílias católicas.2

Estes educandários recebiam a denominação inicial de gemeindeschule (escola da comunidade). A Evangelische Gemeindeschule von São Leopoldo (Escola da Comunidade Evagélica de São Leopoldo) reforçava, em sua denominação, a vinculação com a Igreja Evangélico-luterana. Posteriormente, passou a se chamar Deutsche Evangelische Schule von São Leopoldo (Escola Evangélica Alemã de São Leopoldo), Colégio Centenário e, na década de 1940, por conta da política de nacionalização, Instituto Rio Branco, nome mantido até hoje. Durante grande parte do século XIX e princípio do XX, a função docente nestas escolas era exercida pelos pastores ou professores particulares, cujo pagamento era feito pelas famílias das comunidades. Também haviam professores que atuavam sem ligação direta com as igrejas Católica e Evangélico-luterana.

O atendimento educacional dado pelas autoridades provinciais neste período era ínfimo. Conforme Arendt (2011), por volta de 1848, existiam três aulas públicas instaladas na área colonial, cujo crescimento demográfico fora considerável desde sua fundação, em 1824. Ao longo daquele século, a implantação do número de aulas públicas se manteve incipiente, abrindo margem para a ampliação das iniciativas comunitárias/confessionais e particulares.

Com a fundação do Sínodo Rio-grandense, em 1886, visando congregar as comunidades evangélico-luteranas em torno de uma unidade jurídica, estrutural e doutrinária, também foram introduzidos subsídios pertinentes ao tocante escolar. Foi constituída a Deutsche Evangelischen Lehrerverein in Rio Grande do Sul (Associação de Professores Alemães Evangélicos no Rio Grande do Sul), em 1901, e fundado o Deutsches Evangelisches Lehrerseminar (Seminário Evangélico Alemão de Professores), no ano de 1909 – e transferido para São Leopoldo em 1926.

No caso de imigrantes e descendentes de confessionalidade católica – cujo crescimento numérico ocorreu com a vinda de novas levas entre 1825 e 1830, retomada após o fim da Guerra Civil Farroupilha, em 1845 –, a preocupação efetiva com o sistema educacional ganhou força a partir de 1860, com o chamado Projeto de Restauração Católica. Em termos gerais, essa iniciativa pode ser compreendida como um processo de romanização da Igreja Católica (RAMBO, 2002, p. 285).

Os educandários católicos tiveram uma atenção maior por parte das autoridades eclesiásticas sul-rio-grandenses, assim como ocorrera o incentivo para a vinda de ordens e congregações religiosas para a província e, a partir de 1889, estado do Rio Grande do Sul.3 Entre as características destas congregações e ordens – especialmente as femininas –, encontramos a atuação no âmbito escolar e na área hospitalar.4

Dentre as iniciativas efetivadas, conformando este aparato educacional, Kreutz (1991) e Rambo (1996) destacam a Deutschbrasilianischer Katholischer Lehrerverein in Rio Grande do Sul (Associação de Professores Alemães-Brasileiros Católicos no Rio Grande do Sul), as Katholikentage ou Katholikenversammlugen (Assembleias Gerais dos Católicos), as Lehrerkonferenzen (assembleias gerais e regionais de professores), a Vereinsblatt des Deutschbrasilianischer Katholischer Lehrerverein in Rio Grande do Sul (Folha dos Professores Alemães-Brasileiros Católicos no Rio Grande do Sul), impressa pela Typographia do Centro, de Porto Alegre, e o Lehrerseminar (Seminário de Professores), também chamado de Escola Normal Católica, fundada em 1923 – e fechada em 1939, quando instalada na cidade de Novo Hamburgo/RS, por conta de política de nacionalização movida pelas autoridades do Estado Novo. Foi neste contexto que surgiram duas das principais instituições escolares leopoldenses, ainda no século XIX: o Ginásio Nossa Senhora da Conceição – mais conhecido como Ginásio Conceição – e o Colégio São José.

Fundado em 1869, pelos padres jesuítas, o Ginásio Conceição era um educandário masculino, cuja finalidade, em um primeiro momento, era formar “professores para os distritos coloniais e padres para a cura de almas” (BOHNEM; ULLMANN, 1989, p. 179). Entretanto, logo a instituição assumiu uma dimensão mais ampla e para além de atender apenas a demanda de católicos de origem alemã e seus descendentes.

Sua importância no contexto socioeducacional e político sul-rio-grandense pode ser sublinhada pelo fato de, em 1900, ter obtido a mesma equiparação que o Colégio Pedro II, do Rio de Janeiro, o mais destacado no país naquela conjuntura. Grande parte desta “conquista” foi obtida através da intervenção de Júlio de Castilhos, líder unipessoal do Partido Republicano Rio-grandense – que comandou a política e o governo durante quarenta anos. Embora adepto da concepção positivista, Castilhos reconhecia a importância da instituição, vendo nela também um local de interesse político.

Seu funcionamento enquanto colégio se deu até 1912, quando o então arcebispo de Porto Alegre, Dom João Becker, solicitou a sua transformação em Seminário Central para a formação dos sacerdotes do Rio Grande do Sul. Entrementes, desde 1890 havia um outro instituto jesuítico em Porto Alegre, o Ginásio Anchieta, que, de certa forma, assumiu as demandas do Conceição. Em 1956, o Seminário Central encerrou suas atividades, quando ocorreu a criação do Seminário Maior de Viamão, assumindo a demanda formativa dos clérigos no estado.

O Colégio São José surgiu três anos após o Conceição. Vindas da Alemanha, as Irmãs Franciscanas da Penitência e Caridade Cristã da Terceira Ordem Regular de São Francisco de Assis se instalaram em São Leopoldo no dia 02 de abril de 1872. Três dias depois, já iniciaram suas atividades educacionais, atendendo uma demanda de 23 alunas. Até o ano de 1923, o educandário funcionou ao lado do Ginásio Conceição, às margens do Rio dos Sinos. Naquele ano, foi transferido para outro ponto de São Leopoldo, o chamado Monte Alverne – onde está instalado até os dias de hoje, mantendo-se em funcionamento. Durante muitos anos seu ensino foi dedicado ao público feminino, recebendo crianças e jovens oriundas de importantes famílias do município e de outras regiões do Rio Grande do Sul – e até mesmo do Brasil. Se, por um lado, o Ginásio Conceição se tornou uma referência para a educação da elite masculina, o São José assumiu este papel para as mulheres.

Entre o final do século XIX e primeiras décadas do século XX, São Leopoldo experimentou um processo ampliado de industrialização, aspecto que repercutiu na formação urbanística da cidade. Socialmente, houve um afastamento da imagem do leopoldense residente na sede municipal daqueles moradores das áreas distritais, especialmente as agrícolas. Com isso, o termo colono passou a ser aplicado até mesmo de forma jocosa, para diferenciar os imigrantes e seus descendentes do campo e da cidade. A proximidade com Porto Alegre favoreceu intercâmbios culturais, que se faziam sentir nas vestimentas e alguns hábitos adotados pela elite da sociedade leopoldense.

É importante salientar que, assim como ocorria uma distinção entre os residentes na cidade e no campo, dentro da sociedade urbana de São Leopoldo também havia esse procedimento, especialmente entre a burguesia industrial e comercial que se formara e os operários que atuavam nas fábricas locais – como curtumes, produção de bebidas, metalúrgicas, entre outras. E, ao analisarmos a documentação imagética proveniente deste período, perceber esse ambiente é importante para a interpretação dos sentidos transmitidos pelas fotografias – e as construções de narrativas sociais ali presentes. De forma geral, é neste contexto que foram produzidas diferentes representações de infância, às quais serão analisadas a partir do conjunto de fotografias aqui tomadas como fontes.

História da Educação, Infância e Estudos Visuais

As pesquisadoras Eliane Marta Teixeira Lopes e Ana Maria de Oliveira Galvão, nos ajudam a compreender os caminhos trilhados pela História da Educação. Enquanto disciplina, ligada ao campo da Pedagogia, seu surgimento deu-se no final do séc. XIX, sendo lecionada especialmente nas Escolas Normais, em países da Europa e EUA. Apesar de alguns pesquisadores a considerarem como uma especialização da História, por também analisar a questão do tempo histórico e se utilizar de algumas ferramentas teóricas e metodológicas da área, podemos perceber, olhando para seu surgimento, que ela não se origina como uma vertente da História, mas sim, da Pedagogia (LOPES; GALVÃO, 2001).

Por ser associada aos estudos da Pedagogia, seu objeto de pesquisa se tornou esse termo polissêmico que é a Educação. Fonseca (2008) problematiza esse fator, questionando o que seria a Educação como objeto de pesquisa histórica, devido a essa multiplicidade de sentidos e significados que o termo representa. Apesar disso, Lopes e Galvão (2001) enfatizam que é devido a pesquisa historiográfica na área da Educação que fez com que a História da Educação se aproximasse da História.

É partir da História Cultural que um leque de possibilidades de assuntos, bem como, de fontes e objetos para a investigação se abriram aos pesquisadores em História da Educação. A História da infância, das mulheres, do ensino, dos trabalhadores, das instituições são alguns desses temas sobre os quais a área tem se debruçado nos últimos anos. Assim também, diferentes estudos e teóricos começaram a receber destaque no campo, como as pesquisas de Roger Chartier (2002) e o conceito de representação.

A partir de duas definições deste termo encontradas no “dictionnaire universel Furetière ed. 1727” (Chartier, 2002, p. 74), o teórico, define o seu conceito de representação, e defende que as representações são “esquemas intelectuais incorporados que criam as figuras graças às quais o presente pode adquirir sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço ser decifrado” (Chartier, 1987, p. 17). Conforme apresentamos até este momento, dentre as problemáticas da História da Educação, está a História da Infância. Neste estudo, centraremos nossas análises nas representações de infância a partir das fotografias, analisadas com base nos referenciais dos Estudos Visuais.

De acordo com Ana Maria Guash (2005), os Estudos Visuais podem ser compreendidos como um híbrido interdisciplinar, que busca desafiar o caráter disciplinar da História da Arte. Segundo a autora, é possível identificar um novo estatuto da visualidade, cujo conceito comporta imagens fílmicas, televisivas, artísticas e virtuais, preocupando-se ainda com a articulação entre texto e imagem. Dentro desta perspectiva, a análise não se limita apenas à interpretação das imagens, mas recorre, também, à descrição do campo social do olhar. O caráter interdisciplinar dos Estudos Visuais permite a articulação entre problemáticas da Antropologia, Sociologia, História da Arte, História, entre outros tantos campos. No caso específico da História, Charles Monteiro (2013) entende que o trabalho na perspectiva da Cultura Visual exige um “educar o olhar”, permitindo que o profissional seja capaz de apropriar-se de objetos, problemas, metodologias e categorias que o permitam pensar a dimensão visual da história:

A pesquisa histórica tem muito a ganhar ao entrar nesse debate sobre a interpretação da imagem e no âmbito dos estudos visuais ou de cultura visual, ao apropriar-se de objetos, de problemas, de metodologias e de categorias que permitam ao historiador pensar a dimensão visual da história, como prática social no tempo, bem como utilizar novas tecnologias para o ensino da história e a divulgação de suas pesquisas. Formar cidadãos que possam interpretar um mundo que se oferece cada vez mais mediado por um imenso fluxo de imagens, também é tarefa dos historiadores (MONTEIRO, 2013, p. 14).

A partir do autor, é possível afirmar que, ao se utilizar dos Estudos Visuais, a História passa por um processo de alargamento de fontes e problemáticas possíveis. Além disso, considerando que o mundo se faz cada vez mais mediado por fluxos de imagens, interpretar o visual se torna também uma possibilidade de construção de ferramentas para a leitura da sociedade contemporânea.

Assim como Monteiro (2013), Ulpiano T. Bezerra de Meneses (2005) também destaca a importância dos Estudos Visuais para a História. De acordo com o autor, estes estudos se convertem em um campo de grande valor estratégico para o conhecimento histórico da sociedade, levando a uma necessidade de incorporar a visualidade como uma dimensão possível de ser explorada nos segmentos correntes da História.

De forma geral, o crescimento dos Estudos Visuais e seu uso na História ocorre em paralelo ao crescimento da produção e uso das imagens na sociedade. Ao falar do uso de imagens na contemporaneidade, Gustavo E. Fischman (2004, p. 14) destaca que é inegável que, com a expansão do capitalismo, intensificou-se a circulação das imagens: “as imagens se tornam onipresentes e meios esmagadores de difundir signos, símbolos e informação”. Dentro deste processo de crescimento da circulação de imagens que entendemos as fotografias.

Para além da História, as fotografias adquirem importância para a Educação e, em especial, para a História da Educação. Retomando estudos de Boris Kossoy (1989), Diana Vidal e Rachel Abdala (2005) afirmam que, ao mobilizar as fotografias como fontes, é importante que o historiador procure reconstruir o processo gerador do artefato, ao mesmo tempo em que determina os elementos icônicos do registro visual. Para as autoras, essas preocupações são fundamentais para a análise de fotografias relacionadas à História da Educação, permitindo identificar enquadramentos, o processo de construção das imagens, as temáticas, etc. Dessa forma, a análise de fotografias permite identificar interesses e representações de determinada época, sendo as representações de infância exploradas neste artigo.

Representações de Infância de São Leopoldo

Conforme destacamos anteriormente, esta pesquisa se insere dentro dos Estudos Visuais, tomando como fonte um conjunto de fotografias, as quais se encontram salvaguardadas no Museu Histórico Visconde de São Leopoldo/RS. Considerando o objetivo de analisar as representações de infância de São Leopoldo, foram selecionadas as fotografias que apresentam imagens de crianças.

As fotografias foram selecionadas a partir de dois conjuntos. O primeiro se refere às imagens em exposição no museu a partir de um cartaz e, o segundo conjunto, refere-se a imagens salvaguardadas no arquivo do Museu. A infância parece ocupar um lugar relativamente importante na narrativa apresentada na exposição permanente, uma vez que possui um espaço reservado, conforme se observa na Imagem 2:

Fonte: Museu Histórico Visconde de São Leopoldo (Banner)

Imagem 2 Banner “Na Infância” 

Conforme podemos observar, a Imagem 2 consiste em um Banner, com o título “Infância”. Parte da exposição permanente do Museu, o banner é composto por 14 fotografias de crianças em diferentes situações. Dessa forma, podemos afirmar que esta fase da vida recebe significativa atenção na construção da Memória e da História de São Leopoldo, construídas a partir do Museu.

A coleção fotográfica aqui analisada é composta pelas 14 fotografias do banner e, mais 8 fotografias salvaguardadas no acervo do museu, totalizando 22 imagens. Para fins das análises aqui apresentadas, as imagens do banner foram fotografadas de forma individual e em conjunto. Dessa forma, destacamos que as resoluções das fotografias estão limitadas àquelas do banner5. O estudo inicial destas fotografias permite identificar duas categorias de análise a partir das representações de infância que emergem: infâncias na escola e infâncias na sociedade. Cada uma das categorias contém 11 fotografias.

Representações de infâncias: escola

Iniciando a análise pela categoria “representações de infâncias na escola”, algumas observações podem ser feitas. Primeiramente, é possível destacar que todas as fotos são coletivas, ou seja, de turmas completas ou parte delas. Estas imagens permitem identificar a escola como um espaço de coletividade, composto pela reunião de diferentes sujeitos, especialmente alunos e professores. Diferentes argumentos podem ser mobilizados para tentar explicar a coletividade destas imagens. Além do já destacado caráter de coletividade das instituições educativas, é importante considerar também, argumentos de caráter técnico, como o valor das fotografias, as possibilidades ou não de acesso a fotógrafos na cidade, dentre outros.

É possível observar ainda que estas fotografais eram feitas geralmente em espaços internos da escola ou, nos casos externos, em frente à instituição. A análise individual de algumas destas fotografias permite identificar algumas generalidades da categoria bem como algumas particularidades de cada imagem. Alguns destes elementos podem ser identificados na Imagem 3, destacando uma turma da primeira infância na cidade:

Fonte: Museu Histórico Visconde de São Leopoldo (Banner)

Imagem 3 Jardim de Infância - 1931 

Observando a imagem 3, captada aparentemente em um ambiente externo, frente à duas construções que, possivelmente, poderiam ser as que comportavam as salas e os espaços internos destinados para as crianças, podemos visualizar o número de alunos que frequentavam esse espaço de educação e cuidado, atribuído às crianças pequenas da cidade. Percebemos, também, que essa classe de educação da primeira infância, era composta por meninos e meninas, uma vez que as distinguimos pelos tipos de roupas que estavam trajando, já que não estavam com um mesmo uniforme escolar.

Entendemos que foi uma foto posada e que a turma foi organizada para esse momento, já que algumas crianças encontram-se sentadas, outras em pé e outras sendo seguradas no colo por mulheres, possíveis professoras e/ou cuidadoras dessas crianças. Na primeira fila, sentadas uma ao lado da outra, podemos contabilizar 12 crianças. Na segunda fileira, visualizamos algumas crianças em pé e outras ainda sentadas, somando também, 12 alunos. Na terceira e última fileira, contabilizamos 13 crianças em pé, e duas crianças aparentemente menores sendo seguradas, cada uma nos braços de duas mulheres, totalizando uma turma de 39 crianças. Podemos deduzir, ainda observando a imagem apresentada, que esta turma poderia ser uma turma única, composta por crianças de diferentes faixas etária, ou ainda, duas turmas que foram agrupadas para o registro fotográfico, dividida entre menores e maiores, cada uma sendo acompanhada por sua professora. Assim como a turma mista de jardim de infância, turmas mistas de meninos e meninas com alunos de idade mais avançada, também se encontravam na cidade, algo não tão comum para as primeiras décadas do século XX, conforme o registro da imagem 4:

Fonte: Museu Histórico Visconde de São Leopoldo (FD – 24,1).

Imagem 4 Alunos na Escola da Comunidade Evangélica - 1925 

A imagem 4 consiste em uma foto de turma, posada, tirada nas dependências internas da Escola da Comunidade Evangélica de São Leopoldo. De forma geral, a fotografia apresenta uma turma escolar mista, com meninos e meninas. A fotografia foi tirada de forma centraliza, apresentado na parte inferior a turma de alunos e, na superior, alguns elementos do espaço escolar.

Com o olhar percorrendo a fotografia da esquerda para a direita, é possível identificar na parte superior da imagem, na parede atrás dos alunos, um quadro, provavelmente representando um espaço escolar, pois verifica-se crianças brincando em roda e a figura de um adulto as observando. Deixando o olhar percorrer a imagem, encontra-se logo à frente do quadro, uma lousa onde é possível ler a frase “Realschule São Leopoldo Klasse IV, 1925”. Na sequência, o olhar nos direciona para a parede, na qual encontra-se um porta-chapéus, entre grandes portas de madeira, podendo ser de acesso à sala ou, até mesmo de um armário. Sobre as mesas de madeiras, materiais de escrita, cadernos e alunos segurando, aparentemente, canetas tinteiro. Estes elementos permitem refletir acerca do mobiliário e dos objetos da cultura material da escola, sobretudo no início do século XX.

Na parte inferior do retângulo formado pela fotografia, encontra-se a turma de alunos. Embora mista, o olhar tento à fotografia permite aferir que existia, além de divisões por sexo, uma participação menor de moças em relação aos rapazes no espaço escolar. A turma de alunos é composta por 12 sujeitos, cujas classes coletivas divide-os em três grupos de quatro alunos. Na primeira classe estão as quatro meninas, seguidas pelos dois quartetos de meninos. Fica evidente aqui a divisão espacial com as meninas e meninos sentados separados, sendo elas dispostas na parte da frente da sala de aula, mais próximas da explicação (do/da) professor(a), já que, nos fundos da sala observa-se uma mesa maior, sendo possivelmente ocupada pelo(a) professor(a), a fim de observar e controlar a turma em um espaço mais alto.

O estudo realizado por Eduardo Arriada, Gabriela Medeiros Nogueira e Mônica Maciel Vahl (2012), discute sobre a escola, sobretudo o espaço da sala de aula, como um espaço de aprendizagem, disciplina e vigilância, no qual, a figura do professor exerce esse papel. Apesar desse estudo centrar-se em imagem do século XIX, observamos na imagem 4 que ainda no século XX, a sala de aula repercute o mesmo formato, favorecendo a observação disciplinar e avaliativa do mestre. Conforme apontam na pesquisa, é no espaço da sala de aula que “a autoridade do professor é inconteste, posto que a ele cabe ordenar e dirigir. Aos alunos resta a obediência, o silêncio e as respostas quando inquiridos” (ARRIADA; NOGUEIRA; VAHL, 2012, p. 47).

A disposição corporal destes alunos e alunas permite afirmar que a fotografia foi posada, sendo eles preparados para este momento. A face e/ou os olhares destes alunos apontam na direção do “flash”, sendo seus corpos organizados a partir da câmera. Tanto o centro geométrico quanto o centro de olhar da fotografia contam com a face centralizada de um aluno.

Essas crianças são representadas com seus corpos eretos, penteados ou com alguma espécie de chapéu e dispostas em um espaço organizado. Como não parecem utilizar algum tipo de uniforme, suas roupas permitem algumas observações do lugar social que ocupam. É possível identificar dentre os meninos a presença de alunos com terno e gravata e, dentre as meninas, a presença de vestidos.

Alguns questionamentos emergem dessas análises: quem são as crianças representadas nas fotografias? A quais grupos sociais essas crianças representam? Por que o museu selecionou essas imagens para comporem a narrativa da exposição permanente? Todas as escolas da região seriam equipadas com esses materiais didáticos? Quais crianças foram lembradas e quais foram esquecidas na construção dessas narrativas?

Embora estas fotografias apresentem alunos e alunas no mesmo espaço escolar, este fenômeno não é uma generalização aplicável a todas as fotografias desta categoria. As divisões por sexo ficam muito evidentes em outras fotografias, como se observa:

Fonte: Museu Histórico Visconde de São Leopoldo (FD – 33.2,28).

Imagem 5 Colégio São José - 1ª turma do Complementar, 1932. 

A Imagem 5 apresenta uma turma composta exclusivamente por meninas, sendo visivelmente uma fotografia posada, na qual os mobiliários, objetos escolares e os corpos das alunas foram calculadamente distribuídos no espaço escolar. Em meio às alunas, que encontram-se igualmente uniformizadas, observamos a presença de uma religiosa ao fundo da classe, o que não nos causa estranhamento, uma vez que este registro foi realizado em um espaço escolar confessional católico. Na imagem, há um número de 27 alunas, organizadas em pé, ou entorno de mesas, as quais estão acomodando quatro alunas cada. Algumas delas encontra-se segurando livros, outras uma espécie de vara para apontamentos e outras escrevendo frente ao quadro negro.

Algo que também chama a atenção nesta fotografia são os objetos da cultura material escolar, como os mapas pendurados na parede, imagens de figuras políticas e/ou religiosas, imagens do corpo humano, os livros e materiais de escritas sobre as mesas, o quadro negro e o globo terrestre. Por todos esses materiais disponíveis, deduz-se que esta fotografia tenha sido feita, provavelmente, para uma espécie de “marketing” da escola, já queque encontra-se contempladas as diferentes áreas do saber que o educandário oferecia às alunas: literatura, matemática, geografia, biologia, história, além do ensino religioso, contemplado na figura da irmã presente na sala.

As imagens até aqui destacadas, também nos fazem refletir sobre a infância na escola, como sendo um momento de conhecimento, civilidade, sociabilidade e afetividade entre os pares. É no espaço escolar que ocorre, depois do âmbito familiar, as primeiras relações com o mundo externo, com o social, despertando nos seres que ali se relacionam diariamente afetos, discórdias, emoções, experiências e todos os demais aspectos que brotam “dos sentidos, que vem do íntimo de cada indivíduo” (PESAVENTO, 2014, p. 56).

Assim como as turmas exclusivamente de meninas, encontram-se nas imagens, turmas exclusivamente de meninos, como se observa nas fotografias a seguir:

Fonte: Museu Histórico Visconde de São Leopoldo (FD – 33.2,29) e (FD – 24,61)

Imagem 6 Ginásio (Colégio) N. Sra da Conceição, Orquestra, s.n. 

Fonte: Museu Histórico Visconde de São Leopoldo (FD – 33.2,29) e (FD – 24,61)

Imagem 7 Escola da Comunidade Evangélica 

Como uma forma de manter a língua, a cultura e a identidade germânica em solo brasileiro, a prática da música, sempre se fez muito presente em comunidades teuto localizadas na região Sul do Brasil (DAMKE, 2009), e as imagens 6 e 7 são representações dessa prática. Diferentes da fotografia anterior sobre o colégio de moças São José, estes registros são de escolas privadas de confissões distintas da cidade, (nº 6 - católica e nº 7 - evangélica), captadas aparentemente na parte externa das escolas, nas quais verificam-se apenas a presença de meninos. São fotografias, em que não encontramos uma data precisa que foram captadas, apenas que foram registradas nos primeiros anos do século XX. Ambas registram orquestras e a presença da prática da música em suas comunidades e, pela posição dos musicistas, entende-se que foram registros posados. Entretanto, apesar dessas semelhanças que unem ambas as imagens, observam-se algumas diferenças.

Enquanto a imagem 6 apresenta, em sua maioria, jovens adolescente e homens de mais idade, conseguimos visualizar entre eles a presença de algumas crianças que faziam parte da orquestra. A grande maioria dos presentes na imagem vestem roupas estilo social, com casaco escuro e camisa clara, alguns utilizam gravatas de diferentes estilos, sendo elas claras ou escuras. Outros participantes aparecem utilizando uma espécie de uniforme com abotoaduras similares, como aparentando ser um uniforme. Entre os instrumentos musicais, nota-se a presença de instrumentos de cordas (contrabaixo, violão, violino, violoncelo e banjo), sopro (flauta, trompete, trompa e trombone) e percussão (bumbo).

Já na imagem 7, a grande maioria dos componentes da orquestra são crianças de diferentes idades, aparecendo em cena apenas três homens adultos. Os instrumentos que aparecem na fotografia são os de sopro (flauta, trompete, trompa e trombone) e percussão (bumbo e pratos). Apesar de crianças, observa-se a questão da vestimenta em sua grande maioria já estavam portando indumentária adulta, destacando-se a calça e casaco social, camisa e gravata.

Conforme apontado anteriormente no texto, a música e a cultura artística eram pontos presentes na cultura germânica que se instalou na região sul do Brasil, porém, mais uma vez, cabe questionar quem são as crianças representadas e quais não foram contempladas na construção dessas narrativas? Seriam todas filhas e descendentes de imigrantes? Apenas imigrantes germânicos se instalaram na região? Quais as outras crianças e infâncias ficaram à margem dessas representações? Após apresentarmos e problematizarmos as representações de infâncias na escola, passamos a analisar as representações de infância na sociedade.

Representações de infância: sociedade

Diferentemente da categoria anterior, no caso das representações de infância na sociedade, pudemos localizar fotografias individuais. Enquanto as fotografias escolares apontavam para uma ideia de coletividade, identificada a partir das turmas, nas imagens aqui analisadas predominam sujeitos representados individualmente ou, com membros da família. As imagens desta categoria, em sua grande maioria sem ter um ano específico de registro, apresentam um caráter mais privado quando comparado às anteriores. Além disso, enquanto na categoria “infância na escola” identificamos crianças representadas a partir dos objetos e mobiliários escolares, bem como pela postura, pela roupa, aqui encontramos outros elementos. Alguns destes apontamentos podem ser identificados nas Imagens 8 e 9:

Fonte: Museu Histórico Visconde de São Leopoldo (Banner)

Imagem 8 Loisie Stoltenberg e seu brinquedo 

Fonte: Museu Histórico Visconde de São Leopoldo (Banner)

Imagem 9 Assumindo as tradições 

Conseguimos identificar semelhanças e diferenças entre as imagens 8 e 9. Nelas, as crianças, ainda bem pequenas, ao que tudo indica abaixo dos 3 anos de idade, foram posadas para o registro fotográfico. Ambas as crianças aparecem sozinhas em um ambiente aberto, próximos a elementos da natureza. Atentamos para o fato de que, em ambas as fotos, uma presença marcante de gênero já pode ser observada.

Na imagem 8, aparece a pequena menina ornamentada com um vestido, colar e, calçando botas escuras, está sentada em uma pequena cadeira, ao que parece feita de vime, segurando sua boneca, possivelmente de porcelana. Já na imagem 9, observamos um menino também sentado sozinho, sobre um tronco de árvore deitado, segurando uma cuia de chimarrão6 e, logo ao lado no chão, observa-se a presença de uma chaleira que, supostamente, esteja com água para servir a bebida. O menino da fotografia, aparece com o pé descalço, vestindo um conjunto de calça e blusa e, na cabeça, está usando um chapéu que lembra o que os soldados alemães da segunda guerra utilizavam. Mais uma vez, observamos a tentativa de construção da imagem de uma infância centrada nos descendentes de imigrantes germânicos.

As próximas duas imagens apresentam infantes em grupo, compartilhando momentos com seus familiares, ao que tudo indica, também em ambientes externos ao do espaço da casa, como se pode observar:

Fonte: Museu Histórico Visconde de São Leopoldo (Banner)

Imagem 10 Diversão e arte na família Seewald -1912 

Fonte: Museu Histórico Visconde de São Leopoldo (Banner)

Imagem 11 Reunião em família 

Na imagem 10 observamos a presença de quatro crianças, possivelmente da mesma família, onde duas brincam em um triciclo, uma segura e toca um violino e a outra apresenta-se posando para o registro, chama a atenção as vestimentas claras de ambas as crianças da imagem, bem como o uso do chapéu, marca social e cultural de um tempo. Já na imagem 11, sentadas em volta de uma mesa com toalha branca, encontra-se ao centro do registro fotográfico uma senhora segurando uma cuia de chimarrão, aparentando mais idade, podendo esta ser a avó da família e, em ambos os lados da senhora, duas crianças, estas podendo ser seus netos. O fato de estarem em torno de uma mesa e, sobre ela, uma chaleira com água para o chimarrão e um prato contendo, possivelmente, algo comestível, representa um momento típico de reunião familiar, do qual, crianças e adultos participavam. A mesa e o chimarrão tornam-se, assim, marcas desse momento de comunhão e convívio familiar.

Algumas Considerações

Ao longo deste estudo, a partir de um conjunto de fotografias salvaguardadas no Museu Histórico Visconde de São Leopoldo, procuramos apresentar e refletir sobre as representações de infância na cidade de São Leopoldo/RS, no início do século XIX. De forma geral, foi possível identificar duas categorias que congregam estas fotografias, sendo elas representações de infância na escola e representações de infância na sociedade.

Em relação às representações de infância na escola, é possível observar a predominância de imagens coletivas, relativas a turmas de alunos. Essas turmas são retratadas tanto no espaço interno quanto externo do espaço educativo. É possível observar tanto a separação quando a coexistência de alunos meninos e meninas, bem como a presença de alunos e alunas de diferentes idades. Sobre as fotografias externas, destacamos que todas foram capturadas em frente ao espaço educativo. As fotografias internas apresentam parte do mobiliário escolar, permitindo identificar diferentes objetos relacionados às instituições educativas e às diferentes disciplinas ensinadas. Outra questão a ser destacada é a presença de elementos relacionados à região estudada, como as bandas, os instrumentos musicais, etc.

Enquanto as representações de infância na escola eram predominantemente coletivas, com fotos de turma dentro e fora da instituição, as representações na sociedade abrem margem para representações individuais, nas quais o coletivo de crianças dá lugar a indivíduos, fotografados isoladamente ou, possivelmente, em família. Assim como no caso anterior, são identificados elementos que demarcam a diferenciação entre meninos e meninas, como roupas, objetos e gestos. Destaca-se ainda a presença de elementos que demarcam questões relacionadas à identidade regional, como o chimarrão.

De forma geral, é possível afirmar que as diferentes representações de infância apontam para a importância que as crianças tinham para asas famílias de imigrantes e seus descendentes. Entretanto, cabe problematizar o silenciamentos de outras etnias no conjunto de fotografias aqui analisadas e que foram selecionadas para compor a exposição do Museu Histórico do município. Assim sendo, ficam questionamentos em aberto para serem aprofundados em estudos futuros: Quais outras representações de infâncias não foram contempladas nestas fotografias? Existiam outras infâncias para além destas representadas pelos filhos de imigrantes germânicos na cidade? Onde elas se localizavam?

Produzidas como forma de celebrar e perpetuar a memória destes sujeitos, as fotografias foram aqui convertidas em documentos, permitindo analisar e problematizar uma pequena parte da História da Infância regional da cidade de São Leopoldo do início do séc. XX.

Referencias

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Imagem 11 – Reunião em família. Banner: “Na Infância”. Museu Histórico Visconde de São Leopoldo. Tirada pelos autores, 2019. [ Links ]

1Conforme demonstraremos na sequência, o Visconde de São Leopoldo é o patrono do Museu no qual estão salvaguardas as imagens analisadas neste estudo.

2Atualmente denominado Colégio Sinodal Tiradentes.

3Entre as congregações e ordens religiosas que estabeleceram no Rio Grande do Sul, a partir do final do século XIX, podemos destacar, além dos padres da Companhia de Jesus (presentes desde 1849): Irmãos Maristas (a partir de 1900); Irmãos Lassalistas (a partir de 1907); Congregação das Irmãs Franciscanas da Penitência e Caridade Cristã (em 1872); Congregação das Irmãs de Santa Catarina, Virgem e Mártir (a partir de 1899), Irmãs de Notre Dame (1923). Até 1983, a diferença entre ordem religiosa e congregação religiosa estava nos votos professados por seus membros: as ordens professavam votos mais solenes, enquanto as congregações, votos mais simples.

4Exemplo são as religiosas da Congregação das Irmãs Franciscanas da Penitência e Caridade Cristã, que além do Colégio São José (fundado em 1872, ano da chegada das primeiras religiosas), fundaram em 1901 o Sanatório Santa Elisabeth, em São Leopoldo (o hospital já não existe, havendo no local um lar para pessoas idosas), e as religiosas da Congregação das Irmãs de Santa Catarina, Virgem e Mártir, que além do Colégio Santa Catarina (fundado em 1900), fundaram em 1930 o Sanatório Regina (atual Hospital Regina), em Hamburgo Velho, Novo Hamburgo.

5É importante destacar que não foi possível retornar ao Museu para a produção de imagens em resolução maior, uma vez que o período de finalização da escrita do texto coincide com os protocolos de biossegurança e distanciamento social oriundos das preocupações com a pandemia de COVID-19. Contudo, as análises não ficaram comprometidas, sendo possível observar cada imagem.

6Bebida típica consumida na região sul do Brasil, feita a partir de erva (folhas verdes trituradas com chás) e a infusão de água quente. A bebida é servida em um suporte estilo copo, feito de porongo, chamado de cuia, e um canudo de metal ao que é denominado de bomba. A bebida, geralmente, é consumida por um grupo de pessoas durante conversas, como sinal de comunhão, sociabilidade e partilha.

Recebido: 30 de Março de 2021; Aceito: 27 de Julho de 2022

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