Introdução
Os programas de residência em saúde se caracterizam como uma modalidade de ensino de pós-graduação lato sensu, com a natureza de curso de especialização com vistas ao ensino em serviço e ao aprimoramento técnico-científico. Com duração mínima de dois anos, possuem carga horária de 60 horas semanais, acumulando 5.760 horas, exceto para Residência em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofaciais, cuja carga horária consiste em 8.640 horas, num mínimo de três anos. Em todos os casos, 80% da carga horária enfocam atividades práticas e 20% atividades teóricas (Carneiro, 2019; Verçosa; Lima, 2020).
Orientada para a cooperação intersetorial, a Residência é desenvolvida sob regime de dedicação exclusiva, com supervisão docente-assistencial de tutores e profissionais do serviço (Carneiro, 2019). A partir dos conceitos de educação permanente e de educação continuada, a residência opera buscando situar o estudante num estado de questionamento, no ponto de tensão de uma postura ativa entre o que é conhecido e o que falta conhecer (Brasil; Oliveira; Vasconcelos, 2020). Neste processo, o ensino e a aprendizagem devem se amalgamar ao cotidiano organizacional em prol da transformação das práticas profissionais e da instituição em si. O estabelecimento deste panorama deve transcorrer por via de atualização técnico-científica, baseada em um referencial teórico-metodológico problematizador (Cunha, Vieira e Roquete, 2013).
A consolidação da residência multiprofissional foi conquistada paulatinamente, a partir do trabalho conjunto entre as áreas profissionais que a compõem, e reflexões constantes do processo. A avaliação dessa trajetória, a partir de cada área possibilita ampliar o conhecimento e aprimoramento das ações específicas e coletivas do programa. Frente a isso, o objetivo do estudo foi caracterizar o perfil e o impacto do Programa de Residência Integrada Multiprofissional em Atenção Hospitalar do Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná - Primah/CHC/UFPR -, para as terapeutas ocupacionais egressas até 2020. Além da Terapia Ocupacional, este programa abrange as áreas profissionais de Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Nutrição, Odontologia, Psicologia e Serviço Social.
Metodologia
Foi realizado um estudo observacional descritivo, transversal e quantitativo, com o uso de Web Survey para coleta de dados. Aceitaram participar desta pesquisa 24 terapeutas ocupacionais egressas do Programa de Residência Integrada Multiprofissional em Atenção Hospitalar do Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, de um universo de 40 profissionais, constituindo 60% desta população. A coleta de dados aconteceu entre maio e agosto de 2021, por meio de um questionário online disponibilizado via e-mail, após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa em seres humanos do Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, em seu parecer consubstanciado n. 4.588.240.
Assim, pela disponibilização de um link aos aceitantes da pesquisa, foi estabelecido um questionário para autoaplicação elaborado pelos autores e estruturado em três etapas. A primeira etapa consistiu na apresentação da pesquisa, com disponibilização do termo de consentimento livre e esclarecido, com opções para aceitação ou declínio da participação na pesquisa. A segunda etapa foi constituída por três blocos temáticos para levantamento de dados sociodemográficos, acadêmico-profissionais e laborais, para caracterização da amostra. A terceira etapa foi instituída por questões de múltipla escolha organizadas em escala Likert, para aprofundamento inerente ao aporte teórico-prático, experiência assistencial e contribuição da residência para a carreira profissional das egressas. Nesta, a escala foi organizada em 1 ponto para Ruim, 2 pontos para Regular, 3 pontos para Bom, 4 pontos para Muito Bom e 5 pontos para Excelente.
O recrutamento dos participantes foi feito por meio de e-mail, no período entre maio e agosto de 2021. Como critérios de inclusão, foram definidos: residentes terapeutas ocupacionais egressas devidamente tituladas pelo programa referido, com ingresso entre 2010 e 2018, abarcando assim, os primeiros dez anos do programa. Os dados coletados foram tabulados em planilha eletrônica e submetidos à análise descritiva para verificação dos resultados através do software SPSS 21.0.
Resultados e discussão
A amostra constituiu-se de 24 egressas, correspondendo a 60% do total de egressas terapeutas ocupacionais do programa. A partir do questionário sociodemográfico para uma primeira caracterização da amostra, entre as participantes, foi verificada uma média de 31,29 anos para idade, com variância de 25 a 39 e 100% (n=24) do sexo feminino. Em relação ao estado civil 33,3% (n=8) se declararam solteiras, 37,5% (n=9) casadas e 29,2% (n=7) em união estável. Sobre a etnia, foi verificado que 83,3% (n=20) se definiram como brancas, 4,2% (n=1) preta, 4,2% (n=1) amarela, 8,3% (n=2) pardas e nenhuma indígena. Em referência à média para renda pessoal, 12,5% (n=3) relataram ganhos de até dois salários mínimos, 54,2% (n=13) de três a cinco salários mínimos, 33,3% (n=8) de seis a dez salários e nenhuma participante declarou ganhos acima de dez salários por mês.
Em face disso, esse resultado reflete o contexto de avanço da mulher sobre a educação superior brasileira, sobretudo na área da saúde. Segundo o Inep, em 2018 as mulheres correspondiam a 57% da população estudante universitária no Brasil, e igualmente esta proporção na região sul do país (Alencar e Almeida, 2020). Num estudo de Pasini, Pretto, Sarria e Cardoso (2020), com egressos residentes multiprofissionais de onze categorias diferentes, 79,2% declararam-se do sexo feminino, concluindo que as mulheres têm assumido prevalentemente profissões da área da saúde, assim como as de maior escolaridade em outras áreas. De acordo com Figueiredo (2021), as jovens brasileiras possuem chances 42% maiores de completar o ensino superior em comparação aos homens.
Em uma pesquisa sobre a caracterização do mercado de trabalho de terapeutas ocupacionais no Estado de Sergipe constatou-se que a renda de 25 profissionais incluídos de um universo amostral de 36 indivíduos apresenta algumas diferenças proporcionais. Segundo o estudo, 32% dos entrevistados revelaram receberem de 1 a 3 salários mínimos, 36% de 3 a 5 salários mínimos, 16% dos terapeutas participantes de 5 a 7 salários mínimos e outros 16% de 7 a 9 salários mínimos. Desta amostra, 12% eram residentes (Souza, Santos, Genezini e Amaral, 2018). Isso representa uma das possíveis
diferenças regionais que a profissão apresenta em relação não apenas à remuneração quando comparado aos resultados obtidos entre os residentes, mas quanto à dimensão do mercado de trabalho como um todo.
Em relação aos dados acadêmicos, 91,7% (n=22) das egressas graduaram-se em Terapia Ocupacional em instituições de ensino públicas, enquanto apenas 8,3% (n=2) em instituições privadas. Assim, entre as públicas, 75% (n=18) das terapeutas ocupacionais formaram-se na mesma instituição do programa de residência na qual participaram. Isso revela que, no caso desta amostra, a grande maioria dos residentes de Terapia Ocupacional tendem a fazer a residência na mesma instituição em que se graduaram.
Responderam à pesquisa terapeutas ocupacionais egressas de cada um dos dez primeiros anos de residência, concretizando uma abrangência sobre todos os ciclos ofertados. Entre as participantes, 41,7% (n=10) foram matriculadas no Programa de Atenção à Saúde da Mulher, 33,3% (n=8) no Programa de Atenção à Saúde do Adulto e do Idoso e 25% (n=6) do Programa de Atenção em Oncologia e Hematologia, que são os três eixos de concentração do programa em que há terapeutas ocupacionais.
No que se refere ao relato das egressas sobre seu respectivo segmento acadêmico em outros cursos de pós-graduação e sua relação com o contexto de residência, obteve-se como resultado: 87,5% (n=21) declararam não ter cursado pós-graduação antes do ingresso na residência e 12,5% (n=3) cursaram anteriormente a sua participação residente. Por outro lado, após a experiência na residência, 45,8% (n=11) revelaram ter feito curso de pós-graduação equivalente a especialização, aprimoramento ou aperfeiçoamento; 33,3% (n=8) declararam ter cursado ou estar cursando mestrado acadêmico e ou profissional; nenhuma participante relatou ter cursado doutorado ou pós-doutorado e 20,8% (n=5) não cursaram e não cursam nenhuma outra pós-graduação após a residência. Com isso, 33,3% (n=8) das egressas declararam ter feito outra pós-graduação com forte relação com a área do programa de egresso; 29,2% (n=7) como fracamente relacionada e, 16,7% (n=4) sem relação, ao passo que 20,8% (n=5) não cursaram antes ou à época da resposta outra pós-graduação. Isso indica que a continuidade acadêmico-formativa das egressas é relativamente frequente, com tendência a pouca ou nenhuma relação com a área de residência. Cabe destacar a diferença de tempo de egresso entre as participantes, variando de 1 a 8 anos, o que pode influenciar sobre estes resultados.
Além disso, 33,3% (n=8) afirmaram terem produzido bibliografia após a residência, enquanto 66,7% (n=16) relataram não terem publicado qualquer material após a experiência residente. Este resultado revela um quantitativo considerável entre as egressas que efetuaram alguma publicação posterior à residência. Estes dados sugerem que as diretrizes do programa em foco, relacionadas ao desenvolvimento de pesquisa e publicação, podem ter sido um incentivo para a continuidade da produção bibliográfica das egressas. Isso sinaliza também que o planejamento de programas de residência em terapia ocupacional estruturando suas grades curriculares para instrumentalizar seus residentes para este fim, tanto por seu aporte teórico metodológico, quanto pela estruturação da prática assistencial em si, favorece essa tendência para posterior produção bibliográfica. Isso ganha relevância ainda maior quando se observa a pequena quantidade de publicações sobre teorias e práticas em terapia ocupacional (Aniceto; Bombarda, 2020; Nascimento et al., 2020).
Acerca dos dados laborais, 87,5% (n=21) das participantes relataram exercer a profissão frente a 12,5% (n=3) que não exerciam no momento da resposta. Sobre a respectiva carga horária média semanal, 37,5% (n=9) trabalhavam até trinta horas semanais, 50% (n=12) mantinham de trinta até 60 horas semanais, e os 12,5% (n=3) restantes corresponderam às egressas que não exerciam a profissão naquele momento.
Quanto ao vínculo profissional, 50% (n=12) declararam trabalhar em regime autônomo, 25% (n=6); celetista, 33,3% (n=8) e 8,3% (n=2) referiram desemprego no momento da pesquisa. Ao abordar o tipo de atividade no presente exercício da terapia ocupacional, 87,5% (n=21) declararam atuação assistencial, 16,7% (n=4) consultoria, 12,5% (n=3) gestão, nenhuma egressa participante atuava em docência à época da resposta, 8,3% (n=2) outras formas de atuação, e 12,5% (n=3) não exerciam a terapia ocupacional. Ao caracterizarem a natureza das instituições em que atuam, 41,7% (n=10) das egressas trabalhavam em entidades públicas, 54,2% (n=13) privadas, 8,3% (n=2) filantrópicas.
A respeito das áreas de atuação durante a trajetória profissional após a residência, 100% (n=24) afirmaram ter tido outras experiências laborais no campo da saúde, 16,7% (n=4) também no campo social e 12,5% (n=3) na educação, nenhuma das participantes referiu não ter exercido a profissão novamente. Quando questionadas sobre sua área de atuação durante a participação, 87,5% (n=21) atuavam no campo da saúde, 8,3% (n=2) no campo social, 4,2% (n=1) na educação e 12,5% (n=3) não atuavam em terapia ocupacional. Apesar destes resultados, apenas 25% (n=6) das egressas disseram ter atuado em contexto hospitalar após a residência, o que levanta a necessidade de pesquisas sobre os elementos relativos à absorção dessa mão de obra em seu contexto de formação.
Não obstante, as participantes não exercerem atividades docentes no momento de resposta ao questionário, 20,8% (n=5) já atuaram na docência após a residência e 50% (n=12) participaram de atividades de preceptoria. Isso se torna relevante quando se considera que as residentes egressas possuem alta probabilidade de se tornarem referência na formação de novos profissionais.
Após a conclusão da residência, 29,2% das egressas (n=7) afirmaram não ter completado um mês desempregadas antes de assumirem nova ocupação como terapeuta ocupacional no mercado de trabalho, mas 25% (n=6) completaram um mês, 8,3% (n=2) dois meses, 8,3% (n=2) 3 meses, 4,2% (n=1) quatro meses, 8,3% (n=2) cinco meses, 8,3% (n=2) seis meses, 4,2% (n=1) doze meses e 4,2% (n=1) treze meses em situação de desemprego imediatamente após a residência.
Sobre a área de atuação em Terapia Ocupacional no campo da saúde após a residência, tabela 1, as especialidades mais comuns foram Pediatria com 58,3% (n=14) e Saúde Mental 50% (n=12), ambas não correspondendo, preponderantemente, a qualquer dos três programas de egresso das residentes participantes. Ao se observar as áreas mais compatíveis com a experiência residente, a Reabilitação Física foi a terceira área mais comum para atuação entre as egressas com 45,8% (n=11), Gerontologia 29,2% (n=7), Saúde da Mulher e Neonatologia 16,7% (n=4), Cuidados Paliativos 4,2% (n=1), Oncologia e Hematologia 4,2% (n=1), clínica médica nenhuma relatou experiência posterior. Esta análise se torna fundamental para se refletir sobre a inserção profissional, as necessidades da sociedade pela profissão e as demandas por abertura de campos de atuação em contextos institucionais, principalmente ao se observar que profissionais formadas para prática hospitalar, em alguns casos, comparativamente tiveram maior inserção em áreas como Acupuntura e Saúde Mental do que em Clínica Médica ou Oncologia e Hematologia, respectivamente.
Área de atuação | Quantidade | % |
Acupuntura | 2 | 8,3% |
Atenção Básica | 2 | 8,3% |
Clínica Médica | 0 | 0,0% |
Cuidados Paliativos | 1 | 4,2% |
Gerontologia | 7 | 29,2% |
Gestão | 3 | 12,5% |
Oncologia/Hematologia | 1 | 4,2% |
Pediatria | 14 | 58,3% |
Reabilitação Física/Ortopedia/Neurologia | 11 | 45,8% |
Saúde da Mulher/Neonatologia | 4 | 16,7% |
Saúde do Trabalhador | 1 | 4,2% |
Saúde Mental | 12 | 50,0% |
Outro contexto da Saúde | 2 | 8,3% |
Não atuei no contexto da saúde após a residência | 0 | 0,0% |
Fonte: autores (2022).
Em relação à experiência teórica, tabela 2, comparativamente aos conteúdos mínimos inerentes ao domínio da Terapia Ocupacional em contexto hospitalar propalados pela resolução n. 429/13 do conselho de classe da profissão, dos 18 componentes elencados, 9 foram classificados como Regular e 9 como Bom. Entre os tópicos, os que obtiveram maior pontuação média foram: Atuação em equipe inter/multi e transdisciplinar (3,50); Ética, bioética, cuidados paliativos e tanatologia (3,46); Medidas de controle de infecção hospitalar e biossegurança (3,42). Em relação aos conteúdos com pontuação média mais baixa, constatou-se: Ergonomia (2,08); Farmacologia aplicada (2,17); Próteses, órteses, dispositivos de tecnologia assistiva e comunicação e acessibilidade (2,38).
Nota-se que os conteúdos melhor avaliados foram os mais alinhados ao Eixo Transversal que, apesar de ser também pontuado como Bom, possuiu médias inferiores aos demais eixos. Entre os piores avaliados, Ergonomia e Tecnologia Assistiva são mais próximos ao núcleo da profissão, o que reforça a perspectiva de que a Terapia Ocupacional demanda maior investimento técnico e científico em suas atividades nucleares. Por outro lado, considerando que a formação em Terapia Ocupacional possui natureza generalista (Bregalda; Mângia, 2020), outro ponto com avaliação mais baixa, Farmacologia Básica, por corresponder a uma importante especificidade do contexto hospitalar de atuação, ainda foi apontado como um componente para aperfeiçoamento. Além disso, a média para o Eixo Profissional, de maior especificidade da profissão, aproximou-se mais da média mais baixa do que da média mais alta dentro da classificação Boa.
Os programas de residência multiprofissional apresentam déficits em seus processos avaliativos, derivados da inexistência ou obscuridade acerca da estruturação metodológica e pedagógica. Apesar desta circunstância, os meios comumente empregados envolvem a avaliação coletiva como a participação em debates e seminários, diários de campo, apresentação de caso e fichamentos. Em face do processo avaliativo da prática assistencial, além do feedback natural ao processo formativo, a punitividade é um elemento controverso nesta equação. Segundo os autores, ao mesmo tempo em que se faz necessária a estipulação de critérios a serem cumpridos pelos residentes e o inalcançar destes serem passíveis de reprovação. Por outro lado, por se tratar de um modelo de formação em serviço, a reprovação produz um impasse ético, considerando que existe uma remuneração não prorrogável para um profissional em campo. Portanto, a definição de diretrizes para este cenário ambíguo se faz necessária, assim como um espírito crítico do avaliador sobre as circunstâncias e suas consequências (Alvarenga; Galvão; Takanashi, 2019). Considerando a complexidade inerente a estes processos, as egressas definiram como Boa a metodologia avaliativa, com média de 3,04, apesar de alguma insatisfação quanto às atividades teóricas com média de 2,71 pontos em qualificação Regular.
Avaliação dos conteúdos dos eixos transversal, de concentração e profissional | |||
Avaliação dos eixos | Média | Desvio padrão | |
Utilidade/adequação do conteúdo do eixo transversal | 3,00 | 0,978 | |
Utilidade/adequação do conteúdo do eixo de concentração | 3,63 | 0,924 | |
Utilidade/adequação do conteúdo do eixo profissional | 3,25 | 1,073 | |
Conteúdos mínimos inerentes ao domínio da Terapia Ocupacional em contexto hospitalar, resolução Coffito n. 429/13) | |||
Conteúdos | Média | Desvio Padrão | |
Processo de saúde e doença e epidemiologia | 3,25 | 0,794 | |
Sistemas de Saúde | 3,21 | 0,977 | |
Políticas sociais de saúde, educação, trabalho e promoção social | 3,13 | 1,035 | |
Fundamentos históricos e epistemológicos da terapia ocupacional | 2,92 | 1,139 | |
Atuação em equipe inter, multi e transdisciplinar | 3,50 | 1,180 | |
Ética, bioética, cuidados paliativos e tanatologia | 3,46 | 1,103 | |
Próteses, órteses, dispositivos de tecnologia assistiva e comunicação e acessibilidade | 2,38 | 1,096 | |
Humanização hospitalar | 3,63 | 1,345 | |
Procedimentos e intervenções terapêutico-ocupacionais | 3,21 | 1,250 | |
Ocupação, atividades e recursos terapêuticos | 3,08 | 1,316 | |
Desenvolvimento ontogenético e psicossocial | 2,67 | 1,090 | |
Ergonomia | 2,08 | 1,100 | |
Farmacologia aplicada | 2,17 | 1,090 | |
Suporte básico de vida | 2,46 | 0,977 | |
Instrumentos de mensuração e avaliação relacionados ao paciente, familiares e cuidadores | 2,67 | 1,101 | |
Princípios do tratamento quimioterápico, radioterápico, de abordagens cirúrgicas e controle da dor | 2,75 | 1,674 | |
Gerenciamento de serviços e gestão em saúde | 2,58 | 1,297 | |
Medidas de controle de infecção hospitalar e biossegurança | 3,42 | 0,949 | |
Metodologia científica | |||
Questão | Média | Desvio Padrão | |
Aplicabilidade do conteúdo teórico frente às demandas nos cenários de práticas durante a residência | 3,04 | 0,690 | |
Transmissão de teorias de núcleo da Terapia Ocupacional como modelos e métodos próprios da profissão | 3,21 | 1,215 | |
Apoio para o desenvolvimento de uma prática baseada em evidências científicas | 2,96 | 1,042 | |
Relevância do próprio tema de trabalho de conclusão de residência para o contexto institucional, hospitalar, da saúde ou profissional | 3,42 | 1,018 | |
Metodologia pedagógica | |||
Questão | Média | Desvio Padrão | |
Metodologia de avaliação do próprio desempenho/aproveitamento | 3,04 | 0,859 | |
Satisfação com as atividades teóricas | 2,71 | 0,751 |
Fonte: autores (2022).
Ao ser avaliada a experiência assistencial, tabela 3, as egressas sinalizaram que o desenvolvimento de habilidades profissionais e pessoais possui um potencial muito relevante neste quesito (4,04). Por sua vez, a residência permite situar o profissional em circunstâncias de elevados desafios, que acarretam na expansão de habilidades pessoais e no desenvolvimento mais avançado do raciocínio clínico (Souza; Araújo, 2018). Entrementes, possivelmente seja esta a principal contribuição, como apontado entre os resultados, da experiência residente para estas profissionais.
Por outro lado, a percepção sobre o reconhecimento do papel profissional do terapeuta ocupacional por parte das equipes de trabalho foi pontuada como baixa, obtendo média Regular (2,88). Em estudo sobre a caracterização das solicitações de atendimento hospitalar por interconsulta do terapeuta ocupacional, foi verificada a incompreensão do papel deste profissional, verificando-se que a terapia ocupacional foi associada a atividades de distração, condução de atividades manuais e motivação de pacientes (Lima; Pereira, 2019). Esta imagem profissional pode ser relacionada a relação da prática profissional com atividades artesanais e a herança da laborterapia (Zapata, 2020), superada pelas práticas atuais mais alinhadas às estruturas de práticas e modelos teóricos orientados para o desenvolvimento do ser humano através da ação humana com corpos conceituais e processos terapêuticos consistentes e melhor delineados (Gomes; Teixeira; Ribeiro, 2020).
O elemento de menor pontuação entre as egressas foi a estrutura física (2,29). Consoantemente, em outro estudo feito com 34 preceptores de programas de Residência Multiprofissional em Saúde, em contexto hospitalar, foi destacada a estrutura do hospital como uma das principais faces a ser desenvolvida, como o conforto de salas de aulas, ampliação de espaços de trabalho, sinalização e iluminação externa, insumos materiais e equipamentos (Demogalski et al., 2021). Nesta linha, cabe salientar também a ausência ou insuficiência de profissionais preceptores em cenários de prática, o que torna evidente a necessidade de contratação de terapeutas ocupacionais na estruturação desses programas por parte das instituições como um caminho para a qualificação assistencial e formativa (Carneiro; Teixeira; Pedrosa, 2021). Investir na estruturação física de ambientes com programas de Residência Multiprofissional em Saúde é uma forma de valorizar a formação profissional e, por conseguinte, devendo pertencer à agenda de prioridades na gestão da educação e da saúde no país.
Experiência assistencial durante a Residência | |||
Questões | Média | DesviopPadrão | |
Desenvolvimento profissional durante a residência | 3,88 | 0,850 | |
Potencial da residência para desenvolvimento de habilidades profissionais e pessoais | 4,04 | 0,999 | |
Apoio recebido durante a residência para o desenvolvimento de habilidades profissionais e pessoais | 3,00 | 1,022 | |
Preparação e atualização da preceptoria | 2,75 | 1,327 | |
Preparação e atualização da tutoria | 3,42 | 1,060 | |
Transmissão e incentivo de práticas e de uma cultura de trabalho baseada em evidências científicas | 3,21 | 1,103 | |
Abrangência da atuação do terapeuta ocupacional nos setores onde atuou, frente às possibilidades e alcance da profissão | 3,33 | 0,816 | |
Sequenciamento e possibilidades de cenários de prática no programa de residência em que participou | 3,42 | 0,776 | |
Percepção e reconhecimento da equipe sobre a atuação do terapeuta ocupacional nos cenários de prática que participou | 2,88 | 0,947 | |
Integração multiprofissional em um trabalho conjunto interdisciplinar no programa de residência em que participou | 3,54 | 1,215 | |
Infraestrutura física e tecnológica disponível | 2,29 | 0,955 | |
Satisfação com as atividades assistenciais | 3,25 | 0,944 |
Fonte: autores (2022).
Em estudo feito no Piauí, comparando a expectativa de residentes terapeutas ocupacionais ingressantes com a percepção de egressos, verificou-se a alta expectativa inicial para as atividades teóricas frente à percepção deficitária destas por concluintes. Ao mesmo tempo, foi verificado um contraste similar em relação à integração do trabalho multiprofissional que, segundo os egressos, esbarrava em barreiras como o porte da instituição, a ausência do diálogo no cotidiano de trabalho e a constante atuação mais isolada entre profissionais (Carneiro; Teixeira; Pedrosa, 2021). Comparativamente, apesar das egressas do presente estudo qualificarem, em média, como Regular as atividades teóricas (2,71), o trabalho interdisciplinar foi um dos tópicos melhor pontuados na experiência assistencial (3,54), o que pode indicar não apenas uma melhor integração multiprofissional, como também o investimento da estrutura do programa nestas oportunidades durante a formação residente.
Ao investigar as contribuições da Residência Multiprofissional para a carreira das egressas, tabela 4, foi verificado que entre os tópicos indagados, o menos pontuado foi a importância de a titulação para o acesso a melhores faixas salariais (2,42), não obstante a importância da titulação para a trajetória profissional ter pontuação mais alta (3,71). Isso corrobora com outros estudos, pois, apesar de os terapeutas ocupacionais possuírem, em média, maior formação e qualificação do que profissionais em outros países, como a Espanha (Sanz, Santos e Santos, 2018), a remuneração pode guardar maior relação com a esfera de atuação e o acúmulo ou não de jornadas, sendo que as carreiras federais e autônomas oferecem em média as melhores remunerações, as estaduais e municipais as médias salariais intermediárias e as do terceiro setor as mais baixas (Souza, Santos, Genezini e Amaral, 2018).
Impacto da residência multiprofissional na formação profissional e carreira pós-residência | |||
Questões | Média | Desvio padrão | |
Relevância da prática na residência considerando técnicas e abordagens desenvolvidas e adquiridas | 3,71 | 1,042 | |
Relevância dos conteúdos teóricos para a prática profissional após a residência | 3,17 | 0,917 | |
Importância da titulação obtida para a trajetória profissional | 3,71 | 0,908 | |
Importância da experiência e conclusão da residência para a posterior inserção profissional no mercado de trabalho | 3,33 | 1,049 | |
Importância da conclusão da experiência na residência para acessar melhores faixas salariais | 2,42 | 0,929 | |
Influência da residência para estabelecimento de uma prática baseada em evidências científicas | 3,50 | 0,834 | |
Indicaria o ingresso no programa de residência em que participou para outros terapeutas ocupacionais | |||
Resposta | n | % | |
Indicaria o ingresso no programa de residência em que participou | 21 | 87,5% | |
Não indicaria o ingresso no programa de residência em que participou | 3 | 12,5% |
Fonte: utores (2022).
A literatura registra a tendência à insuficiência educativa em programas de residência de diversas categorias profissionais, entre elas a terapia ocupacional (Alvarenga, Galvão e Takanashi, 2019; Souza e Araújo, 2018). Entretanto, apesar desta situação, em grande parte, estar associada a deficiências nos quadros profissionais de docentes, mentores e preceptores capacitados em sua estruturação (Demogalski et al., 2021; Carneiro, Teixeira e Pedrosa, 2021), a experiência prática e o acesso ao cenário clínico com o consequente aprimoramento e desenvolvimento profissional e pessoal findam por ser frequentemente a principal contribuição formativa na experiência em Residência (Souza e Araújo, 2018). Esta realidade corrobora com os dados deste estudo, tanto em relação à avaliação por parte das egressas sobre o suporte teórico, quanto a sua perspectiva sobre a relevância da aquisição do repertório prático obtido durante a experiência residente para a carreira pós-residência (3,71). Esta pode ser a principal contribuição para a indicação de 87,5% das egressas do ingresso na Residência a outros terapeutas ocupacionais.
Considerações finais
Não obstante serem apontadas pelas egressas diversas facetas classificadas como Boas e outras como Regulares, não foi pontuada nenhuma como Ruim. Apenas um tópico obteve média classificada como Muito boa, sendo o potencial da residência para desenvolvimento de habilidades profissionais e pessoais, o que sugere que a contribuição maior da experiência residente se refere ao repertório prático e pessoal.
Diversas barreiras demandam soluções no âmbito de gestão e políticas públicas, como a contratação de profissionais terapeutas ocupacionais e mentores docentes de Terapia Ocupacional capacitados, assim como um maior compromisso educacional também a ser concretizado por meio da infraestrutura física ainda com alguma precariedade em muitos ambientes de formação multiprofissional. Além disso, a constituição de programas de Residência em Terapia Ocupacional perpassa aspectos institucionais e históricos, sendo de elaboração e estruturação contínua que dialoga com o histórico e imagem da profissão no contexto institucional assim como depende dos recursos humanos disponíveis para seu transcurso.
Após a Residência, todas as egressas exerceram a profissão no campo da saúde, sendo a Pediatria e a Saúde Mental os cenários de maior inserção. A qualificação média do aporte teórico, segundo as residentes, foi Boa, sendo sinalizados tópicos de núcleo da profissão e de maior especialização do contexto hospitalar como Regulares e dignos de maior aprimoramento pedagógico. A experiência assistencial foi a mais bem avaliada e a experiência na Residência foi considerada como relevante para a carreira consecutiva.
A não participação da totalidade das egressas pode ser considerada uma limitação ao estudo. A continuidade do seguimento de egressos por parte do programa é altamente recomendado, pois mostra-se uma oportunidade importante para aprimoramento constante do programa de residência.