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Série-Estudos

versão impressa ISSN 1414-5138versão On-line ISSN 2318-1982

Sér.-Estud. vol.30 no.68 Campo Grande jan./abr 2025  Epub 24-Abr-2025

https://doi.org/10.20435/serieestudos.v30i68.2000 

Dossiê: Por uma ética do cuidado na docência de 0-3 anos: das pedagogias de educação infantil às didáticas na creche

O espaço para o aprendizado na infância de 0 a 3 anos: a experiência de instituições de Educação Infantil na Itália

The space for learning in childhood from 0 to 3 years: the experience of educational services in Italy

Maria Buccolo1 

Doutorado em “Desenho e Avaliação de Processos Educacionais” (XVII ciclo de Doutorado com Bolsa de Três Anos) no Departamento de Ciências Pedagógicas e Didáticas da Universidade de Bari “Aldo Moro”. Pesquisadora do TD nos termos do art. 24, parágrafo 3, carta. a) da Lei n.º 240/2010 para o setor competitivo 11/D1-Pedagogia e História da Pedagogia (SSD M-PED/01 Pedagogia Geral e Social) na Universidade Europeia de Roma.


http://orcid.org/0000-0002-8527-3301

1Università Europea di Roma, Roma, Italia


Resumo

O espaço é um dos fatores determinantes no processo de aprendizado na faixa etária de 0 a 3 anos. A tradição pedagógica italiana tem como referência pedagogos que investigaram 0 conceito de espaço e sua importância como fator educacional. Um espaço bem estruturado influencia positivamente o desenvolvimento físico, psíquico e relacional das crianças, promovendo um crescimento positivo. Um ambiente educacional acolhedor para crianças de 0 a 3 anos permite experiências sensoriais, motoras, aprendizado, criação, comunicação, pensamento e escuta (Buccolo, 2019). A pesquisa apresentada enfoca a evolução do conceito de espaço na pedagogia da infância de 0 a 3 anos, destacando a necessidade de construir um novo contexto que apoie o processo educacional. O debate atual sobre pedagogia considera fundamental a organização do espaço em ambientes educacionais para crianças, valorizando o contexto como complementar à didática. Emerge da experiência de formação de educadores um método de aprendizado contínuo baseado em observação, reflexão e prática. Essa abordagem busca uma construção colaborativa e inclusiva de espaços educacionais que valoriza a diversidade, garantindo um ambiente educacional colaborativo e acessível para todos. É necessário, continuar investindo na formação de educadores, visando a um planejamento mais consciente e crítico do espaço, para que a “experiência de formação-intervenção” se configure como uma oportunidade de crescimento humano e social.

Palavras-chave: educação 0-3; espaço; aprendizagem; formação profissional

Abstract

Space is one of the determining factors in the learning process in the 0-3 age group. The Italian pedagogical tradition has as its reference pedagogues who investigated the concept of space and its importance as an educational factor. A well-structured space positively influences the physical, psychological and relational development of children, promoting positive growth. A welcoming educational environment for children aged 0-3 allows sensory and motor experiences, learning, creation, communication, thinking and listening (Buccolo, 2019). The research presented focuses on the evolution of the concept of space in the pedagogy of childhood from 0 to 3 years, highlighting the need to build a new context that supports the educational process. The current debate on pedagogy considers the organization of space in educational environments for children to be fundamental, valuing the context as complementary to didactics. A method of continuous learning based on observation, reflection and practice emerges from the experience of training educators. This approach seeks a collaborative and inclusive construction of educational spaces that values diversity, ensuring a collaborative and accessible educational environment for all. It is necessary to continue investing in the training of educators, aiming at a more conscious and critical planning of the space, so that the “training-formation experience” is configured as an opportunity for human and social growth.

Keywords: education 0-3; space; learning; professional training

1 INTRODUÇÃO

Na pedagogia italiana, autores como Maria Montessori e Loris Malaguzzi investigaram o conceito de espaço tanto do ponto de vista organizacional quanto por sua importância na educação infantil. O espaço, de fato, oferece muitos estímulos que as crianças captam espontaneamente se for adequadamente projetado e oferecido. O espaço, depois da família e dos educadores da creche, é definido por Loris Malaguzzi como o “terceiro educador” (Edwards; Gandini; Forman, 2014), ou seja, como um fator que educa de forma “implícita” se for bem organizado, pois permite que a criança se movimente para ter uma “experiência educacional” autônoma. A qualidade dos espaços, portanto, anda de mãos dadas com a qualidade do aprendizado. Os espaços devem corresponder à história do desenvolvimento daqueles que os habitam e devem oportunizar que as crianças interajam com eles. Dessa forma, história e identidade podem se desenvolver juntas, usando elementos reais e imaginativos a partir do que é vivido naquele local.

O ambiente de convivência é o lugar onde as crianças podem experimentar a beleza, o encanto, o que contribui para a promoção do bem-estar. Várias pesquisas, entre outras, destacam o potencial da beleza e da sua experiência em afetar o bem-estar (Martìnez-Martì; Avia; Hernández-Lloreda, 2014), do ser humano como uma experiência holística e abrangente que envolve emoções, capacidades cognitivas e reflexivas e habilidades sócio-relacionais (Zhang et al., 2014). A pesquisa que apresento está inserida nesse contexto teórico e diz respeito à formação de educadores que trabalham nas instituições de educação infantil de 0 a 3 anos do município de Roma, na Itália, com o objetivo de aprimorar o papel educacional dos profissionais envolvidos, por meio de cursos sobre tópicos pedagógicos, visando ampliar o conhecimento, aprimorar suas habilidades em práticas educacionais e na gestão dos espaços em seus locais de trabalho.

O texto está dividido em cinco partes, sendo uma primeira seção de introdução ao tema, quando o trabalho é apresentado de forma geral. Uma segunda seção – A dimensão do espaço na educação infantil de 0 a 3 anos: teorias e modelos de referência – quando são explicitados os pontos teóricos importantes, uma terceira seção – Projetando espaços adequados para crianças de zero a três anos: formação de educadores – quando é discutido a experiência de formação com educadores italianos. A seção seguinte intitulada – Experiência em formação e metodologias aplicadas – refere-se ao relato da ação de formação dos educadores. O tópico seguinte – Reflexões e resultados – aborda os relatos e discussão frente a consequência da ação formativa, quando os dados parciais da pesquisa são abordados. Por fim, a seção final de conclusão – Conclusões – com as considerações finais a partir do trabalho.

2 A DIMENSÃO DO ESPAÇO NA EDUCAÇÃO INFANTIL DE 0 A 3 ANOS: TEORIAS E MODELOS DE REFERÊNCIA

No debate pedagógico atual, um dos tópicos mais discutidos é a organização do espaço nos serviços educacionais dedicados às crianças na faixa etária de 0 a 3 anos. Isso se deve ao fato de que houve um aumento no grau de conscientização e na quantidade de estudos sobre a importância do ambiente físico no qual ocorre o desenvolvimento infantil (Amatori, Maggiolini, 2021). O espaço, de fato, pode ser definido como um contexto educacional na medida em que cada objeto, cada palavra, cada gesto e cada relacionamento humano são tecidos e entrelaçados uns com os outros, tornando-se uma presença vital (Galardini, 2020). Os modelos educacionais mais significativos para a infância sempre levaram muito em consideração o papel do contexto, considerando-o complementar e não acessório para o sucesso da ação educacional. Esse tipo de visão já tem suas raízes nos escritos de John Dewey (1958), em que uma experiência é válida se levar a certas conexões, que - somente se tiverem significado - se tornam conhecimento. Também no pensamento de Maria Montessori, o ambiente educacional, quando livre de condições de repressão ou inibição do potencial das crianças, era um dos fatores mais importantes para tornar a criança uma construtora de si mesma. Dewey e Montessori foram os maiores expoentes da nova direção pedagógica que, sob o nome de “ativismo”, não colocava ideais ou modelos abstratos de comportamento no centro da atenção e do cuidado dos adultos, mas as próprias crianças. Ambos deram importância à atividade da criança (daí o termo “ativismo”) e enfatizaram que no centro da reflexão sobre a educação e as práticas educacionais deveria estar a atividade livre delas, destacando a importância de desenvolver uma nova consciência sobre a organização do espaço e a liberdade de movimento, tanto corporal quanto intelectual das crianças. As ideias desses autores influenciaram e continuam sendo uma referência fundamental para a educação infantil, no qual o cuidado com o contexto das relações sempre foi um canal fértil para que a criança deixasse de ser objeto de educação e passasse a ser um sujeito consciente, construtor junto com a comunidade de suas possibilidades de aprendizagem. Para Montessori, a educação começa no nascimento, perdura por toda a vida, e todo contexto educacional em que a criança está imersa se torna um educador em potencial. E é a partir da certeza de que não se pode conhecer bem um ser vivo a menos que o observemos em seu ambiente natural que Montessori desenvolveu a ideia de um “adulto observador” da criança em seu ambiente de vida (Montessori, 1948). Ela subverteu a visão da educação presente até sua época. Não é mais uma educação diretiva, centrada no adulto, que transmite noções teóricas, mas uma genuína “ajuda à vida”. Portanto, ela acredita que o melhor ambiente educacional deve ser um “espaço” onde a criança possa experimentar sua liberdade psíquica e liberdade de movimento, no qual ela possa encontrar as melhores condições para o desenvolvimento espontâneo. O espaço (físico ou social), por sua vez, para permitir essa liberdade de expressão da criança, deve ser preparado pelo adulto de forma a incentivar as experiências de aprendizagem. O espaço que educa indiretamente é, portanto, um dos pilares da pedagogia Montessori. O adulto não emite diretrizes para a criança, mas prepara conscientemente um ambiente para ela, com base em uma observação cuidadosa (Montessori, 2017). Outros autores também estavam convencidos disso, como Dewey (1951, p. 10, tradução nossa) escreveu:

A única maneira pela qual os adultos controlam conscientemente o tipo de educação que as pessoas imaturas recebem é controlando o ambiente em que elas agem e, portanto, pensam e sentem. Nunca educamos diretamente, mas indiretamente por meio do ambiente. O fato de permitirmos que o ambiente faça esse trabalho casualmente ou de projetarmos o ambiente para esse fim faz uma grande diferença.

Nas crianças, o desenvolvimento adequado das atitudes e disposições necessárias para a vida ocorre não por meio da “transmissão direta de crenças, emoções e conhecimento, mas pela mediação do ambiente” (Dewey, 1951, p. 11).

Com relação ao projeto pedagógico do ambiente físico, o importante para Montessori é que o espaço seja acolhedor, ou seja, bonito e, ao mesmo tempo, livre de coisas supérfluas. A beleza não está em um ambiente artificial cheio de objetos, mas sim na essencialidade. O mobiliário de um ambiente educacional, para Montessori, deve ser adequado às crianças e os espaços devem ser acolhedores e agradáveis, de modo que permitam que as crianças se movimentem livremente para fazer seu trabalho de forma independente. As crianças devem ter a oportunidade de cuidar de si mesmas e ter respeito por elas, juntamente com seus colegas. Todas essas “[...] ocupações acessíveis a crianças pequenas que [...] podem se relacionar tanto com o cuidado da pessoa quanto com o cuidado do ambiente” foram definidas por Montessori como atividades da vida prática (Montessori, 1956). Por esse motivo, o material proposto para as crianças nesses momentos é sempre colocado à prova, em primeiro lugar, pela experiência direta que ele è convidado a fazer.

O próprio Malaguzzi, vários anos depois, enfocou a importância do espaço na infância, definindo-o como o “terceiro educador”. Desde os primeiros momentos de sua experiência nas instituições de Educação Infantil de Reggio Emilia, na Itália, para Malaguzzi, o ambiente e as complexas interações refletidas nele foram fundamentais para o projeto do ambiente escolar. Várias reflexões levaram à criação de um espaço o mais adequado possível para o desenvolvimento das habilidades cognitivas das crianças, começando pela definição de Dewey de educação intencional: “Educação intencional significa um ambiente especialmente selecionado, a seleção é feita com base em materiais e métodos que promovem especificamente o crescimento na direção desejada” (Dewey, 1951, p. 11). A partir dessa reflexão, fica claro que há uma estreita relação entre a qualidade do espaço e a do aprendizado como argumentou Malaguzzi: “A educação é uma questão de interações complexas, muitas das quais ocorrem apenas se o ambiente também participar delas”. “Mestre ambiente”, como Montessori (1956) o chamou, ou “terceiro educador”, como Malaguzzi o definiu, é evidente que, para responder ao direito à educação de qualidade, é necessário construir um novo contexto capaz de apoiar os processos em andamento para dar vida a um verdadeiro currículo de educação infantil de 0 a 3 anos centrado também no espaço de aprendizagem.

Assim, retorna a estreita relação entre ambiente e contexto. O contexto educacional toma forma em espaços e lugares que se tornam elementos essenciais da abordagem educacional, na qual o planejamento cuidadoso e bem pensado do ambiente não é mais insignificante. O ambiente fala e é lido em seus significados por aqueles que o observam, por meio de sua experiência profissional. Tudo adquire a mesma importância: a arquitetura da estrutura, as cores das paredes, os móveis, os materiais e sua disposição, o espaço aberto, os relacionamentos, a escuta e as linguagens. Esses espaços devem ser concebidos e projetados como parte integrante do plano urbano, de modo que não pertençam apenas à pedagogia e à arquitetura, mas que sejam abraçados por um contexto de relações que também entrelaçam a política, a cultura e a sociedade como um todo para construir uma comunidade educativa em conjunto.

3 PROJETANDO ESPAÇOS ADEQUADOS PARA CRIANÇAS DE 0 A 3 ANOS: FORMAÇÃO DE EDUCADORES

O papel que a formação contínua em serviço desempenha na profissionalização daqueles que trabalham em instituições educacionais para crianças é hoje um tópico no centro do debate nacional e internacional. Diversos estudos realizados nos últimos anos em vários países destacaram que o apoio ao desenvolvimento profissional do pessoal educacional, realizado por meio da oferta contínua de oportunidades de formação em serviço, representa um elemento que contribui significativamente para determinar a qualidade das instituições de educação de crianças de 0 a 3 anos e para desencadear processos de inovação nas práticas educacionais voltadas para as crianças e suas famílias. Também se referindo a esta pesquisa, documentos recentes de políticas europeias sobre sistemas de educação e cuidados na primeira infância recomendam que os estados-membros invistam na qualificação profissional dos educadores, garantindo a eles uma formação inicial adequada e caminhos estáveis de formação em serviço (European Education and Culture Executive Agency, 2019; European Union, 2021).

Na Itália, ao longo dos anos, onde as administrações municipais têm se mostrado mais atentas para garantir e melhorar a qualidade da oferta educacional dos serviços de cuidados infantis, investindo em educadores e coordenadores pedagógicos, a formação contínua em serviço tem se mostrado uma ferramenta poderosa para desenvolver novos conhecimentos e habilidades em torno dos cuidados, da educação infantil e para promover a disseminação de boas práticas. Com base nos documentos internacionais mencionados acima, a necessidade de investir na Educação Infantil tem sido enfatizada nos últimos anos. As intervenções destinadas a oferecer às crianças as melhores oportunidades de saúde e desenvolvimento cognitivo e sócio-relacional devem ter como objetivo fornecer apoio econômico, educacional e de serviços às famílias para que elas possam desempenhar suas funções parentais da melhor forma possível. Assim, as instituições de Educação Infantil de 0 a 3 anos se configuram como espaços fundamentais para garantir melhores oportunidades de crescimento para todos.

Dito isso, na pesquisa que estou apresentando, é necessário fazer referência ao novo plano trienal para a formação do pessoal educacional de Roma, que decorre precisamente da consciência da importância do papel que os serviços de 0 a 3 anos desempenham no crescimento das crianças e em suas perspectivas futuras. Ele se propõe a apoiar o valioso trabalho que esses profissionais realizam todos os dias, fornecendo-lhes ferramentas, habilidades e espaços adicionais para discussão. O objetivo é permitir que eles enfrentem o desafio de conceber as instituições de educação de crianças de 0 a 3 anos como os mais preciosos aliados na construção de uma sociedade mais justa e solidária, capaz de valorizar as diferenças, a identidade de cada pessoa e garantir melhores oportunidades para todos.

O objetivo da formação foi reconhecer a participação em pesquisas e a documentação de boas práticas como critérios para aprimorar e promover o profissionalismo por meio de métodos inovadores de aprendizagem. Além disso, a formação foi configurada como um ambiente de aprendizado contínuo, que promoveu uma oportunidade de crescimento e desenvolvimento profissional para toda a comunidade educativa. Tudo isso leva a pensar no planejamento de conteúdos, espaços materiais e imateriais: significa, portanto, refletir sobre a organização do conteúdo de ensino, a estruturação do espaço e do tempo, com o objetivo de apoiar as crianças no relançamento de seus interesses em direção a novas descobertas. Significa também contribuir, durante o período de formação, para o fortalecimento das capacidades internas e externas ligadas ao contexto em que os educadores trabalham. De fato, eles são chamados a se adaptar ao contexto de ação, a compreender as semelhanças e diferenças entre as diversas situações profissionais, a se comparar com os colegas sobre as estratégias educacionais implementadas e a avaliar a situação em sua complexidade.

A formação de educadores de 0 a 3 anos, portanto, proporciona mais competências, incluindo o fortalecimento da autoconfiança por meio da reflexão sobre suas práticas e sobre seu próprio trabalho. Também promove a capacidade de ampliar as perspectivas teóricas individuais, refletindo criticamente sobre as políticas educacionais e os objetivos das práticas realizadas nos diferentes serviços educacionais. Nos diferentes ambientes educacionais, a formação é realizada de acordo com o modelo de Pesquisa-Intervenção, pois oferece a oportunidade de os educadores questionarem criticamente o vínculo entre teoria e prática em seu trabalho diário. Dessa forma, eles são incentivados a reorganizar os espaços de serviço em que trabalham para torná-los mais adequados às crianças.

4 EXPERIÊNCIA EM FORMAÇÃO E METODOLOGIAS APLICADAS

A formação dos educadores dos serviços infantis de 0 a 3 anos (grupos educacionais de aproximadamente 15 pessoas) de algumas escolas do município de Roma envolveu uma parte teórica inicial sobre os tópicos de pedagogia infantil e planejamento de espaço, seguida de uma reflexão cuidadosa sobre as práticas educacionais com métodos de pesquisa-intervenção. Os grupos educacionais foram divididos em subgrupos de quatro educadores, que também foram solicitados a refletir sobre o planejamento de atividades educacionais de 0 a 3 anos e, em seguida, refletir sobre objetivos e regras implícitas ou explícitas nas ações e como elas podem variar entre os profissionais de um serviço. A atividade do grande grupo ao compartilhar as discussões, por outro lado, foi relacionada à exploração de um modelo real para projetar espaços educacionais.

Para vivenciar diretamente a “contaminação” e a “generatividade”, foram realizados intercâmbios: os educadores foram visitar e observar as atividades das creches de outros colegas e vice-versa. Essa experiência de campo foi acompanhada por uma folha, guia de orientação, sobre a observação de espaços, que possibilitou a análise detalhada de todas as semelhanças e diferenças entre os serviços. A formação continuada foi encerrada com um webinar em que os educadores foram os protagonistas de uma narrativa coletiva, o que possibilitou o relato de uma primeira experiência de contaminação de práticas educacionais de 0 a 3 anos como modelo de geração de novas atividades, que serão a base da continuidade educacional. Foi uma jornada complexa e com várias camadas, pois:

– envolveu vários aspectos do profissionalismo dos educadores (observação e auto-observação, planejamento, metodologias de ensino, trabalho em grupo, avaliação, etc.);

– comunicação em questão: o relacionamento das famílias com os serviços;

– iniciou um intercâmbio entre serviços educacionais com o objetivo de aprimorar a continuidade educacional.

Com base no mesmo concepção de formação, a experiência também se desenvolveu ao longo do tempo, dando continuidade e assumindo cada nova característica e modo organizacional em relação ao que estava acontecendo ou havia acontecido, ao que foi aprendido, às novas necessidades que surgiram gradualmente, à iniciativa e contribuição criativa dos educadores e professores envolvidos.

A proposta de formação implementada foi o seguinte:

  • – Identificação de tema, escopo, conteúdo, com base em necessidades e objetivos compartilhados pelos educadores (com relação a si mesmos e ao trabalho com crianças);

  • – Encontro inicial do tipo workshop, baseado na relação circular entre experiência, reflexão e aprofundamento teórico-metodológico e trabalho em grupo;

  • – Acompanhamento no projeto e na identificação de métodos e ferramentas para observação/avaliação contínua (com relação à eficácia do que é proposto);

  • – Implementação de propostas educacionais e organizacionais para espaços de 0 a 3 anos;

  • – Reuniões sistemáticas (mensais) para compartilhamento, aprofundamento e reflexão em grupo;

  • – Visitas às instituições de Educação Infantil de 0 a 3 anos para observar a organização dos espaços;

  • – Observação de campo feita pelo proponente da atividade formativa para examinar os métodos de trabalho e a organização dos espaços educacionais de 0 a 3 anos;

  • – Preenchimento de um questionário pelos educadores sobre a rota percorrida;

  • Webinar sobre o retorno da formação e intercâmbios de observação nas instalações 0-3 feita pelos educadores.

O questionário sobre a rota percorrida respondido pelos educadores foi aplicado por meio do Google Forms e envolveu 80 profissionais – trabalhadores das instituições de atendimento 0 a 3 – e revelou elementos particularmente interessantes sobre a experiência de formação e a concepção de espaço. A primeira parte do questionário refere-se a dados gerais (gênero, idade, função, estrutura, anos de experiência no trabalho). Deve-se observar que 97,4% da amostra coletada tinha experiência de trabalho na faixa de 3 a 5 anos. A próxima seção do questionário tratava de perguntas específicas de múltipla escolha e abertas sobre a dimensão do espaço em serviços educacionais de 0 a 3 anos.

5 REFLEXÕES E RESULTADOS

Com relação ao questionário aplicado, acho que é útil relatar os resultados com relação a algumas perguntas específicas que enfocam: a) a concepção de “espaço” e seu papel no processo educacional; b) as ideias dos educadores com relação à formação que receberam.

Com relação a uma das perguntas – Indique o quanto você concorda com a seguinte consideração: “A escolha dos espaços reflete as escolhas pedagógicas da instituição de ensino”, foram coletadas as seguintes porcentagens de respostas: 57,9% concordam muito, 36,8% bastante e 5,3% um pouco. Abaixo estão alguns dos motivos mais interessantes para essas escolhas argumentadas no questionário:

  • – “O educador é responsável por criar o ambiente de desenvolvimento após observação cuidadosa, planejamento e escolha de materiais.”

  • – “Os espaços são funcionais para os objetivos que o grupo educacional estabelece. Não existem espaços bem estruturados sem uma direção precisa para onde se quer ir. Organizar um espaço de acordo com critérios precisos significa oferecer à criança a oportunidade de evoluir diariamente em direção ao objetivo educacional escolhido.”

  • – “O planejamento e a organização dos espaços na creche constituem um aspecto fundamental da ação educacional. O ambiente é o lugar onde se dão as relações educativas, o contexto carregado de significados afetivos, de conotações educativas e formativas, o espaço dos afetos, onde o que conta é o que se sente dentro dele, onde se desenvolvem experiências, memórias, afetos, por meio dos quais a criança experimenta e constrói sua identidade. No espaço se cresce e se educa.”

  • – “A escolha, o design e a organização dos espaços devem refletir as escolhas pedagógicas feitas por todas as figuras que trabalham nos serviços educacionais (levando em conta as indicações contidas nos documentos do programa de referência e as motivações por trás delas), para que haja uma coerência real entre os princípios teóricos e a prática educacional.”

  • – “O ambiente molda nosso cérebro. Os espaços influenciam o aprendizado e é fundamental entender como projetá-los. Eles devem ser funcionais para o crescimento e o desenvolvimento da identidade, da autonomia, dos interesses e das habilidades da criança.”

  • – “É fundamental porque influencia o aprendizado das crianças. Espaços seguros e acolhedores incentivam a participação ativa e a criatividade, levando a uma experiência educacional mais eficaz e estimulante.”

As respostas à pergunta seguinte são muito interessantes para refletir sobre o espaço: “Em sua opinião, quais aspectos uma boa organização do espaço pode promover mais claramente?” Abaixo, estão alguns dos motivos mais relevantes do ponto de vista educacional apresentados pelos entrevistados:

  • – “Uma boa organização dos espaços pode promover uma multiplicidade de aspectos, inclusive aqueles relacionados à auto-organização das atividades e à autonomia da criança, sendo que autonomia significa não apenas a capacidade de “fazer por si mesmo”, mas também a “autoconsciência no ambiente” (Bateson). Desse ponto de vista, o ambiente deve ser estruturado de forma clara, legível e com materiais de fácil acesso, levando em conta as necessidades e os interesses que se pretende promover e apoiar nas crianças.”

  • – “Não se pode promover a autonomia de uma criança sem lhe dar liberdade. Só se pode oferecer à criança a liberdade de experimentar e, portanto, a conquista da autonomia, se o espaço no qual ela pode se mover tiver sido estruturado mais do que ad hoc. A antecâmara da autonomia é a responsabilidade por um espaço bem organizado.”

  • – “A definição de cantos precisos com mobiliário reconhecível ajuda os pequenos a se orientarem e a reconhecerem as diferentes atividades enquanto experimentam sua própria identidade. Portanto, os espaços do berçário devem ser diversificados para permitir diferentes oportunidades, estar em grupos ou sozinho, explorar e desenvolver a autonomia.”

Com relação à outra questão sobre a estruturação dos espaços ser variada ao longo do ano, levando em conta o planejamento e em relação ao desenvolvimento, potencial e interesses de cada criança e do grupo as respostas indicaram que 54,4% da amostra pesquisada concordou muito, 33,3% concordou razoavelmente e 12,3% concordou ligeiramente.

A partir da comparação com os participantes do curso de formação ao final da ação, surge a atribuição de um forte significado à dimensão do espaço que se refere à busca de coerência no berçário, com relação às ideias que representam a peculiaridade de uma pedagogia da infância que garantem o respeito às necessidades fundamentais das crianças em seus primeiros anos. É uma coerência nas propostas, no comportamento, nas relações que também facilita o relacionamento com a família, que é tranquilizada por essa aliança de intenções. Há exemplos muito estimulantes nessa direção sobre o planejamento do espaço das instituições de Educação Infantil de 0 a 3 anos, mas sabemos que há outros passos a serem dados para garantir a qualidade e a inclusão de todos os meninos e meninas.

6 CONCLUSÕES

Organizar o espaço educacional em creches significa, como afirma Buccolo (2024, p. 693),

[...] combinar a necessidade de intimidade/segurança emocional da criança com a necessidade de exploração/descoberta. Nesse sentido, o espaço se qualifica como um lugar intencionalmente conotado, acolhedor, acessível, legível e funcionalmente diferenciado.

A organização do espaço deve favorecer e apoiar a multiplicidade e a qualidade dos relacionamentos, aprimorar a dimensão de pequenos grupos e prestar atenção especial à possibilidade de a criança poder reconstruir sua própria esfera privada e pessoal (Restiglian, 2012). Este texto teve como objetivo apresentar a evolução do conceito de espaço na Educação Infantil de 0 a 3 anos, referindo-se às elaborações teóricas e aos modelos educacionais dos principais estudiosos do assunto. Esse quadro histórico constituiu o paradigma científico de referência para a concepção da pesquisa aqui apresentada. A experiência do curso de formação de educadores da infância de 0 a 3 anos configurou-se como formação em serviço e proporcionou espaços para a reflexão individual e coletiva sobre si mesmo, suas próprias práticas, como elas se cruzam com as dos outros e são realizadas nos contextos de trabalho. Nesse sentido, a experiência implementada não assume a forma de um “curso de atualização teórica”, pois prevê uma relação circular entre a formação em sala de aula na forma de oficinas e a formação por meio da prática no trabalho diário com as crianças. Dessa forma, os educadores são acompanhados e apoiados nos processos de inovação consciente da prática e na reflexão em grupo sobre o que está acontecendo, aprofundando gradualmente e apoiando para si as teorias e os métodos para trabalhar intencionalmente. Nesses caminhos, a observação e a documentação em suas diversas formas (relatos narrativos escritos, documentação fotográfica e em vídeo) representam ferramentas privilegiadas para promover processos de reflexão e para orientar os conteúdos e métodos de confronto colegiado. O uso desses procedimentos, de fato, estimula os educadores a construírem uma representação compartilhada e tangível dos processos educacionais em ação na vida diária dos serviços, a tornarem suas práticas visíveis e, com base nisso, a examinarem e discutirem juntos seus efeitos sobre a experiência das crianças. Por fim, a perspectiva da educação dos espaços de aprendizagem nos serviços de 0 a 3 anos é indispensável na concepção das práticas atuais de educação infantil, conforme indicado pelos principais documentos internacionais e nacionais. A partir da experiência apresentada, portanto, emerge a necessidade de continuar investindo na formação de educadores e famílias para promover o crescimento humano e social e projetar juntos espaços favoráveis à criança para garantir a acessibilidade e o direito à aprendizagem.

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Recebido: 10 de Setembro de 2024; Aceito: 18 de Fevereiro de 2025

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