Introdução
Os processos sociais, culturais, políticos e econômicos emaranhados na globalização e na modernidade recente são mediados por discursos e pela compressão de tempo/espaço, sendo que estes últimos são, por sua vez, mediados pelas tecnologias de informação e comunicação (TICs). No atual contexto de superdiversidade que vivemos (VERTOVEC, 2007, 2019), indivíduos transitam entre fronteiras físicas (atualmente, com menor frequência do que antes da pandemia) e fronteiras virtuais, onde a linguagem ocupa um espaço de destaque, atuando nos fluxos de pessoas, informações e bens. Esses fluxos são também acelerados pela globalização e pelas TICs.
Diante das intensas trocas promovidas pela globalização, que afetam diferentemente países do mundo todo, beneficiando mais aqueles no hemisfério Norte (VAVRUS; PEKOL, 2015; FINARDI; GUIMARÃES, 2020) ou do Norte Global1 (SANTOS, 2011), é importante discutir o cenário sociolinguístico (e geopolítico) da língua portuguesa em virtude das mudanças econômicas, políticas, sociais, culturais e tecnológicas (entre outras), construídas por meio das práticas de internacionalização e dos discursos e línguas que circulam em redes físicas e virtuais - redes nas quais os usuários de línguas constroem suas identidades e significados. Nesse sentido, observamos estudos que têm discutido o papel do português no século XXI, assim como o cenário sociolinguístico e geopolítico no qual o português atua, tais como Moita Lopes (2013), Oliveira (2013), Signorini (2013), Fabrício (2013), Bagno (2013) e Lagares (2013), para ampliar esse debate no contexto da internacionalização do ensino superior.
Considerando que a globalização afeta a (e também é afetada pela) internacionalização, definida como o processo intencional de integrar uma dimensão internacional, intercultural ou global ao propósito, funções e oferta de ensino superior, de modo a melhorar a qualidade da educação e da pesquisa, para todos os estudantes e funcionários, e trazer uma contribuição significativa para a sociedade (DE WIT et al., 2015) e apesar da ressalva já feita por Knight (2011) e De Wit (2011) de que a internacionalização não se limita à mobilidade acadêmica, é possível observar um aumento notável na mobilidade acadêmica estudantil2 nas últimas décadas antes da pandemia. Essa mobilidade tem impulsionado mais de 4 milhões de alunos para efetuar seus estudos fora de seus países de origem e faz com que (cada vez mais) acadêmicos de origens culturais e linguísticas diferentes estejam em contato, resultando em desafios para as instituições que acolhem esses acadêmicos, bem como para todos os envolvidos nesses contatos interlinguísticos e interculturais.
Depois da eclosão da pandemia, a qual limitou o trânsito internacional de pessoas e impôs uma nova configuração para oferta do ensino superior (em geral) e dos programas de mobilidade acadêmica (em particular), essas trocas interlinguísticas e interculturais se intensificaram ainda mais, só que agora no contexto virtual. Segundo Finardi e Guimarães (2020), antes da pandemia, a mobilidade acadêmica era restrita a um pequeno número de estudantes de elite, indo do Sul Global em direção ao Norte Global. Após a pandemia, esse modelo de internacionalização e de mobilidade acadêmica foi substituído pela mobilidade acadêmica virtual, promovida pelas TICs e pela inclusão de diferentes atores e línguas, com uma aparente ‘horizontalização’ e ampliação das relações entre países, universidades, línguas e acadêmicos no mundo todo.
Programas de mobilidade acadêmica para o Brasil como o PEC-G3 (Programa de Estudantes-Convênio de Graduação), o PEC-PG4 (Programa de Estudantes-Convênio de Pós-graduação) e o PAEC-OEA5 (Programa de Alianças para Educação e Capacitação, da Organização dos Estados Americanos) têm promovido a vinda de estudantes estrangeiros há décadas para instituições de ensino superior (IES) brasileiras. Tais programas exigem que seus participantes comprovem conhecimento da língua portuguesa e/ou participem de programas de desenvolvimento de proficiência linguística em português quando chegam ao Brasil.
Mais recentemente, o programa de internacionalização institucional denominado ‘Capes PrInt’, focado na pós-graduação, tem promovido também a mobilidade acadêmica de brasileiros para o exterior e de estrangeiros para o Brasil, com a diferença de que esse programa não exige comprovação de proficiência em português para os estrangeiros que vêm ao Brasil. Esse detalhe é relevante porque representa uma evidência da visão que o Capes PrInt tem a respeito do papel do português, nas trocas internacionais e no processo de internacionalização como um todo.
Cabe destacar que, além desse movimento de estudantes rumo ao Brasil, ultimamente também se observa um movimento de imigrantes e refugiados em busca de melhores condições de vida e trabalho, tal como apontado por Câmara (2014) e Camargo e Hermany (2018), provenientes principalmente de países do Sul Global como Venezuela, Haiti, Paquistão, Síria, Angola, Senegal, Congo e Gana - e tendo como destino principal as regiões Norte, Sudeste e Sul do Brasil. Tais imigrantes muitas vezes enfrentam situações de xenofobia, condições de vida precárias e pressão do tráfico internacional de pessoas. Considerando o importante papel que a educação (em geral) e as instituições de ensino superior (em particular) têm no acolhimento e integração dessas populações de migrantes forçados, há que se considerar políticas de promoção de cursos de PLE para essas populações.
Diante desse intenso fluxo de pessoas, IES no Brasil têm enfrentado muitos desafios para lidar com o acolhimento dessas populações de estudantes estrangeiros, imigrantes e refugiados. Um dos maiores desafios nesse acolhimento diz respeito à oferta de cursos de português como língua estrangeira (PLE), a fim de permitir uma melhor integração e participação dessas pessoas, por meio da língua, na sociedade brasileira.
Dito isso, o presente estudo pretende discutir a atual oferta de PLE em IES brasileiras, desde o ponto de vista do processo de internacionalização. Com esse objetivo, apresentamos uma breve revisão de literatura sobre PLE e sua conexão com processos de internacionalização no Brasil para, em seguida, apresentar a metodologia usada no estudo. Assim, o problema de pesquisa envolve o levantamento da atual oferta de PLE em IES brasileiras, para discutir sua relação com o processo de internacionalização do ensino superior no Brasil. A fim de alcançarmos esse objetivo, o estudo adotou uma metodologia qualitativa de pesquisa, incluindo uma revisão da literatura relevante nas áreas de PLE e internacionalização, um levantamento da oferta de PLE, via questionário eletrônico, e uma análise de dados realizada com apoio do software MS-Excel, para comparar as respostas ao questionário com a literatura revisada.
Revisão de Literatura
A temática de PLE tem sido discutida por vários autores como Berber-Sardinha (1999), Dell’Isola et al. (2003), Almeida (2004), Gualda (2009), Salles, Holderbaum e Finger (2010), Moita Lopes (2013), Oliveira (2013), Signorini (2013), Fabrício (2013), Bagno (2013), Lagares (2013) e Aguiar e Albuquerque (2014). Quanto aos aspectos principais abordados nesses estudos, Berber-Sardinha (1999) usou procedimentos de linguística de corpus para tratar do ensino de português como língua estrangeira, concluindo que os materiais didáticos existentes eram inadequados porque não traziam exemplos autênticos da língua portuguesa. Já Dell’Isola et al. (2003) discutiram a avaliação de proficiência em PLE por meio do teste Celpe-Bras6, concluindo que existe uma crescente demanda por esse teste, que influencia o ensino de PLE no Brasil e no exterior.
Almeida (2004) revisou o papel do português no mundo, destacando as influências da globalização e da circulação de bens/serviços sobre a língua portuguesa. Gualda (2009) discutiu materiais didáticos usados em cursos de PLE, focando na construção de discurso e identidade nesses materiais. Salles, Holderbaum e Finger (2010) fizeram um estudo comparativo sobre brasileiros monolíngues e estrangeiros falantes de português. Já Aguiar e Albuquerque (2014) analisaram um projeto de extensão que visa a integração de estrangeiros no contexto acadêmico, por meio do ensino/aprendizagem de PLE para falantes de outras línguas.
Além desses autores, estudos como o de Guimarães (2020) apontam para a crescente importância de PLE para o desenvolvimento do multilinguismo, no contexto de internacionalização de universidades federais e De Wit, Leal e Unangst (2020) destacam a relação entre internacionalização e justiça social, focando na análise de projetos para integração de refugiados e populações deslocadas no Brasil. Esses autores enfatizam a autonomia das IES brasileiras no desenvolvimento de estratégias de internacionalização que busquem promover a justiça social, além de destacar a importância de ações/políticas dessas IES para o acolhimento de grupos marginalizados, em suas políticas institucionais de internacionalização.
Como discutido por diversos autores, dentre os quais destacamos Lima e Maranhão (2009); Leite e Genro (2012); Baumvol e Sarmento (2016); Miranda e Stallivieri (2017); Streck e Abba (2018); Ramos (2018); Morosini e Corte (2018); Guimarães, Finardi e Casotti (2019); Guimarães e Kremer (2020), a importância dos idiomas para processos de internacionalização nas IES brasileiras é inquestionável. Tomados em conjunto, esses estudos apontam para a importância dos idiomas na internacionalização, processo no qual o Brasil atua de forma passiva, ao focar na recepção de estrangeiros do Sul Global e enviar brasileiros ao Norte Global, promovendo o inglês como ‘língua acadêmica internacional’. Além disso, esses autores destacam a centralidade das línguas para a educação e a internacionalização, principalmente quando elas são usadas como meio de instrução, tal como discutido por Spolsky (2004) e evidenciado em diversos contextos como o Brasil e Turquia (TAQUINI; FINARDI; AMORIM, 2017), e Brasil e Bélgica (GUIMARÃES; KREMER, 2020), para dar apenas dois exemplos.
Considerando a estreita relação entre línguas e o processo de internacionalização destacado na literatura da área (por exemplo, FINARDI; SANTOS e GUIMARÃES, 2016), neste estudo focamos especificamente no papel do PLE nesse processo. Os principais programas de internacionalização na atualidade, com destino ao Brasil, como o PEC-G, PEC-PG e PAEC-OEA, atraem centenas de estudantes internacionais, provenientes (principalmente) da América Latina e da África, que têm o espanhol, francês e inglês como línguas maternas e/ou oficiais, demandando das universidades brasileiras a oferta de PLE, já que a grande maioria das disciplinas nas universidades brasileiras é ofertada apenas em português. Embora recebamos estudantes estrangeiros provenientes de nações da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) como Angola, Cabo Verde e Moçambique, faz-se necessária a oferta de PLE para atender aos usuários de outros idiomas.
A estreita relação entre línguas e internacionalização pode ser expandida e aprofundada para incorporar o conceito de ‘Internacionalização em Casa’ (IeC), que compreende a integração proposital de dimensões internacionais e interculturais ao currículo formal e informal, para todos os estudantes, em ambientes locais de aprendizagem (BEELEN; JONES, 2015). Diferente da visão de internacionalização como mobilidade acadêmica, geralmente traduzida no envio de estudantes do Sul para o Norte Global e para países anglófonos (DE WIT, 2020), o conceito de IeC tem um grande potencial para desenvolver e ampliar as trocas entre IES, promovendo uma internacionalização mais inclusiva e justa, desde o ponto de vista social.
Definições e conceitos ‘clássicos’ e/ou ‘globais’ de internacionalização foram propostos e/ou discutidos por autores como Knight (2003), Altbach (2004), De Wit et al. (2015) e Morosini e Ustárroz (2016), para citar apenas alguns. Entretanto, a aplicação ‘local’ desses conceitos varia muito em cada contexto. Considerando que a maior parte desses autores supramencionados são do Norte Global, nos atentamos a Leal e Moraes (2018) na proposta de aproximar a perspectiva epistemológica latino-americana (e.g. LEAL, 2020) ao campo teórico da internacionalização, reconhecendo as raízes epistêmicas e condicionalidades históricas da internacionalização no Brasil. Nesse sentido e neste estudo, propomos olhar a internacionalização com base nas evidências desse processo no contexto brasileiro, por meio da análise das políticas linguísticas (e.g. GUIMARÃES, 2020) e dos programas de internacionalização como o Capes PrInt, PEC-G, PEC-PG e PAEC-OEA.
No Brasil, a internacionalização teve impulso com o programa ‘Ciência sem Fronteiras’ (CsF), que funcionou entre 2011 e 2017 enviando mais de 100 mil estudantes (com foco na graduação) para o exterior. O programa sofreu várias críticas e teve vários problemas, entre os quais destacamos questões de baixa proficiência em idiomas (em geral) e no inglês (em particular) dos participantes do programa, tendo induzido a criação de outros programas nacionais para lidar com essas questões (FINARDI; ARCHANJO, 2018). O programa ‘Inglês sem Fronteiras’ (IsF-Inglês), criado em 2012 para sanar esse déficit na proficiência dos estudantes brasileiros candidatos ao CsF, foi posteriormente ampliado para incluir outros idiomas além do inglês e rebatizado como ‘Idiomas sem Fronteiras’ (IsF) em 2014. O foco do IsF nesse período foi oferecer oportunidades de desenvolvimento de proficiência em idiomas, inclusive no PLE, por meio de aulas presenciais, cursos on-line e testes de proficiência.
Em 2017 o programa ‘Capes PrInt’ foi criado, em parte para tentar sanar os problemas identificados no CsF, focando agora na internacionalização institucional, em nível de pós-graduação. Esse programa prevê tanto a mobilidade de brasileiros ao exterior quanto a mobilidade de estrangeiros para o Brasil, focando mais na promoção da IeC, com a oferta de cursos em inglês (EMI) na pós-graduação e com oferta de ações de PLE para acolhimento de acadêmicos internacionais, como pode ser visto no Guia EMI publicado pela Faubai e Conselho Britânico7.
É importante notar que, apesar de o programa Capes PrInt exigir uma comprovação de proficiência em línguas estrangeiras dos brasileiros que vão ao exterior por esse programa, essa mesma exigência não se aplica aos estrangeiros que vêm ao Brasil, de maneira que não há uma reciprocidade nas relações quanto ao uso de diversas línguas estrangeiras e do PLE nesse programa. Podemos entender essa falta de reciprocidade como evidência de uma política linguística implícita em relação ao PLE e uma visão enviesada dos idiomas, menosprezando o papel do português como língua acadêmica e de internacionalização.
De forma a ampliar o debate sobre a relação entre línguas e internacionalização, o presente estudo fez um levantamento da situação atual de oferta de cursos de PLE em IES brasileiras para, em seguida, discutir essa oferta desde a perspectiva do processo de internacionalização no Brasil. No que segue, a metodologia empregada no estudo será descrita.
Metodologia
Para analisar a relação entre PLE e internacionalização em IES brasileiras, esta pesquisa partiu da seguinte pergunta: Como se dá a oferta de cursos de português como língua estrangeira (PLE) em instituições de ensino superior (IES) no Brasil atualmente? A fim de responder essa pergunta, uma revisão de literatura relevante foi realizada e comparada com um levantamento da oferta de cursos PLE em IES brasileiras, usando um questionário eletrônico aplicado em agosto de 2020. O questionário foi pilotado com professores que trabalham com PLE em contextos universitários e o modelo calibrado (após a pilotagem) pode ser visto no Apêndice deste artigo. O questionário contém 14 perguntas de resposta aberta, dicotômica, múltipla escolha e resposta única.
Os convites para participar desse questionário eletrônico foram enviados por e-mail para 448 endereços, coletados nas páginas de internet de instituições como Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), Faubai (Associação Brasileira de Educação Internacional) e INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), além de páginas de universidades federais - páginas essas que reúnem contatos de profissionais que trabalham com a temática de PLE no Brasil. Dos 448 e-mails enviados, tivemos um retorno de 60 respondentes de IES localizadas nas cinco regiões brasileiras. No que segue, apresentamos os resultados do questionário, antes de sua discussão à luz da literatura estudada. Para análise dos dados coletados com o questionário foi utilizado o software MS-Excel, comparando os dados com a literatura analisada.
Resultados
A pergunta 1 (e-mail) foi incluída para coletar os endereços de correio eletrônico dos participantes, de forma a evitar respostas duplicadas, no momento de processamento dos dados. A pergunta 2 do questionário se refere à região brasileira na qual a instituição do participante está situada e os dados apontam para uma predominância de participantes da região Sul (37%) e Sudeste (32%), tal como se pode ver no Gráfico 1. Esses dados sugerem uma concentração de cursos de PLE nessas regiões, sendo que também são as regiões que mais concentram IES, tal como indicado no Censo da Educação Superior8.
A pergunta 3 se refere à unidade da federação (UF) na qual a instituição dos participantes está situada. Nota-se uma predominância de Minas Gerais (10), Rio Grande do Sul (9), Paraná (7), São Paulo (7) e Santa Catarina (6), tal como indicado na Tabela 1. Esses dados sugerem que a oferta de cursos de PLE está concentrada nessas UF. Importante notar que essa predominância deve ser relativizada, em virtude do número de IES em cada UF (por exemplo, Minas Gerais possui 22 instituições federais). Dito isso, notamos que a predominância de instituições do Sul e Sudeste permanece.
UF | Qtde. | UF | Qtde. | UF | Qtde. |
---|---|---|---|---|---|
Acre | 0 | Maranhão | 0 | Rio de Janeiro | 2 |
Alagoas | 0 | Mato Grosso | 1 | Rio Grande do Norte | 2 |
Amapá | 0 | Mato Grosso do Sul | 0 | Rio Grande do Sul | 9 |
Amazonas | 1 | Minas Gerais | 10 | Rondônia | 0 |
Bahia | 2 | Pará | 1 | Roraima | 0 |
Ceará | 1 | Paraíba | 2 | Santa Catarina | 6 |
Distrito Federal | 4 | Paraná | 7 | São Paulo | 7 |
Espírito Santo | 0 | Pernambuco | 2 | Sergipe | 1 |
Goiás | 1 | Piauí | 1 | Tocantins | 0 |
Total | 60 |
Fonte: dados da pesquisa.
A pergunta 4 solicitava a indicação da sigla/nome da instituição na qual o participante atua, de forma a identificar se havia mais de um respondente por instituição. Houve mais de um participante nas seguintes instituições: IFSC (2); UFPE (2); UFPEL (2); UFSC (2); UFTM (2); UnB (4); UTFPR (3). É importante considerar o porte das IES com mais de um respondente, como é o caso da UnB (4 respondentes), a qual congrega mais de 38 mil pessoas, quando comparada à UFPEL (2 respondentes), a qual reúne cerca de 19 mil pessoas. As instituições participantes constam no Quadro 1.
Centro Paula Souza | UEFS | UFJF | UFRJ | UnB |
FAE Centro Universitário | UEM | UFLA | UFRN | UNESPAR |
FURB | UESC | UFMG | UFS | UNICRUZ |
FURG | UESPI | UFMT | UFSC | UNIFAL |
IFAM | UFABC | UFOP | UFSJ | UNIFESP |
IFPB | UFCSPA | UFPA | UFSM | UNILA |
IFSC | UFERSA | UFPB | UFTM | UNILAB |
IFSP | UFF | UFPE | UFU | UNISC |
PUC-SP | UFFS | UFPEL | UFV | USF |
UCS | UFG | UFRGS | UNAERP | UTFPR |
Fonte: dados da pesquisa.
A pergunta 5 visa averiguar a existência de oferta de cursos de PLE na instituição dos participantes. Os dados apontam que 87% (Sim) das instituições ofertam cursos de PLE, contra 13% (Não) das instituições que não ofertam cursos de PLE, confirmando a relevância dos cursos de PLE no contexto das IES brasileiras.
A pergunta 6 sobre a regularidade na oferta de cursos de PLE mostrou um predomínio na oferta semestral de cursos (67%), possivelmente coincidindo com o calendário acadêmico da graduação/pós-graduação nas IES onde os cursos são ofertados, tal como indicado no Gráfico 2. A categoria ‘outra’ (2%) incluiu respostas como: bimestral; quadrimestral; e sob demanda.
A pergunta 7 sobre a carga horária média dos cursos de PLE mostrou que a maior parte (46%) dos cursos é de 60 horas, ainda que a categoria ‘outras’ (26%) aponte para uma variedade na carga horária dos cursos ofertados (por exemplo: 16h, 32h, 48h, 64h, 350h, 720h e 932h), tal como indicado no Gráfico 3.
A pergunta 8 averigua a quantidade de níveis de proficiência dos cursos oferecidos sendo que boa parte (31%) das respostas aponta para 3 níveis de proficiência, ainda que a categoria ‘outros’ (54%) inclua uma variedade nos níveis de proficiência (por exemplo: 1 nível, 2 níveis, 4 níveis, 5 níveis, 8 níveis), conforme se pode ver no Gráfico 4.
A pergunta 9, sobre o material didático usado nos cursos de PLE, mostra uma predominância (63%) no uso de materiais desenvolvidos pela própria instituição onde o curso é ofertado, tal como se pode ver no Gráfico 5. A categoria ‘outros’ (2%) incluiu respostas como uma combinação de materiais (material desenvolvido na IES mais material fornecido por terceiros).
A pergunta 10 analisa o uso de material didático, produzido por terceiros, nos cursos de PLE, sendo que os seguintes materiais foram mencionados: Bem-vindo (a língua portuguesa no mundo da comunicação); Brasil Intercultural; Clica Brasil; ETEC Idiomas; Falar, ler e escrever Português; Fale Português; Horizontes; Learning Portuguese; Mão na massa; Muito prazer; Avenida Brasil; Oi Brasil!; Pátria Brasil; Terra Brasil; e Viva!
Quanto à pergunta 11, sobre o setor da instituição por meio do qual os cursos são ofertados, nota-se uma predominância do Departamento de Letras (DL ou equivalente) com 60% das respostas, conforme se pode ver no Gráfico 6. O setor de relações internacionais (RI) também tem uma participação considerável (31%), mostrando uma relação entre línguas e internacionalização. Já a categoria ‘outros’ (2%) inclui respostas como: oferta conjunta (DL + RI); Idiomas sem Fronteiras; núcleos, centros ou institutos de idiomas nas IES; Pró-reitoria de Extensão; Pró-reitoria de Pesquisa; e projetos de extensão.
Com relação à pergunta 12, sobre o tipo de professor que atua nos cursos de PLE, nota-se uma prevalência de bolsistas9 (51%) e voluntários (31%), tal como se pode ver no Gráfico 7. Este dado é relevante porque reflete o nível de importância dado à oferta de PLE pelas instituições, relegada em 82% a bolsistas e voluntários, que não responderiam à instituição como professores efetivos. Esse dado pode refletir também a falta de formação específica em PLE nos cursos de Letras10. A categoria ‘outros’ (2%) incluiu respostas como: professores efetivos; professores concursados; professores do quadro permanente; professores titulares; professores contratados; alunos dos cursos de Letras; professores efetivos com apoio de estagiários.
Quanto à pergunta 13, sobre a quantidade de professores que atuam nos cursos de PLE, destacam-se equipes pequenas de professores, como no caso de 1 professor (20%), 2 professores (13%) ou 3 professores (24%), tal como se pode ver no Gráfico 8. A categoria ‘outras respostas’ (29%) incluiu respostas como: 6 professores; 10 professores; 12 professores; e 20 professores (apenas 1 instituição possui essa quantidade).
A última questão, pergunta 14, sobre o público-alvo para o qual os cursos de PLE são ofertados, mostrou um predomínio na oferta de cursos para alunos de pós-graduação em geral (52%), como se pode verificar no Gráfico 9. Novamente podemos ver uma relação entre línguas (no caso, PLE) e internacionalização, considerando que atualmente o único programa nacional de internacionalização (Capes PrInt) tem foco na pós-graduação. A categoria ‘outros’ (2%) incluiu respostas como: comunidade externa (estrangeiros no Brasil, em geral), imigrantes, refugiados; alunos de graduação e intercambistas.
Diante desses resultados, obtidos por meio do questionário eletrônico para o levantamento da oferta de cursos de PLE no Brasil, na próxima seção discutimos os principais achados desta pesquisa, contrastando a literatura revisada com os dados do levantamento.
Discussão
A concentração de cursos de PLE em determinadas regiões, principalmente no Sudeste (32%) e Sul do Brasil (37%), aponta para uma necessidade de investimento e capacitação de mais professores (tendo em vista que poucas IES ofertam formação em PLE), de forma a expandir a oferta de cursos de PLE nas demais regiões e atender a uma demanda reprimida que pode haver ali.
Cabe destacar que a região Sudeste, a qual concentra boa parte dos cursos de PLE, não faz fronteira com outros países, enquanto que a região Norte faz fronteira com outras nações (por exemplo: Guiana Francesa, Suriname, Guiana, Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia), demandando assim mais cursos de PLE, de maneira a acolher as pessoas advindas de recentes fluxos migratórios desses países para o Brasil. Entretanto, se pensamos na mobilidade acadêmica para o Brasil, entendemos que a concentração de cursos de PLE no Sudeste e Sul se relaciona com os destinos mais procurados no Brasil por estrangeiros, sugerindo uma relação entre PLE e internacionalização, principalmente no caso da IeC e da mobilidade acadêmica para o Brasil.
Quanto à concentração de cursos em determinadas unidades da federação (UF), principalmente em Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, nota-se que a posição geográfica dos estados da região Sul (PR, SC e RS) pode impactar a oferta de cursos, visto que fazem fronteira com Paraguai, Argentina e Uruguai, países de onde saem migrantes rumo ao Brasil. Quanto aos estados da região Sudeste (MG e SP), a maior oferta de cursos de PLE pode estar relacionada à maior procura por postos de trabalho e estudo nessa região, a qual concentra boa parte da população, das indústrias e dos serviços no Brasil11 (incluindo universidades), sendo considerada um polo atrativo para imigrantes (em geral) e estudantes (em particular). Quanto às instituições participantes da pesquisa (Quadro 1), sua representatividade está alinhada com os dados obtidos nas perguntas anteriores, sobre região e unidade da federação nas quais estão localizadas as instituições.
Em relação à oferta de cursos de PLE, nota-se que um expressivo percentual de instituições (87%) oferta esse tipo de curso, demonstrando uma relevância dessa atividade para as IES no Brasil e mostrando também a relação entre PLE e internacionalização. Entretanto, cabe destacar que mais recursos poderiam ser destinados aos cursos de PLE, principalmente para regiões e estados nos quais existem poucos professores e/ou reduzida oferta de cursos, como é o caso da região Norte.
No que diz respeito à regularidade na oferta dos cursos, nota-se que a maioria das instituições oferta cursos de forma semestral, possivelmente para coincidir com a oferta de disciplinas acadêmicas nos cursos de graduação e pós-graduação. Em relação à carga horária (CH) média dos cursos, nota-se uma predominância de cursos de 60h, ainda que haja uma grande variedade na CH dos cursos ofertados (como indicado nas respostas), por conta dos diferentes públicos que os cursos procuram atender (estudantes de graduação, pós-graduação, refugiados, imigrantes, comunidade externa etc.).
Sobre a quantidade de níveis de proficiência, também observamos uma grande variedade na quantidade de níveis ofertados. Possivelmente isso ocorre por causa das especificidades de cada instituição, em especial quanto ao índice de procura por cursos de PLE, os professores disponíveis e os diferentes públicos que os cursos buscam atender.
Quanto aos materiais didáticos utilizados nos cursos de PLE, adota-se principalmente aqueles elaborados na própria instituição (63%) onde os cursos são oferecidos, ainda que haja também uma considerável adoção de materiais formulados por terceiros (24%). Algumas respostas também apontaram para uma adoção combinada de materiais (locais + externos). Trata-se de um aspecto interessante, porque o desenvolvimento de materiais didáticos pode auxiliar no desenvolvimento profissional dos alunos de Letras que atuam como bolsistas nos cursos de PLE. De um lado, isso pode representar uma postura ativa dos professores de PLE, exercendo sua capacidade de agência e sensibilidade local para formular os materiais. Por outro lado, pode ser que a dificuldade de acesso a bons materiais faça com que as IES tenham que ‘se virar como podem’ para oferecer materiais aos alunos de PLE.
Quanto ao setor responsável pela oferta de cursos de PLE, destaca-se a grande atuação dos departamentos de Letras (60%) para possibilitar a oferta desse tipo de curso, ainda que em algumas instituições haja apoio de um setor de relações internacionais (31%). Essa oferta via setor de relações internacionais sugere uma evidência da relação entre PLE e internacionalização. A atuação de pró-reitorias de extensão e de pesquisa (conforme indicado nas respostas) para oferta de cursos de PLE pode ser uma alternativa, principalmente em instituições que não possuem cursos de Letras (ou que não possuem professores qualificados para PLE em seus quadros).
Em relação ao tipo de professores que atua nos cursos, nota-se um predomínio de bolsistas lecionando PLE. Talvez sejam necessárias mais políticas de atração/incentivo, voltadas aos professores efetivos, incluindo incentivos financeiros, e também políticas de formação específica em PLE para aqueles que precisam de formação nessa área. Considerando que na maioria das instituições (51%) os cursos são ministrados por bolsistas, sua rotatividade (por conta das poucas garantias para essa modalidade de trabalho) pode impactar a continuidade dos cursos, ainda que lecionar PLE seja uma oportunidade de desenvolvimento profissional para estudantes de Letras. Uma participação equilibrada de efetivos e bolsistas pode ser um caminho para desenvolver melhor os cursos de PLE.
No que diz respeito à quantidade de professores que atuam nos cursos PLE, os dados apontam para equipes pequenas nos cursos de PLE, congregando entre 1 a 3 professores, ainda que haja instituições com equipes maiores de 10, 12 ou 20 profissionais. Possivelmente a quantidade de professores depende da procura por cursos de PLE, mas os atuais fluxos migratórios para o Brasil, discutidos por Câmara (2014) e Camargo e Hermany (2018), apontam para uma necessidade de ampliar a oferta de cursos de PLE, de forma a atender a uma crescente população de imigrantes e refugiados, por exemplo.
Quanto ao público-alvo para o qual os cursos são ofertados, destacam-se os alunos de pós-graduação (em geral), possivelmente por conta do foco atual de internacionalização no Brasil (vide programa Capes PrInt) e de programas de apoio à mobilidade acadêmica como PAEC-OEA e PEC-PG. Os alunos pré-PEC-G também são um destaque como público-alvo, visto que eles vêm ao Brasil inicialmente para estudar PLE e depois tentar aprovação no programa PEC-G e iniciar seus estudos de graduação por aqui.
Também existe uma oferta de cursos para imigrantes e refugiados, possivelmente por causa do aumento nos fluxos migratórios para o Brasil nos últimos anos. Esses resultados apontam para uma relação entre PLE e Internacionalização em Casa (IeC) já que a oferta de cursos PLE pode promover a integração de dimensões internacionais e interculturais nos contextos locais das IES brasileiras. Na próxima seção apresentamos nossas considerações finais, com base nas discussões aqui apresentadas.
Considerações Finais
Esta pesquisa teve como objetivo identificar as condições atuais da oferta de cursos de PLE em IES brasileiras, discutindo tal evidência com a literatura relevante revisada. Para tanto, foi realizado um levantamento de dados sobre a oferta de cursos de PLE nas instituições brasileiras por meio de um questionário eletrônico, cujos resultados foram analisados com base na literatura sobre PLE e internacionalização.
Em geral, os resultados apontam para: a) concentração dos cursos de PLE nas regiões Sul (37%) e Sudeste (32%); b) grande parte das instituições pesquisadas oferta cursos de PLE (87%); c) predominância de oferta semestral de cursos (67%); d) variedade na carga horária e quantidade de níveis de proficiência dos cursos ofertados; e) predomínio no uso de materiais didáticos desenvolvidos nas próprias instituições onde os cursos ocorrem (63%); f) preponderância dos departamentos de Letras como unidades institucionais que ofertam os cursos de PLE (60%); g) predomínio de bolsistas como professores nos cursos (51%); h) existência equipes reduzidas, de 1 a 3 professores, para ofertar cursos; i) alunos de pós-graduação como público principal dos cursos (52%), ainda que haja oferta também para imigrantes e refugiados.
A discussão dos dados sugere uma estreita relação entre as línguas estrangeiras (no caso, PLE) e o processo de internacionalização, tal como apontado na literatura revisada. Evidências dessa relação podem ser encontradas no papel dos idiomas estrangeiros em programas de internacionalização e, em nossos dados, observa-se o fato de que os setores de relações internacionais, juntamente com os cursos de Letras, são os maiores responsáveis pela oferta de cursos de PLE, a fim de promover a Internacionalização em Casa.
Uma das limitações deste estudo se relaciona ao fato de que os dados foram coletados via questionário que inclui auto-declarações de profissionais trabalhando na área de PLE. Diferentemente da coleta de dados para o Guia EMI (citado anteriormente), por exemplo, que foi feita via resposta de um gestor institucional, os dados desta pesquisa focaram nas declarações de professionais de PLE e não de gestores.
Entretanto, essa limitação também representa uma vantagem para o presente estudo, uma vez que a declaração institucional feita no Guia EMI é quantitativa e nem sempre captura a realidade da oferta de PLE de uma determinada IES, seja pela falta de informação/conhecimento dessas ações pelos gestores que responderam ao questionário do Guia EMI ou pela falta de refinamento qualitativo como possibilidade de resposta. Nesse sentido, o presente estudo oferece uma análise atual, qualitativa e relevante da oferta de PLE, tendo buscado esses dados diretamente na fonte, ou seja, junto aos profissionais que trabalham com PLE nessas IES.
O estudo conclui que, apesar dos esforços na oferta de PLE pelas IES brasileiras, mais pesquisas são necessárias para analisar a oferta de PLE no Brasil de forma ampla e relevante, tanto do ponto de vista quantitativo quanto qualitativo, justificando maiores investimentos no desenvolvimento da IeC por meio da oferta de PLE, para promover a justiça social. Além disso, mais pesquisas são necessárias para identificar a lacuna na formação de professores de PLE no atual cenário de internacionalização.