Introdução
Este artigo tem como objetivo principal partilhar algumas alternativas para prática do ensino de Didática, ao mesmo tempo em que se coloca uma lente teórica sobre experiências vividas como professor formador de futuros professores. Faz pouco mais de dez anos que tenho atuado como professor formador em licenciaturas diversas, tais como Pedagogia, Letras, Física e Matemática. Desses dez anos de docência, pouco mais da metade desse tempo tem sido exercido no cargo exclusivo de professor formador, no Instituto Federal de São Paulo, campus de Itapetininga, no sudoeste do estado brasileiro. Aqui, neste texto, discute-se um recorte específico dessas atividades realizadas ao longo desse lustro: algumas experiências formativas desenvolvidas com a Didática, em diferentes semestres e cursos de licenciatura.
Ao longo desses últimos cinco anos, tem sido uma metafórica luta, externa e interna, lidar com a Didática, especialmente como disciplina. Explico. O que se chama de ‘luta externa’ é a superação do velho estigma da Didática, reconhecido por Marin, Penna e Rodrigues (2012, p. 60) como a relação entre “processo de ensino e seus produtos, objetivando responder à questão sobre quais as melhores formas de ensinar e preparar o professor”. Essa é uma concepção técnica da Didática que, segundo as autoras, remonta aos anos anteriores à década de 1980, quando se percebeu que era preciso ir além da mera prescrição sobre como ensinar, tornando a Didática não apenas crítica, mas também social e, sobretudo, política. A história recuperada por Garcia e Silva (2019) também aponta a década de 1980 como um momento de ruptura com a Didática técnica, instrumental e prescritiva.
Mesmo assim, quatro décadas depois desse aceno, no recolhimento da segunda década do século XXI, os estudantes de licenciatura ainda iniciam a disciplina de Didática com a expectativa de que irão aprender as melhores maneiras de escrever no quadro-negro (geralmente com giz); os esquemas mais modernos e “atrativos” para se organizar slides no PowerPoint®; identificar os mais adequados simuladores on-line para “motivar” o alunado; reconhecer as maneiras mais exitosas de se conduzir dinâmicas de grupo para fortalecer o aprendizado coletivo... ou, ainda, tomar ciência e contato com a (pseudo)inovação da educação tradicional, nomeada como metodologias ativas (MORAN, 2018), nas quais o centro do processo de ensino e aprendizagem é o alunado que aprende, e não o conteúdo que lhe é ensinado.
Já internamente, a metafórica luta a respeito da Didática está relacionada diretamente com esse histórico retraso de manutenção de seu status quo como técnica, ao invés de sua conversão mais coerente como elemento crítico, social e político. Afinal, por mais que acredite que é preciso desvestir os licenciandos dessa expectativa técnica, pois é provavelmente nela que se encontra a manutenção centenária da educação bancária (FREIRE, 2011), não tem sido fácil identificar maneiras evidentes para que essa conversão se efetive no cotidiano da formação docente. É uma busca constante, muito próxima ao apontado por Pimenta e Lisita (2004, p. 89), pois se relaciona “aos desafios teóricos e práticos que a didática necessita enfrentar para contribuir para a formação de professores na sua especificidade, que é o ensinar a ensinar”. Por isso, novamente apelando para a metáfora, acredito que isso funciona como um iceberg, no qual apenas pequena parcela se torna visível.
Isso quer dizer que, embora ainda dê lições de Didática que pareçam técnicas, sua essência tem se vertido em outra coisa, mais crítica, social e até mesmo política. Pelo menos é o que espero reconhecer com este texto, ao revisitar algumas experiências vividas ao longo dos últimos cinco anos. Inclusive, essa não é a primeira vez que tais experiências são rememoradas e esmiuçadas por uma lente analítica (FORTUNATO, 2020; 2019a; 2018a). Mas, diferente dessas apreciações anteriores, o exame se torna mais severo, pois foi identificado que “Desde la Didáctica no se favorece la formación del professorado” (HERRÁN; FORTUNATO, 2019). Sinteticamente, ao pensar que a Didática não seria suficiente para formar professores, foi proposta uma investigação radical, imaginando uma espécie de equívoco generalizado na formação docente, como forma de potencializar outra maneira de se olhar para a educação. Nesse sentido, não seria suficiente a prática nem sua reflexão, pois é preciso uma compreensão mais complexa sobre o que se faz como professor, o que se pensa a respeito, mas, em última medida, sobre o que se é, essencialmente.
Dessa maneira, para que se alcance o objetivo proposto de partilhar experiências a respeito do ensino de Didática para futuros professores, o artigo foi organizando em três seções. Primeiro, busca-se revisitar as primeiras experiências com a Didática a partir do momento em que tomei consciência de que era preciso ir muito além da técnica - tal qual foi identificado há quatro décadas por Candau (1984) como uma Didática fundamental: não se recusa a técnica, mas a reconhece como um elemento social e político da educação. Na segunda seção, partilha-se uma experiência em que se exaltam as técnicas de ensino realizadas coletivamente, contudo dentro de uma perspectiva de intervenção no cotidiano escolar. Na terceira e última seção, apresenta-se uma proposta ousada de ensino de Didática, a qual se acredita ter alcançado uma mudança basilar, pois se trata de ensinar o que não se sabe.
Ao final, espera-se que este manuscrito tenha dupla serventia: primeiro, num nível superficial, que apresente possibilidades para diversificar o ensino na formação inicial docente; segundo, num nível mais profundo, que permita um exame analítico a respeito dos significados da Didática na própria formação de professores.
Os Primeiros Passos de um Tateamento Experimental
O pedagogo persegue os indivíduos obstinados em não subir pelos caminhos que considera normais. Mas terá ele perguntado a si mesmo, por acaso, se essa ciência da escada não seria uma falsa ciência e se não haveria caminhos mais rápidos e mais salutares, em que se avançasse por saltos e largas passadas? Se não haveria, segundo a imagem de Victor Hugo, uma pedagogia das águias que não sobem pela escada? (FREINET, 2004, p. 15).
Conforme já delineado em outro texto (FORTUNATO, 2013), foi a partir das ideias educacionais apresentadas por Célestin Freinet que recuperei o entusiasmo pela docência que havia perdido durante os anos de formação inicial. Embora exista todo um arcabouço teórico a respeito da escola e dos seus processos de ensino e aprendizagem cunhados por Freinet, ao longo de algumas décadas de prática como professor da escola básica francesa, vou me ater a alguns predicados referentes ao que foi com ele apreendido sobre ensinar. Grosso modo, o educador francófono constituiu sua pedagogia a partir da experiência, sendo contrário à educação que se constrói longe do chão da escola por meio de teorias laboratoriais. Assim, um dos principais conceitos da pedagogia freinetiana é a proposta de “tateamento experimental” ou, de forma mais simples, a ideia de tentativa-e-erro.
Segundo Freinet (2004, p. 38), nenhuma explicação pode substituir o aprendizado proporcionado pela experiência, tendo afirmado o seguinte: “Infeliz educação a que pretende, pela explicação teórica, fazer crer aos indivíduos que podem ter acesso ao conhecimento pelo conhecimento e não pela experiência”. Esse trecho contém uma eloquente síntese de uma vida dedicada a transformar a educação escolar: nada de sentar, ouvir, memorizar e repetir... a ideação é outra: andar, observar, manusear, rabiscar, enfim, tentar. O erro nada mais seria que mera refração do fazer, cuja tentativa parte tão somente do ser aprendente.
Assim, quando comecei a tomar ciência de que havia efetivamente assumido a responsabilidade de um professor formador (depois de um quinquênio na função), passei a abandonar a tradicional aula catedrática, teórica por excelência, e a lançar mão de outras formas. Todas pinçadas de nenhum outro lugar senão da experiência, combinada com um pouco de intuição (palavra repugnada pela academia) e até mesmo de ousadia (outra palavra que não costuma veicular nos anais da ciência). As ideias iniciais foram bastante incipientes, assistemáticas e - quase certo afirmar - aleatórias.
Uma das primeiras experiências com a disciplina de Didática foi sob a proposta de que cada estudante escolheria o que iria fazer, incluindo os modos como seriam avaliados. Essa tentativa foi organizada no curso de formação de professores de Física, numa turma com cerca de uma dúzia de licenciandos. Ao retornar para esse semestre, em memória, o que aparece primeiro é a dificuldade em se partilhar a ideia e, portanto, de se fazer entender que o horário da disciplina seria uma espécie de momento para se conversar a respeito do que se gostaria de produzir, em cotejamento com o que se estava, efetivamente, conseguindo realizar.
Partindo de uma ideia ampla, inespecífica e de senso comum de Didática, o trabalho pedagógico, nesse referido semestre, foi conduzido de forma praticamente irregular, pois não sabia o que iríamos desenvolver - aliás, não sabíamos nem se algo seria efetivamente realizado. A divisa inicial para os trabalhos foi: usem essa disciplina para aprender algo que gostariam de descobrir a respeito da educação. Parece que tal divisa deu certo, pois vimos emergir a vontade de esmiuçar as discussões clássicas a respeito da Didática no Brasil, por meio de um estudo sistemático, realizado por uma dupla de licenciandos, de sete obras escritas por José Carlos Libâneo (MORAIS; CAMILO, 2015).
Outro estudante também optou pelo trabalho de investigação teórica, focando na ideia de “bom professor”. Suas reflexões foram tecidas com a ajuda do célebre livro da professora Maria Isabel da Cunha (2012), cuja primeira edição foi publicada no ano de 1989, sendo reeditado sucessivamente ano após ano. Ao produzir uma resenha da referida obra, o licenciando pode tomar contato com distintas formas de se qualificar um docente como ‘bom’, pois tal predicado é sempre contingencial (OLIVEIRA, 2015).
Outra experiência com a reflexão para a Didática por meio da escrita foi produzida por duas estudantes que ouviram com curiosidade sobre a obra de Célestin Freinet. Juntas, estudaram as técnicas da Pedagogia do autor, investigando a possibilidade de se adaptarem algumas de suas metodologias educativas para o ensino da física, no ensino médio (SILVA; CUNHA, 2015). Inclusive, pouco tempo depois, nos lançamos em conjunto em uma tentativa experimental, tal qual aprenderam com Freinet, de ensinar termodinâmica por meio de uma das técnicas: o ateliê (CUNHA; TERRA; FORTUNATO, 2017).
Ainda mais uma reflexão a respeito da educação foi desenvolvida por meio da escrita: o conceito de gamificação (ora referido como gameficação) aplicado na escola. O estudo começou na disciplina de Didática (TEICHNER; FORTUNATO, 2015) e continuou por mais um ano como um projeto de pesquisa de iniciação científica, durante o qual se verificou a possibilidade de se trabalhar na educação escolar com elementos de games para o engajamento, principalmente alegria, diversão e progressão (TEICHNER; FORTUNATO, 2017).
Por fim, nessa disciplina, conduzida sem plano ou direção, surgiu espontaneamente o primeiro trabalho realizado dentro de uma escola pública, numa parceria complexa envolvendo estudantes de licenciatura, alunos dos primeiros anos do ensino fundamental, professores da educação básica, professor formador e corpo diretivo. Um estudante, fascinado pelo jogo de papéis, o RPG (do inglês Role Playing Game), desenvolveu um sistema no qual as crianças precisariam desenvolver conhecimentos de Ciências e Matemática para resolver os desafios criados no e para o jogo.
Infelizmente, a não ser pela apresentação em congresso local e a publicação de seu respectivo resumo (OLIVEIRA; FORTUNATO, 2016), não há registros desse trabalho, exceto em memória e algumas fotos com as crianças em ação. Mesmo assim, esse projeto embrionário, nascido na disciplina de Didática, perdurou por mais um ano em outras escolas e instituições de educação não formal. Além disso, abriu caminho para diversos outros projetos de natureza semelhante. No ano seguinte, por exemplo, na disciplina de Didática para a licenciatura em Física, cunhamos o projeto chamado “Show de Física na Divulgação da Ciência”, com o qual estivemos em mais de 10 locações distintas, levando a ciência pela diversão para mais de um milheiro de estudantes do ensino fundamental e médio (FORTUNATO, 2018b).
Não foram apenas o jogo de RPG e o Show - elementos para uma educação pelo lúdico - que restaram como decorrência dessa primeira tentativa experimental de lidar com a disciplina de Didática, realizada em 2015. Nos anos seguintes, diversos projetos foram sendo levados a cabo no contexto da disciplina, tais como a possibilidade de desenvolver, junto com os licenciandos, distintas formas de abordar o ensino de Ciências em lugares de educação não formal, intentando aproximá-los de realidades de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade socioemocional (FORTUNATO, 2019a).
Dessa forma, ao longo dos semestres, nos diferentes cursos de licenciatura nos quais atuei como professor formador1, a disciplina de Didática foi se tornando um metafórico mosaico, pois estivemos, ao mesmo tempo, em escolas municipal e estadual, escola técnica, Organizações Não-Governamentais e dentro do presídio e Fundação Casa localizados no município... Cada lugar de educação virou um projeto que foi desenvolvido pelos licenciandos de acordo com o interesse de cada - alguns, inclusive, se desdobrando para participar de mais de uma atividade, mesmo concomitante (FORTUNATO, 2019a; 2019b; 2018a).
Assim, ao olhar para trás com a intenção de reconhecer os primeiros esforços de uma “tentativa experimental” para o ensino de Didática, como recomendava Freinet, fica patente a ideia de tentativa-e-erro. Ao enumerar os resultados obtidos, em princípio, parece se evidenciar somente os aspectos positivos desse tipo de trabalho. Não obstante, há que se reconhecer as fragilidades nessa forma de ensino, pois, sendo assistemática, exige graúdos esforços diversos. Um deles diz respeito ao próprio estudo teórico que se vê reduzido por causa do tempo despendido imaginando, planejando e executando as distintas atividades - mesmo que sejam estudos teóricos, pois esses são aprofundados em sua especificidade, deixando de lado outras possibilidades. Outro esforço diz respeito ao quesito técnico da avaliação discente, pois o alunado precisa ser encarado como um coletivo, no qual se registram os instrumentos utilizados para verificar quanto cada estudante absorveu dos conteúdos listados na ementa da disciplina.
Por isso, ao realizar esse balanço, outra “tentativa experimental” foi levada a cabo, tentando combinar a realização de algo com o controle coletivo do processo de ensino e aprendizagem para todos os estudantes de uma turma de Didática. Olhar analiticamente para essa experiência de grupo é objeto da próxima seção.
Seria Possível Ensinar Didática com um Trabalho Coletivo?
Com a educação ambiental, a escola, os conteúdos e o papel do professor e dos alunos são colocados em uma nova situação, não apenas relacionada com o conhecimento mas sim com o uso que fazemos dele e a sua importância para a nossa participação política cotidiana [...] na educação ambiental, em particular, é fundamental considerar que não se aprende de alguém, mas sim com alguém. (REIGOTA, 1999, p. 82).
O balanço analítico das primeiras tentativas experimentais desenvolvidas intuitivamente com a disciplina de Didática levou a uma reorganização do trabalho pedagógico. Assim, ao pensar sobre o estudo teórico sistemático e a questão da avaliação global por meio de instrumentos comuns a todos os estudantes, optei por planejar a disciplina, para o primeiro semestre de 2019, de forma a envolver o alunado em torno de um único tema, desafiando-o a mobilizar uma escola inteira para pensar em conjunto: o meio-ambiente.
Além dos elementos identificados no balanço, esse planejamento foi organizado a partir de três balizadores: (i.) a importância do tema, do qual fui militante por alguns anos (FORTUNATO, 2017), emergente em discussões do próprio alunado; (ii.) uma experiência singular, vivida ainda como estudante de Pedagogia, no começo deste século, durante a qual tive a (única) oportunidade de estar em uma escola, numa situação concreta de ensino, vivenciada diretamente com jovens da educação básica; e (iii.) a parceria firmada com uma escola municipal, onde têm sido desenvolvidos diversos projetos voltados ao fortalecimento da formação dos licenciandos, à formação continuada do professorado da escola e ao alunado do ensino fundamental. Vamos por partes.
A turma em questão, formada por cerca de 30 estudantes, era do Programa Especial de Formação de Professores para a Educação Básica, referido como Formação Pedagógica. Trata-se de um curso de formação inicial docente para graduados. Assim, certo dia da aula de Didática, logo no começo do semestre, adentro a sala e os estudantes estavam discutindo os prejuízos ao ecossistema causados pela construção de habitações populares em um bairro rural da cidade... esgoto sendo despejado no rio sem tratamento dos efluentes, desmatamento, morte de animais silvestres etc. De imediato, lembrei-me de uma passagem da obra “Cuidado, Escola!” (HARPER et al, 1980), prefaciada por Paulo Freire, a respeito do trabalho em massa de domesticação e de manutenção do status quo realizado pela escola. A passagem dizia o seguinte:
AULA DE HISTÓRIA. Tocou a sineta. O professor de História entrou na sala, mas a discussão entre os alunos continuou, intensa e apaixonada... Dois alunos desta sala do Colégio de Genebra são espanhóis. Na noite anterior, o general Franco havia ordenado a execução de três bascos oposicionistas, o que provocou reações no mundo inteiro. Os alunos viram-se para o professor e pedem sua opinião, sua ajuda para compreenderem o que se passava: “Agora silêncio, calem a boca que está na hora de começar a aula de História...”. (HARPER et al, 1980, p. 63).
Assim, a discussão do alunado sobre um tema alheio aos conteúdos da disciplina que estava prestes a iniciar foi, para mim, análoga à situação dos estudantes na aula de História em Genebra. Deveria, então, ignorar a inquietação a respeito dos danos ambientais causados pela ação humana nas proximidades do Instituto e “ensinar” Didática? Ou seria melhor deixar o diálogo prosseguir, até o assunto esgotar entre os pares? Ou, ainda, poderia incorporar o tema que estava latente dentro dos objetivos de uma disciplina que trata da complexa tarefa de ensinar?
Embora pudesse conduzir a ação pedagógica por qualquer um desses três caminhos, cada um deles implicaria uma concepção distinta de educação. Assim, como não estava interessado em organizar a disciplina Didática em sua concepção mais técnica e tradicional, cuja crítica já foi abordada neste artigo, desconsiderei a possibilidade de ignorar a discussão ambiental em prol dos conteúdos curriculares. Por outro lado, se tivesse seguido o segundo caminho, ou seja, deixar os alunos discutirem livremente sobre o assunto que lhes interessava, estaria repetindo uma experiência de tateamento experimental, conforme delineada na seção anterior. Restava, então, o caminho de tentar incorporar o tema que atraía o alunado aos propósitos da ementa da disciplina.
Importante anotar que essa opção foi facilitada pelo fato de que a temática ambiental não me era um campo desconhecido, tendo trabalhado alguns anos na militância pela educação ambiental (FORTUNATO, 2017), inclusive recordando que meu debut acadêmico foi a publicação de um ensaio específico sobre o tema (FORTUNATO NETO; FORTUNATO, 2009). Ademais, apesar das dificuldades de se pensar numa forma de organização social que corresponda aos ideais já balzaquianos de desenvolvimento sustentável, não se pode abandonar a pesquisa e a educação ambiental (FORTUNATO, 2015).
Foi então proposta, aos estudantes de Didática, a missão de se pensar a relação entre os problemas ambientais circunvizinhos e os desafios de se trabalhar a educação ambiental na escola. De um lado, coloca-se o trabalho mais comezinho de se mostrar o valor da natureza aos mais jovens - o que tem sido feito de maneira formal e não-formal desde a década de 1960, senão antes - e, do outro, como a organização social e cultural do espaço, feita para acomodar o expoente contingente populacional, tende a ser o maior obstáculo para o inalcançável ideal de desenvolvimento sustentável. Mesmo assim, há que se pensar em se tratar de temas relacionados à natureza, à preservação e a toda complexidade do meio-ambiente nas escolas. Como balizador da ação, tomamos um material de ensino organizado por militantes ambientais no começo do século, nomeado Dicionário Ambiental Básico. Nesse material, tal qual um glossário ilustrado, há uma infinidade de palavras e imagens voltadas à consciência ambiental que poderiam muito bem colaborar com a construção de diversas atividades pedagógicas. O desafio foi aceito.
O contexto concreto de ensino, a partir do qual se construiria o plano de ação, foi logo identificado a partir de uma conversa bastante amigável com a direção da escola que tem sido local de parcerias educativas para formação docente. Como o tema proposto era a Educação Ambiental, tido como fundamental para o corpo diretivo da escola, foi-nos dado o que popularmente se chama “carta branca” para a organização do trabalho; ou seja, poderíamos planejar e executar o que estivesse ao nosso alcance. Com essa prerrogativa dada, decidimos preparar um projeto de intervenção que alcançasse todos os estudantes da escola ao mesmo tempo, sem distinção. Seria necessário, portanto, planejar atividades educativas para sete classes dos anos iniciais do ensino fundamental, do primeiro ao quinto ano, cada uma com aproximadamente 25 alunos e alunas.
Ao retornar com esse cenário para a aula de Didática, os licenciandos prontamente se organizaram, optando por criar sete grupos de trabalho, cada um focando uma turma distinta. Dessa maneira, parecia possível atender ao desafio de realizar uma intervenção educativa em toda a escola. Organicamente, o próprio alunado realizou a separação das sete classes da escola entre os grupos, logo partindo para a leitura do material proposto como ponto de partida para a ação ambiental.
Ao longo das aulas de Didática, os grupos se reuniam entre si e discutiam propostas a partir de vivências anteriores e das leituras que realizavam a respeito de métodos de ensino voltados para a educação ambiental. Conforme as ideias iam surgindo, elas eram apresentadas coletivamente, de forma que todos os licenciandos tomassem conhecimento das propostas dos colegas, com o objetivo triplo de ciência da atividade como um todo, colaboração com o aprimoramento do plano apresentado e inspiração para seu próprio trabalho. Além dessas trocas que iam ocorrendo ao longo das aulas, decidimos por dois momentos de paragem, nos quais cada grupo apresentaria a sua atividade para vivenciarmos o proposto. A primeira paragem foi realizada com bastante antecedência, de forma que os grupos teriam tempo suficiente para os ajustes necessários, percebidos com a experiência. A segunda paragem seria na véspera da efetiva ação na escola, com o propósito de refinamento, se necessário.
O resultado dessa disciplina foi a realização de uma tarde de atividades educativas na escola, envolvendo todos os jovens estudantes do ensino fundamental e seus respectivos professores nas atividades de educação ambiental que foram cunhadas e desenvolvidas ao longo de praticamente todo o semestre letivo. Para a maioria dos licenciandos foi a primeira experiência educativa com crianças; para alguns, inclusive, foi a primeira experiência na figura de ensinante.
Na semana seguinte da realização da intervenção, voltamos à aula de Didática com o propósito de conduzirmos uma autoavaliação da ação educativa. Isso foi feito por meio de uma roda de conversa, durante a qual se percebeu o resultado efetivamente positivo do trabalho coletivo e da aprendizagem na prática, realizada em um ambiente concreto de ensino escolar. Ainda, identificou-se a necessidade de se registrar todo o trabalho, realizando o lançamento de uma coletânea das atividades construídas (FORTUNATO, 2019c), de forma a tornar-se referência para trabalhos futuros, seja para os próprios licenciandos, seja para outros professores interessados na educação ambiental.
Ao realizar o balanço desse semestre, foi reconhecido que a dispersão do coletivo e a falta de profundidade teórica, ambas identificadas como lacunas na disciplina conduzida por tentativa-e-erro, foram praticamente sanadas. Isto é, embora o trabalho tenha sido realizado por todos, articulando teorias de ensino e de educação ambiental com a prática pedagógica, não se pode afirmar ter alcançado a plenitude, pois há sempre momentos de discussões prolixas e/ou de falta de engajamento. Dessa forma, a experiência por meio de um projeto de envolvimento de toda a turma pareceu uma maneira muito eloquente de se ensinar e aprender Didática.
Embora repleta de aspectos positivos, capazes de demonstrar a qualidade educativa do trabalho coletivo, ainda ficou a sensação (mais uma palavra não acadêmica) de que a luta interna pela renovação da Didática não havia sido plenamente vencida. Ainda faltava “ir além” - sem saber exatamente o que isso significava, até encontrar, em texto, Rubem Alves.
A Alegria de Ensinar o Que Não se Sabe
Mas o Mestre não se contém e procura, nas costas do seu discípulo, prenúncios de asas - asas que ele imaginara haver visto como sonho, dentro dos seus olhos. O Mestre sabe que todos os homens são seres alados por nascimento, e que só se esquecem da vocação pelas alturas quando enfeitiçados pelo conhecimento das coisas já sabidas. Ensinou o que sabia. Agora chegou a hora de ensinar o que não sabe: o desconhecido. (ALVES, 1994, p. 73).
Depois do balanço das experiências com a Didática por meio da tentativa-e-erro e pelo trabalho coletivo, tendo identificado aspectos positivos e alguns hiatos não contemplados, ainda restava patente a inquietação inicial: como alcançar a ideação de transformar a Didática, superando seu velho estigma de bom ensino?
Comecei o planejamento do segundo semestre de 2019 rememorando os anteriores, recuperando, além das experiências já delineadas neste artigo, as boas aulas catedráticas de Didática, na qual estudamos textos, desenvolvemos planos de aula e os alunos ensaiaram a docência a partir dos planos de aula produzidos por eles mesmos, em um cenário alegórico de lecionar para alunos que não existem senão em ficção - afinal, o ensaio é feito em sala, com a presença dos colegas licenciados e do professor formador.
Havia algo faltando, que não foi encontrado pelas aulas teóricas, pelos projetos dispersos de tentativa-e-erro, nem pelo agrupamento coletivo em torno de um desafio de uma escola. Daí, imerso em leituras sobre educação, escola e ensino, eis que surge Rubem Alves (1994), com sua perspectiva sobre a “Alegria de Ensinar” - um livro de crônicas. Nessa obra estava escrito que “ser mestre é isso: ensinar a felicidade” (ALVES, 1994, p. 9). Mas, o autor encontraria obstáculos impostos pelo próprio professorado que, ocupado demais ensinando coisas da escola, não poderia ensinar a felicidade, pois deveria passar lições de Ciências, História, Literatura e assim por diante. Triste, ainda constatou que, quando criança, preferia uma dor de barriga ou resfriado, pois “a doença nos dava uma desculpa aceitável para não ir à escola” (ALVES, 1994, p. 12). Essa, às vezes, parece um complexo projeto engendrado para não ser prazeroso, divertido ou feliz - algo muito parecido com o que foi denunciado de forma ácida, ao mesmo tempo sutil, por Harper et al. (1980), ao aconselhar “Cuidado, Escola!”.
Dentre os vários processos da escola preteridos por uma disenteria, Rubem Alves (1994) identificou um para nomear como o perigo do ensino: o foco no passado, isto é, no legado de sapiência deixado pelas gerações anteriores que se tornam a coisa mais importante a ser aprendida (ou decorada, ou lembrada, enfim, reproduzida em algum momento sob a forma de revelar ter sido apropriada, ainda que apenas momentaneamente). Essa mania de valorizar tal espólio foi entendida por Rubem Alves (1994, p. 70) como uma maneira muito dura de fazer com que os estudantes deixem de perceber que “seu destino não é o passado cristalizado em saber, mas um futuro que se abre como vazio, um não-saber que somente pode ser explorado com as asas do pensamento”. O autor deixou de incluir nessa assertiva os docentes, aos quais tal cisma com o conhecimento do passado também ceifa as metafóricas asas do pensamento.
Assim, considerando as experiências com a disciplina de Didática já delineadas, confrontando-as com tais elucubrações a respeito de uma escola que se esforça para se tornar um lugar de desprezo, parecia ser o momento, então, de experimentar o axioma de Rubem Alves: ensinar o que não se sabe.
Claro que essa ideia soa paradoxal, pois tende a colocar em xeque o significado mais consolidado do ato de ensinar, entendido tecnicamente como postulou Nérici (1995, p. 100, grifos do autor): “a palavra ensino tem origem no latim, insignare, querendo dizer fazer preleções sobre o que os outros ignoram ou mal sabem”. Ou, de forma mais popular, ensinar pode ser entendido como ‘repassar ou transmitir conhecimentos teóricos e/ou práticos’. Afinal, não é possível repassar ou transmitir conhecimentos que não se têm. Mas, é justamente aí que se sustenta a ideação do autor: para ensinar algo que não se sabe, é preciso não apenas admitir desconhecimento, mas estar disposto a se colocar como aprendiz em um contexto em que se apresenta como preceptor. Seria tal contrassenso possível? Sendo possível, seria desejável ou necessário? Para acalmar tais inquietações era preciso, portanto, experimentar.
Assim, quando novo semestre começou, com a disciplina Didática II, na mesma turma de Formação Pedagógica, pude partilhar essa intenção com alunos já conhecidos, que haviam participado de propostas anteriores a respeito de uma reformulação da própria Didática. Essa conjuntura, portanto, tornava-se ótima para essa ousada empreita de ensinar o que não se sabe. Discutimos bastante as crônicas de Rubem Alves (1994), refletindo sobre a alegria que o autor tanto insistia como necessária na educação escolar. A reflexão foi tamanha, que produzimos nossas próprias “Crônicas da Escola” (FORTUNATO, 2019d), nas quais estavam presentes elementos que configuram esse regalo potencial da escola.
Mas, a produção das crônicas, embora fosse algo salutar para a formação docente, fazendo com que memórias da escola fossem recuperadas (ampliando o próprio sentido da instituição como lugar de desenvolvimento humano), ainda não se configurava como um trabalho pedagógico, no qual se ensinava o que não se sabia. Era preciso ir muito além.
Dessa maneira, conforme partilhava as inquietações apreendidas com Rubem Alves (1994) a respeito da ausência (porém potencial presença) da alegria na escola, construía-se uma argumentação muito favorável em prol da expressão de uso comum carpe diem, entendida como algo do tipo aproveite o momento. Foi-se percebendo que Georges Snyders (2001) também argumentara a favor de uma educação, em que a construção de um futuro hipotético importava menos que a boa fruição do momento vivido. Por isso, desejava uma escola em que a alegria se constituísse como elemento central.
Entre a alegria e a busca por ensinar algo desconhecido - tentando imaginar como isso se configuraria de fato em uma disciplina de Didática - tivemos uma ideia muito simples, contudo completa e complexa, a qual atingia o centro de todas essas questões: a produção de uma horta no próprio campus. Historicamente, o instituto já havia desenvolvido projetos comunitários de horta, tendo sido reiniciados mais de uma vez. Mas, trabalhar na preparação da terra e no plantio, dessa vez, não teria seu sentido mais corriqueiro de “material didático” para tratar de assuntos relacionados à alimentação, Educação Ambiental e Biologia ou responsabilidade socioambiental (COELHO; BÓGUS, 2016; OLIVEIRA; PEREIRA; PEREIRA JR., 2018). Planejar, desenvolver e ver produzir uma horta no solo do campus seria uma maneira sutil de desenvolver conhecimentos da Didática.
Afinal, nessa aula de Didática, não havia cadernos ou densos textos para ler e discutir. Por outro lado, conforme ia se preparando a compactada terra com golpes de enxada ou saíamos pelo campus em busca de matéria orgânica, falamos tanto do sentido evidente da coisa: trabalho colaborativo, objetivos em comum etc., mas, também, olhávamos para esse exercício como uma eloquente metáfora em que poderíamos pensar na relação entre o planejamento ideal e o ambiente concreto - entendendo os planos iniciais de implantar uma horta como o momento que antecede um ano letivo, por exemplo. Daí, a dureza do solo, a organização do espaço físico em conflito com seu uso por outras pessoas para outros fins em outros turnos, a falta de equipamentos e materiais adequados e assim por diante, demonstrando o quanto o planejamento precisa de flexibilidade para adequar a expectativa com a realidade.
Conforme o semestre se desenrolava, a metafórica atividade ia se descortinando ainda mais, pois mais elementos surgiam conforme o trabalho pesado avançava. Os estudantes perguntavam sobre o futuro da horta, indagando sobre sua manutenção nos semestres vindouros e, principalmente, a quem serviriam os produtos alimentícios que dela brotassem. Analogamente, falávamos sobre o trabalho docente que também se insere nessa mesma perspectiva: o futuro do alunado. Afinal, a escola sempre projeta o futuro, pensando em como o bebê, no berçário, precisa ser preparado para a alfabetização, a criança, logo nos primeiros anos, precisa saber ler, escrever e fazer contas para preparar-se para a etapa seguinte, a qual lhe dará bases sólidas para o ensino médio, o qual irá ser fundamental para o ingresso na boa faculdade, e assim por diante. Anotou Snyders (2001, p. 32-33): “a escola como tempo inevitável de preparação, espera, meio de vencer mais tarde - sem se preocuparem mais com significados vivenciados ou não no presente”.
Conforme a metáfora se desenrolava, o processo de tentar implantar a horta no campus tornava-se mais interessante, pois permitia divisar aspectos fundantes da escola como local de “preparação, espera e meio de vencer na vida”, ao mesmo tempo em que isso se tornava angustiante e motivador. Angustiante, pois se sentia que sem a clareza do futuro da horta, não havia sentido em desprender todo esforço. Motivador, pois ajudava a focar no presente, além, claro, de proporcionar todo um aprendizado a respeito de algo desconhecido para maioria da turma (inclusive a mim), que era o manejo da terra a fim de torná-la fértil.
Dessa forma, vivenciamos um semestre muito intenso, no qual, pela primeira vez, pude experimentar a ideia de ensinar o desconhecido. Quando tudo começou, nada sabia sobre a implementação de uma horta, ainda mais em um terreno árido, praticamente sem vida. Mas, à medida que as semanas iam se desenrolando e as sementes espalhadas pela terra que coletivamente quebramos, aeramos, irrigamos e adubamos iam ganhando vida, o aprendizado também se desenvolvia. Rápido, inclusive, permitindo divisar, analogamente, o sentido da escola. Sendo o entendimento de tal sentido o propósito maior da Didática - pelo menos assim acredito.
Ao término do período letivo, nos reunimos para falar sobre a experiência. O sentido da atividade foi bem captado pelos estudantes que, ao final, sentiram-se envolvidos por todo o processo de aprender a ser professor pela metáfora da horta. Para alguns, no entanto, faltou algo de habitual: a teoria. Sentiu-se que o trabalho coletivo, manual, ao ar livre foi algo fascinante, mas, sem a leitura dos textos e as anotações do caderno, parece ter-se criado uma lacuna, a qual o empirismo pela enxada não foi capaz de suprir. Esse desenlace sincero, creio eu, só foi alcançado pela maturidade coletiva criada pelo exercício - concreto e simbólico - de se trabalhar o processo de ensinar e aprender Didática pelo risco tomado ao assumir o caminho do desconhecido.
Assim, no balanço entre os hiatos deixados pela teoria não esmiuçada e as façanhas da horta-como-metáfora-da-escola, o semestre findou-se como algo bastante positivo, em que pese essa ousadia de arriscar-se pelo caminho de ensinar o que não se sabe.
Considerações (Apenas) Parciais de um Trabalho Perene
Mas o ideal é que a escola me prepare pra vida. Discutindo e ensinando os problemas atuais. E não me dando as mesmas aulas que eles deram pros meus pais. (Gabriel, o Pensador, Estudo errado, 1995).
Os versos de Gabriel, o Pensador, reproduzidos na epígrafe, cantados um quarto de século atrás, denunciam um problema da escola. Esse mesmo problema foi denunciado por Freinet (1975) há mais de meio século, inferindo a persistência da escola em seus velhos métodos. Algo análogo também está expresso na “educação bancária” de Paulo Freire (2011). Conforme se volta no tempo, considerando escritos antigos como se estivessem no tempo presente, vimos críticas muito semelhantes. Pode-se citar o relatório de Francisco Alves Mourão (1936, p. 11), no qual a escola tradicional é tida como sinônimo de “mera instrução”, sendo apontada como incapaz de “preparar para a vida prática de nosso tempo”. Ou, ainda, a argumentação de Melquíades Pereira Junior (1934) a respeito de fatores que retardavam a implementação de uma educação renovada, capaz de superar o tradicionalismo. O problema, afirmou, eram os educadores antigos que não desejavam mudar.
Ora, quase cem anos se passaram, o que nos leva a inferir que os novos foram se tornando antigos e o moto-perpétuo da educação tradicional, centrada nos conteúdos que o professor deve repassar, manteve-se inalterável. Temos outras roupagens, claro, mas sempre com o discurso de que há uma educação revolucionada por vir. O mesmo discurso desde Pereira Junior (1934) ou, como ouso afirmar, desde muito antes.
De forma análoga, parece que a Didática também tem padecido de certo sentimento de que precisa se renovar, mas não se renova por causa dos antigos, de forma recursiva há pelo menos quatro décadas, conforme delineado na introdução do artigo. Depreende-se disso que não se trata de uma espécie de má vontade dos mais antigos (pois estes foram novos em algum momento), mas de circunstâncias muito mais intrincadas que mantêm o status quo da educação escolar presa no seu tradicionalismo elementar.
O esforço desprendido neste artigo foi o de recapitular o trabalho pedagógico próprio, desenvolvido como professor formador ao longo de aproximadamente um lustro como docente de Didática em cursos de formação inicial de professores. Revisitei, assim, três experiências singulares que foram (des)organizadas a partir da aspiração de fazer diferente. Assim, em cada disciplina revisitada, parecia que faltava algo: ao trabalhar pelo tateamento experimental, foi sentida a falta de um controle mais seguro do aprendizado coletivo e do tratamento efetivo da teoria. Tais faltas, então, buscaram-se suprir na realização de um trabalho conjunto, organizado a partir de um eixo comum, o qual foi esmiuçado teoricamente conforme se preparava para a execução de um conjunto de atividades pedagógicas voltadas à educação ambiental. Nessa segunda experiência, notou-se a falta de um desafio ainda maior, pois a situação estava controlada pelo conhecimento e prática com o assunto.
A terceira experiência, nomeada como a alegria de se ensinar o que não se sabe, partiu das ideias de Rubem Alves (1994) para se tentar organizar uma disciplina de Didática na qual seu conteúdo seria trabalhado metaforicamente a partir de algo que me era totalmente desconhecido: a feitura de uma horta, em todas as suas etapas. Como balanço, ao final do processo, embora tenha se vivenciado a alegria no processo educativo e compreendido a essência do momento, foi percebida a carência de um trabalho mais metódico de sistematização teórica.
Este momento de concluir a escrita coincide com a fase de replanejamento da disciplina de Didática, para novo semestre. Assim, todo exercício desenvolvido de recuperar, descrever, analisar e identificar seus aspectos mais assertivos e restritivos deve ser levado em conta nesse novo reinício. Temos, assim, alguns exemplos arrolados de como é possível diversificar o ensino de Didática. Temos, ainda, a descrição de seus pontos mais frágeis dentro do processo de ensino e aprendizagem, os quais devem ser levados em conta, caso sejam tomados como referência de planejamento pedagógico.
Mas, ao final, o que se espera efetivamente é que nenhuma dessas experiências seja apenas tomada como exemplo ou contraexemplo, como certa ou errada, como revolução ou frustração. Espera-se que, ao escarafunchar essas experiências, tenhamos elementos importantes para se pensar os significados da formação docente à luz de um discurso muito antigo, contudo vicioso, de que há que se renovar a educação. Não há meio algum de se garantir que isso vai acontecer pela tentativa-e-erro, pelo trabalho coletivo e/ou pelo ensino de algo desconhecido. O que se pode afirmar é que, se não houver experimentações na Didática, continuaremos tecendo críticas e exigindo mudanças ao método tradicional, tal qual tem sido feito há quatro, cinco, seis, dez... décadas.