1 INTRODUçãO
No Brasil, nas últimas décadas, houve um aumento de matrículas de estudantes no Ensino Superior (ES) associado a uma expressiva diversidade psicossocial e cultural. Isso se deve à implantação de políticas públicas voltadas para a expansão do ES. Nas Instituições Federais de Educação Superior (IFES), por exemplo, esse aumento foi de 880 mil em 2003 para 1,8 milhão em 2017, possibilitando, assim, um passo importante na abertura do acesso ao ES no Brasil (HERINGER, 2018; TREVIZAN, 2019). Considerado um marco histórico da educação brasileira, esse processo proporcionou uma qualificação científica e tecnológica da população em geral e democratizou o acesso ao ES de grupos ético-culturais menos favorecidos, proporcionando uma mudança significativa no perfil dos estudantes ingressantes.
As vagas nas IES, antes destinadas exclusivamente aos filhos de uma elite socioeconômica, devido ao processo de expansão das universidades e às políticas de democratização do acesso ao ES, passaram a ser preenchidas por um “novo público”, caracteristicamente heterogêneo e diversificado. São estudantes que apresentam características psicossociais peculiares: pertencem a grupos etários maiores, são casados, são pais/mães e trabalhadores com baixo capital social. Tendencialmente são estudantes socioeconomicamente mais vulneráveis que, antes excluídos, acedem agora à universidade buscando agregar novos conhecimentos e uma maior qualificação técnica/profissional, ou seja, investem na própria formação acadêmica, uma vez que esta representa o fator mais significativo de mobilidade social ascendente nas sociedades contemporâneas (ALMEIDA et al., 2012; FRAGOSO; VALADAS, 2018a; GONZÁLEZ- -MONTEAGUDO; HERRERA-PASTOR; PADILLA-CARMONA, 2018; HERINGER, 2018; MARTINS, 2016; PAULA, 2017; PINTO; LEITE, 2020).
Em Portugal, por exemplo, existe uma legislação específica que permite aos jovens-adultos, maiores de 23 anos, participarem de uma avaliação de competências e de motivação para acederem ao ES sem que, para isso, tenham que ter concluído o Ensino Médio. Trata-se de uma política de promoção de igualdade de oportunidades que, nos últimos anos, foi a responsável pelo aumento significativo das matrículas no ES desses discentes, que se diferenciam dos demais estudantes tradicionais, pois tendem a ter idade mais avançada quando ingressam no ES, possuem um vínculo empregatício e um agregado familiar (BAPTISTA, 2007, 2009; FRAGOSO; VALADAS, 2018a, 2018b; GONÇALVES, 2014; GONÇALVES et al., 2011; VALADAS; FRAGOSO, 2022). Apesar de o Brasil não ofertar concursos especiais para o acesso ao ES de estudantes mais velhos, nas últimas décadas, devido à política de cotas, observou-se uma crescente incidência de matrículas desses discentes, que se diferenciam dos convencionais - jovens adultos entre 18 e 24 anos - por um conjunto de variáveis psicossociais associadas à idade mais elevada (ALMEIDA et al., 2012; BARBOSA, 2019; DIAS et al., 2011; HERINGER, 2018; PASCUEIRO, 2009; PAULA, 2017; SMANIOTTO, 2011).
Apesar de se reconhecer que as políticas públicas tiveram sucesso ao promover a expansão e a massificação do ES, o que garantiu a esse novo público oriundo de realidades socioculturais mais desfavorecidas um acesso mais democrático à universidade, verifica-se que, infelizmente, as IES não estão suficientemente preparadas para essa mudança. Esta não preparação se traduz na ausência de políticas que garantam as condições necessárias à adaptação exitosa, à satisfação acadêmica e, consequentemente, ao sucesso acadêmico desses estudantes (ALMEIDA et al., 2012; BARBOSA, 2019; CERDEIRA; CABRITO; GEMELLI, 2021; HERINGER, 2018).
Nesse sentido, a necessidade de investigar o percurso acadêmico trilhado pelos estudantes após o ingresso no ES fez surgir, na área da Psicologia da Educação, diversos estudos sobre o processo de adaptação acadêmica, merecendo especial destaque os estudos sobre os perfis e necessidades acadêmicas dos estudantes adultos mais velhos, que, geralmente, acendem à universidade após estabelecerem vínculos profissionais e constituírem família. Esses discentes compõem, hoje, o novo público universitário brasileiro, convivendo cotidianamente com os demais estudantes - convencionais - apresentando um perfil heterogêneo e diversificado, não só pela condição socioeconômica ou pela idade, mas por assumirem, cotidianamente, uma multiplicidade de responsabilidades - profissionais, familiares e acadêmicas - e por apresentarem expectativas e motivações acadêmicas específicas (EGITO; SILVEIRA, 2018; FARIAS; ALMEIDA, 2020; FERRÃO; ALMEIDA, 2019; FRAGOSO; VALADAS, 2018a; MARTINS, 2016; PEREIRA-NETO; ALMEIDA, 2021; PINTO; LEITE, 2020).
Por outro lado, se para os estudantes - convencionais ou não - a adaptação acadêmica já era um desafio (ANDRIOLA; ARAÚJO, 2021; CAMPIRA et al., 2021; CASANOVA; BERNARDO; ALMEIDA, 2021; FIOR, 2021; FIOR; MERCURI, 2018; PINTO, 2020), durante a pandemia da Covid-19 e com a adoção do Ensino Remoto Emergencial (ERE), esses desafios aumentaram em diversidade e intensidade: alguns estudantes que haviam se separado dos pais tiveram que regressar à casa familiar - muitas distantes dos grandes centros urbanos; as relações interpessoais com colegas e professores passaram a figurar digitalmente; as aulas presenciais foram substituídas por aulas on-line; e, finalmente, os estudantes, conectados - bem ou mal - em suas casas, foram desafiados a implementar novas estratégias de estudos e aprendizagem. Em particular, os encontros (as)síncronos requisitaram dos discentes uma maior autonomia de estudo, impuseram a apropriação e o domínio de recursos tecnológicos, bem como o desenvolvimento de habilidades no manuseio das suas interfaces (AMARAL; POLYDORO, 2020; COBORENDÓN et al., 2022; NONATO; CONTRERAS-ESPINOSA, 2022; OLIVEIRA; SILVA, O.; SILVA, M., 2020; SEABRA; AIRES; TEIXEIRA, 2020).
Estudos desenvolvidos durante a pandemia apontaram que grande parte dos estudantes não possuíam uma infraestrutura digital satisfatória para o acompanhamento das atividades remotas. A começar pela ausência de um requisito básico - uma internet estável e de qualidade -, os estudantes relatavam que não possuíam equipamentos tecnológicos adequados (computador, tablet ou notebook) e que o ambiente familiar não era propício para o acompanhamento das atividades, uma vez que precisavam dividir o espaço com os demais membros da família e com suas atividades cotidianas (FERRAZ et al., 2020; KANASHIRO, 2021; SANTOS; REIS, 2021; SILVA, G.; FILHO; SILVA, M., 2021).
No intuito de amenizar essa desigualdade digital, o Ministério da Educação (MEC) e as IFES, dentre elas o Instituto Federal de Alagoas (IFAL), adotaram políticas públicas de auxílio estudantil, proporcionando aos estudantes sem condições de acesso à internet a manutenção do vínculo institucional, por meio da comunicação, orientação e interação de forma remota. No sentido de minorar as dificuldades desencadeadas pela mudança do modelo de ensino, os estudantes em vulnerabilidade social passaram a receber um SIM card (chip telefônico) com pacote de dados móveis e um auxílio conectividade, aporte financeiro para compra de um tablet (BRASIL, 2016, 2020a, 2020b).
Na busca de identificar os impactos da adoção do ERE na adaptação acadêmica e na propensão ao abandono ou permanência exitosa dos seus estudantes, as IES têm promovido diversos estudos sobre a satisfação com a experiência acadêmica remota. Considerada um constructo multidimensional, a satisfação acadêmica pode ser descrita como uma maioria pelo estudante que, ao vivenciar a sensação de avançar em seus objetivos educacionais, desenvolve um alto nível de identificação e pertencimento ao curso, estabelece boas relações interpessoais com os colegas e professores e, consequentemente, promove a qualidade das suas aprendizagens e o sentimento de sucesso acadêmico. Lógico que a pandemia e o ensino remoto complicaram as circunstâncias de vida acadêmica dos estudantes, sendo de se esperar desses discentes níveis mais elevados de insatisfação, cansaço emocional e dificuldade em regular as emoções (ESTRADA ARAOZ; GALLEGOS RAMOS, 2022; PELISSON; BORUCHOVITCH, 2022). Esses estudos podem contribuir para a validação da qualidade dos serviços educacionais prestados durante a pandemia, bem como permitem compreender como as condições vivenciadas pelos estudantes impactam a satisfação acadêmica, nos níveis de aprendizagem e, consequentemente, na sua intenção de permanência ou abandono do curso (AMBIEL et al., 2020; COBO-RENDÓN et al., 2022; HASSAN et al., 2021; OSTI et al., 2020a, 2020b; OSTI; PONTES JÚNIOR; ALMEIDA, 2021).
Na linha desse enquadramento teórico, o objetivo principal deste estudo foi avaliar, por meio da aplicação do Questionário de Satisfação com a Experiência Acadêmica Remota (QSEA-R), o nível de satisfação acadêmica de uma amostra de estudantes dos cursos superiores do IFAL/Maceió. O objetivo secundário da pesquisa foi investigar os fatores psicossociais que mais impactaram a satisfação acadêmica dos discentes durante a oferta do ERE.
2 METODOLOGIA
2.1 Participantes
Participaram do estudo 365 estudantes matriculados em 2021 (semestre letivo 2020.1) no ERE dos cursos superiores ofertados pelo IFAL. Os estudantes tinham idades entre 17 e 65 anos (M = 30, DP = 10,25), distribuídos em dois grupos etários: entre 17 e 24 anos (40,6%) e 30 anos ou mais (59,4%). A maioria estavam matriculados em cursos noturnos (69,6 %), eram do sexo feminino (61,3%), trabalhavam e estudavam ao mesmo tempo (65,2%) e possuíam uma renda mensal per capita igual ou inferior a 1.5 salários mínimos (55,11%). Esses estudantes frequentavam cursos de curta duração, denominados cursos tecnológicos (65.8%), seguidos dos cursos de longa duração, bacharelado e licenciatura (3412%).
2.2 Instrumentos
Foi utilizado neste estudo o QSEA-R, adaptado à modalidade de ERE dos estudantes brasileiros do ES, proposto por Pereira-Neto, Faria e Almeida (s.d.). Composto por 25 itens, o questionário avalia cinco dimensões: a) satisfação com os recursos econômicos - procurou descrever a satisfação dos estudantes quanto aos seus recursos econômicos e os impactos desencadeados pela Covid-19, envolvendo a suficiência de recursos para custear o curso, a sua própria subsistência e a infraestrutura digital necessária para o acompanhamento das atividades remotas; b) satisfação com o ensino remoto - buscou descrever a satisfação dos estudantes quanto ao ambiente remoto de ensino, envolvendo a avaliação da qualidade do ensino remoto, o relacionamento com os professores, a adequação dos métodos digitais de avaliação e o planejamento das atividades remotas; c) satisfação com a aprendizagem e o rendimento - descreveu a satisfação dos estudantes quanto à aprendizagem e ao rendimento acadêmico, envolvendo a organização dos estudos, os comportamentos de aprendizagem durante as aulas remotas, a participação nas aulas on-line (síncronas) e o comprometimento com a realização das atividades remotas (assíncronas); d) satisfação com as relações interpessoais - descreveu a satisfação dos estudantes quanto às relações interpessoais no contexto do ensino remoto, nomeadamente o estabelecimento e a manutenção das relações de amizade, agora mediadas pelas mídias digitais; e) satisfação profissional - buscou descrever a satisfação dos estudantes quanto à realização profissional, os projetos para o futuro, o investimento na carreira e a perspectiva de empregabilidade futura. Os estudos prévios encontraram coeficientes alfas de Cronbach acima de .70 nas várias dimensões do questionário, confirmando as qualidades métricas em termos de validade da estrutura interna e de fidedignidade.
Ademais, aplicou-se um Questionário Sociodemográfico com questões relacionadas às informações pessoais dos discentes - gênero, idade, curso, renda mensal, experiência profissional - e às vivências no ERE: condições para o estudo remoto (em termos de espaço, equipamentos e tempo de estudo); quantidade de horas por semana dedicadas aos estudos e à realização das atividades assíncronas; avaliação da participação (atenção) durante os encontros síncronos; satisfação com o rendimento acadêmico durante o ERE; propensão pessoal à permanência ou ao abandono dos estudos.
2.3 Procedimentos
Durante a pandemia da Covid-19, em 2020, as aulas nos cursos superiores do IFAL foram suspensas e somente foram retomadas em janeiro de 2021 no formato de ensino remoto (on-line). Em maio de 2021, após o término do primeiro semestre de implantação do ERE no IFAL/Maceió, referente ao semestre letivo 2020.1, o QSEA-R foi aplicado com o objetivo de avaliar o nível de satisfação dos estudantes com a experiência acadêmica remota. Cabe ressaltar que o Questionário de Satisfação com a Experiência Acadêmica (QSEA), originalmente proposto por Osti e Almeida (2019), fazia parte do rol de instrumentos de pesquisa do estudo de doutoramento em Ciências da Educação na Universidade do Minho, Braga-Portugal (parecer de aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa nº 4.338.899), precisou ser adaptado à realidade pandêmica, passando a denominar-se de Questionário de Satisfação com a Experiência Acadêmica Remota (QSEA-R) - um questionário eletrônico desenvolvido na plataforma do Google Docs, hospedado no link: https://forms.gle/uTk19XyGFTi3BShP9. Após a confidencialidade e o anonimato assegurados no tratamento dos dados, os discentes foram informados dos objetivos do estudo, convidados a aceder o formulário eletrônico e responder ao QSEA-R. As análises estatísticas foram realizadas com recurso do programa IBM/SPSS, versão 28.0.
3 RESULTADOS
As respostas dos estudantes ao Questionário Sociodemográfico, tomando as variáveis referente às condições satisfatórias para o estudo remoto e as suas propensões quanto à permanência ou ao abandono do curso, indicam que 39,5% dos estudantes responderam não possuir condições satisfatórias para o estudo remoto (on-line), enquanto 48,5% informaram ter pensado em abandonar os estudos durante a pandemia. Surpreendentemente, a maioria dos estudantes (91,5%) apresentaram intenção em continuar com os estudos no semestre 2020.2, mesmo cientes de que o IFAL ofertaria as disciplinas no modelo de ensino remoto. Na Tabela 1, são apresentados os resultados das respostas dos estudantes nas cinco dimensões da satisfação com a experiência acadêmica no ensino remoto, descrevendo a amplitude, a média, o desvio-padrão e o índice de assimetria e de curtose dos resultados.
Satisfação | N | Min. | Máx. | Média | Desvio padrão | Assimetria | Cuitose |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Profissional | 354 | 5.00 | 25.00 | 18.40 | 4.12 | -0.80 | 0.64 |
Interpessoal | 357 | 5.00 | 25.00 | 16.99 | 4.95 | -0.39 | -0.37 |
Recursos Econômicos | 357 | 5.00 | 25.00 | 14.95 | 5.14 | -0.11 | -0.61 |
Ensino Remoto | 357 | 5.00 | 25.00 | 18.84 | 4.24 | -0.89 | 0.80 |
Aprendizagem e o Rendimento | 357 | 5.00 | 25.00 | 17.22 | 4.25 | -0.66 | 0.36 |
Fonte: Elaboração própria (2021).
Podemos verificar que os resultados indicam média mais alta, ou seja, mais próxima da pontuação máxima, na dimensão de satisfação com o ensino remoto, bem como na dimensão de satisfação profissional. Em contrapartida, os resultados apontam média mais baixa nas respostas dos estudantes à dimensão de satisfação com os recursos econômicos. Em qualquer uma das cinco dimensões os resultados vão desde a pontuação mínima e máxima teoricamente possíveis, registrando-se níveis apropriados de assimetria e curtose no sentido de uma distribuição gaussiana dos valores da amostra.
Na Tabela 2, apresentam-se as análises de correlação, por meio do teste rô de Spearman, buscando a associação entre as respostas dos estudantes quanto à vivência no ERE e à percepção do próprio rendimento acadêmico.
Satisfação | Horas de estudo atividades assíncronas | Participação dos encontros síncronos | Satisfação com o próprio rendimento | Abandonar o curso em 2020.1 | Continuar os estudos em 2020.2 |
---|---|---|---|---|---|
Profissional | -0.02 | .221** | .403** | .281** | -.184** |
Interpessoal | 0.00 | .333** | .372** | .292** | -.160** |
Recursos Econômicos | -0.01 | .200** | .337** | .229** | -0.07 |
Ensino Remoto | -0.01 | .355** | .517** | .330** | -.162** |
Aprendizagem e o Rendimento | .143** | .611** | .741** | .498** | -.204** |
Legenda:
Fonte: Elaboração própria (2021).
* p < .05,
** p < .001.
Os dados apresentam níveis muito significativos de correlação nas respostas a todas as dimensões de satisfação acadêmicas estudadas em associação à avaliação dos estudantes quanto à participação nos encontros síncronos, ao seu próprio rendimento acadêmico e à sua propensão ao abandono dos estudos durante a oferta do ERE. Os resultados revelaram que a satisfação acadêmica é mais elevada entre discentes que melhor avaliaram sua participação nos encontros, mostraram-se satisfeitos com o seu próprio desempenho acadêmico e, consequentemente, não apresentaram desejo em abandonar os estudos. Os resultados revelaram também níveis elevados de satisfação acadêmica entre o grupo de estudantes que relataram desejo em dar continuidade aos estudos remotos no semestre 2020.2. Cabe fazer a ressalva de que os estudantes com maior propensão ao abandono do curso durante a oferta do ERE foram aqueles que manifestaram insatisfação com a dimensão de recursos econômicos.
Destaca-se também um dado significativo e isolado, quando comparadas as respostas dos discentes quanto às horas de estudos dedicadas à execução das atividades assíncronas, os estudantes que apresentaram uma satisfação positiva com a aprendizagem e o rendimento acadêmico foram aqueles que melhor se autorregularam, ou seja, conseguiram gerir o seu tempo para promover de forma exitosa o acompanhamento e execução das atividades, nas plataformas de ensino, sem a presença do professor.
Com o intuito de entender o impacto das variáveis psicossociais (renda mensal e infraestrutura digital para o estudo remoto) nos resultados das respostas dos estudantes ao QSEA-R, ante as correlações moderadas ou elevadas entre algumas dimensões do questionário, procedeu-se à análise múltipla de variância (F-Manova: 3 x 2).
A Tabela 3 apresenta a estatística descritiva dos resultados das respostas dos estudantes nas cinco dimensões de satisfação acadêmica, agrupados quanto ao gênero, às condições digitais satisfatórias e à renda mensal desses estudantes.
Dimensões de Satisfação | Renda familiar | Infraestrutura digital satisfatória | N | Média | Desvio Padrão |
---|---|---|---|---|---|
Até 1.5 salário | Sim | 98 | 19.70 | 3.68 | |
mínimo | Não | 86 | 17.15 | 4.48 | |
Profissional | Entre 1.5 e 3 | Sim | 74 | 19.01 | 3.77 |
salários mínimos | Não | 27 | 16.81 | 4.29 | |
Mais de três salários | Sim | 37 | 17.84 | 4.27 | |
mínimos | Não | 18 | 17.50 | 3.40 | |
Até 1.5 salário | Sim | 98 | 18.51 | 4.44 | |
mínimo | Não | 86 | 14.79 | 5.51 | |
Interpessoal | Entre 1.5 e 3 | Sim | 74 | 17.42 | 4.33 |
salários mínimos | Não | 27 | 15.00 | 4.60 | |
Mais de três salários | Sim | 37 | 18.73 | 4.69 | |
mínimos | Não | 18 | 17.00 | 4.35 | |
Até 1.5 salário | Sim | 98 | 15.40 | 4.38 | |
mínimo | Não | 86 | 10.44 | 4.44 | |
Recursos | Entre 1.5 e 3 | Sim | 74 | 16.35 | 3.92 |
Econômicos | salários mínimos | Não | 27 | 14.74 | 3.74 |
Mais de três salários | Sim | 37 | 19.35 | 4.28 | |
mínimos | Não | 18 | 19.17 | 5.14 | |
Até 1.5 salário | Sim | 98 | 20.20 | 3.56 | |
mínimo | Não | 86 | 16.73 | 4.47 | |
Ensino Remoto | Entre 1.5 e 3 | Sim | 74 | 19.85 | 3.44 |
salários mínimos | Não | 27 | 16.70 | 4.47 | |
Mais de três salários | Sim | 37 | 19.27 | 4.81 | |
mínimos | Não | 18 | 18.28 | 4.51 | |
Até 1.5 salário | Sim | 98 | 19.10 | 3.44 | |
mínimo | Não | 86 | 15.10 | 4.31 | |
Aprendizagem e o | Entre 1.5 e 3 | Sim | 74 | 18.47 | 3.33 |
Rendimento | salários mínimos | Não | 27 | 14.37 | 4.60 |
Mais de três salários | Sim | 37 | 18.11 | 4.16 | |
mínimos | Não | 18 | 14.67 | 3.97 |
Fonte: Elaboração própria (2021).
Tomando as médias nas dimensões do questionário, observa-se que os estudantes estiveram mais satisfeitos nas seguintes dimensões: profissional, que remete à expectativa de empregabilidade e à probabilidade futura de êxito profissional; e de ensino remoto, relacionada às vivências acadêmicas durante a oferta do ERE. Cabe fazer um especial destaque: os estudantes que melhor avaliaram essas duas dimensões foram aqueles que declararam possuir a infraestrutura digital satisfatória para o acompanhamento das atividades remotas. Em compensação, observa-se que a ausência de uma infraestrutura digital impactou demasiadamente a satisfação acadêmica dos discentes, especialmente nas dimensões relacionadas aos recursos econômicos e à autorregulação.
Na Tabela 4, apresentam-se os efeitos principais e de interação que se mostraram significativos tomando as duas variáveis independentes e as cinco dimensões de satisfação acadêmica com a experiência de ERE. Os resultados do teste de Levene apontaram homogeneidade de variância da amostra com valores de F de baixa magnitude e valores de p > .05.
Satisfação | Quadrado Médio | Z | Sig. | η2 | |
---|---|---|---|---|---|
Profissional | 14.74 | 0.914 | 0.40 | 0.01 | |
Interpessoal | 42.49 | 1.887 | 0.15 | 0.01 | |
Renda | Recursos Econômicos | 819.60 | 44.674 | 0.00 | 0.21 |
Ensino Remoto | 3.70 | 0.226 | 0.80 | 0.00 | |
Aprendizagem e o Rendimento | 18.16 | 1.218 | 0.30 | 0.01 | |
Profissional | 167.15 | 10.362 | 0.00 | 0.03 | |
Infraestrutura | Interpessoal | 399.50 | 17.739 | 0.00 | 0.05 |
Digital | Recursos Econômicos | 294.14 | 16.033 | 0.00 | 0.05 |
Ensino Remoto | 373.87 | 22.768 | 0.00 | 0.06 | |
Aprendizagem e o Rendimento | 859.58 | 57.658 | 0.00 | 0.15 | |
Profissional | 23.58 | 1.462 | 0.23 | 0.01 | |
Renda * | Interpessoal | 24.73 | 1.098 | 0.33 | 0.01 |
Infraestrutura | Recursos Econômicos | 149.66 | 8.157 | 0.00 | 0.05 |
Digital | Ensino Remoto | 29.71 | 1.809 | 0.17 | 0.01 |
Aprendizagem e o Rendimento | 1.84 | 0.124 | 0.88 | 0.00 |
Fonte: Elaboração própria (2021).
Iniciamos a análise tomando os efeitos secundários ou de interação entre as duas variáveis estudadas. Foram observados efeitos estatisticamente significativos na dimensão relacionada aos recursos econômicos (F (2,334) = 44.674, p < .001), com um Eta ao quadrado (η2 =.21), que explica 21% da variância de respostas da amostra. Esse efeito de interação das variáveis renda mensal e infraestrutura digital pode ser mais bem compreendido na análise do Gráfico 1.
Os estudantes que recebiam maiores salários, ou seja, declararam renda mensal superior a três salários mínimos, independentemente de possuírem ou não uma infraestrutura digital adequada aos estudos remotos, apresentaram-se mais satisfeitos com essa dimensão. Contudo, aqueles estudantes em vulnerabilidade social e que declararam não ter as condições adequadas - quanto aos equipamentos tecnológicos e ferramentas digitais necessárias ao acompanhamento das atividades remotas - apresentaram-se insatisfeitos com a dimensão de recursos econômicos. Essa diferença significativa nas respostas dos três grupos de estudantes, quando diferenciados quanto à renda mensal, é evidenciada pelo teste de Bonferroni (p < .001) e pela análise de correlação (r = .45, p < .001). A satisfação com os recursos econômicos está diretamente relacionada ao aumento da renda mensal dos estudantes.
Por fim, observa-se níveis significativos de desempenho em todas as dimensões de satisfação acadêmica estudadas, quando é tomada como referência a variável de infraestrutura digital. Os discentes que relataram possuir uma infraestrutura digital adequada para o acompanhamento das aulas e atividades remotas, independentemente da renda mensal, mostram-se mais satisfeitos em todas as dimensões estudadas.
4 DISCUSSãO
Nossos achados indicaram que os estudantes, impactados financeiramente pela pandemia da Covid-19, relataram não possuir a infraestrutura digital satisfatória necessária para o acompanhamento das atividades remotas, apresentando uma elevada propensão ao abandono do curso durante a oferta do ERE. Apesar dessa vulnerabilidade digital, a maioria absoluta dos estudantes apresentaram intenção em continuar com os estudos no semestre 2020.2, mesmo cientes de que o IFAL ofertaria as disciplinas no modelo de ensino remoto. Esses resultados, ao tempo que confirmam a existência de uma profunda desigualdade social e digital entre os estudantes, consagram os esforços desencadeados para minorar essas desigualdades (BRASIL, 2016, 2020a, 2020b). Durante a pandemia e a oferta do ERE, o IFAL priorizou o investimento em políticas públicas de auxílio estudantil, proporcionando, assim, ações que pudessem garantir a permanência exitosa dos seus estudantes em vulnerabilidade social (AMBIEL; BARROS, 2018; KANASHIRO, 2021).
Os resultados mostraram que os estudantes, ao final do primeiro semestre letivo, avaliaram positivamente a sua participação no ambiente remoto de ensino, no que tange à avaliação da qualidade do ensino, ao relacionamento com os professores, à adequação dos métodos digitais de avaliação e ao planejamento das atividades remotas. Apontaram também evidências de que as experiências vivenciadas no ERE proporcionaram perspectivas positivas quanto à realização profissional futura e à percepção de empregabilidade após a conclusão do curso, especialmente entre os estudantes em vulnerabilidade social. Entende-se que os discentes em vulnerabilidade social, geralmente aqueles com maior idade - denominados de “novo público” do ES - acreditam que o investimento na formação acadêmica em nível superior irá lhes garantir a possibilidade de mobilidade social ascendente, reforçando a ideia de estudos anteriores (GONZÁLEZ- -MONTEAGUDO; HERRERA-PASTOR; PADILLA-CARMONA, 2018; HERINGER, 2018; MARTINS, 2016; PINTO; LEITE, 2020; VALADAS; FRAGOSO, 2022).
Em contrapartida, nossos estudos apontaram uma destacada insatisfação com os recursos econômicos, revelando que a adaptação ao modelo de ensino remoto foi diretamente impactada pelas condições sociais e financeiras, fortemente comprometidas pela pandemia e pelas medidas de isolamento social adotadas, especialmente entre os estudantes com idade mais avançada. A pandemia gerou nos estudantes mais incertezas e dificuldades - emocionais, pessoais e financeiras - especialmente entre aqueles provenientes da população de baixa renda e que não possuíam a infraestrutura digital necessária para o acompanhamento das aulas e atividades remotas. Os resultados corroboram estudos anteriores (AMARAL; POLYDORO, 2020; FARIA; PEREIRA-NETO; ALMEIDA, 2021; OSTI; PONTES JÚNIOR; ALMEIDA, 2021) ao destacar que os recursos econômicos dos estudantes, fortemente apequenados pela pandemia da Covid-19 e pelas medidas de isolamento social adotadas, impactaram significativamente a satisfação acadêmica durante as vivências do ERE.
5 CONSIDERAçõES FINAIS
Conhecer os fatores que promovem a satisfação dos estudantes, sejam eles convencionais ou não, com base na avaliação dos seus interesses e percepções sobre as vivências experimentadas no ES, é essencial para auxiliá-los a alcançarem um aproveitamento satisfatório e exitoso. Ao mesmo tempo que permite compreender o perfil desses estudantes, a avaliação da satisfação acadêmica permite inferir sobre a eficácia dos contextos educativos e as ações institucionais envolvidas no processo de adaptação acadêmica dos estudantes durante a oferta do ERE.
Nossa pesquisa evidenciou desigualdades sociais entre os estudantes dos cursos superiores do IFAL/Maceió - especialmente quando os diferenciamos pela idade -, que, agravadas pela pandemia da Covid-19, geraram outro tipo de desigualdade: a digital. Os estudantes de maior idade apresentaram-se mais vulneráveis econômica e digitalmente, condição essa que interferiu significativamente nos níveis de satisfação acadêmica. Essa vulnerabilidade digital, vivenciada no contexto de ERE, impactou significativamente as perspectivas desses discentes quanto à realização profissional futura e à percepção de empregabilidade após a conclusão do curso. Porém, mesmo não possuindo a infraestrutura digital satisfatória para o acompanhamento das atividades remotas, a maioria absoluta dos estudantes mostraram-se motivados para a continuidade dos estudos, uma vez que acreditavam que só o investimento na própria formação acadêmica iria garantir-lhes a mobilidade social ascendente tão almejada.
Faz-se necessário também destacar o esforço do IFAL em promover políticas de assistência estudantil durante a pandemia e a oferta do ERE. A adoção de programas como o auxílio conectividade e o aporte financeiro, voltados aos estudantes em vulnerabilidade social e digital, promoveu as condições necessárias para o acompanhamento das atividades remotas, garantindo, com isso, a permanência exitosa dos discentes e, de certa forma, minimizando as desigualdades.
As limitações desta pesquisa apontam para a realização de estudos com amostras mais amplas, de diferentes instituições públicas e particulares e com outros constructos com os quais a satisfação acadêmica possa estar relacionada, como a integração acadêmica, a motivação para aprender e as expectativas dos estudantes em relação aos diversos aspectos da vida acadêmica. Como desdobramento deste estudo, seria pertinente desenvolver pesquisas futuras no intuito de investigar as variáveis que impactam a satisfação acadêmica dos estudantes, para além das suas características psicossociais, incluindo, para tal, as medidas de cultura e de comportamento institucional, os dados associados à natureza acadêmica e as medidas de desempenho, como o coeficiente de rendimento acadêmico e os índices de aprovação, reprovação e evasão.
Por fim, com este estudo, esperamos contribuir para a ampliação do conhecimento sobre os fenômenos relacionados com a satisfação acadêmica dos estudantes, especialmente aqueles que compõem o “novo público” universitário. Acreditamos que, ao entenderem o papel deste constructo em sua vivência acadêmica, esses discentes ficarão ainda mais comprometidos com o seu próprio processo formativo, potencializando, assim, o seu rendimento e sucesso acadêmico. Espera-se também que as IFES, fazendo uso de estudos sobre a satisfação acadêmica, possam melhor compreender o perfil psicossocial e identificar as expectativas e dificuldades vivenciadas pelos estudantes no processo de adaptação acadêmica, no intuito de proporcionarem condições equitativas de aprendizagem ao universo diversificado e heterogêneo da sua população estudantil, e, com isso, consigam avaliar a sua própria eficácia institucional e direcionar ações de planejamento, intervenção e investimento, a fim de promoverem o desenvolvimento integral e de garantirem a permanência exitosa dos seus estudantes.