1 Introdução
Estudos voltados para as correntes de melhoria escolar têm evidenciado o efeito positivo da escola na promoção da aprendizagem dos estudantes, bem como os fatores que influenciam na produção de resultados educativos mais eficazes (Murillo, 2003). Dentre os elementos que têm exercido influência positiva no alcance dos objetivos educacionais, situa-se como fator relevante a presença de gestores como líderes escolares (Barber; Mourshed, 2008; Pont; Nusche; Moorman, 2008) que facilitem a promoção do desenvolvimento profissional docente (Bolívar, 2019).
Comumente, entende-se por gestores escolares os profissionais que atuam na gestão da escola, como o diretor, o vice-diretor, o coordenador pedagógico e demais assistentes diretivos. Sabe-se que em diferentes países e sistemas educativos esses profissionais são denominados de distintas maneiras e, com o objetivo de simplificar a compreensão, neste estudo, eles são nomeados como gestores escolares.
Ainda que o tema da liderança escolar tenha se fortalecido na produção acadêmica das duas últimas décadas (Fullan, 2017; Goddard et al., 2015) e que se reconheça a liderança pedagógica dos gestores como uma das principais maneiras de promover a aprendizagem estudantil (Leithwood et al., 2006; Robinson; Lloyd; Rowe, 2014), cabe o reconhecimento de que o exercício dessa liderança ainda é um desafio a ser superado nas escolas e que há vazios quanto à produção acadêmica que vincule o tema ao desenvolvimento profissional docente (Weinstein et al., 2019).
A liderança pedagógica visa à melhoria do ensino e à aprendizagem (Bolívar, 2010) de maneira a estabelecer e perseguir objetivos educacionais, atuar sobre a organização do currículo, avaliar o ensino e a aprendizagem e promover o desenvolvimento profissional docente (Bolívar, 2019; Robinson; Lloyd; Rowe, 2014; Rodríguez-Molina, 2019). Entendida em seu sentido restrito, envolve liderar o projeto educativo em função da gestão do currículo. Compreendida em seu sentido mais amplo, envolve construir a direção da escola em função de um clima favorável à aprendizagem (Bolívar, 2019).
Um importante estudo de meta-análise que analisou os efeitos de diferentes tipos de liderança escolar concluiu que a liderança pedagógica tem de três a quatro vezes maior impacto na aprendizagem do aluno do que a liderança transformacional e reitera a necessidade de que as práticas de liderança dos gestores sejam direcionadas para a melhoria do ensino e da aprendizagem (Robinson; Lloyd; Rowe, 2014). A pesquisa também pondera que a dimensão vinculada à promoção e participação na aprendizagem do professor é a que tem maior efeito em relação às demais dimensões. Dessa forma, a combinação desses dois elementos centrais, liderança pedagógica e desenvolvimento profissional do professor, permite uma articulação poderosa para que a ajuda à escola promova continuamente a aprendizagem estudantil.
Diante desse cenário, torna-se necessária a ampliação da produção de conhecimento sobre como os gestores apoiam a aprendizagem dos professores e quais os desafios encontrados. Dessa maneira, este estudo analisa, por meio de uma revisão sistemática temática (Gough; Oliver; Thomas, 2012), 26 investigações publicadas entre 2010 e 2019, selecionadas por contribuir para o aporte de informação sobre o fazer dos gestores como líderes escolares frente ao desenvolvimento profissional docente. Os achados revelam: as tensões vividas entre a priorização do trabalho pedagógico e administrativo na escola; a relevância da confiança para o processo de desenvolvimento profissional docente; os desafios dos gestores escolares vinculados à gestão do tempo em relação às demandas escolares; e o apoio oferecido aos professores em sala de aula, por meio da observação das práticas e oferta de feedback.
Como sinaliza Bolívar (2019), o desenvolvimento profissional dos professores compreende o conjunto de atividades que os docentes realizam ao longo de suas carreiras como forma de aumentar sua competência profissional, assim como melhorar sua vivência da profissão. Perspectivas mais contemporâneas têm reconhecido e valorizado esses esforços no contexto das escolas. Com base nessas premissas, o trabalho dos gestores ganha contornos importantes e de maior relevância, já que possibilita criar tempos, espaços, oportunidades e experiências para que esse processo ocorra (Bolívar, 2019). Diante disso, o foco de análise deste estudo conflui para as conclusões de estudos anteriores que ressaltam que, ainda que muitos programas de desenvolvimento profissional possam ocorrer fora da escola, os mais eficientes acontecem em seu interior (González, 2011).
2 Metodologia: uma revisão sistemática
O objetivo do presente estudo foi identificar e analisar produções científicas para responder à seguinte questão: o que revelam as investigações sobre a liderança pedagógica dos gestores frente ao desenvolvimento profissional docente no contexto das escolas? Para este estudo, elegeram-se como recorte temporal os artigos publicados nos últimos dez anos, entre 2010 e 2019, de maneira a captar as pesquisas mais recentes sobre o tema. Como bases de busca, utilizaram-se as plataformas Web of Science e Scielo, tanto pelo rigor de indexação dos estudos quanto pelo impacto dos artigos. Para a realização das buscas, utilizaram-se duas combinações de palavras-chave: “liderança pedagógica, desenvolvimento, professor”; e “gestor escolar, formação continuada, professor”.
Inicialmente, foram encontrados 526 artigos. Desses, foram excluídos aqueles que não tratavam especificamente sobre o tema objeto de investigação deste trabalho, como, por exemplo, o desenvolvimento dos professores sem associação ao trabalho realizado pelos gestores ou sobre a formação continuada dos professores ocorrida fora do contexto das escolas.
Para a aplicação do critério de exclusão, foram lidos os resumos de todos os artigos e selecionados apenas aqueles que abordavam o tema de interesse a partir da pergunta de pesquisa estabelecida. A estrita abordagem do tema, o período de publicação bem como o idioma utilizado, inglês, espanhol e português, foram os critérios considerados para a seleção dos estudos.
Na Figura 1, podem-se observar as etapas de busca, exclusão e inclusão de estudos, de acordo com a declaração Prisma (Moher et al., 2009), que resultou em 26 artigos que serviram de corpus para a análise.
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Fonte: Elaboração própria (2019).
Figura 1 Etapas de identificação, triagem, eleição e inclusão dos artigos
Após a triagem, os artigos foram submetidos à análise de conteúdo, definida por Bardin (2011) como um conjunto de técnicas que dão conhecimento às ideias e aos significados expressos no conteúdo dos textos. Essa forma de análise e categorização permite a identificação dos aspectos mais significantes para os resultados da pesquisa, processo que é feito por meio da utilização de categorias.
Para realizar essa categorização, utilizou-se um enfoque dedutivo com base em temas apresentados em um estudo ampliado por Dempster et al. (2018). A escolha dessas categorias se deu por sua forte relação com o fazer profissional dos gestores escolares, a saber: I) sistema; II) lugar; III) pedagogia; IV) pessoas; e V) pessoal.
Quadro 1 Artigos selecionados para a revisão sistemática
Autor(es) | Título | Revista | Indexação | Ano |
---|---|---|---|---|
Albendea, R. S.; Martín- -Cuadrado, A. M. | Diagnosis de la problemática actual de las direcciones escolares | Revista Complutense de Educación, v. 28, n. 4, p. 1193-1210 | Scielo | 2017 |
Almeida, M. et al. | Atuar na indução de professores: que implicações para os diretores escolares portugueses? | Revista Portuguesa de Educação, v. 31, n. 2, p. 196-214 | Scielo | 2018 |
Altet, M. | A observação das práticas de ensino efetivas em sala de aula: pesquisa e formação | Pesquisa em Educação, v. 47, n. 166, p. 1196-1223 | Scielo | 2017 |
Aravena, F. et al. | Liderazgo escolar: una mirada a los criterios de éxito pedagógico de los jefes de unidad técnica pedagógica en Chile | Revista Calidad en la Educación, n. 51, p. 252-280 | Scielo | 2019 |
Bøe, M.; Hognestad, K. | Directing and facilitating distributed pedagogical leadership: best practices in early childhood education | International Journal of Leadership in Education, v. 20, n. 2, p. 133-148 | Web of Science | 2015 |
Castro, C. S. A. et al. | Competencias de liderazgo que movilizan docentes en puestos directivos escolares de establecimientos educativos particulares subvencionados de la V Región de Chile | Revista Educación, v. 43, n. 2, p. 201-219 | Scielo | 2019 |
Cansoy, R. et al. | Factors that limit effective administrative behaviors of school principals: a mixed method study | Journal of History Culture and Art Research, v. 7, n. 1, p. 65-76 | Web of Science | 2018 |
Contreras, T. S. | Liderazgo pedagógico, liderazgo docente y su papel en la mejora de la escuela: una aproximación teórica | Propósitos y Representaciones, v. 4, n. 2, p. 231-284 | Scielo | 2016 |
Conway, J. M.; Dorothy, A. | A school wide approach to leading pedagogical enhancement: an Australian perspective | Journal of Educational Change, v. 17, n. 1, p. 115-139 | Web of Science | 2015 |
Costa, E. et al. | School leaders’ insights regarding beginning teachers’ induction in Belgium, Finland and Portugal | Eurasian Journal of Educational Research, v. 81, p. 57-78 | Web of Science | 2019 |
Dhar, A. P. | Authentic leadership for teacher’s academic optimism: moderating effect of training comprehensiveness | European Journal of Training and Development, v. 40, n. 5 | Web of Science | 2016 |
García, J. E. et al. | Desarrollo profesional docente y liderazgo escolar en escuelas de Educación Básica | Revista Dilemas Contemporáneos: Educación, Política y Valores, v. 3, n. 2 | Scielo | 2016 |
Garcia, P. S.; Miranda, N. A. | A gestão escolar e a formação docente: um estudo em escolas de um município paulista | Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, v. 12, n. 4, p. 2210-2230 | Scielo | 2017 |
Kraft, M.; Gilmour, A. F. | Can principals promote teacher development as evaluators? A case study of principals’ views and experiences | Educational Administration Quarterly, p. 1-43 | Web of Science | 2016 |
Lambersky, J. | Understanding the human side of school leadership: principals’ impact on teachers’ morale, self-efficacy, stress, and commitment | Leadership and Policy in Schools, v. 15, n. 4, p. 379-405 | Web of Science | 2016 |
Liljenberg, M. | Teacher leadership modes and practices in a Swedish context: a case study | School Leadership & Management, v. 36, n. 1, p. 21-40 | Web of Science | 2016 |
Méndez, J. L. S. | How Mexican principals deal with teacher underperformance: a study of how public middle school principals in Mexico City manage underperforming teachers | Mexican Law Review, v. 5, n. 2, p. 373-398 | Scielo | 2013 |
Nguyễn, H. et al. | Assessing and strengthening patterns of instructional leadership among primary school principals in Vietnam | International Journal of Educational Management, v. 32, n. 3, p. 396-415 | Web of Science | 2018 |
Piyaman, P. et al. | Addressing the achievement gap: exploring principal leadership and teacher professional learning in urban and rural primary schools in Thailand | Journal of Educational Administration, v. 55, n. 6, p. 717-734 | Web of Science | 2017 |
Quiroga, M.; Aravena, F. | ¿Qué tipo de datos recolectan los directores? Consecuencias para la elaboración de planes de mejora | Revista Páginas de Educación, v. 11, n. 2, p. 24-39 | Scielo | 2018 |
Sato, T. et al. | Japanese elementary teachers’ professional development experiences in physical education lesson studies | Physical Education and Sport Pedagogy, v. 25, n. 2, p. 137-153 | Web of Science | 2019 |
Sentočnik, S. et al. | Educational reform in Georgia: recommendations for building leadership capacity as a critical success factor for instructional change | International Journal of Leadership in Education, v. 21, n. 6, p. 651-668 | Web of Science | 2016 |
Tapia- -Gutiérrez, C. P. et al. | Liderazgo de los directivos docentes en contextos vulnerables | Educación y Educadores, v. 14, n. 2, p. 389-409 | Scielo | 2011 |
Ulf, L. | Professional norms guiding school principals’ pedagogical leadership | International Journal of Educational Management, v. 4, n. 29, p. 461-476 | Web of Science | 2015 |
Wieczorek, D. et al. | Principals’ instructional feedback practices during race to the top | Leadership and Policy in Schools, v. 18, n. 3, p. 357-381 | Web of Science | 2018 |
Wind, S. A. et al. | Principals’ use of rating scale categories in classroom observations for teacher evaluation | School Effectiveness and School Improvement, v. 29, n. 3, p. 485-510 | Web of Science | 2018 |
Fonte: Elaboração própria (2019).
3 Resultados e discussão
Os 26 artigos analisados foram publicados, em sua maioria - 92% -, nos últimos cinco anos, momento que demonstra emergir com maior intensidade da produção acadêmica na temática. Não se identificaram publicação, livro, política ou investigação internacional que justificassem esse aumento de publicações a partir de 2015. Na Figura 2, pode ser visualizada a quantidade de artigos publicados por ano.
Os artigos analisados abrangem estudos realizados em 20 países1, sendo 16 escritos em inglês, sete em espanhol e três em português, fato que reitera a necessidade de ampliação de investigações sobre o tema em língua portuguesa. A perspectiva de análise utilizada pelos investigadores, em sua maioria, é de investigação qualitativa: 69%; seguida de estudos quantitativos: 23%; e de estudos semiqualitativos: 8%.
Ainda que os achados desta revisão estejam organizados a partir das categorias propostas por Dempster et al. (2018), fica explícita a proeminência de alguns temas que transversalmente aparecem em várias categorias, são eles: as tensões vividas pelos gestores entre o equilíbrio das demandas vinculadas ao trabalho administrativo e o pedagógico; a pertinência da confiança para o processo de desenvolvimento profissional; a gestão do tempo; e a proeminência do trabalho de observação de aula e feedback.
A realidade é complexa, dinâmica e multifatorial. Sendo assim, a organização dos achados em alguns temas se dá como forma de sistematizar o conhecimento recentemente acumulado e não tem a pretensão de determinar que esses achados pertençam exclusivamente a uma única categoria, pois se reconhece que os resultados encontrados possam extrapolar as categorias às quais estão vinculados.
3.1 Sistema: sobre a rede de ensino
A revisão sistemática evidencia como as políticas propostas pelos sistemas, nos quais as escolas estão inseridas, contribuem e/ou desafiam a liderança pedagógica dos gestores frente ao desenvolvimento profissional docente. Wieczorek et al. (2018), ao tratarem sobre o processo de observação de aula nos Estados Unidos, defendem que os sistemas educacionais precisam fornecer aos gestores e professores diretrizes claras e de caráter formativo. A oferta de rubricas, por exemplo, possibilita desenvolver um feedback construtivo capaz de produzir conversas que apoiem mais especificamente os professores em suas necessidades.
Em geral, os estudos enfatizam a necessidade da construção de políticas que apoiem o trabalho de formação dos gestores. Dentre os temas apontados como relevantes para esse processo formativo, estão o acesso, produção, gestão e interpretação de dados (Quiroga; Aravena, 2018) e o desenvolvimento de habilidades voltadas para a melhoria das relações interpessoais e construção de clima de confiança (Albendea; Martín-Cuadrado, 2017).
O tema das responsabilidades administrativas aparece transversalmente nas diferentes categorias dessa revisão. Kraft e Gilmour (2016) reforçam a necessidade da contratação de professores especialistas, nos Estados Unidos, para atuarem na formação dos demais professores das escolas em conteúdos específicos das disciplinas. Nessa mesma direção, Liljenberg (2016) reforça a necessidade de que as redes de ensino disponibilizem um profissional que seja responsável pela formação docente na instituição e Aravena et al. (2019) relatam que o excesso de demandas externas, voltadas para a prestação de contas, tem tensionado o exercício da liderança pedagógica dos gestores chilenos, trazendo à tona, além do tema das demandas administrativas, os aspectos vinculados às políticas de responsabilização escolar.
Sobre a gestão do tempo, estudos realizados no Vietnã e no Brasil abordam que os diretores revelam a necessidade do aumento de tempo em sua jornada de trabalho para que possam ter maiores condições de interagir com os professores no sentido de apoiá-los (Garcia; Miranda, 2017; Nguyễn et al., 2018). De maneira complementar, Méndez (2013) sugere que os gestores mexicanos necessitam diminuir o tempo gasto em tarefas burocráticas delegando-as mais à equipe administrativa da escola. As diferentes perspectivas sobre o tema presentes nesses estudos revelam como os gestores estão coordenando a gestão do tempo em sua rotina de trabalho e mostram a necessidade de entender melhor a relação entre o excesso de demandas administrativas, a organização da gestão do tempo e a descentralização de tarefas.
Nguyễn et al. (2018) citam que no Vietnã, na contratação dos gestores, selecionar um candidato que seja politicamente aceitável e “se encaixe” nas expectativas político-partidárias é mais relevante do que a formação acadêmica e o domínio de determinadas habilidades profissionais. Esse aspecto ressalta a necessidade de que os sistemas revisem seus processos de recrutamento e seleção de gestores escolares, de maneira a privilegiar competências técnico-pedagógicas.
Os achados vinculados à configuração das redes de ensino reforçam a relevância das políticas educacionais formuladas para os contextos em que são implementadas e a análise dos resultados apresentados não pode perder de vista essa dimensão. Ainda assim, mesmo em diferentes realidades, os resultados ressaltam a importância da influência de políticas que direcionam e fortalecem a realização do desenvolvimento profissional docente.
Junto a isso, como importante desafio a ser superado, fica evidente a necessidade da formulação de políticas que apoiem os gestores na formação dos professores da escola e que produzam maior orientação e preparo para a realização desse fazer. Outro ponto de destaque é a necessidade de maior equilíbrio/priorização entre as demandas administrativas e pedagógicas; esse constante tensionamento tem dificultado uma atuação mais centrada no apoio ao desenvolvimento da equipe docente.
3.2 Lugar: sobre o contexto em que se trabalha
Ainda que possa parecer pouco explícita a relação entre o contexto em que se trabalha, seja ele mais relacionado à escola ou ao bairro onde a escola está inserida, e a liderança pedagógica frente ao desenvolvimento dos professores, os achados encontrados revelam que esse contexto pode exercer influência sobre as demandas pedagógicas que são realizadas pelos gestores.
Tapia-Gutiérrez et al. (2011) destacam que, em contextos vulneráveis, os gestores espanhóis valorizam mais o compromisso dos professores e menos as dificuldades que eles apresentam. Essa situação ocorre porque os gestores reconhecem a importância dessa dedicação em lugares onde os desafios psicossociais e afetivos afligem mais fortemente os estudantes. Esse dado aponta para as especificidades das relações interpessoais que são estabelecidas em escolas localizadas em contextos sociais mais vulneráveis, de maior complexidade e desigualdade.
Sobre o tamanho das escolas e sua localização, Nguyễn et al. (2018) relatam não observar diferenças significativas entre escolas pequenas, médias e grandes, nem entre escolas urbanas e rurais considerando os padrões de liderança dos gestores vietnamitas em relação à aprendizagem dos professores. Contrapondo esse resultado, Piyaman et al. (2017) apontam que, na Tailândia, na percepção dos professores, diretores das escolas urbanas possuem maior liderança do que aqueles de escolas rurais. O estudo tailandês ainda sugere que, com o passar do tempo, a lacuna entre as diferenças nas qualificações e aprendizagens dos professores cresce e leva à defasagem dos docentes rurais.
Quiroga e Aravena (2018), ao tratarem sobre a coleta de dados que é feita nas escolas pelos diretores chilenos, revelam que não há diferenças significativas na quantidade de dados que são coletados em relação ao tamanho da escola, contestando afirmações de que o maior porte gera mais desafios em relação ao processo de coleta de informações que possam apoiar a tomada de decisão.
Liljenberg (2016) sinaliza em sua pesquisa sueca que as escolas secundárias, com forte tradição de trabalho focado em desenvolvimento dos conteúdos das disciplinas, foram identificadas como detentoras de maiores dificuldades em adotar uma cultura mais coletiva de aprendizagem dos professores, o que revela que a segmentação focada nos conteúdos dificulta o desenvolvimento do corpo docente com base em necessidades que sejam mais coletivas e gerais.
Entre convergências e divergências em relação ao tamanho e localização das escolas e o trabalho pedagógico realizado, algo que chama a atenção é a baixa quantidade de achados que vinculem o tema da liderança dos gestores frente ao desenvolvimento profissional docente e o contexto no qual as escolas estão inseridas. Talvez pelo fato de que essa relação possa ser menos óbvia e pouco explícita. Isso, de certa maneira, revela a necessidade de fortalecer estudos nessa área que conectem as condições e características da escola e do contexto no qual está inserida com o papel dos gestores frente ao desenvolvimento dos professores.
3.3 Pedagogia: sobre ensino e aprendizagem
Dentro da categoria pedagogia, que representa elementos do ensino e da aprendizagem, percebe-se que, mesmo em diferentes contextos, foram recorrentes os achados sobre o uso da observação de aula e do feedback como uma das formas de o gestor apoiar o desenvolvimento profissional docente. A recorrência temática reforça a disseminação dessa prática nos últimos anos.
Sobre a observação de aula, Sato et al. (2019) apontam que os professores japoneses aprendem mais ao terem suas aulas observadas por alguém que depois lhes ofereça um momento para reflexão sobre ela. Além disso, destacam que o uso de rubricas auxilia efetivamente, visto que permite maior variabilidade de critérios para a realização de análises com base no que foi observado. Para além do uso da observação de aula, os estudos também apontam outros aspectos importantes, como a necessidade de acompanhamento contínuo do ensino dos professores, sem julgamento e realizado de maneira colaborativa (Wieczorek et al., 2018).
Sobre a realização de feedbacks, o estudo realizado por Costa et al. (2019) apresenta três sugestões para o desenvolvimento profissional dos professores na Bélgica, Finlândia e Portugal: I) conduzir conversas instrutivas que propiciem recomendações aos professores com aconselhamentos e/ou sugestões; II) prover desenvolvimento profissional, com intentos voltados para a inovação e disponibilização de recursos necessários; e III) favorecer a reflexão pedagógica dos professores por meio do diálogo (Costa et al., 2019).
A respeito do processo de aprendizagem docente, o estudo realizado por Sato et al. (2019) aborda a importância de o gestor conhecer sobre Andragogia. Tal conhecimento possibilita a realização de um processo formativo docente mais assertivo, centrado em problemas e no uso de estratégias que propiciam a busca por níveis mais profundos de autorreflexão quanto ao ensino.
Os diretores turcos apontam para o fornecimento de ferramentas e de materiais aos professores que apoiem a melhoria da qualidade das aulas, o que reitera a importância da atenção com a disponibilização desses recursos (Cansoy et al., 2018). Sobre o uso de ambiente virtual, Garcia e Miranda (2017), estudiosos brasileiros, destacam que este é um espaço que pode contribuir com a interação e desenvolvimento dos professores.
Sobre os desafios encontrados, Aravena et al. (2019) evidenciam que há baixo repertório dos líderes chilenos acerca de quais elementos impactam na aprendizagem estudantil. Esse fator não só dificulta o apoio ao desenvolvimento profissional docente bem como dialoga com o resultado do estudo de Sentočnik et al. (2016). Estes últimos afirmam que os diretores da Geórgia carecem de uma sólida compreensão da teoria do ensino e da aprendizagem e, em geral, não são capazes de identificar práticas de ensino eficazes em sala de aula.
Ainda sobre o processo formativo dos gestores, um aspecto recorrente nos resultados dos estudos é a necessidade de desenvolvimento da liderança pedagógica (Almeida et al., 2018; Cansoy et al., 2018; Costa et al., 2019; Liljenberg, 2016). O relato de um professor turco reforça esse aspecto ao sinalizar que o diretor da escola normalmente usa o tempo apenas para tarefas administrativas e que, quando realiza visitas às salas de aula, essas demonstram ser voltadas para controle, e não para o desenvolvimento profissional (Cansoy et al., 2018).
Em relação à formação em serviço dos professores no Canadá, o estudo realizado por Lambersky (2016) evidencia a frustração dos participantes de reuniões para a avaliação do grupo, as quais são consideradas desnecessárias, pois abrangem material já compreendido. Essa ideia também é observada na análise de Garcia e Miranda (2017) sobre o processo de documentação de uma das escolas investigadas no Brasil, onde nota-se a ausência de preocupação aprofundada com a formação docente.
Os achados em relação ao tema pedagogia apontam para a disseminação das práticas de observação de aula e feedback como as mais presentes no desenvolvimento dos professores. Todavia, os resultados desses estudos demonstram que um dos desafios é a tensão entre a grande quantidade de professores a serem observados, a periodicidade dessas observações e a baixa quantidade de gestores para a realização deste trabalho.
Além disso, há poucos relatos sobre como desenvolver os professores em ações que sejam coletivas, de maneira a considerar a escola como uma comunidade profissional de aprendizagem (Bolívar, 2019), o que reforça a necessidade de avanços em estudos qualitativos de como esse desenvolvimento pode ocorrer de maneira mais eficiente.
3.4 Pessoas: sobre com quem se trabalha
Dentro dessa categoria, incluem-se os resultados vinculados às pessoas com as quais os gestores escolares trabalham, incluindo os próprios professores, e como essa relação/interação ocorre a partir de uma perspectiva do desenvolvimento profissional docente. O estudo de Méndez (2013) sinaliza que os gestores mexicanos se utilizam da relação com os estudantes para obter dados sobre o desempenho dos professores, por considerá-los como fontes importantes de informação. O estudo também aponta que, diante de conduta inadequada por parte dos professores, os diretores optam, em geral, por medidas informais, pois raramente usam as medidas legais existentes na escola.
Em contraposição ao estudo de Méndez (2013), que aborda estratégias para lidar com a conduta inadequada dos professores, Tapia-Gutiérrez et al. (2011) ressaltam a importância de estar próximo aos docentes, de maneira a produzir maior confiança nessa relação. O estudo destaca que permitir a participação intensa do professorado espanhol na agenda de discussão da escola aumenta o sentimento de pertencimento e o compromisso com a missão da instituição.
Saindo do campo individual das relações, para uma perspectiva mais comunitária, em outro estudo espanhol, Contreras (2016) aponta que, quando os gestores possibilitam aos professores o compartilhamento de suas aprendizagens, isso contribui para a aprendizagem da equipe. Nessa mesma perspectiva, o estudo de Costa et al. (2019) trata sobre a importância da criação de comunidades de aprendizagem entre os professores belgas, portugueses e finlandeses, nas quais eles possam criar redes de apoio. Garcia e Miranda (2017) indicam que, no caso do Brasil, os gestores reconhecem a necessidade de criar oportunidades para que os docentes, em início de carreira, trabalhem de maneira colaborativa com os colegas mais experientes.
A importância da construção de relação de confiança também é abordada por por Sentočnik et al. (2016), que ressaltam a relevância de os gestores da Geórgia demonstrarem confiança e crença na mudança desejada em relação ao trabalho dos professores de maneira a construir coalizões e fornecer redes de segurança aos docentes para que possam tentar novas abordagens em seu trabalho. Na perspectiva desse estudo, é preciso evitar a realização de julgamentos ou exercício de controle verticalizado. No contexto tailandês, Piyaman et al. (2017) apontam que a confiança pode influenciar positivamente no engajamento dos colegas de trabalho em atividades colaborativas que promovam o aprendizado compartilhado e o empoderamento das pessoas durante processos de tomada de decisão.
Em relação aos desafios encontrados nos estudos analisados, Quiroga e Aravena (2018) sinalizam que o trabalho de liderança realizado pelos gestores chilenos, na realidade, é muito mais pautado em um processo de controle do que de influência, e que, por exemplo, estes estão mais preocupados com o que fazem os pais dos estudantes do que com o que ensinam os professores. Sobre esse tema, Contreras (2016) sinaliza que os diretores na Espanha precisam estar mais presentes na relação junto aos professores. Isso possibilitaria o fortalecimento de uma função essencial que é o apoio aos docentes em seu processo de aprendizado.
Em escolas suecas, onde, além dos diretores, há os líderes de professores, o estudo realizado por Liljenberg (2016) relata que esses líderes alegam que os diretores e os professores transferem para eles as suas responsabilidades e que, muitas vezes, acabam por atuarem como interlocutores entre o diretor e os docentes.
Em relação à influência dos gestores sobre as emoções dos professores, o estudo canadense relata que os docentes afirmam que há pouco reforço positivo por parte dos diretores em relação ao trabalho feito (Lambersky, 2016). O estudo ainda aponta que, em um esforço por demonstrar as “melhores práticas” docentes, os diretores acabam verbalizando de maneira a parecer para os demais professores que alguns ministram aulas de maneira superior e o tom com que isso, por vezes, ocorre faz diminuir a sensação de autoeficácia de alguns professores.
Os achados relacionados à categoria de pessoas apontam para a importância da construção de um trabalho coletivo, com espírito de comunidade pautado em relações de confiança. Além disso, os estudos ressaltam pontos de atenção vinculados às relações estabelecidas entre os diretores e líderes intermediários na escola, de maneira a produzir reflexões sobre como essa distribuição de poder e de funções pode ser produtiva para o desenvolvimento profissional docente. Junto a isso, as pesquisas reforçam a necessidade de manutenção de um clima harmônico pautado em boas relações interpessoais.
3.5 Pessoal: sobre os gestores escolares
Em relação à categoria pessoal, abordam-se aspectos mais relacionados aos gestores, suas características, valores e crenças. Uma variável que apresentou impacto no trabalho de liderança realizado pelos diretores chilenos é o gênero. O estudo de Castro et al. (2019) demonstra que as mulheres impactam mais positivamente do que os homens no trabalho de liderança que é realizado pela escola.
Sobre algumas das características e valores dos gestores, o estudo realizado na Índia sinaliza que a atitude do diretor menos defensiva com o ambiente e as situações existentes pode aumentar o otimismo e comprometimento do corpo docente (Dhar, 2016). Líderes escolares suecos, por sua vez, formam suas concepções de responsabilidade em relação ao fazer escolar, a partir de dois aspectos centrais: I) suas crenças e valores sobre o que podem e devem fazer; e II) as responsabilidades individuais e valores que definem a organização em que trabalham (Ulf, 2015).
Complementando o perfil dos gestores, Albendea e Martín-Cuadrado (2017) revelam que os gestores espanhóis possuem baixa formação focada em gestão. De acordo com esses autores, 73% dos gestores investigados relataram que a formação realizada foi um único curso de 60 horas. Ainda sobre a escassa formação, o estudo realizado por Kraft e Gilmour (2016) expressa a preocupação dos diretores americanos de não se sentirem capazes de fornecer feedback que possa apoiar o crescimento profissional individual dos docentes.
O estudo canadense sinaliza que a falta de empatia por parte dos diretores produz impacto negativo no moral dos professores e na satisfação no trabalho. Aproximadamente um terço dos docentes investigados no estudo relata que seus diretores, muitas vezes, não os reconheciam como indivíduos. Eles relatam se sentir apenas como “números” e ressaltam que o papel de liderança exige que você tenha sensibilidade, compaixão e inteligência emocional (Lambersky, 2016). Ainda sobre a caracterização dos diretores, algo que chama a atenção no estudo realizado por Garcia e Miranda (2017) é que os diretores brasileiros entrevistados relatam não se considerar responsáveis pela formação dos professores, ou seja, não entendem isso como parte da sua identidade profissional. Essa percepção identitária pode produzir tensionamentos improdutivos para a aprendizagem docente no contexto das escolas.
4 Considerações finais
A análise de conteúdo dos estudos evidenciou a influência das políticas públicas para o direcionamento do trabalho diretivo bem como a necessidade de maior equilíbrio entre as demandas administrativas e pedagógicas, uma vez que as inúmeras atribuições dos gestores têm dificultado uma atuação mais voltada ao desenvolvimento docente. Sobre esse aspecto, Bolívar (2019) sinaliza que, se desejamos mudar os papéis exercidos nas organizações, ao invés de proclamá-los, é preferível criar estruturas e contextos que apoiem e promovam as práticas desejadas. Ou seja, é preciso construir sistemas educativos que verdadeiramente tenham as questões pedagógicas no centro do debate.
A observação de aula e a realização de feedback são as estratégias mais disseminadas e abordadas pelos estudos em relação ao desenvolvimento dos professores, trazendo a necessidade de avanço em pesquisas que forneçam alternativas para o desenvolvimento profissional do corpo docente como um todo, e não apenas individualmente. Sobre esse aspecto, Bolívar (2019) argumenta que a gestão via supervisão individual é pouco realista e corresponde ao que Fullan (2017) denomina demência da microgestão, ou seja, a crença de que os diretores possam observar aulas e oferecer devolutivas individuais a todos os professores concomitante ao desempenho de outras funções.
Nota-se também a presença recorrente de um discurso de desprofissionalização e despreparo dos gestores, especialmente do diretor, com relação ao processo de desenvolvimento profissional docente. Análises mais críticas poderiam avançar em compreender as agendas às quais essas narrativas estão vinculadas e quais os efeitos para a identidade e profissionalização dos gestores como líderes no contexto das escolas.
Por ser um estudo que considerou em seu corpus investigações produzidas em diferentes contextos sociais, políticos e econômicos, uma de suas limitações é que os resultados apresentados precisam ser utilizados levando esses contextos em consideração, ainda que, apesar dos diferentes contextos de produção, há que considerar as conclusões confluentes a que se chegam os estudos e que foram apresentadas nesta revisão que permite uma visão mais ampla no âmbito internacional de maneira a contribuir com a construção de um estado do conhecimento sobre a temática.
Outro fator a considerar é que muitas das pesquisas utilizadas foram influenciadas em sua produção por políticas locais que estavam sendo implementadas nos países durante a realização da investigação e que não foram objetos diretos de análise desta revisão. É importante ressaltar que uma melhor compreensão de resultados específicos de cada estudo utilizado nesta revisão pode exigir um aprofundamento nessas políticas. Ainda assim, mesmo em diferentes realidades, muitos dos achados se mostraram recorrentes e similares.
Por fim, há que se constatar os avanços produzidos e o extenso conhecimento acumulado disponível a ser utilizado pelos trabalhos analisados. Esta revisão partiu, portanto, da premissa de que as questões relacionadas ao ensino e aprendizagem são responsabilidade de todos os participantes do processo escolar e que esse trabalho precisa ser amplamente apoiado por uma equipe gestora que se vê implicada nessa missão. Sem líderes pedagógicos na gestão das escolas e sem docentes bem-preparados nas salas de aulas, há poucas possibilidades de melhoria das aprendizagens dos estudantes. Essa conclusão apoia-se nos pressupostos que evidenciam que o estabelecimento escolar é o espaço mais propício para que esse desenvolvimento ocorra.