1 Introdução
A educação brasileira, a partir do início da pandemia da Covid-19, em março de 2020, com a suspensão das atividades presenciais educacionais, para a maioria da população, centrou-se mais em cuidados com higiene e segurança sanitária difundidos pelas mais diversas mídias, revelando as carências dos estudantes das classes socioeconômicas mais fragilizadas, estabelecendo um distanciamento físico entre professores e discentes que transformou o modus operandi do ensino, da aprendizagem e da avaliação nos contextos educacionais.
De certa forma, a história da educação no século XXI, no Brasil e no mundo, ficará para sempre dividida no período pré-pandemia e no contexto pós-pandemia, com mudanças radicais nos diversos âmbitos e práticas educacionais que possibilitaram novas formas de atuar, perceber e resolver problemas em ambientes virtuais de aprendizagem. Este contexto de incertezas, desencadeado pela Covid-19, resultou em grandes mudanças para a nossa educação.
Foi necessário que as entidades educacionais brasileiras definissem especificações para a normatização das ações de forma remota e que tentassem evitar o contágio em milhares de escolas e centenas de instituições de nível Técnico e Superior. Em outros termos, a nosso sistema educacional se deparou com o grande desafio de reorganização, buscando minimizar os prejuízos aos estudantes, em um cenário no qual a mediação tecnológica se mostrou fundamental. Soares (2021) assevera que
o mundo não será mais o mesmo e tanto as relações sociais quanto as relações educacionais estão sofrendo mudanças profundas. Dessa forma, os profissionais do âmbito educacional foram condicionados a abraçar a dependência da educação mediada por tecnologias para o desenvolvimento de suas atividades (p. 104).
A avaliação da aprendizagem sempre foi um tema central de pesquisas em Educação. Na Educação Matemática brasileira não é diferente, a ponto de existir um grupo de trabalho na Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), o GT-08, denominado Avaliação e Educação Matemática, com relevantes contribuições para auxiliar os professores a utilizar recursos metodológicos avaliativos diversificados, extrapolando as tradicionais provas.
No contexto presencial pré-pandêmico da Covid-19, era usual nas práticas de sala de aula de Matemática no Brasil, os professores adotarem uma postura de ensino tradicional, com a prevalência de aulas expositivas, seguidas de verificação da aprendizagem por meio de provas formais presenciais, com poucas e incipientes iniciativas de análise de erros. Cada estudante recebia uma nota final, fruto do seu desempenho na avaliação, embasada no número de acertos, ou seja, privilegiando critérios quantitativos em detrimento dos qualitativos. Eventualmente, havia atividades extras mais criativas, mas ocorria a prova tradicional, geralmente com duração de uma hora-aula (cerca de 50 minutos), individual e sob supervisão docente para que o processo avaliativo tivesse uniformidade e lisura predominasse em tempos pré-pandemia.
Com o início do primeiro semestre letivo de 2020, e a suspensão por tempo indeterminado das aulas presenciais nas escolas públicas e privadas no território brasileiro, um novo vocabulário emergiu, com termos que antes ficavam reservados a alguns artigos científicos, e logo passou a ser utilizado para guiar as ações educativas, examinativas e avaliativas no contexto escolar, em particular, no contexto da sala de aula de Matemática. Tais termos ganharam notoriedade e literalmente passaram a frequentar o vocabulário popular e os contextos educacionais, tais como: ensino remoto, provas e testes online em plataforma virtuais, ambientes virtuais de aprendizagem, ensino híbrido, aulas síncronas e assíncronas. No início dessa fase, Borba (2021) alertou que
no Brasil, jornais dizem que professores estão “enlouquecendo” com cobranças de alunos vindos do WhatsApp e de outras redes sociais, como alunos e pais em sua casa não consegue lidar com as tarefas da escola. A avaliação é outro problema: podemos avaliar alunos tão jovens conectados? A ajuda dos pais é permitida? Esse tipo de questão ainda não foi pesquisado (p. 387).
Em um curto intervalo de tempo, presenciamos uma mudança radical na forma de ensinar, avaliar e examinar a aprendizagem e as percepções discentes. Se antes da pandemia, em grande parte, as ações examinativas e avaliativas eram presenciais, com o alastramento do novo coronavírus, elas se voltaram para telas de computadores, notebooks e aparelhos celulares.
Dessa forma, buscamos investigar, em 2021, por meio de um questionário online, aberto e anônimo, as percepções de professores de Matemática, Física, Química e Biologia acerca das ações de avaliação remota no cenário pandêmico. Diante do exposto, este artigo teve por objetivo responder à seguinte questão de pesquisa: Quais são as percepções e ações avaliativas mobilizadas por professores da área de Ciências da Natureza e de Matemática durante a pandemia da Covid-19?
Na próxima seção, apresentaremos alguns dos referenciais teóricos que nortearam nossas investigações.
2 Referenciais Teóricos
Para embasar nossas argumentações e análises, escolhemos duas categorias teóricas: (i) Ser professor durante o ERE e (ii) Ser professor no ERE e avaliar durante um período de isolamento social.
2.1 Atuar como professor com o ERE na pandemia da Covid-19
A pandemia de Covid-19 trouxe dor e sofrimento para a humanidade por todo o globo, mas, ao mesmo tempo, evidenciou para muitos a importância do conhecimento científico. Miarka e Maltempi (2020, p. 3) observam que, “pela primeira vez, desde a Segunda Guerra Mundial, o mundo inteiro está voltado para um mesmo problema”. Silva et al. (2021) asseveram que
a pandemia de Covid-19 é a mais grave crise humanitária dos últimos cem anos no mundo todo. A crise exigiu um esforço global dos mais diversos setores da sociedade, de cientistas a líderes políticos, para estudar, refletir e antecipar como o mundo, a países, habitação, trabalho e ambientes de estudo poderiam ser protegidos. O desenvolvimento de vacinas em menos de um ano foi uma grande vitória para a ciência e trouxe esperança para a humanidade (p. 269).
Esses autores lembram que diversas universidades brasileiras e associações profissionais se mobilizaram para disponibilizar informações, e combater fake news que disseminavam desinformação nas redes sociais, criando portais nos quais atualizavam a população sobre as pesquisas em andamento relacionadas à Covid-19, observatórios e plataformas para divulgar informações, locais ou gerais, na tentativa de promover a conscientização e, ao mesmo tempo, reivindicar medidas governamentais.
Breda e Cruz (2021) observam que a pandemia Covid-19 destacou a utilidade da Matemática para nossa sociedade, sobretudo, na divulgação de dados pelos meios de comunicação de massa, bombardeando o cidadão comum com atualizações diárias de números relativos aos casos de contaminação, de internações e de mortes, no cálculo dos índices de transmissibilidade, além de promover medidas de combate à propagação do vírus. Segundo essas autoras,
No contexto da pandemia Covid-19, a necessidade de garantir o acesso à Educação foi sentida por todo o mundo, tendo sido criados vários projetos para proteger o direito à Educação, como a plataforma de colaboração e intercâmbio “Global Education Coalition” da UNESCO (2020). Muitos estudos, nacionais e internacionais, têm refletido sobre a Educação em tempos de pandemia, apontando possíveis recursos e metodologias [...]. Estas medidas regem-se por prioridades, entre as quais, práticas de ensino com recurso a meios tecnológicos digitais e redes de colaboração para atividades educativas na escola com instituições do ensino superior diretamente ligadas à formação de professores (BREDA e CRUZ, 2021, p. 87-88).
Em consonância com essas ideias, Cazorla et al. (2020) asseveram que
a crise sanitária vivenciada pela humanidade evidencia a importância da ciência, em especial da Matemática e da Estatística, na compreensão da Pandemia da Covid-19. Mais do que apenas a compreensão de números e padrões, este fenômeno traz em seu bojo a necessidade de romper os muros da disciplinaridade e a necessidade da transversalidade (p. 437).
Esses autores defendem que a formação inicial e continuada de professores da Educação Básica receba recursos e apoio para a superação de uma organização tradicional de ensino, baseada em uma estrutura curricular fragmentada, em prol de uma organização inter e transdisciplinar, que possa atender às demandas reais da sociedade.
Cazorla et al. (2020) afirmam que propósitos educacionais precisam urgentemente ser repensados quanto a elaboração e exploração dos materiais didáticos adotados, às propostas de trabalho inter e transdisciplinar, bem como à compreensão das formas de aprendizagem. Para tanto, reconhecem que se faz necessário articular a compreensão dos professores ao desejo dos estudantes, atribuindo “trabalhos que possibilitem interagir com os estudantes e promover a discussão e reflexão crítica” no contexto pandêmico (CAZORLA et al., 2020, p. 440).
Geronimo, Araújo e Giordano (2021) reconhecem essas novas oportunidades, mas enfatizam os desafios inerentes a elas, ao reconhecer que tanto os professores quanto os gestores educacionais não estavam preparados para enfrentar essa nova realidade. Já havia, em nosso país, uma ampla experiência no planejamento e desenvolvimento de propostas educacionais na modalidade Ensino a Distância (EaD). Entretanto, os modelos EaD exigiam planejamento prévio, capacitação de professores e estudantes para exploração de plataformas multimídia, chats e salas de reuniões virtuais.
Já o Ensino Remoto Emergencial (ERE) “se caracterizou pela precariedade de recursos e pelo improviso. Muitos estudantes e até mesmo professores não dispunham de equipamento adequado (smartphones, tablets, computadores) para suas aulas. Muitos dos que possuíam minimamente tais recursos, apresentavam baixo nível de letramento computacional” (GERONIMO, ARAÚJO e GIORDANO, 2021, p. 270-271).
Santos (2021, p. 111) destaca que essa nova realidade exigiu dos professores “uma rápida resposta para garantir a efetividade das atividades didático-pedagógicas, ao ponto de terem, também, que apropriarem-se de modo mais efetivo das tecnologias digitais da informação e comunicação - TDIC” Diante desse quadro, segundo o autor, esses profissionais “tiveram que (re)pensar as melhores maneiras de se ensinar e aprender cada componente curricular dentro de um novo contexto emergente - o Ensino Remoto Emergencial (ERE)” (SANTOS, 2021, p. 111). Borba (2021), no ápice da pandemia de Covid-19, observou que
professores que dão cinquenta aulas por semana não terão tempo para aprender a usar a tecnologia digital para o ensino. Com muitos estados e cidades educacionais sistemas forçados a ficar online por causa da crise pandêmica, o argumento para usar a tecnologia é muito forte. É provável que tenhamos muitas pesquisas associadas a essa nova realidade. [...] Mas o foco não pode ser apenas nos professores. Como crianças experimentam esta versão da educação em casa? Há também muitas piadas nas redes sociais redes sobre pais perdendo o controle ao se tornarem mestres familiares ao mesmo tempo em que tiveram que implementar o home-office (p. 388).
Almeida, Arrigo e Broietti (2020, p. 6) notaram que mesmo estudantes de pós- graduação se depararam com sérias dificuldades para adaptar-se ao ERE, sendo que “o maior número de dificuldades e impactos negativos elencados residiram no uso do sistema de ensino adotado no cenário de pandemia”.
Analisando relatos de estudantes de pós-graduação em Educação Matemática e em Ensino de Ciências, concluíram ser “notório que a qualidade das aulas no sistema de ensino remoto, quando comparada com o ensino presencial, é sentida pelos acadêmicos”, devido sobretudo à “a falta de familiaridade frente ao novo modelo” (ALMEIDA, ARRIGO e BROIETTI, 2020, p. 19). Eles concluem que nesse cenário se faz necessário se reinventar para superar a crise educacional no contexto pandêmico. Concordando com esses autores, Scalabrin e Mussato (2020, p. 1) asseveram que o ensino remoto requer “novas metodologias de ensino, as quais necessitam de tecnologias digitais, mas que podem transformar o papel do professor e dos estudantes, ressignificando os conceitos de ensino e aprendizagem”.
A definição do ERE, enquanto nova modalidade de ensino, envolveu polêmica entre os professores, pesquisadores e gestores educacionais desde o início, uma vez que não envolviam aspectos estritamente didático-pedagógicos.
Esses autores observam que o ERE foi apresentado para a sociedade como única alternativa possível para substituição ao funcionamento presencial das escolas. No entanto, sobretudo nas escolas públicas, sua implementação ocorreu de forma precária, não atendendo minimamente as condições educacionais para promoção de uma formação de qualidade, crítica e cidadã.
Saviani e Galvão (2021) reiteraram que, embora alguns impactos educacionais dessa crise sanitária planetária fossem inevitáveis, poderiam ter assumido menores proporções, em nosso país, se tivéssemos um comando federal integrador, que dialogasse com as instituições democráticas e respeitasse as evidências científicas.
Aquilo que se convencionou chamar de ‘novo normal’, segundo esses pesquisadores, não passa de uma tentativa malograda de “dar uma aparência ordinária ao que não pode e não deve ser tratado como fato corriqueiro da vida” (SAVIANI e GALVÃO, 2021, p. 43). Eles alertam que o ERE se configurou como uma opção muito atraente ao capital, à qual toda a sociedade deveria se contrapor, e acrescentam que
diante da grave situação em que nos encontramos, dos retrocessos estabelecidos e das consequências que teremos que enfrentar, precisamos mais do que nunca nos comprometer com a luta pela qualidade da educação e resistir coletivamente aos ataques que sofremos, sem concessões e “puxadinhos pedagógicos” (p. 45).
Em consonância com essas ideias, Monteiro e Senicato (2020, p. 324) ressaltam os aspectos tecnicistas e procedimentais que envolveram muitas discussões em torno do ERE, relegando a um segundo plano o diálogo: “fomos atropelados por recursos tecnológicos que rapidamente foram disponibilizados sem muita discussão, reflexão e participação daqueles que são diretamente envolvidos no problema. A escola- laboratório passa a conviver com propostas que carecem de debates e problematizações”.
Borba (2021) assevera que somente a Matemática não bastará, lembrando a obra de Freire (1968) sobre a pedagogia do oprimido, e acrescenta: “A criação da agenda deve considerar, por exemplo, o papel que a casa, como ‘coisa’ física e emocional, tem na pandemia. Temos coletivos de casa-pais-internet-estudante-professor como unidade mínima do agente coletivo que produz conhecimento” (BORBA, 2021, p. 395). Kistemann Jr., Rosa e Orey (2022) ressaltam o papel fundamental dos professores brasileiros para
banir uma elite que ignora os fatos científicos, debocha das mortes de seus cidadãos e mantém-se com privilégios, com as melhores equipes de médicos e têm acesso aos medicamentos e melhores cuidados hospitalares e de saúde, enquanto a massa do povo perece, empobrece e sofre as consequências da desigualdade social que se espalha há tempos no contexto nacional (p. 3).
A presença das tecnologias digitais nesse contexto também é lembrada por Kripka, Boito e Valério, (2021, p. 101), ao afirmar “ser relevante em investigações futuras mapear quais foram as tecnologias utilizadas, nesse período, e se, de fato, elas foram consideradas adequadas para promover a qualificação da aprendizagem em Matemática”. Apesar de todas as dificuldades enfrentadas, essas autoras destacam que os professores de Matemática das escolas continuam comprometidos e embora nem todos apresentem amplo domínio no uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) passaram a usá-las, na medida do possível.
Soares (2021) também vê alguns aspectos positivos resultantes da influência do isolamento social pandêmico na educação, pois “o impedimento das aulas presenciais fortaleceu a utilização das redes sociais e ferramentas tecnológicas para o desenvolvimento das atividades de ensino e aprendizagem de forma remota [...] nos processos de ensino e aprendizagem de Matemática” (p. 103).
2.2 Avaliação: os desafios de se avaliar de maneira formativa, inclusive em contextos de isolamento social e crise sanitária
As ações lineares sobre o currículo escolar colocam as práticas avaliativas, em geral, como momentos de verificação da aprendizagem de conteúdos previamente trabalhados no contexto da sala de aula, para certificar o estudante. Ou seja, o professor apenas cumpre o programa prescrito pela rede escolar e utiliza somente a função somativa da avaliação, que serve apenas para classificar os estudantes de várias formas: por meio de notas ou menções; quando são agrupados por nível de aprendizagem, para a constituição de turmas; quando são rotulados em fortes, médios e fracos (VILLAS BOAS, 2006).
A avaliação da aprendizagem matemática tem sido foco de inúmeras pesquisas no contexto da educação brasileira, as quais têm buscado fundamentação nas contribuiçoes de Hadji (1994 e 2001), Fernandes (2005a e 2005b), Perrenoud (1999), Luckesi (2011), Hoffmann (2017). Com a ocorrência da pandemia da Covid-19, novas temáticas se ajuntaram a elas.
A adequação de novas práticas avaliativas durante o ensino remoto buscou alinhar-se aos processos de ensino e de aprendizagem no contexto das plataformas digitais de modo a promover uma avaliação formativa. Amante e Oliveira (2016, p. 1) afirmam que a “avaliação é um processo central no ensino e é através da avaliação que o professor pode perceber se a trajetória por ele desenhada resulta na aprendizagem pretendida”.
Embasados nos autores citados acima que nos guiam em nossas ações avaliativas, entendemos que a avaliação da aprendizagem de temas científicos (presencial ou remota) deve assumir um papel formador e regulador dos processos de ensino e de aprendizagem. Esse modelo propicia aos estudantes o desenvolvimento de competências de autorregulação de seus processos de aprendizagem matemática por meio do feedback, da autoavaliação e da avaliação por pares. Esse modelo de avaliação também é salutar ao professor, pois permite refletir sobre a adequação das estratégias de ensino aos percursos de aprendizagem dos diferentes alunos (COSTA, 2017).
Destacamos que essa avaliação da aprendizagem, em uma perspectiva formativa, demanda uma multiplicidade de instrumentos, como observação, acompanhamento pedagógico individualizado dos estudantes, inclusive com uma atenção docente aos erros cometidos por eles e como transformá-los em acertos. Costa (2017) destaca que muitos professores ainda tendem a valorizar mais a prova tradicional, mantendo uma avaliação classificatória, pois suas concepções são fortemente influenciadas por uma tendência quantitativa que considera fundamental a conversão do que o estudante aprendeu em um valor numérico, ou seja, em nota.
Destarte as práticas avaliativas em geral tendem a se converter num instrumento que privilegia a capacidade técnica dos estudantes em contexto de paradigma do exercício (SKOVSMOSE, 2000), considerando mais correta a resposta que apresenta o algoritmo formal, a sequência finita e ordenada de regras ensinadas em sala de aula. Independentemente das divergências teóricas sobre a amplitude do conceito, os autores da avaliação formativa (HADJI, 1994; PERRENOUD, 1999; LUCKESI, 2011; HOFFMANN, 2017, entre outros) concordam sobre a crítica aos modelos tradicionais de avaliação, focados na nota obtida a partir de correções de erros e acertos.
Vaz e Nasser (2019) observam que a avaliação escolar que se conhece hoje surgiu por volta do século XVII, e que talvez não seja tão adequada para as demandas atuais. Aliado a isso, pode-se refletir sobre as formas de aprender e ensinar: será que elas atendem às demandas atuais? O modelo de avaliação que os professores mais utilizam é a prova, individual e sem consulta. De acordo com Vaz e Nasser (2019), esta ideia se baseia na filosofia positivista que está alicerçada na neutralidade e imparcialidade. Porém, com a pandemia tudo teve que mudar e ser adaptado para contextos online e novos desafios surgiram para a prática avaliativa docente.
Se as formas de reorganização do ensino trouxeram novos desafios aos professores, o que dizer da avaliação da aprendizagem? Tal questionamento nos instigou a buscar entender os desafios de se realizar pesquisas online com questionários gerados em aplicativos e plataformas, de modo a entender como os professores com diversos backgrounds estavam agindo de forma remota e, mais ainda, como profissionais que não foram formados para interagir de forma remota estavam se sentindo e atuando em cenários avaliativos com seus estudantes.
Com a pandemia se alastrando pelo mundo e, de forma desgovernada, pelo território brasileiro, já percebíamos uma necessidade de revisão nas práticas docentes com a adoção cada vez mais de propostas de inclusão discente; avaliação a partir de projetos colaborativos realizados pelos estudantes e mediados pelo professor para que aprendizagens com significados mais profundos ocorressem e ocupassem o lugar das práticas exclusivas e estigmatizantes que criavam as criticadas hierarquias de excelência nas salas de aulas (PERRENOUD, 1990), e de forma mais intensa nas salas de aulas de Matemática que sempre tinham o maior número de estudantes com dificuldades e muitos reprovados em virtude das práticas examinativas e pouco avaliativa vigentes no contexto do ensino tradicional.
Em consequência, foi possível levantar as algumas hipóteses: os professores continuaram com as mesmas metodologias de avaliação usadas antes da pandemia; os estudantes deixaram de ser avaliados nesse período; os professores adaptaram seus métodos avaliativos buscando novas fontes possíveis de serem avaliados durante a pandemia. Para sua análise, foram estabelecidos os seguintes objetivos: fazer um levantamento bibliográfico da importância da avaliação para a aprendizagem; conhecer as propostas do governo para as aulas e seus métodos avaliativos durante esse período; buscar relatos de professores sobre seu método de avaliação durante a pandemia.
É importante destacarmos o imprescindível papel dos professores durante os períodos mais difíceis de adaptação durante a pandemia, mesmo sendo constantemente atacados por estarem trabalhando em home office e tendo investido muito para se aparelhar tecnologicamente para dar as aulas online e o devido suporte aos estudantes, uma vez que conforme destacou Hoffmann (2017):
O processo de avaliação representa um compromisso do professor de investigar e acompanhar o processo de aprendizagem do aluno no seu cotidiano, contínua e gradativamente, buscando não só compreender e participar da caminhada do aluno, mas também intervir fazendo provocações intelectuais significativas, em termo de expressão de suas ideais (p. 39).
Destacamos, também, a reorganização do calendário escolar feito pelo Ministério da Educação (MEC) juntamente com o Conselho Nacional de Educação (CNE) que estipularam diretrizes para Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Ensino Superior, Educação Especial, Educação Indígena, do Campo e Quilombola e Avaliação em larga escala (BRASIL, 2020).
No período pré-pandemia, um dos maiores desafios na prática docente de Matemática foi esclarecer a distinção entre avaliar e examinar e, nesse contexto, como tratar os erros cometidos pelos estudantes para que esse se convertesse em aprendizagem. Recordando Luckesi (2011), examinar sempre esteve relacionado à percepção docente a classificar o estudante, dar-lhe uma nota e sentenciá-lo, ao final de um período, como aprovado ou reprovado, com uma nota que simbolizava o que aquele estudante aprendeu.
Com a pandemia, em virtude de todas as formas de controle que eram exercidas no contexto presencial, muito professores ousaram praticar e ir além do ato de examinar, uma vez que muitos instrumentos novos e antes subutilizados ou nem mesmo utilizados, mas presentes em ambientes virtuais de aprendizagem foram disponibilizados aos professores e estudantes.
Essa ousadia foi experimentada por muitos professores que, em um curto período, se adequaram ao contexto remoto e passaram a avaliar, ou seja, a investigar o desempenho dos estudantes por meio de fóruns de dúvidas, testes online, portfólios virtuais e interações entre os estudantes e entre os eles e o professor, tendo em vista o que sugere Luckesi (2011), qual seja uma intervenção pedagógica para a melhoria da aprendizagem discente em ambientes remotos de aprendizagem matemática.
Nos termos de Hoffmann (2017), com o contexto da pandemia e das restrições efetivadas no âmbito das ações educacionais, os professores tiveram a oportunidade de superar toda uma caminhada conservadora no ato de ensinar e avaliar que vigia no ensino e na forma de avaliar tradicional com provas, testes e notas e puderam experimentar uma concepção mediadora de ensino, de aprendizagem e de avaliação.
Assim, diante de todo o exposto enfatizamos que a avaliação tem um papel central no currículo (ARROYO, 2013) e precisa trazer os avanços e as demandas do tempo presente para as nossas salas de aula (FERNANDES, 2005a), remotas ou híbridas. Ou seja, não podemos manter o sistema de avaliação e esperar resultados diferentes dentro do processo educativo.
Destacamos que a ausência do uso das tecnologias digitais e da internet nas avaliações num novo contexto pós-pandemia é uma outra temática que precisa ser debatida, pois durante esse momento de pandemia, ficou evidente que o uso das tecnologias digitais para ensinar e avaliar pode ser ampliado. Em suma, no período pré-pandemia da Covid-19 para recordarmos como as práticas educativas ocorriam, uma vez que neste período,
a prática escolar predominante hoje se realiza dentro de um modelo teórico de compreensão que pressupõe a educação como um mecanismo de conservação e reprodução da sociedade. O autoritarismo é elemento necessário para a garantia desse modelo social, daí a prática da avaliação manifestar-se de forma autoritária [...]. A prática da avaliação escolar, dentro do modelo liberal conservador, terá de, obrigatoriamente, ser autoritária, pois esse caráter pertence à essência dessa perspectiva de sociedade, que exige controle e enquadramento dos indivíduos nos parâmetros previamente estabelecidos de equilíbrio social [...]. A avaliação educacional será, assim, um instrumento disciplinador não só das condutas cognitivas como também das sociais, no contexto da escola (LUCKESI, 2011, p. 76-80).
Imbuídos dessas ideias, na próxima seção, apresentaremos nossos procedimentos metodológicos.
3 Procedimentos metodológicos
Em nossa investigação, utilizamos um questionário online na plataforma Google Forms para investigar percepções e práticas avaliativas de professores de Matemática de diferentes redes de ensino - públicas e privadas, técnicas ou não, federais, estaduais ou municipais - envolvidas no ensino remoto, por meio de uma abordagem qualitativa, que não enumerou ou mediu eventos e, além disso, não recorreu a instrumentos estatísticos para a análise dos dados (NEVES, 1996).
Os participantes responderam doze questões discursivas sobre os desafios enfrentados na sala de aula durante a pandemia de Covid-19, os instrumentos avaliativos utilizados para acompanhar as aprendizagens e como fizeram o tratamento dos erros dos estudantes. A aplicação ocorreu entre os dias 1 e 14 de dezembro de 2021. Por meio dele, obtivemos respostas de trinta e oito professores das áreas de Matemática, Física, Química e Biologia, com diversos níveis de formação. Grande parte deles ministrava aulas na graduação e na pós-graduação. A pesquisa também englobou professores da Educação Básica, de cursos preparatórios para vestibulares e Ensino Técnico.
Após a coleta dos dados, iniciamos a pré-análise, na qual o material foi organizado de acordo com os temas abordados no questionário. A seguir, utilizamos o processo de categorização emergente, ou seja, categorias obtidas diretamente do material mediante interpretação. Assim, dentro de cada tema inferimos categorias que possibilitaram identificar as maiores incidências de respostas, contudo, destacamos que algumas respostas foram delimitadas em mais de uma categoria.
O aplicativo Google Forms oportunizou a coleta de dados de maneira acessível e transparente. Os voluntários da pesquisa tiveram suas respostas codificadas pela ordem de participação, permitindo que seus nomes fossem preservados. Os consentimentos para a pesquisa e os termos de compromisso livre e esclarecido foram inseridos na plataforma. Outrossim, à medida que preenchiam os campos necessários, suas respostas eram salvas automaticamente, sendo possível interromper a pesquisa e retornar em outro momento. Na seção seguinte, trazemos alguns de nossos resultados e sua análise.
4 Perfil dos entrevistados
O perfil dos participantes da pesquisa revela variedade de qualificações e experiência profissional em sala de aula.
Formação | Incidência de Respostas |
---|---|
Doutorado | 3 |
Licenciatura em Matemática | 3 |
Doutorado em Física | 6 |
Doutorado em Matemática | 2 |
Mestrado em Educação Matemática | 4 |
Doutorado em Engenharia Civil | 1 |
Graduando em licenciatura | 2 |
Doutoranda em Ensino de Ciências e Matemática | 1 |
Licenciatura em Ciências Biológicas | 1 |
Doutorado em Educação | 1 |
Licenciatura em Química e Biologia | 1 |
Mestrado em Matemática | 4 |
Licenciatura em Química | 1 |
Licenciatura em Biologia | 1 |
Doutorado em educação Matemática | 2 |
Doutorado em educação em Ciências | 2 |
Licenciatura em Física | 1 |
Doutorado em Química | 1 |
Mestre em Ciências | 1 |
Total | 38 |
Fonte: Dados da Pesquisa
Ressaltamos a importância da diversidade na amostra da pesquisa, constituída por professores de Matemática, Física, Química e Biologia, áreas que enfrentaram muitos desafios no Ensino Remoto. Perrenoud (2000) que afirma que,
o ofício docente não é imutável. Suas transformações passam principalmente pela emergência de novas competências (ligados, por exemplo, ao trabalho com outros profissionais ou à evolução das didáticas) ou pela acentuação de competências reconhecidas, por exemplo, para enfrentar a crescente heterogeneidade dos efetivos escolares e a evolução dos programas. Todo referencial tende a se desatualizar pela mudança das práticas e, também porque a maneira de concebê-las se transforma (p. 14).
Dessa forma, é imprescindível para a carreira docente uma constante atualização e saberes que podem auxiliar o profissional a utilizar de novas metodologias ativas e de instrumentos tecnológicos que possibilitem o ensino, a aprendizagem e, principalmente a avaliação formativa dos estudantes.
Santos (2021) ressalta a necessidade de abordagens diversificadas para o enfrentamento dos impactos da crise educacional desencadeada pela pandemia de Covid-19. Tal demanda requer parcerias envolvendo professores de diferentes áreas, trabalhando de modo colaborativo, engajados em uma abordagem inter e transdisciplinar. Nesse contexto, a diversidade verificada na Tabela 1 é bem-vinda.
5 Tempo de docência
Embora a amostra seja bem diversificada quanto ao tempo de docência e qualificação, apenas um dos entrevistados ainda não atuava na sala de aula. A maioria estava na faixa de 11 a 30 anos de atuação, com larga experiência no ensino, em lidar com instrumentos avaliativos, como podemos constatar na Tabela 2.
Tempo de docência | Incidência de respostas |
---|---|
0 - 10 anos | 9 |
11 - 20 anos | 11 |
21 - 30 anos | 12 |
31 - 40 anos | 4 |
41 - 50 anos | 1 |
Acima de 50 anos | 1 |
Fonte: Dados da Pesquisa
Cunha (2005) destaca que “o estudo do professor no seu cotidiano, tendo-o como ser histórico e socialmente contextualizado, pode auxiliar na definição de uma nova ordem pedagógica e na intervenção da realidade no que se refere à sua prática e à sua formação” (p. 33). Assim, o estudo para seu aprimoramento e a permanência em sala de aula pode auxiliar significativamente os professores a investigarem os saberes discentes, utilizando-se dos erros para a regulação das aprendizagens (PERRENOUD, 1999), bem como desenvolvendo instrumentos avaliativos, remotos ou híbridos que potencializem a aprendizagem discente e produzam diagnósticos para regulação das práticas de ensino.
Além disso, a adequação necessária das práticas avaliativas para o cenário educacional pós-pandêmico irá requerer muito experiência docente, na análise da trajetória discente (AMANTE e OLIVEIRA, 2016) em um contexto totalmente inédito para a educação brasileira, na superação das lacunas de aprendizagem resultantes da descontinuidade e irregularidade do acesso às aulas.
6 Maiores desafios destacados pelos professores da investigação no ERE e que dificultavam as práticas avaliativas
O objetivo dessa seção é apresentar os relatos dos professores sobre seu método de avaliação durante a pandemia e os desafios encontrados em sua prática e que impactavam nas práticas avaliativas.
A grande dificuldade para muitos professores se encontrou no uso de aparelhos e recursos tecnológicos. Adequá-los às atividades da disciplina foi um desafio, além de terem que aprender a utilizar as plataformas digitais disponibilizadas pela instituição; muito esforço foi empreendido pelos professores no início da pandemia. A falta de equipamentos adequados também foi uma queixa, pois temos visto muitas escolas sem recursos suficientes para os professores e, também, para os estudantes. A falta de investimentos com tais recursos foi um grande empecilho, pois a conexão com a internet, em muitos casos, é precária.
Assim, a acessibilidade dos estudantes foi comprometida, dificultando o trabalho docente. Portanto, diante das respostas no questionário elaboramos uma primeira categoria obtendo 13 respostas de professores. O ensino remoto causou falta de interesse em muitos estudantes, devido às condições precárias e outros fatores desencadeados pela pandemia de Covid-19. Assim, mantê-los conectados e participativos nas aulas para o ensino e a avaliação foi um desafio, pois muitas distrações ocorrem no ambiente que estão.
Desse modo, a segunda categoria abrangeu o desinteresse e a motivação que os estudantes apresentavam. Já a terceira classificação, envolveu a grande falta de participação e envolvimento, muitos estavam só conectados, sem interagir. Isso dificultou para os professores, pois não viam os estudantes, não sabiam quando estavam com dúvidas ou quando estavam dispersos.
Outro ponto levantado pelos professores foram as avaliações, pois não conseguiram evitar que ocorressem plágios e colas. O receio de que os estudantes estivessem copiando e não saber a real participação de cada estudante em dada atividade foi muito recorrente. A estrutura do Ensino Remoro Emergencial (ERE) requer uma abordagem de avaliação e acompanhamento das aprendizagens diferente do que muitos docentes estavam acostumados a realizar. O período do ERE exigiu materiais apropriados, o que sobrecarregou os professores, pois estes precisaram desenvolver atividades com recursos que não conheciam, demandando um excessivo tempo de planejamento.
De acordo com os dados coletados e apresentados no Tabela 3, outros desafios também foram citados, como a limitação de atividades práticas realizadas em laboratórios, adaptação no geral, sobrecarga de trabalho, desenvolver estímulos de aprendizagem no primeiro ano do Ensino Fundamental, visto que ainda não possui leitura e escrita, mudanças frequentes nos horários e o isolamento social.
Desafios enfrentados pelos docentes | Incidência de respostas |
---|---|
Dificuldades tecnológicas, falta de equipamentos e/ou acessibilidade | 13 |
Manter os estudantes interessados e motivados | 12 |
Falta de participação e envolvimento | 10 |
Avaliar | 8 |
Outros | 7 |
Preparação e adaptação de materiais | 4 |
Fonte: Dados da Pesquisa
Não surpreende encontrar as dificuldades tecnológicas, falta de equipamentos e/ou acessibilidade na primeira posição dentre os desafios enfrentados pelos professores, pois como observam Geronimo, Araújo e Giordano (2021), o ERE se caracterizou pela precariedade de recursos e pelo improviso, assim como pelo baixo nível de letramento computacional, tanto de professores quanto de estudantes. Se as autoridades não apresentarem propostas robustas nos anos vindouros, a tendência é de agravamento das desigualdades sociais em nosso país, como alerta Borba (2021).
7 Maneiras de acompanhamento da aprendizagem no ERE
Uma das perguntas apresentadas aos professores foi: De que maneiras você acompanhou a aprendizagem no Ensino Remoto Emergencial (ERE)? O acompanhamento das aprendizagens dos estudantes ocorreu por diversos meios tecnológicos, como a troca de e-mails, interações síncronas e assíncronas, ferramentas do Google Classroom, Google Meet, WhatsApp, Microsoft Teams, Moodle, fóruns, PDF, Word, rádio, lousa digital, slides e materiais diversos disponibilizados na internet.
Além disso, os professores fizeram o uso de listas de exercícios, envio de tarefas, TV, provas, produção de relatórios, trabalhos, formulários e produção de vídeos. A maior parte dos professores escolheu mais de uma forma para acompanhar o desenvolvimento dos estudantes. Houve mais benefício nas correções de tais atividades e de encontros para dúvidas, atendimento extraclasse, discussões nas aulas e monitorias (categoria 4). Ainda foram citados atendimentos aos pais, retorno de atividades, participação e materiais que a escola disponibilizava (categoria 3).
Acompanhamento das aprendizagens | Incidência de respostas |
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Equipamentos, ferramentas tecnológicas e/ou plataformas virtuais | 22 |
Lista de exercícios, testes, relatórios, trabalhos, produção de vídeos e/ou avaliações com posterior correção | 22 |
Outros | 7 |
Atendimentos, dúvidas e/ou monitorias | 6 |
Fonte: Dados da Pesquisa
A diversidade de recursos explorados no acompanhamento da aprendizagem no ERE contempla o alto nível de comprometimento dos professores apontado por Kripka, Boito e Valério (2021), a despeito de todas as dificuldades enfrentadas.
8 Meios avaliativos utilizados e sua (possível) eficácia
Para os professores que utilizaram os diversos meios avaliativos remotos, as justificativas foram que o ERE impediu a realização de outras atividades avaliativas utilizadas de forma rotineira no contexto presencial. Os professores relataram ainda que no ERE houve muitas práticas de cola, muitos estudantes que decoravam e esqueciam o que estudaram para a prova. Os professores também perceberam que muitos estudantes não tiveram interesse e apoio de seus familiares, que o excesso de atividades foi prejudicial, que a falta de contato presencial interferiu muito e que não é possível atender e acompanhar as dificuldades individuais de cada estudante.
Os professores que responderam que a eficácia das práticas avaliativas foi razoável, fundamentaram suas justificativas na falta de acessibilidade dos estudantes; a motivação; a não saberem como eles resolviam as atividades propostas; e que não é possível comparar com o ensino presencial. Outros disseram não ser possível inferir a eficácia dos instrumentos avaliativos, porque não se pode avaliar algo sem observação; que a grande quantidade de estudantes impossibilitou a análise e que os diversos fatores tornam a questão muito complexa.
Eficácia dos meios avaliativos utilizados | Incidência de respostas |
---|---|
Não | 14 |
Sim | 10 |
Razoável | 5 |
Não é possível inferir a eficácia | 5 |
Sem dados | 4 |
Fonte: Dados da Pesquisa
A percepção da ineficácia dos instrumentos e estratégias avaliativas adotadas durante a pandemia parece refletir as observações de Saviani e Galvão (2021) quanto à ausência de organização e implantação de propostas integradoras de políticas públicas durante a pandemia, diante da inépcia dos governantes.
9 Continuidade das formas avaliativas utilizadas no ERE no contexto híbrido de pós-pandemia
Sobre a pergunta Você pretende manter as formas avaliativas utilizadas no ensino remoto no contexto híbrido de pós-pandemia?, os professores responderam que pretendem manter e justificaram que alguns recursos descobertos no ERE foram úteis, que esse modelo de ensino se estenderá por um longo tempo e que os meios convencionais são complementados com os tecnológicos. Os que não manterão, não apresentaram justificativas. Muitos utilizarão parcialmente os recursos que foram mais promissores e alguns ainda não se decidiram.
Continuidade das formas avaliativas utilizadas no ere no modelo híbrido | Incidência de respostas |
---|---|
Sim | 14 |
Não | 11 |
Parcialmente | 11 |
Talvez | 2 |
Fonte: Dados da Pesquisa
Apesar de todo o sofrimento que a pandemia de Covid-19 nos trouxe, alguns pesquisadores, como Soares (2021), veem aspectos positivos nessa crise, acreditando que práticas inovadoras no ensino e aprendizagem, empregadas nesse período, poderão ser incorporadas e aprimoradas, envolvendo domínio tecnológico, fortalecimento de aprendizagem em rede, maior autonomia discente e diversidade avaliativa.
10 Tecnologias ou metodologias ativas utilizadas no ERE
Finalmente, as perguntas: Que tecnologias ou metodologias ativas você utilizou no ensino remoto? Como você avaliaria as opções escolhidas por você nesse contexto?. Sobre elas, alguns professores alegaram que mantiveram aulas síncronas através de plataformas digitais; perceberam maior participação dos estudantes; outros comentaram que os estudantes estavam em atividades paralelas durante os encontros.
A produção de vídeos pelos estudantes foi bem avaliada pelos professores, que disseram ser muito efetiva. Já os que fizeram o uso de mesa digitalizadora ou lousa digital ficaram satisfeitos com os resultados de aprendizagem. Outros meios utilizados foram os murais, simuladores de laboratórios, mapas mentais, quiz, vídeos do YouTube, materiais impressos no geral, revistas, jornais, livros, trilhas de aprendizagens e o material oferecido pelo governo.
Tecnologias e metodologias utilizadas | Incidência de respostas |
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Plataformas digitais: Meet, Google sala de aula, Moodle, e/ou formulários | 23 |
Seminários, trabalhos, slides, projetos e/ou gravação de vídeos | 17 |
Outros | 10 |
Sala de aula invertida | 9 |
Mesa digitalizadora e/ou lousa digital | 6 |
Gamificação | 4 |
Fonte: Dados da Pesquisa
Novos desafios requerem novas estratégias. Nesse sentido, um dos avanços que emergiram no enfrentamento da crise educacional vivida no contexto pandêmico, foi a popularização das metodologias ativas, em práticas inter e transdisciplinares, como defendem Cazorla et al. (2020), Scalabrin e Mussato (2020), Breda e Cruz (2021), sobretudo aquelas que incorporaram recursos digitais. Resta saber se o acesso a elas será realizado com equidade e justiça social, como propõe Borba (2021). Na próxima e última seção, apresentaremos nossas considerações finais.
11 Considerações Finais
Segundo Freire (1968),
conceber que reduzimos o ato de conhecer o crescimento existente a uma mera transferência deste conhecimento. E o professor se torna exatamente o especialista em transferir conhecimento. Então, ele perde algumas das qualidades necessárias, indispensáveis, requeridas na produção do conhecimento, assim como no conhecer e conhecimento existente. Algumas destas qualidades são, por exemplo, a ação, a reflexão crítica, a curiosidade, o questionamento exige, a inquietação, a incerteza - todas estas virtudes indispensáveis ao sujeito cognoscente (p. 18).
Além disso, importa que sejam os estudantes os protagonistas da própria avaliação, por meio do conhecimento de todos os critérios relativos às tarefas propostas, sendo privilegiada a autoavaliação regulada das suas aprendizagens, encarada como um processo de metacognição e, como tal, um meio de aprendizagem.
No período pré-pandemia, as salas de aula de Matemática eram marcadas, em grande parte, por um ensino tradicional, predominantemente com o uso de aulas expositivas, exames e testes que segregavam os estudantes de acordo com uma pontuação mínima. Durante a pandemia, a sociedade foi bombardeada de informações estatísticas sobre as contaminações e métodos de prevenção. Para mais, sofreu grandes mudanças em diversos âmbitos, sobretudo na educação.
O ERE, adotado nas instituições brasileiras, impôs dificuldades a toda comunidade escolar, com improviso, precariedade e falta de recursos mínimos essenciais para uma aprendizagem crítica e satisfatória. Apesar da falta de formação para atuar nesse modelo de ensino, os professores se comprometeram e buscaram instrução para a utilização das tecnologias. Assim, esse artigo objetivou inferir acerca das percepções e práticas avaliativas de docentes das áreas de Matemática, Física, Química e Biologia, através de um questionário online, elaborado no Google forms.
Como resultado, constatamos que algumas das maiores dificuldades no ERE foram a disponibilidade, o acesso e a formação relativa aos recursos tecnológicos, tanto para os professores quanto para os estudantes. Manter os estudantes conectados nas aulas síncronas foi um grande desafio, devido à precariedade dos meios tecnológicos, às distrações no ambiente de estudos, à falta de motivação e envolvimento. Uma das maiores preocupações docentes foram as avaliações virtuais, pois exigiam uma nova metodologia.
As cópias e plágios foram citados pelos professores, que acabaram recorrendo a outros meios para acompanhar o desenvolvimento dos estudantes, como interações síncronas e assíncronas, ferramentas do Google Classroom, Google Meet, WhatsApp, Microsoft Teams, Moodle, entre outros, o que corrobora uma de nossas hipóteses.
Com relação à eficácia, 14 professores não observaram eficiência nos instrumentos utilizados, no entanto, 10 afirmaram que obtiveram proveito. Logo, muitos professores manterão as formas avaliativas no ensino híbrido. Isto posto, a pesquisa desenvolvida poderá auxiliar os professores em suas ações avaliativas no pós-pandemia, no eventual ensino híbrido.
De acordo com Sousa (1998), é necessário que sejam criadas condições e circunstâncias de trabalho que permitam aos profissionais da escola, estudantes e pais uma reflexão coletiva e a construção de novas propostas e respostas capazes de garantir que essa medida, potencialmente valiosa quanto à promoção da democratização do ensino, não se traduza em descompromisso com o processo de aprendizagem escolar.
Nessa perspectiva, se faz imprescindível uma análise do papel e função que vêm sendo desempenhados pelas instâncias governamentais que tem compromisso com a vida e com a qualidade da educação brasileira, em direção à reconstrução da escola pública pós-pandemia e, em particular, destacamos a atuação exemplar e decisiva dos milhares de professores brasileiros no período de pandemia e nesse começo denominado de pós-pandemia da Covid-19.
Inspirados em Sousa et al. (2007), é oportuno retomar condições para a implantação de novas bases de organização do trabalho escolar e aprendizagens com significados, buscando atingir os seguintes objetivos: promover um trabalho junto aos profissionais, estudantes e pais, direcionado à construção de um novo significado para a avaliação escolar, impondo o confronto com valores arraigados na cultura escolar, para além de questões meramente técnicas; organizar turmas com quantidade de estudantes que possibilite o acompanhamento individual e coletivo deles mediados pelos professores; estruturar planejamentos flexíveis do tempo escolar e do conteúdo do trabalho escolar, de modo a contemplar programas e atividades inter e transdisciplinares com o uso de tecnologias digitais que atendam às necessidades dos estudantes; disponibilizar ao professor espaços temporais para elaborar programas de ensino adequados a cada grupo com que trabalha e um registro sistemático do desenvolvimento de cada estudante, tendo em vista a regulação das aprendizagens de forma inclusiva; promover cenários para investigação e possibilidades de ações cooperativas e colaborativas na sala de aula de Matemática; utilizar de uma diversidade de formas de avaliar os estudantes buscando utilizar o erro como conhecimento e item de valor para a construção de aprendizagens matemática com significado; valorizar a carreira do magistério em termos materiais e salariais com melhores condições para que os docentes possam contribuir na transformação de estudantes em cidadãos de fato.
Fica a nossa esperança ativa e atuante de que possamos seguir novos rumos na educação brasileira, em um contexto pós-pandemia.