1 Introdução
No mundo atual, sabemos o quão é importante uma formação superior para o cidadão, seja por interesses econômicos, por satisfação pessoal ou até mesmo por maior empregabilidade. Todavia, os jovens atualmente fazem parte de um ambiente tecnológico e multifacetado, que pode ser explorado em favor do processo de aprendizagem, mesmo inseridos em um ensino no qual o professor privilegia a aula expositiva tornando assim o estudante um memorizador de conteúdos, impossibilitado de agir e pensar criticamente (Figueiredo, Costa e Llinares, 2021). Igualmente, a maior preocupação dos professores não é somente na qualidade do conteúdo que é abordado com seus estudantes, mas também no desenvolvimento pessoal, profissional e reflexivo de senso crítico, pois também estes colaboram para o processo de inclusão no mercado de trabalho (Mongelli, Ferrante e Arcas, 2021).
Assim, procurando afastar-se desse tradicionalismo da aula em sala, de modo que o estudante não seja apenas um mero “receptor” das informações, a metodologia ativa utilizada neste trabalho foi o Júri Simulado, realizado por acadêmicos do sétimo e do oitavo períodos do curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). Na disciplina História do Cálculo: Origens e Desenvolvimento, os acadêmicos foram orientados a preparar e apresentar à comunidade acadêmica este júri, com o intuito de desenvolver nos estudantes uma argumentação crítica e clara, tendo como foco quem foi o autor do Cálculo Diferencial e Integral: Isaac Newton ou Gottfried Wilhelm Leibniz.
Salientamos que, durante o desenvolvimento do Júri Simulado, alguns questionamentos foram discutidos pelos participantes, por exemplo: As aulas das diversas disciplinas da Licenciatura em Matemática possibilitam o desenvolvimento da argumentação dos acadêmicos? Quais as contribuições que o Júri Simulado pode trazer para a formação destes? Esses questionamentos nos levaram a investigar as possíveis contribuições da realização de um Júri Simulado, pois promove a reflexão crítica sobre um determinado tema, aprimora a capacidade argumentativa dos estudantes, possibilita a organização de ideias e resolução de problemas e desenvolve habilidade de expressão verbal.
Consoante Santos, Mortimer e Scott (2011), quando o estudante tem a oportunidade de investigar seus argumentos, para diferentes questões, ele desenvolve confiança e habilidades retóricas imprescindíveis, as quais são necessárias para tomar decisões em situações da sua vida pessoal e profissional. Desse modo, o Júri Simulado, leva o estudante a alcançar alguma perspectiva da realidade e assumir papéis que existem na realidade, tornando essa metodologia mais atrativa para eles.
Os autores Marques e Fonseca (2019), Francener (2019), Espíndola (2019), Silva e Silva (2022) e Mongelli, Ferrante e Arcas (2021) apresentam em seus trabalhos o Júri Simulado como uma proposta de metodologia ativa, em distintas áreas do conhecimento. Marques e Fonseca (2019) utilizaram essa metodologia ativa no curso de Licenciatura em Geografia; Francener (2019) trouxe o Júri Simulado para uma abordagem com agroquímicos; já os autores Espíndola (2019) e Silva e Silva (2022) utilizaram como metodologia para o ensino de Química; já Mongelli, Ferrante e Arcas (2021) trouxeram em seu trabalho a utilização do júri na área da Medicina Veterinária. Analisando a funcionalidade dessa metodologia ativa em vários âmbitos científicos, então, entendemos ser viável e recomendado a sua utilização na Licenciatura em Matemática.
No campo da Educação Matemática, é relevante utilizar as metodologias ativas em uma atividade de Licenciatura em Matemática, pois pode romper com o aspecto tradicional de ensino, oportunizando aos acadêmicos aulas mais atrativas e um modo de aprender diversificado, fundamentado na ação e na aplicabilidade de simulados, situações-problema e experiências concretas. Consoante Azevedo e Maltempi (2019, p. 239), “as metodologias ativas buscam promover o processo formativo do estudante, privilegiando a sua autonomia, investigação e criatividade ao construir conhecimentos científicos”. Para que a metodologia ativa tenha o resultado esperado e gere aprendizado ao estudante, este, juntamente ao professor, deve se comprometer, participar, esforçar e se dedicar (Marques e Fonseca, 2019).
Assim, o estudo apresentado no presente artigo teve como principal objetivo analisar a vivência de um Júri Simulado, no curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Estadual de Montes Claros, compreendendo os reflexos dessa metodologia ativa para o percurso de formação dos estudantes. Sendo assim, o Júri Simulado na Licenciatura em Matemática se caracteriza como o nosso objeto de estudo.
Nesse sentido, justifica-se este artigo pela importância do desenvolvimento do Júri Simulado na Licenciatura em Matemática, pois é eficaz no processo de ensino da Matemática, no desenvolvimento de habilidades de comunicação, inovação educacional e aplicação interdisciplinar. Parece antagônico, mas não é. Há uma potencial sinergia entre o Júri Simulado e os processos de ensino e de aprendizagem.
O artigo está estruturado da seguinte maneira: na próxima seção, será tratado o referencial teórico que embasa este trabalho, trazendo autores que pesquisam sobre as metodologias ativas e sobre o Júri Simulado. Na seção 3, trataremos da metodologia abordada na execução do júri. Apresentamos na seção 4 alguns resultados que serão discutidos e finalmente, na seção 5, as considerações finais.
2 Referencial Teórico
Nesta seção, mostramos uma síntese das metodologias ativas com autores que a evidenciam. Trataremos também da importância do planejamento e, por fim, destacamos alguns autores que discutem o Júri Simulado.
2.1 As Metodologias Ativas
De acordo Mongelli, Ferrante e Arcas (2021), é notório que metodologias de ensino focadas no professor utilizadas em salas de aula não apresentam tanta eficácia para os estudantes dessa nova geração, tais métodos proporcionam uma troca de conhecimento passivo, e, consequentemente, tira o foco em quem realmente é o protagonista: o estudante. O Júri Simulado requer todo um processo para construir conhecimento necessário de certo conteúdo. Desde o início do planejamento até a execução, há um longo percurso em que o estudante irá percorrer. Pesquisadores que investigam metodologias ativas como, Felício e Soares (2018) e Berbel (2011), comprovam que os estudantes são mais favoráveis a construir conhecimentos quando estes se baseiam em práticas reais, e não nas técnicas tradicionais.
Na década de 1980, iniciavam-se as investigações sobre a utilização das metodologias ativas, as quais foram estabelecidas com o propósito de contribuir no processo de aprendizagem e incentivar o estudante a desenvolver várias habilidades como autonomia, autoconfiança, disciplina, dialogicidade, argumentação, entre várias outras. Conforme salienta Gil (2013), essas metodologias são conceitos educativos que têm como objetivo estimular os métodos crítico-reflexivos dos quais o aluno participa ativamente e dispõe-se a aprender, colocando-se como autor de sua própria aprendizagem. Ainda de acordo com o autor, elas concedem e oportunizam um diálogo, formulação de hipóteses e construção de conhecimento de maneira ativa, à vista disso, a aprendizagem ocorre no planejamento e quando o estudante tem contato com o assunto que é estudado.
De acordo com Anastasiou (2014), a utilização das metodologias ativas conjectura que os saberes curriculares dar-se-ão por meio da ação do estudante sobre o objeto de aprendizagem, intercedido pela ação do professor em um procedimento reflexivo. A autora explicita que as metodologias ativas eram, até então, estratégias de aprendizagem, evidenciando a sua funcionalidade concreta na construção mental de diversas maneiras, como a analogia, observação, investigação, concepção, obtenção e organização de dados, idealização e confirmação de hipóteses, interpretação, crítica, aplicação de fatos, planejamento, análise e tomada de decisão. Essas metodologias ativas propiciam ao estudante avultar sua independência, identificando-se enquanto sujeito de seu próprio conhecimento, como enfatiza Berbel (2011):
[...] a implementação dessas metodologias pode vir a favorecer uma motivação autônoma quando incluir o fortalecimento da percepção do aluno de ser origem da própria ação, ao serem apresentadas oportunidades de problematização de situações envolvidas na programação escolar, de escolha de aspectos dos conteúdos de estudo, de caminhos possíveis para o desenvolvimento de respostas ou soluções para os problemas que se apresentam alternativas criativas para a conclusão do estudo ou da pesquisa, entre outras possibilidades. As metodologias ativas têm o potencial de despertar a curiosidade, à medida que os alunos se inserem na teorização e trazem elementos novos, ainda não considerados nas aulas ou na própria perspectiva do professor. Quando acatadas e analisadas as contribuições dos alunos, valorizando-as, são estimulados os sentimentos de engajamento, percepção de competência e de pertencimento, além da persistência nos estudos, entre outras (p. 28).
Para que essa independência seja atingida, a autora ainda salienta que o empenho e a participação dos estudantes perante as metodologias ativas propostas são essenciais e necessários, “no sentido de compreendê-las, acreditem em seu potencial pedagógico e incluam uma boa dose de disponibilidade intelectual e afetiva (valorização) para trabalharem conforme a proposta” (Berbel, 2011, p. 37).
Partindo do conjecturado até aqui, com base nos autores anteriormente referenciados, entendemos que se esses acadêmicos participarem ativamente da proposta, trabalhando de forma investigativa, com planejamento, suas oportunidades de desenvolver autonomia na tomada de decisões, em distintas fases da sua vida, serão expandidas.
Berbel (2011) ainda destaca que o uso das metodologias ativas soma responsabilidades ao professor se for comparada ao ensino tradicional já muito utilizado. Para a funcionalidade de tais metodologias, é necessário que o docente esteja cônscio do seu papel, de seus objetivos e metas a serem alcançadas. Sendo assim, o professor deve ter aptidão no que diz respeito ao tema abordado pelas metodologias ativas, para que possa escolher, organizar e propor ferramentas simples e adequadas para que os estudantes construam conceitos. Portanto, em concordância com Marques e Fonseca (2019), o professor deve escolher o que é relevante e incentivar os estudantes a encontrarem significado nas atividades; é indispensável que ele direcione, motive, estimule, apoie e valorize o trabalho dos seus estudantes.
Uma característica muito importante sobre a aplicação das metodologias ativas é a avaliação das atividades, que, segundo Anastasiou (2014), deverá
contemplar tanto o processo quanto o produto obtido, devendo, portanto, ter um caráter mais abrangente. A clássica prova teórica muitas vezes se mostra insuficiente para avaliar para além do domínio dos conceitos, juízos e raciocínios [...] o domínio de um saber exige não apenas o conhecimento do “o que”, mas também do para que e por que, além do como. O como fazer, o desempenho, a ação, o mostrar como fazer, envolve não apenas o aspecto cognitivo da aprendizagem, mas também o domínio procedimental e o atitudinal (p. 25).
Sendo assim, a avaliação deve ser conduzida aos movimentos de crescimento dos estudantes, de acordo com o que foi recomendado e planejado, com instrumentos convenientes para cada tipo de proposta. Essa análise deve ser realizada tanto por parte do professor, quanto dos colegas e do próprio estudante, pois a avaliação do profissional e dos colegas é tão importante quanto a autoavaliação.
2.2 A importância do planejamento
O ato de planejar é um procedimento mental, no qual a pessoa explora, analisa e observa uma determinada realidade, ponderando suas condições, a fim de estabelecer técnicas e táticas para suplantar suas dificuldades e alcançar seus objetivos. Então, o planejamento é processo que requer a realização de reflexão, análise e previsão. O plano é a consequência desse processo mental, que é possível ser de forma escrita, ou não (Haydt, 2011).
De acordo com Silva (2023), o planejamento da atividade pedagógica é um dispositivo teórico-metodológico, construído intencionalmente pelo professor para orientar os processos de ensino e de aprendizagem. Assim, compreendemos que faz parte da responsabilidade do professor adaptar o planejamento ao tempo, aos recursos e ao contexto dos estudantes, pois este deve ser evidente e conveniente, com uma linguagem clara e objetiva. Ele direciona o trabalho do professor, com o propósito de transformá-lo em uma constante atividade crítico-reflexiva. Diante disso, ele possui um posicionamento indispensável na prática pedagógica.
Para o desenvolvimento das metodologias ativas não é diferente, o planejamento é de fundamental importância e enquanto Júri Simulado, todo o percurso de planejar estabelece o conhecimento necessário para determinado conteúdo, e o ato da simulação do júri é a culminância de todo o processo do planejamento.
2.3 O Júri Simulado
O ensino por investigação é uma metodologia que vem sendo amplamente difundida ao redor do mundo, ela tem como objetivo oportunizar ao estudante o desenvolvimento de argumentos, por meio de questionamentos teóricos e comprovações. Nesse contexto, o Júri Simulado é uma alternativa e apresenta aspectos que contribuem para o progresso da aprendizagem do estudante.
Há estudos, como os realizados por Hannas e Hannas (2017) e Silva (2003), segundo os quais o Júri Simulado não começou a ser utilizado há pouco tempo, técnicas de ensino, parecidas ao Júri Simulado já eram utilizadas na sociedade da Antiguidade Clássica. Organizações semelhantes ao Júri Simulado, que conhecemos hoje, já existiam na Grécia Antiga, Roma, Inglaterra e França.
Consoante Anastasiou e Alves (2015, p. 92), o Júri Simulado compõe-se na “simulação de um júri em que, a partir de um problema, são apresentados argumentos de defesa e acusação”, além de um planejamento e de uma alta mobilização para a sua execução, pois possibilita o envolvimento de todos para além das quatro paredes da sala de aula.
Considerando que no Júri Simulado, deriva-se de um acontecimento real para que os alunos, por meio da argumentação de acusação e de defesa, façam um planejamento, a análise e a avaliação dos fatos. Anastasiou (2009) salienta que o Júri Simulado viabiliza o trabalho em conjunto, de forma cooperativa, o levantamento e a investigação de hipóteses, o estudo de senso crítico, a criatividade e a tomada de decisão, de maneira que
sua preparação é de intensa mobilização, pois, além de ativar a busca do conteúdo em si, os aparatos de outro ambiente, como roupas e mobiliários, oportunizam um envolvimento de todos para além da sala de aula. O espírito de dramaturgia que acompanha a realização de um júri simulado transforma a atividade em algo interessante para todos independentemente da função que irão desenvolver na apresentação final. É algo que envolve todos os momentos de construção do conhecimento, da mobilização à síntese, pela sua característica de possibilitar o envolvimento de um grande número de estudantes (p. 99).
Desse modo, a autora apoia a finalidade do Júri Simulado como uma metodologia para o tratamento de temas sociocientíficos dubitáveis que, para o entendimento e argumentação requer conhecimentos e posicionamentos associados aos princípios morais, éticos e políticos que contemplem as conexões entre ciência e sociedade.
Por viabilizar o engajamento de vários estudantes, o Júri Simulado contém etapas que auxiliam na construção do conhecimento, da mobilização à síntese. Essa estratégia didática propicia aos estudantes desenvolverem a habilidade de análise com assertividade e autenticidade, também conduz à crítica construtiva de uma circunstância e à oportunidade dos estudantes para aprender um assunto real de aspecto mais aperfeiçoado. Também possibiliza a execução de diversas operações de pensamento, como: defesa de ideias, argumentação, julgamento, tomada de decisão e assim por diante (Anastasiou e Alves, 2012).
De acordo com as autoras, na dinâmica do Júri Simulado, os estudantes recebem papéis, sendo eles: i) um estudante é o juiz; ii) outro tem o papel de escrivão; iii) alguns farão parte da promotoria; iv) a defesa terá a mesma quantidade de estudantes da promotoria; v) o Conselho da sentença é composto por estudantes; vi) o Plenário será constituído pelos outros estudantes.
Ainda conforme Anastasiou e Alves (2012), para o planejamento da simulação do júri, a promotoria e a defesa necessitam de alguns dias de preparação e planejamento para os seus argumentos e, também, para estudar a situação proposta. Todo o processo de preparação deve ser orientado pelo professor, sanando as possíveis dúvidas e apoiando-os. O papel do juiz é assegurar e garantir a ordem, a veracidade dos fatos e instruir o Conselho para a sentença. Já as obrigações do escrivão são de observar e fazer o relatório de todos os trabalhos e auxiliar o juiz durante o tribunal. Logo após ouvirem os argumentos da defesa e da promotoria, o Conselho deve dar o parecer final, e, então, o Plenário fará uma avaliação sobre o desempenho dos participantes.
As autoras ainda salientam que a avaliação do Júri Simulado deve abranger todo o planejamento, devendo considerar se a simulação do júri foi clara e coerente, avaliando o entendimento, a argumentação e a fundamentação dos papéis apresentados.
Em suma, Anastasiou e Alves (2012) evidenciam que a execução da prática do Júri Simulado seja feita conforme orientações apresentadas no Quadro 1.
Apresentação | É a simulação de um júri em que, iniciando de uma situação, em que são argumentados provas ou indícios de acusação e de defesa. Conduz os estudantes ao estudo, observação e elaboração de parecer sobre um acontecimento apresentado com clareza e realismo, à crítica construtiva de uma circunstância e à oportunização dos estudantes para conhecer bastante um assunto verdadeiro. |
Operações de Pensamento | Defesa de ideias, argumentação, levantamento de hipóteses, investigação de suposições, julgamento e tomada de decisão. |
Prática da Metodologia | Começar de um problema real e sucinto, analisado, compreendido e familiar pelos participantes. Como mencionado anteriormente, um estudante fará o papel de juiz e outro o papel de escrivão. Os outros integrantes da classe serão separados em quatro grupos: promotoria, defesa, conselho de sentença e o plenário. A promotoria e a defesa devem ter algum tempo para o planejamento dos trabalhos, sob orientação do professor. O juiz manterá a ordem dos trabalhos e instruirá ao conselho para a sentença. O escrivão tem a responsabilidade de fazer o relatório dos trabalhos e auxiliar o juiz durante o tribunal. O conselho de sentença, após ouvir os argumentos de ambas as partes, apresenta o parecer final. Já o plenário será incumbido de observar o desempenho dos participantes. |
Processo de Avaliação | Considerar todo o planejamento, devendo julgar se a apresentação dos argumentos do Júri Simulado foi clara e coerente, avaliando o entendimento, conhecimento e fundamentação dos diversos papéis apresentados. |
Fonte: Anastasiou e Alves (2012).
3 Aspectos metodológicos
Indo ao encontro às teorias abordadas neste artigo, os aspectos metodológicos abordados no Júri Simulado, descritos nesta seção, serão divididos em duas partes: a primeira será relatada sobre o processo do planejamento, e a segunda parte, sobre o Júri Simulado.
3.1 Sobre o planejamento
Enquanto planejamento, a professora da disciplina orientou os acadêmicos para a realização do Júri Simulado baseando-se no que muitos autores consideram a “guerra” do Cálculo.
Os acadêmicos tiveram alguns meses para se planejarem e eles ficaram responsáveis pela criação do roteiro e, também, dos argumentos de acusação e defesa dos seus respectivos personagens que compuseram o Júri Simulado. Antes da apresentação para a comunidade acadêmica, os estudantes tiveram a oportunidade de ensaiar suas falas e de ajustar possíveis atos que estavam desconexos.
3.2 Sobre o Júri Simulado
A estrutura dos personagens do Júri Simulado ficou estabelecida da seguinte maneira: i) Advogado de defesa e acusação (acadêmicos); ii) Isaac Newton (acadêmico); iii) Gottfried Wilhelm Leibniz (acadêmico); iv) Testemunhas de acusação e defesa (acadêmicos); v) Oficial de justiça (acadêmica); vi) Juiz (acadêmico); vii) Júri popular (professores do Departamento de Ciências Exatas).
O Júri Simulado foi dividido em alguns momentos, sendo eles: 1° Momento: Abertura do Júri; 2° Momento: Acusação e Defesa; 3° Momento: Finalização e Resultado.
A abertura do Júri Simulado foi realizada pelo Juiz, iniciando a sessão do tribunal e após, dada a palavra para a oficial de justiça, foi feito o juramento das testemunhas, assim como do júri popular:
Juiz: Boa noite a todos! Como é do conhecimento de muitos aqui presentes, o Cálculo Diferencial e Integral é uma das mais fantásticas ferramentas matemáticas descobertas ao longo da história humana. Seu impacto se estende para além da Matemática, tendo aplicações em diversas áreas do conhecimento humano. Portanto, determinar quem descobriu o Cálculo é uma questão relevante para a história da matemática e da ciência em geral. Dessa forma, nesta noite, serão julgados pela autoria do Cálculo os réus: Isaac Newton e Gottfried Leibniz. Determino que a oficial de justiça faça a chamada dos jurados sorteados para comporem o júri desse caso.
Oficial de Justiça: Senhores jurados, farei a chamada e a exortação legal. Por favor, os que puderem, fiquem de pé. Ao final, cada um dos senhores responda "Assim o prometo": Em nome da lei, concito-vos a examinar esta causa com imparcialidade e a proferir a vossa decisão de acordo com a vossa consciência e os ditames da justiça. Podem se assentar.
Para o início da acusação e defesa, o advogado de acusação iniciou incriminando Gottfried Leibniz de plagiar a obra do Sir. Isaac Newton, e então, logo após as considerações, o advogado do réu defendeu o seu cliente e então o juiz pediu para os advogados chamarem as suas testemunhas.
Juiz: Solicito aos senhores advogados, que chamem as testemunhas para depor. Cada testemunha deverá prestar um juramento de dizer a verdade, somente a verdade, e todo o conteúdo do depoimento será registrado e poderá ser usado como prova nos procedimentos em questão. Determino que a oficial de justiça conduza o juramento das testemunhas.
Então a oficial de justiça iniciou o juramento com as testemunhas, dizendo: “Por favor, levantem a mão esquerda. Prometeis dizer a verdade, somente a verdade, nada mais que a verdade, e que está há de conduzir à justiça?”. Em uníssono, todas as testemunhas responderam: “Eu prometo”.
Para começar o processo de testemunhar, o advogado do réu, convocou a mãe do seu cliente, Catarina Schmuck, e discutindo, fazia tais perguntas: Como estava a Alemanha na época em que Leibniz nasceu? A senhora pode nos contar um pouco sobre a vida do seu filho? Por que a senhora acha que o seu filho é o verdadeiro inventor do Cálculo? Logo após, o advogado da acusação chamou para testemunhar a mãe do seu cliente, Hannah Ayscough, que também fez perguntas da vida pessoal e acadêmica de Isaac Newton.
Após as mães dos matemáticos terem dado seus depoimentos, o juiz convidou Thomas Willis, membro e cofundador da Royal Society para prestar seu depoimento, contando como era essa instituição tão respeitada e a sua história.
Em continuação, o advogado do inglês, Isaac Newton, convidou o matemático e astrônomo Nicolas Fatio de Duillier para dar o seu testemunho e indagava-o perguntando: Como você conheceu Newton e qual era sua relação com ele? E a sua relação com Leibniz? Fatio, em sua opinião, quem criou o Cálculo? Fatio, então, na sua opinião Leibniz plagiou Newton? E então para a réplica, o advogado de Gottfried Leibniz perguntou para a testemunha: Nessa época em que o sr. acusou Leibniz, o sr. era membro da Real Society? Na época em que você acusou Leibniz de ter plagiado Newton, a Real Society concordou com as suas acusações? Ela apoiou ou repudiou suas acusações? E Newton nessa época, concordou com as suas afirmações ou se manteve em silêncio, e não deu apoio às suas acusações?
Baseando-se em suas perguntas, o advogado do réu convidou os irmãos Bernoulli, Jakob e Johann, questionando sobre as relações da família Bernoulli com Gottfried Leibniz. Indagou também sobre a importância do Cálculo e se eles acreditavam que é pertinente atribuir a Leibniz o mérito pela criação do Cálculo Diferencial e Integral. Lançou dúvidas a respeito da resolução do problema da catenária com o seguinte questionamento: “Qual é a expressão analítica que descreve a Catenária?” Esse problema foi proposto por Jakob Bernoulli, no entanto, Newton não conseguiu resolvê-lo utilizando o Cálculo que ele próprio teria inventado.
Então, o advogado de Newton chamou John Keill e fez algumas perguntas para o matemático: qual a sua relação com o sr. Newton? Você se considera um defensor do sr. Isaac Newton? Sr. Keill, é verdade que, em 1708, o senhor acusou o sr. Leibniz de plagiar a obra de Isaac Newton? O meu cliente sabia das considerações que o sr. fez ao divulgar a toda sociedade sobre o trabalho do réu? Mas, o que o levou a acreditar que Leibniz plagiou o sr. Newton? Por que acha o trabalho de Leibniz tão parecido com o de Newton, a ponto de falar que é um plágio? É verdade que Leibniz pediu à Royal Society e a Newton, para que você retirasse as acusações? Então, o advogado do réu perguntou à testemunha: na época, quando Leibniz foi acusado pela primeira vez de ter plagiado Newton, em 1699, e o próprio Newton manteve-se inerte em relação às acusações, quem era o presidente da Royal Society? E quando o sr. acusou Leibniz de plagiar a obra de Newton, e o próprio Newton concordou com suas afirmações, dizendo que realmente Leibniz o plagiou, e até convocou um comitê para decidir sobre os direitos autorais de quem tinha inventado o Cálculo, nessa época, quem era o presidente da Royal Society?
Dando continuidade aos testemunhos, o advogado de Leibniz chamou o cientista Robert Hooke que explicou aos presentes sobre a sua relação com o matemático Isaac Newton, apresentou alguns fatos para defender o réu das acusações, e ainda acusou Newton de ter baseado as suas ideias do livro Micrographia, obra muito importante no campo da ótica.
Para finalizar, o advogado do matemático Isaac Newton convidou para depor o doutor Edmond Halley e, durante o diálogo entre eles, o descobridor do cometa, que leva seu nome, contou para todos os ouvintes e para o júri as suas percepções sobre Newton e a relação que tinham. Relatou sobre as cartas que trocaram com o objetivo de incentivar o matemático a escrever o famoso livro Principia. Por conta desse livro e das suas escritas, o astrônomo reconhecia que a autoria do Cálculo era do Sir. Isaac Newton.
Após todas as testemunhas prestarem os seus depoimentos, o juiz convidou os matemáticos Newton e Leibniz para defenderem as suas histórias e seus pontos de vista, e, por meio de demonstrações matemáticas, eles fizeram as suas considerações.
Após todos os argumentos da sessão, o juiz instruiu os jurados a darem o parecer.
Juiz: Conforme foi encerrada a apresentação de evidências de ambas as partes, peço aos senhores jurados que julguem esse caso de acordo com as leis e os fatos apresentados, de maneira justa e imparcial. Os senhores terão alguns minutos para emitirem seus pareceres. Solicito que me comuniquem quando todos terminarem de preencher as cédulas.
Alguns minutos depois, os jurados deram seus votos e chegaram ao veredito.
Juiz: Senhoras e senhores, peço atenção e silêncio neste momento solene. Após cuidadosa análise das evidências e dos argumentos apresentados pelas partes envolvidas, o júri chegou à seguinte decisão: Gottfried Leibniz é o autor do Cálculo Diferencial e Integral. Agradecemos a ambos os matemáticos, Leibniz e Newton, por todas as contribuições para o desenvolvimento do Cálculo, sem as quais não teríamos tamanha evolução no mundo moderno. Sem dúvida, os senhores carregam a honra de estarem entre os maiores matemáticos da história humana. Agradecemos, também, a todos os envolvidos neste processo e esperamos que este julgamento ajude a fortalecer a nossa compreensão da história da Matemática e da Ciência.
4 Análise e Resultados
De acordo com Anastasiou e Alves (2012), inferimos que o Júri Simulado possibiliza o desenvolvimento de diversas operações de pensamento, como: defesa de ideias, argumentação, julgamento, tomada de decisão e assim por diante. Corroborando essa ideia, em nossos resultados, foi possível analisar que tal estratégia é altamente eficaz no processo de aprendizado ativo e crítico do estudante, pois os acadêmicos obtiveram engajamento e participação ativa, estimulando a discussão, debate e a colaboração entre eles, criando assim um ambiente de aprendizagem motivador e envolvente. Também foi possível analisar que o Júri Simulado possibilitou que os estudantes fossem desafiados a avaliar argumentos, evidências, promovendo o pensamento crítico e a tomada de decisões fundamentadas. Muitos desses argumentos foram utilizados pelos advogados dos matemáticos que reivindicavam a autoria do Cálculo, pois era necessário convencer a plateia.
Houve também o desenvolvimento de habilidades de comunicação, pois, com a utilização do Júri Simulado, requereu-se que os alunos fossem capazes de articular seus argumentos de forma clara, objetiva e até mesmo persuasiva, aprimorando suas habilidades de comunicação oral. Por exemplo, os amigos de cada matemático deveriam ter cuidado em suas falas, pois estas poderiam ter o potencial de modificar o resultado do júri e de fornecer munição à acusação.
Esclarecemos que, no planejamento do júri, muitos acadêmicos não tinham conhecimento suficiente para afirmar se realmente o Cálculo tinha apenas um autor. Sabiam que, por mais de dez anos, Leibniz e Newton estavam empenhados numa brutal batalha pública, na qual cada um defendeu seu próprio direito de reivindicar a autoria do Cálculo, e, para isso realizaram diversas leituras, reunindo informações relevantes que sustentassem suas colocações e posicionamentos para a realização desse Júri Simulado. Além de pesquisas na Web, consultaram os seguintes livros: A guerra do Cálculo, do autor Jason Sócrates Bardi; História da Matemática: uma visão crítica, desfazendo mitos e lendas, da autora Tatiana Roque; e Tópicos de História da Matemática, dos autores Tatiana Roque e Joao Bosco Pitombeira de Carvalho. Além disso, houve uma aplicação prática dos conhecimentos e assuntos pesquisados, colocando em prática o seu aprendizado em contextos do mundo real, solidificando conceitos e preparando-os para situações reais. Portanto, o Júri Simulado é uma ferramenta poderosa para promover o aprendizado ativo, pensamento crítico e participação, propiciando uma experiência significativa e envolvente.
No início deste artigo, explanamos os seguintes questionamentos: As aulas das diversas disciplinas da Licenciatura em Matemática possibilitam o desenvolvimento da argumentação dos acadêmicos? Quais as contribuições que o Júri Simulado pode trazer para a formação destes?. Concluímos que, por meio da realização do Júri Simulado, foi possível observar que este proporciona aos estudantes o desenvolvimento de habilidades de argumentação e oratória, pensamento crítico, pesquisa e análise, trabalho em equipe, tomada de decisão, dentre outras. Então, podemos também afirmar que há uma clara tendência nas licenciaturas, inclusive na Matemática, pela utilização de novas abordagens, metodologias e recursos didáticos para as aulas.
5 Considerações finais
No processo de formação de professores, ainda há questões que devem ser transformadas, sobretudo ao que se referem às metodologias abordadas em sala. Ao julgar as metodologias ativas importantes para serem empreendidas numa atividade designada à formação de professores, o professor precisa ter a capacidade de entender que não é algo fácil e que será trabalhoso, visto que vai totalmente ao desencontro das aulas tradicionais, podendo até causar um certo descontentamento e desconforto aos estudantes, visto que são acostumados com aulas entre quatro paredes. Não há aqui a intenção de negar o significado e importância do aspecto tradicional vigente no ensino e a sua validade em certas ocasiões, mas, há necessidade de metodologias ativas que sejam capazes de complementar esses espaços, como a utilização do Júri Simulado. Assim sendo, a formação de profissionais educadores pode conduzir à evolução de habilidades que o ensino atual não desenvolve, como a argumentação.
É possível analisar que, a partir da utilização do Júri Simulado, os graduandos promoveram a socialização e a discussão dos resultados das suas investigações bem como do conteúdo proposto, expondo seus argumentos diante dos colegas, professores e do público presente, o que qualifica uma das indispensáveis etapas do processo de construção do conhecimento. Além disso, ocasionou momentos de protagonismo do estudante, um dos principais objetivos das metodologias ativas. Tal fato ajuda com o rompimento de barreiras ocasionadas pelas aulas tradicionais e, também, na questão lúdica, neste cenário, transportando um problema social e científico para a realidade dos acadêmicos. Foi capaz de experimentar também um período em que os estudantes foram críticos e se engajaram com o problema proposto como se ele fosse, verdadeiramente, palpável.
Portanto, o Júri Simulado é uma forma de metodologia ativa, que envolve os estudantes de maneira dinâmica na aplicação prática do conhecimento, pois visa criar situações de aprendizagem que tenham significado para os alunos, conectando teoria e prática de forma mais efetiva.
Enfim, concluímos este artigo assegurando, indubitavelmente, a maestria didática do Júri Simulado e esperamos que este colabore para propostas de outras maneiras; que possa auxiliar na formação de professores, de modo que os processos de ensino e de aprendizagem percorram o fazer pedagógico, factualmente, próximos. Que estudantes e professores tenham a oportunidade de aprender juntos, e que os acadêmicos tenham a possibilidade de participar efetivamente na produção do seu conhecimento.
Retomando o objetivo deste artigo que é analisar a vivência de um Júri Simulado, no curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Estadual de Montes Claros, compreendendo os reflexos dessa metodologia ativa para o percurso de formação dos estudantes, podemos afirmar que, no desenvolvimento do júri, os estudantes tiveram um melhor entendimento sobre o conteúdo que estava sendo estudado, ampliando habilidades de comunicação importantíssimas para o fazer docente.