INTRODUÇÃO
No ano de 2004, o Governo Federal criou o Programa Bolsa-Atleta através da promulgação da Lei 10.891, regulamentada pelo Decreto nº 5.342 (CORRÊA et al., 2014; DIAS et al., 2016a). De acordo com a Secretaria Especial do Esporte, o objetivo da bolsa é de patrocinar atletas de alto rendimento1 em competições nacionais e internacionais de sua respectiva modalidade (SECRETARIA ESPECIAL DO ESPORTE, 2019a). Sendo assim, os atletas recebem auxílio financeiro diretamente do governo durante 12 meses, sem passar pela mão de intermediários, podendo pleitear novamente a sua bolsa enquanto obtiver resultados previstos nos editais. De acordo com Teixeira et al. (2017), o Programa Bolsa-Atleta, diferentemente das outras leis de incentivo ao esporte, atende diretamente às necessidades dos atletas.
O Programa Bolsa-Atleta iniciou com quatro categorias de bolsa, sendo elas: categoria Estudantil (R$ 370,00); categoria Nacional (R$ 925,00); categoria Internacional (R$ 1.850,00); e categoria Olímpica/Paraolímpica (R$ 3.100,00) (SECRETARIA ESPECIAL DO ESPORTE, 2019a). Os atletas passaram a ser beneficiados por essa política de financiamento a partir do ano de 2005 e ela se tornou um importante programa de política pública para desenvolvimento do esporte no país (DIAS et al., 2016a). Visando o aumento do rendimento nos Jogos Olímpicos do Rio (2016), no ano de 2013, o governo criou a Lei nº 12.395/2011 que incluiu mais duas categorias de Bolsa: categoria Base (R$ 370,00) e a categoria Pódio (até R$ 15.000,00) (SECRETARIA ESPECIAL DO ESPORTE, 2019a).
Especificamente sobre a Bolsa-Atleta categoria Pódio - foco de pesquisa deste artigo - percebe-se que ela guarda certa particularidade, pois trabalha com um sistema de meritocracia para estabelecer o valor do benefício de seus contemplados. Essa bolsa tem o objetivo de financiar atletas com chances de medalhas nos Jogos Olímpicos, e é a mais alta categoria do programa Bolsa-Atleta. Para ser contemplado, é necessário que o atleta esteja entre os 20 primeiros colocados no ranking mundial de sua modalidade, no Campeonato Mundial ou nos Jogos Olímpicos. A partir disso ele passa a receber o valor do benefício de acordo com sua posição: R$ 5.000,00 - para atletas entre a 17ª e a 20ª colocação; R$ 8.000,00 - para atletas entre a nona e a 16ª colocação; R$ 11.000,00 - para atletas entre a quarta e a oitava colocação; e R$ 15.000,00 - para atletas que ocuparem a primeira, segunda, ou terceira colocação (SECRETARIA ESPECIAL DO ESPORTE, 2019b). Através disso, o objetivo do governo era fazer com que o Brasil se encontrasse entre os dez primeiros colocados nas Olimpíadas do Rio de Janeiro (2016) (COB, 2012) - na qual ficou com a 13ª colocação (EL PAÍS, 2019). Mesmo após o término dos Jogos Olímpicos em 2016, o Programa Bolsa-Atleta permaneceu, visando agora as Olimpíadas de Tóquio em 20212.
Desde a última edição dos Jogos realizados no Brasil, o país passou por mudanças políticas que, consequentemente, afetaram também o cenário esportivo. Uma delas foi o impeachment de Dilma Roussef no ano de 2016, fazendo com que Michel Temer assumisse a presidência até o final de 2018 (SENADO, 2016). Este reduziu 68,72% do financiamento destinado a bolsa entre os anos de 2017 a 2019, e, no fim de seu mandato, extinguiu as categorias Base e Estudantil (JUSTO; FERNANDES, 2019). Esses cortes impactaram na preparação dos atletas no ciclo olímpico, o que pode ser refletido nos Jogos de Tóquio em 2021. Além disso, afetam também os atletas que estavam ingressando no esporte competitivo, fazendo com que, a longo prazo, possivelmente haja uma interferência no ciclo dos atletas ao chegarem ao mais alto rendimento - Bolsa-Atleta Pódio. Após o mandato de Michel Temer, Jair Bolsonaro assume a presidência em 2019. Este, no início de seu governo, restitui 56,64% da verba que foi cortada e restaurou as categorias base e estudantil (VEJA, 2019). Neste mesmo período, Jair Bolsonaro transforma o Ministério do Esporte em Secretaria Especial do Esporte, vinculado ao novo Ministério da Cidadania, e nomeia Marco Aurélio Vieira como secretário do esporte. Em um ano este cenário já se alterou duas vezes: em abril de 2019, Décio Brasil assumiu à Secretaria; e em fevereiro de 2020, Marcello Reis Magalhães é nomeado o novo secretário do esporte (VILELA, 2020). Esta inconstância afeta, não apenas a Secretaria Especial do Esporte, mas também as Confederações e, consequentemente, os atletas.
Tendo em vista a importância do Programa Bolsa-Atleta, vê-se a necessidade de estudar essa política de financiamento para o esporte no Brasil. Com isso, no ano de 2013, a Secretaria Nacional de Esporte de Alto Rendimento (SNEAR) do então Ministério do Esporte juntamente com o Centro de Pesquisa em Esporte, Lazer e Sociedade (CEPELS) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), criaram um projeto de pesquisa denominado Inteligência Esportiva, que tem como objetivo “[...] produzir, aglutinar, sistematizar, analisar e difundir informações sobre o esporte de alto rendimento no Brasil e analisar as políticas públicas para o esporte de alto rendimento” (INTELIGÊNCIA ESPORTIVA, 2019a), do qual os autores deste artigo fazem parte. Em um primeiro momento, tal projeto criou um banco de dados3 com registros sobre o esporte de alto rendimento no Brasil. Ele possibilita um cruzamento de dados dos atletas, das modalidades esportivas e do tipo de financiamento governamental que estes recebem por meio do Programa Bolsa-Atleta do Governo Federal, e, conta atualmente, com mais de 50 mil atletas e cinco mil instituições cadastradas (INTELIGÊNCIA ESPORTIVA, 2019a).
Após a criação deste banco de dados, entendeu-se a necessidade de estudar as modalidades olímpicas beneficiadas pelo programa Bolsa-Atleta Pódio. Dentre elas, uma modalidade que se destaca no âmbito internacional, assim como nos Jogos Olímpicos, é o Judô, pois é um esporte que possui tradição olímpica no Brasil (MASSA; UEZU; BÖHME, 2010). Os atletas que têm chance de medalha olímpica disputam na classe Sênior (acima de 21 anos), além disso, são distribuídos em sete categorias de peso diferentes, como mostra a tabela 1:
Categoria por peso - Sênior | Feminino | Masculino |
Ligeiro | - 48 kg | - 60 kg |
Meio-Leve | - 52 kg | - 66 kg |
Leve | - 57 kg | - 73 kg |
Meio-Médio | - 63 kg | - 81 kg |
Médio | - 70 kg | - 90 kg |
Meio-Pesado | - 78 kg | - 100 kg |
Pesado | + 78 kg | + 100 kg |
Fonte: Inteligência Esportiva (2019b)
Até a edição do Rio de Janeiro em 2016, o Judô foi o esporte que mais conquistou medalhas olímpicas para o país. Desde que a modalidade ingressou oficialmente nos Jogos Olímpicos de Munique (1972), o Brasil conquistou 22 medalhas ao todo na modalidade, sendo quatro de ouro, três de prata e 15 de bronze, obtidas por de 17 atletas (CBJ, 2019).
Sendo assim, para se alcançar um alto nível de rendimento no Judô, vários fatores influenciam a carreira do atleta. Alguns estudos mostram que, variáveis como qualidade do treino; infraestrutura do clube; relação com o treinador; apoio da família; prazer pela prática; sociabilidade; determinação (perseverança); idade de início na modalidade; tempo de prática; entre outros, podem afetar de forma positiva ou negativa os resultados do atleta (OLIVIO JUNIOR et al., 2019; MASSA; UEZU; BÖHME, 2010; OLIVEIRA et al., 2018; MASSA et al., 2014). Entende-se que a análise destas variáveis é algo complexo que têm a interferência de diversos fatores. Apesar desta não ser a temática central do presente estudo, a modo de exemplo, detalha-se a influência dos pais na carreira do judoca. Estudos mostram que, neste caso, deve-se levar em consideração a idade que o jovem entra no esporte, a condição financeira da família, a sexualidade dos atletas, a postura dos pais enquanto torcedores, entre outros (SOUZA; MORES, 2019; CAZETTO et al., 2010).
A partir deste contexto, ou seja, sabendo que o Judô brasileiro é uma potência mundial, que atletas beneficiados pelo Programa Bolsa-Atleta Pódio visam ganhar medalhas nas Olimpíadas, e que para alcançar o alto rendimento há vários fatores que influenciam o atleta, este estudo objetivou analisar as variáveis de idade, sexo, naturalidade, local de treinamento e categoria de peso dos atletas de Judô beneficiados pelo Programa Bolsa-Atleta categoria Pódio entre os anos de 2013 a 2018, assim como, indicar possíveis equívocos que podem ser melhorados no financiamento federal a essa modalidade.
Tal pesquisa se justifica pelo fato de que o Judô foi considerado pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB) um dos carros chefes para fazer com que o Brasil suba no quadro geral de medalhas das Olimpíadas (COB, 2012), tendo em vista que foi a modalidade que mais trouxe medalhas para o país. Vale a ressalva de que também foi considerado pela International Judo Federation (IJF), uma das seis potências na modalidade (IJF, 2019a). Essa esperança se mantém com a aproximação dos Jogos Olímpicos de Tóquio em 2021.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Buscando alcançar o objetivo, foi realizado um levantamento de todos os atletas de Judô contemplados pelo programa Bolsa-Atleta Pódio, por meio das portarias publicadas desde o primeiro edital, no ano de 2013, até o último em 2018. Foi feito também um levantamento dos seguintes dados: sexo; ano de nascimento; região de nascimento; região de atual treinamento; e categoria de peso na qual os atletas competem. Tais informações foram coletadas no banco de dados do projeto Inteligência Esportiva.
Este estudo apropriou-se de uma metodologia híbrida, utilizando a pesquisa documental para análise das portarias, e uma pesquisa quantitativa no banco de dados do Inteligência Esportiva. Com relação a primeira metodologia citada, Gil (2008) afirma ser uma ferramenta para coleta de dados. Complementando tal conceito, Sá-Silva, Almeida e Guindane (2009, p. 5) afirmam que a pesquisa documental é “[...] um procedimento que se utiliza de métodos e técnicas para a apreensão, compreensão e análise de documentos dos mais variados tipos”. Essa metodologia consiste em uma busca por documentos já existentes, porém agora de forma agrupada, possibilitando uma discussão melhor dos dados (MACHADO; SILVEIRA; CARMO, 2018).
Para encontrar os atletas de Judô que foram beneficiados pelo Programa Bolsa-Atleta categoria Pódio, foi realizado um levantamento no site da Secretaria Especial do Esporte do Ministério da Cidadania (SECRETARIA ESPECIAL DO ESPORTE, 2019b) com as portarias que anunciavam os contemplados entre os anos de 2013 e 2018. Ao todo, 36 portarias foram analisadas, contudo, apenas 9 delas continham atletas de Judô contemplados, que foram: Portaria nº 237, de 9 de Setembro de 2013; Portaria nº 130, de 4 de Junho de 2014; Portaria nº 281, de 21 de Novembro de 2014; Portaria nº 268, de 21 de Setembro de 2015; Portaria nº 267 de 21 de Setembro de 2015; Portaria nº 56, de 4 de Março de 2016; Portaria nº 157, de 25 de Maio de 2017; Portaria nº 280, de 5 de Outubro de 2017; Portaria nº 250, de 9 de Agosto de 2018.
Com isso, foi verificado que 44 atletas de Judô foram beneficiados com a Bolsa-Atleta Pódio desde seu surgimento, sendo que, a maioria dos atletas foram contemplados mais de uma vez, ou seja, estes tiveram o direito de receber o benefício por mais de um ano. Uma tabela com o nome dos atletas de Judô beneficiados pelo Programa Bolsa-Atleta Pódio, a categoria de peso em que competem, as portarias em que foram contemplados e o valor da bolsa que receberam no ano, está disponível no site do Inteligência Esportiva. Esta pode ser acessada através do QRcode e do link disponibilizados em nota de rodapé4.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dentre os 44 atletas contemplados pelo Programa Bolsa-Atleta categoria Pódio, entre os anos de 2013 e 2018, 23 foram homens e, 19 foram mulheres. Na figura 1 é possível ver a percentagem na distribuição de bolsas destinada aos sexos.
Em estudos realizados acerca da distribuição do Programa Bolsa Atleta até o ano de 2013, em todas categorias de bolsa - excluindo a Pódio, pois esta ainda não havia sido criada - os autores concluíram que a distribuição de bolsas favorecia o sexo masculino. Contudo, as pesquisas observaram que no Judô essa distribuição se deu de forma igualitária, com 52% destinado ao sexo masculino 48%, e destinado ao sexo feminino (CORRÊA et al., 2014; DIAS et al., 2016b).
Ou seja, percebe-se que há uma desigualdade de distribuição entre os sexos em vários esportes, entretanto, quando analisado o Judô, o benefício se dá de forma igualitária. Isto pode ser observado tanto em todas as categorias de bolsa (CORRÊA et al., 2014; DIAS et al., 2016b), quanto no mais alto rendimento - categoria pódio - no qual 45,24% das bolsas foram destinadas às mulheres, e 54,76% aos homens. Tal cenário de igualdade é perceptível apenas na distribuição da bolsa de forma bruta, pois em outras áreas estudos indicam a discriminação de mulheres dentro do Judô e o preconceito que elas enfrentam (BRUM, 2016; SOUZA; MOURÃO, 2011). O sistema de bolsas se dá conforme os resultados, os quais tem sido equilibrado nos últimos anos. Por exemplo, os resultados de ambos os sexos nos Jogos Olímpicos, desde a implementação do Programa Bolsa-Atleta foram cinco pódios para mulheres e cincos pódios para homens, nesse período que compreende as edições de Pequim (2008), Londres (2012) e Rio de Janeiro (2016).
Outro fator analisado foi o ano de nascimento dos atletas. Dentre os contemplados foi possível perceber que há atletas nascidos desde 1980 até 1998. Na figura abaixo é possível perceber a quantidade de atletas nascidos em cada ano.
É importante frisar que os atletas que nasceram entre os anos de 1980 e 1986 e foram contemplados pelo Programa recebendo a Bolsa-Atleta Pódio, não recebem mais o auxílio do governo nessa categoria, pois foram contemplados nas primeiras portarias. A seguir apresenta-se o gráfico com o ano de nascimento dos atletas contemplados no ano de 2018.
Para auxílio da análise do ano de nascimento de cada atleta, relacionando com a idade em que cada atleta tem ao receber a bolsa, foi feita a média de idade dos atletas brasileiros que conquistaram medalhas nos Jogos Olímpicos. Observou-se que a média feminina é de 22,6 anos, enquanto a masculina é de 25,47 anos. Além dos medalhistas olímpicos brasileiros, foi realizado um levantamento da idade dos atletas de Judô que conquistaram medalha nos Jogos Olímpicos nos anos de 2008, 2012 e 2016 - anos em que o Programa Bolsa-Atleta estava em vigência.
Considerando que existem sete categorias de peso diferentes, com quatro medalhistas em cada categoria5, e três edições foram analisadas, foram encontrados 168 atletas. A média de idade dos atletas de Judô que subiram ao pódio foi de 26,01 anos para o sexo feminino, e de 25,85 anos para o sexo masculino. A idade dos atletas variou de 19 até 34 anos, com 26 atletas acima dos 30 anos (15,48%). Apenas dois atletas receberam medalha com 19 anos, um homem e uma mulher na edição dos Jogos Olímpicos de Pequim (2008), considerados exceções, todos os outros atletas já tinham acima de 21 anos ao conquistarem sua primeira medalha olímpica.
Se o objetivo da bolsa é financiar o atleta visando que este conquiste medalhas em Jogos Olímpicos, se faz importante a análise da idade dos atletas, entendendo que, ao investir em um atleta acima de 30 anos, este terá menos chance de subir ao pódio, com apenas 15%. Os beneficiados pela bolsa no ano de 2018, nasceram a partir do ano de 1987, como indicados no gráfico 3. Dentre estes, dez atletas terão acima de 30 anos nos Jogos Olímpicos de Tóquio (2021), são eles: Charles Koshiro Chibana, David Moura Pereira da Silva, Eric Gomes Takabatake, Erika de Sousa Miranda, Ketleyn Lima Quadros, Marcelo Garcia Contini, Maria de Lourdes Mazzoleni Portela, Maria Suelen Altheman, Rafael Carlos da Silva e Victor Rodrigues Penalber de Oliveira. Além disso, a atleta Mayra Aguiar da Silva completará 30 anos durante os Jogos. Dos 11 atletas que terão 30 anos ou mais nas Olimpíadas, quatro - Charles Chibana, Erika Miranda, Marcelo Contini, Victor Penalber - estão abaixo da 60ª colocação no ranking mundial, indicando que estes não farão parte dos Jogos. Enquanto isso, três estão entre os 20 mais bem ranqueados - Eric Takabatake, Ketleyn Quadros, Maria Portela -, e quatro entre os 10 - David Moura, Maria Altheman, Mayra Aguiar, Rafael “Baby” Silva. Estes mencionados por último, além de obterem uma alta colocação e a consequente chance de participação nos Jogos Olímpicos em 2021, também possuem grande possibilidade de conquista de medalhas de acordo com os seus últimos resultados em campeonatos internacionais (IJF, 2019b).
Uma terceira análise foi feita a partir da região em que o atleta nasceu e a região em que treina atualmente, visando encontrar os principais polos de investimento em atletas de Judô. Dos 44 judocas contemplados, percebe-se que a maioria nasceu na região Sudeste, mais especificamente no estado de São Paulo, como mostra a figura 4:
Na medida em que o atleta vai se profissionalizando, percebe-se uma pequena migração em busca de centros de treinamentos (CT) mais adequados, assim como uma busca por técnicos mais experientes e outros atletas no mesmo nível. Um exemplo disso pode ser observado em estudo etnográfico realizado por Gonçalves e Silveira (2012), os quais, ao observarem uma escola de Judô, se depararam com treinamento individualizado e separado para uma aluna que se destacava e poderia lutar de forma competitiva, mas era a única da escola nessas condições técnicas. Com isso é comum que os atletas migrem para outras academias ou até mesmo para outras cidades buscando especialização.
A seguir, encontra-se a figura 5 com a distribuição por região de acordo com moradia e local atual (2019) de treinamento do atleta.
Percebe-se, então, que há uma migração para a região Sul. Nesta região encontra-se a Sociedade de Ginástica de Porto Alegre (SOGIPA), um importante centro de treinamento de Judô, onde encontram-se dez atletas treinando atualmente (2019). Indica-se também uma ainda maior predominância da região Sudeste, um dos motivos é que um importante CT fica nesta região, o do Esporte Clube Pinheiros (SP). Este foi o CT que mais recebeu recursos de captação pela Lei de Incentivo ao Esporte (LIE) (MATIAS et al., 2015), e nele 13 atletas analisados estão associados. Além disso, outros importantes clubes estão nesta região, como o Minas Tênis Clube (MG), o Instituto Reação (RJ), o Clube de Regatas do Flamengo (RJ), o Clube Paineiras do Morumby (SP) e a Associação Desportiva São Caetano (SP). Estes citados possuem mais de um atleta associado, entretanto, há outros clubes6 com apenas um contemplado pelo Programa Bolsa-Atleta categoria Pódio.
Não apenas no esporte de alto rendimento, a concentração na região sudeste está presente nos esportes de base (CASTRO; MEZZADRI, 2019). Isto porque, em um estudo realizado por Matias et al. (2015), esta região captou mais de 80% dos recursos destinados à LIE, seguido pelo Sul com 10%. Isto é, juntos o Centro Oeste, Norte e Nordeste captaram apenas 8% do financiamento destinado à área esportiva. Além de ser uma das regiões que menos recebe fomento para o incentivo ao esporte, o financiamento não é bem distribuído entre os municípios da região nordeste. Um estudo realizado por Santos, Starepravo e Souza Neto (2015) mostrou que 60% dos municípios desta região não tem acesso a programas de incentivos a formação do esporte, sobretudo, em escolas e regiões de vulnerabilidade. Estes resultados comprovam que a desigualdade regional de incentivo ao esporte vem desde a base e, consequentemente, se mostra no esporte de alto rendimento.
Percebe-se que, aos poucos, esta preocupação vem fazendo parte da agenda política. Um exemplo disso é a construção do Centro Pan-Americano de Judô em Lauro de Freitas (BA), no qual o ministro Aldo Rebelo afirmou que a região escolhida para a construção deste centro foi proposital, com o objetivo de descentralizar os grandes centros de treinamento de Judô no Brasil (REDE NACIONAL DO ESPORTE, 2019). Tal local foi criado em 2015 visando os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro (2016) e, para sua construção, foram investidos R$ 43,2 milhões em uma parceira do Estado da Bahia, do Ministério do Esporte e da CBJ (SECRETARIA ESPECIAL DO ESPORTE, 2015). Esse centro foi criado “[...] com um equipamento moderno e completo, apto a comportar treinos, jogos e campeonatos.” (SETRE, 2019). Mesmo com esta iniciativa, percebe-se a necessidade de uma intervenção política para leis que incentivem a descentralização do esporte, a fim do desenvolvimento esportivo nacional, e não apenas regional.
Por fim, uma análise foi realizada com base na categoria de peso dos atletas que se encontraram entre os 20 melhores do mundo entre os anos de 2013 e 2018. Através disso, a quantidade de atletas bolsistas em cada categoria foi disposta abaixo:
Categoria por peso | Feminino | Masculino |
Ligeiro | 4 | 4 |
Meio-Leve | 4 | 4 |
Leve | 1 | 4 |
Meio-Médio | 4 | 2 |
Médio | 4 | 2 |
Meio-Pesado | 1 | 4 |
Pesado | 3 | 3 |
Fonte: os autores (2019).
A tabela 2 indica que a divisão por categoria encontra-se de forma equilibrada, pois a média de atleta por categoria seria de aproximadamente de três atletas em cada. Para uma melhor compreensão de como se encontra o estado do Judô atualmente, foi feita uma tabela apenas com os atletas que foram contemplados no ano de 2018.
Categoria por peso | Feminino | Masculino |
Ligeiro | 0 | 1 |
Meio-Leve | 2 | 2 |
Leve | 1 | 1 |
Meio-Médio | 1 | 1 |
Médio | 2 | 0 |
Meio-Pesado | 0 | 2 |
Pesado | 2 | 2 |
Fonte: os autores (2019).
Na tabela 3 é possível perceber que dentre as 14 categorias, apenas 3 não contém atletas brasileiros representando entre os 20 primeiros colocados no ranking mundial. Isto é, 78,58% das categorias possuem chances de ter brasileiros classificados para os Jogos Olímpicos de Tóquio em 2021. Outro fator a ser destacado é a variação de peso do atleta para se encaixar em uma categoria para as competições. É comum atletas de esportes de combate reduzirem seu peso dias antes da luta, para poder lutar em uma categoria inferior e obter vantagem com adversários mais leves e fracos7 (ARTIOLI; FRANCHINI; LANCHA JÚNIOR, 2006). Para alcançar tal feito, os atletas se submetem a:
[...] restrição alimentar severa; realização de exercícios intensos; desidratação alcançada pela restrição da ingestão de líquidos, pelo uso de saunas e pelo treinamento em ambientes quentes, muitas vezes com uso de roupas de plástico e borracha. Alguns relatos apontam que até indução de vômitos e ingestão de laxativos e diuréticos são adotados na tentativa de adequar-se ao peso da categoria. (ARTIOLI; FRANCHINI; LANCHA JÚNIOR, 2006, p.93).
Trazendo para o cenário do Judô, estudos comprovam que grande parte dos atletas de elite costuma pesar mais do que a categoria em que competem, e que muitos iniciaram esse tipo de prática antes dos 10 anos (ARTIOLI; FRANCHINI; LANCHA JÚNIOR, 2006). Esse feito pode ser observado em alguns judocas analisados nesse estudo. Verificou-se que 25% dos atletas competem em uma categoria abaixo quando se trata dos campeonatos internacionais. Isto é, quando se trata de campeonatos nacionais como o Grand Prix Nacional de Judô, a Copa Minas Judô, o Troféu Brasil Interclubes, entre outros, os judocas competem uma categoria acima. Tal feito é um indício de que estes utilizam da técnica de “ganhar-perder” para tentar obter certa vantagem sobre seus adversários.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do acesso ao banco de dados do projeto Inteligência Esportiva foi possível realizar uma caracterização dos atletas de mais alto nível de rendimento no Judô brasileiro. Um dos fatores percebidos é que, a distribuição de bolsas no Judô se dá de forma igualitária entre os sexos, contudo este dado não é perceptível quando comparado a outras modalidades. Isto mostra que tanto homens quanto mulheres buscam, de forma equilibrada, praticar este esporte de combate. Porém, percebe-se uma lacuna da inserção da mulher em outros esportes. Para isso, é necessário a elas um incentivo para sua inserção a diversas práticas físicas.
Outro fator importante é a idade dos atletas. Isto pois, de acordo com o levantamento realizado dos medalhistas olímpicos das edições de 2012 e 2016, a média de idade é de 25,96 para os homens e de 26,21 para as mulheres. Percebeu-se que, as chances de um atleta acima de 30 anos conquistar medalha nos Jogos Olímpicos são menores. Dos 17 atletas contemplados para receber a bolsa no ano de 2018, 11 terão acima de 30 anos nas Olimpíadas de Tóquio (2021), mais de 60% dos contemplados. Isso é um indício de que, muito provavelmente, alguns atletas estão recebendo bolsa mesmo com a pouca possibilidade de conquista de medalhas em 2021.
Notou-se também que a maioria dos atletas de Judô nasceu na região Sudeste, mais especificamente no estado de São Paulo. Isso indica que é possível que essa região tenha uma valorização e investimento na categoria de base, fazendo com que os jovens queiram permanecer na prática até se profissionalizarem. Não só investimento na categoria de base, mas também nos atletas que lutam na categoria Sênior, levando em consideração que o principal centro de treinamento se encontre em São Paulo - o Esporte Clube Pinheiros - e outros importantes clubes para treinamento dos atletas. O segundo principal Centro de Treinamento está na região sul - SOGIPA. Entende-se a necessidade de intervenções políticas que incentivem a descentralização do esporte. Afinal, não é possível encontrar talentos esportivos se o esporte não for apresentado a esses jovens.
Por fim, conferiu-se que o Brasil não tem uma categoria de peso em que pode se considerar especialista. Os atletas contemplados encontram-se bem distribuídos nas categorias do Judô. Entretanto, notou-se que alguns atletas competem em categorias de peso menores em competições internacionais, do que as competições nacionais, podendo ser indício da utilização da técnica “ganhar-perder”.
As análises desse estudo foram realizadas de acordo com dados disponibilizados pela Secretaria Especial do Esporte e pelo Projeto Inteligência esportiva. Sendo assim, um estudo futuro irá ser realizado através de entrevistas com estes atletas para uma melhor compreensão da trajetória destes.